CASO JULGADO
ÂMBITO
SECTOR PORTUÁRIO
RETRIBUIÇÃO
ISENÇÃO DE HORÁRIO DE TRABALHO
LIQUIDAÇÃO
Sumário


I - O caso julgado determinado por anterior acção, que decidiu que a faculdade de eliminação gradual do subsídio de isenção de horário de trabalho (IHT), conferida à entidade patronal pelo regime transitório constante do n.º 6 da cláusula 66.ª e da cláusula 142.ª do CCT para o Sector Portuário (publicado no BTE, n.º 6, 1.ª Série, de 15 de Fevereiro de 1994), não afasta a obrigação de integrar esse subsídio no vencimento do trabalhador, na proporção da respectiva diminuição anual, abrange não apenas o segmento decisório da condenação, como também a questão prévia inerente a essa condenação: a necessária integração do IHT na retribuição global do trabalhador, qualquer que fosse o mecanismo de eliminação desse subsídio adoptado pela entidade patronal.
II - Optando a entidade patronal por eliminar anualmente 25% do IHT que pagava anteriormente ao trabalhador até à sua completa extinção, daí decorre que o trabalhador se obrigou a prestar trabalho suplementar, não remunerado “à parte”, até ao limite do IHT a auferir em cada ano.
III - Cumulativamente, obrigou-se a prestar trabalho idêntico, com referência ao horário previsto no n.º 3 da cláusula 66.ª, na proporção do subsídio integrado em cada ano, sem prejuízo do limite imposto pela concorrência de valores.
IV - Tendo a entidade patronal, em cumprimento da decisão referida em I, integrado na remuneração do trabalhador o IHT “subtraído”, e pago, referente ao mesmo período, a contrapartida a título de remuneração autónoma de trabalho suplementar, deverá o trabalhador devolver à entidade patronal o montante correspondente ao trabalho suplementar que lhe foi pago autonomamente e que se encontre incluído na sua disponibilidade para prestar trabalho suplementar não remunerado autonomamente - quer em decorrência do subsídio de IHT que lhe foi pago em cada ano, quer em decorrência da integração desse subsídio na respectiva remuneração base - em montante a liquidar na acção declarativa.
V - O art. 661.º, n.º 2, do CPC contempla não apenas as situações em que foi deduzido um pedido genérico, como também aquelas em que se formulou um pedido específico mas em que não foi possível coligir elementos probatórios suficientes para precisar o objecto e/ou a quantidade da condenação.

Texto Integral


ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


1 – RELATÓRIO

1.1
“Empresa-A.” intentou, no Tribunal de Trabalho de Lisboa, acção declarativa de condenação, com processo comum, contra AA, de quem reclama o pagamento de € 53.183,14 acrescido de juros moratórios vencidos e vincendos, alegando que a assinalada quantia corresponde ao pagamento, em excesso e feito pela Autora, do trabalho suplementar que lhe foi prestado pelo Réu entre 1994 e 2002, no âmbito do contrato de trabalho aprazado entre ambos, com cujo montante, por via disso, o mesmo Réu se locupletou sem motivo, à custa do empobrecimento injusto da demandante.
O Réu excepcionou a falta de capacidade e personalidade judiciárias da Autora – por omissão do respectivo Registo na Conservatória competente – a prescrição do direito exercido - por força do art. 482º do Código Civil - a impropriedade do meio adjectivo utilizado – devido à natureza subsidiária da obrigação de indemnizar fundada no enriquecimento sem causa - e, enfim, a excepção do caso julgado - decorrente da decisão prolatada em anterior acção judicial, intentada pelo ora Réu, que condenou a ora Autora a pagar-lhe a quantia correspondente à integração, na estrutura retributiva, do subsídio de isenção de horário de trabalho.
Em sede impugnatória, afirma que o trabalho suplementar, efectivamente pago pela Autora, exorbita a clausula contratual que consagrou o citado subsídio, de onde decorre que não se verifica a afirmada duplicação de pagamentos.
1.2
Após ter rejeitado toda a matéria exceptiva aduzida pelo Réu, a 1ª instância veio a sentenciar a improcedência total da acção, sob o fundamento de não ter ficado demonstrado “… que o R. recebeu da A., indevidamente, retribuições a título de trabalho suplementar”.
O Tribunal da Relação de Lisboa, mediante apelação da Autora, confirmou integralmente a sentença apelada.
1.3
Continuando irresignada, a Autora pede a presente revista, em cujo âmbito formula as seguintes conclusões:
1- entende a A. que o recorrido recebeu, a títulos diferentes, o pagamento em dobro do trabalho por si desenvolvido ao serviço da recorrente, auferindo, por um lado, a título de trabalho suplementar e, por outro, a título de subsídio de IHT;
2- esta situação teve, no entender da recorrente, como génese uma decisão do S.T.J., que considerou dever ser integrado, na retribuição do Réu, o montante correspondente ao subsídio de IHT, que este havia deixado de receber em virtude da cessação desse subsídio, ao abrigo das cls.ªs 66ª e 142ª do C.C.T. aplicável ao sector;
3- tal decisão, com as consequências já acima evidenciadas, pecou por desconsiderar que tal IRCT havia sido elaborado no propósito de reavivar o sector da actividade portuária, nomeadamente através de medidas de estímulo da concorrência e do pleno emprego, de entre as quais se incluíam as normas relativas à cessação das garantias de trabalho suplementar e de IHT;
4- mais ignorou que, precisamente por isso, as normas constantes das cl.ªs 66ª e 142ª previam dois regimes distintos de cessação de IHT, implicando uma a integração imediata e integral do subsídio de IHT na retribuição do recorrido, enquanto outra, a operar gradualmente perante o decurso de um determinado tempo, fazia cessar, parcial e paulatinamente, tal subsídio até à sua eliminação. Tanto mais era evidente este regime que, enquanto os primeiros se mantinham na obrigação de prestar trabalho suplementar, os outros permaneciam apenas obrigados a prestar tal trabalho suplementar na proporção do subsídio que ainda receberam;
5- esta decisão olvidou ainda que de tal interpretação resultava, uma patente violação do princípio do trabalho igual/salário igual, na medida em que, enquanto os trabalhadores que viram o IHT cessar imediatamente, nos termos gerais da cl.ª 66ª, permaneceram obrigados a prestar trabalho suplementar (como forma de justificar a integração daquele subsídio na sua retribuição), os outros, cujo IHT cessou ao abrigo da cl.ª 142º, como o recorrido, não só mantém o direito a receber a integração de tal subsídio, como se desobrigam de prestar qualquer trabalho suplementar ao fim de quatro anos: por esta razão se reclama a manifesta inconstitucionalidade da interpretação feita por esse S.T.J.;
6- considerando o que acima se expôs, mais se poderá ainda aduzir que dos factos considerados assentes não resulta a improcedência do pedido da recorrente. Na verdade, e conforme lográmos evidenciar, ao contrário do que reclamou o recorrido, este encontrava-se obrigado a prestar trabalho suplementar, sob pena de se incorrer na referida inconstitucionalidade. Mais se considera ter esclarecido que o Réu estava obrigado a prestar trabalho suplementar no período das 8 às 24 horas e não das 17 às 24, o que em bom rigor, significará que, a existir trabalho suplementar pago “à parte”, este deveria ocorrer no período das 24h às 8h do dia seguinte … o que não parece ser justificável dado o montante efectivamente pago pela A. a esse título;
7- quanto ao exercício de funções diferentes das quais haviam sido previamente acordados, parece uma vez mais evidente à recorrente que, dado o montante pago a título de trabalho suplementar, esta justificação não pode merecer colhimento, sob pena de se considerar que, neste caso, o exercício de funções diferentes seria de tal frequência que poderia inclusivamente ser suscitado o problema da modificação substancial da posição do trabalhador;
8- nestes termos, nenhuma das justificações aduzidas pelo R. permanece, para que se possa deixar de considerar que este recebeu indevidamente, por 2 vezes, o pagamento respeitante ao mesmo facto: a prestação de trabalho fora do seu horário normal de trabalho. Por um lado, recebeu a título de subsídio de IHT, por outro, recebeu por trabalho suplementar que desenvolveu em período de dia, a que estava obrigado a prestar sem que qualquer retribuição específica lhe fosse devida nos termos do n.º 3 da Cl.ª 66ª.
1.4.
O Réu não apresentou contra-alegações.
1.5.
O Ex.mo Presidente deste Supremo Tribunal, sob pareceres do M.º P.º e do relator, rejeitou o pedido, também formulado pela recorrente, de revista ampliada “… para efeitos de uniformização de jurisprudência e, bem assim, de rectificação do entendimento anteriormente firmado nesta matéria”.
1.6.
O Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu, ademais, douto Parecer no sentido de ser negada a revista, o qual não mereceu das partes qualquer resposta.
1.7. Corridos os vistos legais, cumpre decidir.

2-FACTOS

A matéria de facto dada como provada é a seguinte:
«1. A A. dedica-se à actividade portuária.
2. Em 04 de Outubro de 1991 a A. e o R. celebraram um contrato de trabalho, constante a fls 21 a 25 dos autos, em que aquela contratava este como coordenador de tráfego portuário, para ao seu serviço e sob as suas ordens exercer as funções que lhe tinham sido destinadas, sem termo e com antiguidade contada desde 08 de Janeiro de 1990.
3. Na celebração do referido contrato ficou, ainda, estipulado que cabia à A. a organização do trabalho a prestar, obrigando-se o ora R. a cumprir as suas ordens e determinações legítimas e a desempenhar as suas funções em qualquer local e em quaisquer navios ou embarcações cujas operações estivessem a cargo da ora A..
4. Mais se estipulou no referido contrato de trabalho, designadamente na cláusula 9ª, nº 2, que “(...) A retribuição referida no nº anterior integra o disposto na cláusula 4ª, bem como o eventual subsídio de isenção de horário de trabalho ou garantia de trabalho suplementar, quando existam (...).”
5. Na mesma data, em adenda ao contrato individual de trabalho, constante a fls 28 a 30 destes autos, e com efeitos a partir de 08 de Janeiro de 1990, foi acordado entre A. e R. que a retribuição do trabalho suplementar a prestar entre as 17 e as 20 horas e as 21 e as 24 horas de segunda a sexta feira consistiria no pagamento, em catorze prestações mensais por ano, de um subsídio de isenção do horário de trabalho no montante de 75% sobre o total da retribuição mensal ilíquida correspondente ao vencimento base acrescido do subsídio de turno.
6. No seguimento do Pacto de Concertação Social no Sector Portuário, no âmbito do Conselho Económico e Social, outorgado, em 12 de Julho de 1993, entre o Governo, as Associações Patronais do Sector e os Sindicatos representativos dos Trabalhadores Portuários, constante a fls 33 a 48 dos autos (doc. nº 2 junto com a petição inicial) foi negociado o CCT para o sector Portuário, publicado no BTE, 1ª série, nº 6, de 15 de Fevereiro de 1994.
7. O CCT supra referido, dando seguimento às recomendações estratégicas do Pacto de Concertação Social, veio permitir que as empresas pudessem optar por fazer cessar, em relação aos seus trabalhadores, o regime de isenção de horário de trabalho.
8. A A. optou por fazer cessar o regime de isenção de horário de trabalho do ora R..
9. Nos quatro anos subsequentes à entrada em vigor do CCT para o sector Portuário a A. foi, anualmente, fazendo cessar em relação ao ora R. o pagamento de 25% do IHT inicial, que à data se cifrava em Esc. 157 838$00, até à sua extinção.
10. Assim, no primeiro ano a A. retirou a quantia de Esc. 39 459$00, correspondente a 25% do valor total de IHT, tendo efectivamente pago ao ora R. a quantia de Esc. 118 379$00, a título de IHT.
11. No segundo ano a A. retirou mais 25%, no montante de Esc. 39 458$00, passando a pagar ao R., a título de IHT, a quantia de Esc. 78 921$00.
12. No terceiro ano a A. pagou ao R. a quantia de Esc. 39 463$00, a título de IHT.
13. A partir de Janeiro de 1997 a A. deixou de pagar ao R. qualquer quantia a título de IHT.
14. O ora R. intentou no Tribunal do Trabalho de Lisboa, acção declarativa ordinária contra a ora A., que correu os seus termos no 5º Juízo, 2ª secção, processo nº 228/97, pedindo a condenação desta no pagamento da quantia de Esc. 4 103 816$00, a título de não integração na remuneração base dos subsídios de isenção de horário de trabalho eliminados, bem como a pagar-lhe a partir de Junho de 1997, inclusive, e a título de remuneração base, a quantia de Esc. 412 978$00, já com a integração do montante total de IHT.
15. Para o efeito alegou que sendo trabalhador da ora A. com direito a IHT, o respectivo subsídio foi sendo progressivamente reduzido até à completa eliminação, mas sem que tivesse sido feita a sua integração na sua retribuição certa mínima (remuneração base, subsídio de turno e diuturnidades), ao contrário do que, no seu entendimento, determina o CCT para o sector portuário.
16. No seguimento da supra referida acção, a A. foi condenada a pagar ao R. as quantias peticionadas de Esc. 4 103 816$00, relativa à integração na retribuição dos valores remanescentes e não pagos a título de IHT de Janeiro de 1994 até Maio de 1997 e, ainda, a pagar a título de retribuição mensal, a partir de Junho de 1997, inclusive, a quantia de Esc. 412 978$00, já com o subsídio de IHT integrado, sem prejuízo da actualização salarial que sobre ela for devida.
17. Em acção de execução da sentença supra referida, a ora A. depositou, à ordem da referida execução, a quantia de Esc. 17 346 537$00 (€ 86 524,16), correspondente a Esc. 14 017 404$00, acrescida da contribuição para a segurança social no montante de Esc. 3 329 133$00 e deduzindo o montante pago ao R. em Agosto de 2001, no valor de Esc. 1 292 910$00.
18. Tal montante de Esc. 14 017 404$00 corresponde ao subsídio de IHT desde o ano de 1994 até Julho de 2002, incluindo subsídio de Natal, férias e subsídio de férias.
19. Nos anos de 1994 a 2002 a A. pagou ao R., a título de remuneração de trabalho suplementar, pelo menos as seguintes quantias (em escudos):

199419951996199719981999200020012002
    Janeiro
-52.539107.517373.570290.230373.400163.620 134.595-
    Fevereiro
-73.91971.987237.29075.890348.820138.240164.630-
    Março
--30.717146.660334.840154.800134.460112.350-
    Abril
-129.695303.987320.070224.080268.920243.540216.910-
    Maio
-16.859260.777293.320410.730265.140837.00224.700-
    Junho
-68.059310.817373.570131.270251.100172.420276.980-
    Julho
62.20110.239207.277360.660242.030243.540112.350340.945-
    Agosto
16.26142.459153.777124.090293.820109.080138.490--
    Setembro
---144.60052.280--
    Outubro
-128.239253.857175.880235.860352.400116.245296.160-
    Novembro
13.081138.23983.90751.709130.220356.40056.175264.924-
    Dezembro
47.181249.659260.777158.960296.000109.080164.63089.658-

20. Pelo menos desde Janeiro de 1994 o R. tem trabalhado para a A. em regime de turnos, das 8h às 17h ou das 17h às 24h.
21. A A. acordou com os seus trabalhadores, incluindo o R., a possibilidade de estes prestarem trabalho suplementar fora das funções por estes exercidas.
22. O R. prestou à A. trabalho para além do horário previsto para o respectivo turno, fora do período das 17h às 24h.
23. O R. prestou à A. trabalho para além do horário previsto para o respectivo turno, dentro do período das 17h às 24h, na qualidade de trabalhador-base.
24. Os pagamentos referidos em 19 reportam-se ao trabalho referido em 22 e 23.»
São estes os factos.

3- DIREITO

3.1.
A presente acção destina-se a apurar se o Réu recebeu, ou não, da Autora, a títulos diferentes, o pagamento da mesma prestação laboral.
Mais em concreto, importa saber se o trabalho suplementar, por ele desenvolvido a partir de 1994, foi indevidamente pago em excesso: por um lado, a título de trabalho suplementar e, por outro, a título de subsídio de isenção de horário de trabalho.
À luz do núcleo conclusivo recursório, esse “thema decidendum” pressupõe, nesta fase, a análise de duas questões:
1ª- sentido e alcance da anterior decisão deste Supremo, proferida na acção n.º 2121/00;
2ª- forma de retribuição do trabalho suplementar prestado pelo Réu a partir da entrada em vigor do C.C.T. para o Sector Portuário, publicado no B.T.E., 1ª Série, n.º 6, de 15 de Fevereiro de 1994.
3.2.
Precedendo a presente acção, o aqui réu demandou a ora Autora, de quem reclamava o pagamento de 4.103.816$00, “… a título de não integração, na remuneração-base, dos subsídios de isenção de horário de trabalho eliminados”, bem como a pagar-lhe, a partir de Junho de 1997, inclusive, e a título de remuneração-base, a quantia de 412.978$00 (acção n.º 228/97).
Para o efeito, alegou que, sendo trabalhador da Ré com direito a IHT, viu o mesmo ser progressivamente reduzido até ser eliminado por completo, sem que, em contrapartida, tivesse sido operada a integração desse subsídio na remuneração-base, ao invés do que impõe o Contrato Colectivo de Trabalho Portuário (C.C.T./Portuário) ao tempo em vigor.
A sua tese foi integralmente acolhida, visto que este Supremo Tribunal, por Acórdão de 21 de Março de 2001, lhe concedeu completo ganho de causa, condenando a ali Ré a pagar-lhe os montantes peticionados, sem prejuízo, relativamente à retribuição mensal, da actualização salarial que sobre ela for devida.
Entendeu-se, em suma, que a faculdade de eliminação gradual do IHT, conferida à entidade patronal pelo regime transitório constante do n.º 6 da cl. 66º e da cl.ª 142ª do C.C.T./Portuário de 1993, não afasta a obrigação de integrar esse subsídio no vencimento do trabalhador, na proporção da respectiva diminuição anual.
Sob rejeitada alegação exceptiva do ora Réu, mostra-se já definitivamente assente nestes autos que, no confronto com essa precedente acção, não ocorre, na presente demanda, a excepção dilatória do caso julgado.
Porém, dessa certeza não deriva que o sobredito Acórdão deva aqui ser ignorado sem mais.
Com efeito, importa não confundir a “força e autoridade do caso julgado” com a “excepção do caso julgado”.
Conforme adverte o Cons. Rodrigues Bastos, citando Manuel de Andrade, “… a primeira destas noções refere-se à qualidade ou valor jurídico especial que compete às decisões judiciais a que diz respeito; a segunda constitui um meio de defesa do Réu, baseado na força e autoridade do caso julgado (material) que compete a uma precedente decisão judicial. Enquanto que a força e autoridade do caso julgado tem por finalidade evitar que a relação jurídica material, já definida por uma decisão com trânsito, possa vir a ser apreciada diferentemente por outra decisão, com ofensa da segurança jurídica, a excepção destina-se a impedir uma nova decisão inútil, com ofensa do princípio da economia processual” (in “Notas …”, vol.III, pags. 60 e 61).
Por outro lado, também são conhecidas as divergências inerentes à problemática dos limites objectivos do caso julgado.
Em posições extremas, situam-se a tese restritivista e a tese ampletiva pura: a primeira só confere foros de indiscutibilidade à parte decisória da sentença, enquanto a segunda entende que o caso julgado integra todos os fundamentos da decisão.
Ainda assim, os próprios defensores da tese restritiva admitem que “… os fundamentos da sentença pedem e devem ser utilizados para fixar o sentido e alcance da decisão contida na parte final da sentença, coberta pelo caso julgado” (A. Varela e outros in “Manual de Processo Civil”, pág. 694).
Ademais, vem-se sustentando maioritariamente, na esteira da doutrina defendida por Vaz Serra (R.S.J. 110º/232), que a força do caso julgado se estende à decisão das questões preliminares que foram antecedente lógico, indispensável à emissão da parte dispositiva do julgado, tudo isto “… em nome da economia processual, do prestígio das instituições judiciárias e da estabilidade e certeza das relações jurídicas” (Ac. S.T.J. de 10/7/97 in C.J.S.T.J., V, II, 165).
Aproximando estes conceitos ao caso vertente, devemos concluir que o caso julgado formado na precedente acção abrange, não apenas, o restrito segmento decisório da condenação, como se estende necessariamente também à questão prévia que acobertou decisivamente essa condenação: a necessária integração do IHT na retribuição global do trabalhador, qualquer que fosse o mecanismo de eliminação desse subsídio adoptado pela entidade patronal: o da cláusula 66ª (n.ºs 1 a 5) ou o da cláusula 142ª (e n.º 6 da Cláusula 66ª).
3.3.1.
Importa determinar agora, conforme já anunciámos, a forma de retribuição do trabalho suplementar prestado pelo Réu a partir da entrada em vigor do C.C.T./Portuário de 1994, sem ignorar, nesse contexto, o caso julgado constituído na acção supra identificada.
Relevam essencialmente, para a tarefa que nos propomos, as cláusulas 66ª e 142ª da referida convenção, com o seguinte teor:
Cláusula 66ª
Integração do subsídio de isenção
1- Terminando a isenção de horário de trabalho, o subsídio que lhe correspondia será integrado na remuneração base, subsídio de turno e diuturnidades.
2- A retribuição total do trabalhador, considerando a integração referida no n.º 1, não sofrerá alterações enquanto se mantiver superior à retribuição base obtida pelo somatório da remuneração base, subsídio de turno e diuturnidades constantes da tabela salarial em vigor.
3- Durante o período referido no número anterior, o diferencial entre a retribuição total e a retribuição base aí definidas cobrirá, até à concorrência, o valor do trabalho suplementar prestado entre as 8 e as 24 horas de segunda-feira a sexta-feira.
4- Até ao limite daquele diferencial, o trabalhador não poderá recusar a prestação do trabalho suplementar referido no número anterior.
5- A inobservância, por parte do trabalhador, do disposto no número anterior, determinará a cessação imediata da integração, prevista no n.º 1.
6- Transitoriamente, os subsídios de IHT existentes até 30 de Novembro de 1993 poderão ser absorvidos de acordo com os mecanismos previstos na cláusula 142ª.
Cláusula 142ª
IHT – Garantias de trabalho suplementar
As partes outorgantes do presente CCT consideram que a cessação e redução das garantias de trabalho suplementar e das IHT constitui um pressuposto da sã concorrência entre as empresas e um meio de assegurar os postos de trabalho e a competitividade das actuais empresas que possuem quadros privativos titulares desses direitos, acordando, por isso, e a título transitório, o seguinte:
A) as entidades empregadoras exercerão, até 30 de Novembro de 1993, o direito a cessar as garantias de trabalho suplementar e das IHT existentes, nos termos estabelecidos nesta cláusula;
B) anualmente, aquelas garantias/IHT serão reduzidas de um montante de 25% do valor em vigor à data referida no número anterior;
C) o processo de anulação durará quatro anos, durante os quais os montantes remanescentes não serão actualizados;
D) em cada ano, os trabalhadores obrigam-se a prestar trabalho suplementar até ao limite do valor de garantias/IHT que auferirem nesse ano;
E) a inobservância, pelos trabalhadores, do disposto no número anterior determinará a cessação imediata das garantias/IHT ainda auferidas. (FIM DE TRANSCRIÇÃO – SUBLINHADOS NOSSOS).
3.3.2.
Compaginando o teor das cláusulas transcritas, verifica-se que os subsídios de isenção de horário de trabalho (IHT), existentes até 30 de Novembro de 1993, podiam ser submetidos a dois regimes de eliminação: o regime definitivo – de eliminação imediata e integral – previsto nos n.ºs 1 a 5 da Cl.ª 66ª; o regime transitório – de eliminação faseada – constante do n.º 6 da mesma cláusula e da Cl.ª 142ª.
À luz do regime definitivo, essa eliminação seria operada através da integração imediata e completa daquele subsídio na componente retributiva do trabalhador.
Mas, como a retribuição total, assim obtida, favorecia notóriamente o dito trabalhador, havia que restabelecer o necessário equilíbrio prestacional das duas partes.
Esse equilíbrio foi cumulativamente operacionalizado por duas vias:
- a retribuição global não sofreria qualquer actualização enquanto se mantivesse superior à retribuição base, obtida pelo somatório da remuneração base, do subsídio de turno e das diuturnidades constantes da tabela salarial ao tempo em vigor – n.º 2;
- durante esse período, o acréscimo salarial auferido pelo trabalhador, em decorrência daquela integração, cobriria, até à concorrência, o valor do trabalho suplementar prestado entre as 8 e as 24 horas de 2ª a 6ª feira – n.º 3.
É dizer que a regalia, decorrente daquela imediata e completa integração, tinha, como contrapartidas, a estagnação remuneratória, nos sobreditos termos, e a disponibilidade do trabalhador, - com a óbvia limitação do valor concorrencial – para prestar trabalho suplementar, não remunerado autonomamente, durante o período em que persistisse a assinalada divergência salarial, sendo que essa disponibilidade se estendia de 2ª a 6ª feira, entre as 8 e as 24 horas.
Logo que se mostrassem parificadas as remunerações previstas no n.º 2 (cl.ª 66ª), cessava o congelamento salarial e o trabalho suplementar, eventualmente a prestar daí em diante, seria pago “à parte”.
No tocante ao regime transitório, verifica-se que:
- tanto as garantias de trabalho suplementar, quanto os subsídios de isenção de horário de trabalho (IHT), poderiam cessar, desde que as entidades patronais accionassem esse direito até 30 de Novembro de 1993 – al. A);
- essa cessação ocorreria de forma faseada, durante 4 anos, mediante uma redução anual de 25%, sendo que os montantes remanescentes de IHT permaneciam inalteráveis – als. B) e C);
- durante esse período transitório, o trabalhador obrigava-se a prestar trabalho suplementar, não remunerado em espécie, até ao limite do IHT que auferisse em cada ano – al.D).
As diferenças entre os dois regimes parecem evidentes:
- ao contrário do que faz a cl.ª 66ª, a cl.ª 142ª não prevê o congelamento salarial;
- também ao invés do que ali acontece, não se prevê aqui qualquer disponibilidade adicional, por parte do trabalhador, para prestar serviço suplementar não remunerado “à parte”: apenas subsiste, naturalmente, a obrigação de continuar a prestar esse serviço como mera contrapartida do IHT ajuda remanescente.
E, como esse subsídio decrescia anualmente, a referida disponibilidade também ia decrescendo na mesma proporção, para cessar no final do período transitório de quatro anos.
3.3.3.
A divergência fulcral entre as partes – que já se reflectia na anterior acção e continua nesta a subsistir – conexiona-se com o sentido que o C.C.T. pretendeu dar através da cláusulas em confronto, à “eliminação” dos IHT.
Para a Autora, essa eliminação operava-se através da integração do subsídio na remuneração global – mecanismo da cl.ª 66ª – ou pela sua cessação faseada – mecanismo da cl.ª 142ª.
Para o Réu, ao invés, os dois regimes impõem a necessária integração desse subsídio na componente retributiva.
Como se sabe, o anterior Acórdão do Supremo veio a acolher, por inteiro, a tese do ora Réu.
Sendo assim – e porque o caso julgado formado nessa precedente acção se estende, como já dissemos, ao entendimento, nela expresso, de que a integração do IHT na remuneração global do trabalhador era imperativa, qualquer que fosse o regime de eliminação adoptado – torna-se por demais evidente que não pode a Autora continuar a insistir, nesta acção, numa tese que já foi definitivamente rejeitada.
Apesar disso, nada impede que o Tribunal aprecie a bondade da sua pretensão, no que estritamente concerne à devolução dos montantes reclamados.
É que o referido Acórdão limitou-se a emitir pronúncia – como lhe era pedido – sobre a imperatividade da referida integração, como se limitou também a extrair as consequências que necessariamente decorriam da imperatividade pela qual veio a optar: a condenação da entidade patronal no pagamento das quantias correspondentes.
Em contrapartida, o anterior Acórdão não cuidou de saber – porque não lhe foi pedido – se a entidade patronal estava, ou não, a pagar duplicadamente – ou, pelo menos, em excesso – o trabalho suplementar que o réu lhe foi prestando ao longo do período relativamente ao qual operou a referida condenação.
Esse é afinal, o objecto da presente acção.
E, neste âmbito, o que verdadeiramente releva é saber qual foi o comportamento da Autora, no que respeita à remuneração do trabalho suplementar do Réu, em decorrência da interpretação que fazia da Clª 141º: Se esse comportamento, evidenciar, um pagamento em excesso, a Autora tem, naturalmente, direito à reclamação do reembolso, ainda que a referida interpretação não fosse legalmente correcta.
Segundo podemos depreender, o entendimento da Autora resume-se ao seguinte:
- a integração, imediata e completa, prevista na cl.ª 66ª, era compensada pelo congelamento salarial e pela disponibilidade da prestação de trabalho suplementar, não remunerado autonomamente, durante um horário substancialmente alargado: das 8 às 24 horas, de 2ª a 6ª feira;
- ademais, essas contrapartidas não tinham qualquer limite temporal definido, perdurando até se obter a paridade salarial entre a remuneração integrada, a operar de imediato, e a que decorresse das actualizações tabelares que fossem incidindo sobre a remuneração base e acréscimos;
- a cessação do IHT, previsto na clª 142ª, embora representasse – inicialmente e no confronto com o regime da integração – uma retribuição mais baixa, conferia ao trabalhador, em contraponto, a vantagem dos aumentos salariais e a desvinculação progressiva do trabalho suplementar sem remuneração autónoma;
- essa desvinculação, por seu turno, obrigava a entidade patronal a remunerar “à parte” todo o trabalho que, eventualmente, fosse prestado a esse título e que excedesse a disponibilidade – cada ano menor – imposta ao trabalhador.
3.3.4.
Em conformidade com a interpretação que fez do regime transitório contido na cl.ª 142º - pelo qual optou “in casu” – a Autora passou a eliminar anualmente, 25% em 1994, 25% em 1995, 25% em 1996 e cessou esse pagamento a partir de Janeiro de 1997.
Mas, em contrapartida – e em consonância também com essa interpretação – passou a remunerar autonomamente o trabalho suplementar que o mesmo Réu lhe ia prestando, supostamente em tudo o que excedesse o IHT remanescente: esse remanescente, por sua vez, ascendia a 75% em 1994, a 50% em 1995, a 25% em 1996 e cessou a partir de Janeiro de 1997.
Neste contexto, alega a Autora que pagou ao Réu, entre 1994 e 2001, a quantia global de 10.222.084$00 (€ 50.987,54), a que acresce o montante de € 2.195,60, pago em 2002, perfazendo o montante global de € 53.183,64.
Sob o pretexto de que a anterior decisão do Supremo a obrigue a integrar, na remuneração do Réu, o IHT subtraído – num total de 4.103.816$00 – e a pagar-lhe, a partir de Junho de 1997, inclusive, a remuneração base de 412.978$00 mensais – decorrente da integração do IHT subtraído – sem prejuízo ainda da actualização salarial que sobre essa remuneração fosse devida, vem agora a Autora reclamar do Réu a devolução dos anteditos €50.987,54, dizendo que o trabalho suplementar, pago através desta quantia, se encontra já integralmente pago por via da condenação supra mencionada.
Que dizer?
Na óptica da anterior decisão do Supremo, a que se deve obediência, o que a cl.ª 142º facultava, era, não a cessação do IHT, como fez a Autora, mas apenas a sua integração faseada na remuneração-base do trabalhador, em lugar da integração completa e imediata prevista na cl.ª 66ª (1 a 5).
Ao considerar imperativa, em qualquer dos casos, a integração daquele subsídio na remuneração-base dos trabalhadores, o referido Acórdão aproximou os dois regimes, ficando a subsistir uma única diferença entre eles: em lugar da integração imediata, plasmada na cl.ª 66ª, essa integração, nos termos da cl.ª 142º, duraria 4 anos (sendo que o quarto ano já comportava a integração total).
Mas, na lógica dessa aproximação, também se há-de forçosamente entender que a disponibilidade do trabalhador, para a prestação de trabalho suplementar, não remunerado autonomamente, não se pode confinar afinal, ao regime da ac. D) da Cl.ª 142ª (disponibilidade para prestar esse trabalho até ao limite do IHT que auferisse nesse ano).
A imperatividade, em quaisquer circunstâncias, da assinalada integração obriga a coligir também a regra contida na Cl.ª 66º n.º 3.
A entender-se o contrário, ocorreria um injustificado favorecimento desses trabalhadores relativamente àqueles a quem fosse aplicado o regime da integração imediata e global, cuja disponibilidade, para o mesmo efeito, abrangia o horário entre as 8 e as 24 horas de 2ª a 6ª feira e perduraria, ademais, pelo período necessário até se operar a equivalência remuneratória prevista no n.º 2 da cl.ª 66ª.
Acresce – como já dissemos – que esse período é incerto, tanto podendo ser inferior, como superior, ao regime transitório (de 4 anos) da cl.ª 142ª, tudo dependia da remuneração global que o trabalhador passasse a auferir, como decorrência da integração, imediata e global, do IHT na sua componente retributiva, em confronto com os aumentos salariais de que fosse sucessivamente beneficiando a remuneração-base.
3.3.5.
Aqui chegados, poder-se-ia entender – como também entende agora a Autora – que a solução correcta, no contexto remuneratório do trabalho suplementar, passaria pela aplicação “in totum”, do n.º 3 da Cl.ª 66ª, ignorando, sem mais, a al. D) da Cl.ª 142ª.
Rejeitamos esse entendimento:
- antes de tudo, porque não faria sentido omitir, pura e simplesmente, um preceito legal expresso e imperativo, como como é a al. D) da Cl.ª 142º;
- ademais, porque os dois regimes, ainda que aproximados, não são de todo equivalentes.
Com efeito, a integração faseada não deve corresponder à integração imediata: nesta, o trabalhador obtém, desde logo, a integração total do subsídio na sua remuneração, com as vantagens inerentes, designadamente no cômputo de férias e dos subsídios de férias e de Natal; naquela, essa integração é de apenas 25% em cada ano.
Por via disso, estamos em crer que se impõe – como parece coerente – a necessária articulação das duas cláusulas:
- o trabalhador obriga-se a prestar trabalho suplementar, não remunerado “à parte”, até ao limite de IHT a auferir em cada ano – al. D) da Cl.ª 142ª;
- cumulativamente, obriga-se a prestar trabalho idêntico, com referência ao horário previsto no n.º 3 da Cl.ª 66, na proporção do subsídio integrado em cada ano, tudo sem óbvio prejuízo do limite imposto pela concorrência de valores.
Deste modo, a sua “disponibilidade”, iria decrescendo, em cada ano, na medida da redução do IHT mas, em contrapartida, iria aumentando na proporção da integração operada.
Particularizando, dir-se-á que:
- no 1º ano, essa “disponibilidade adicional” corresponderia a 4 horas do período compreendido entre as 8 e as 24 horas de 2ª a 6ª feira (24 – 8 = 16 : 25% = 4);
- no 2º ano, essa “disponibilidade” aumentaria para 8 horas, no 3º ano para 12 horas e, no último ano, atingiria o limite das 16 horas, passando a corresponder integralmente ao regime da cl.ª 66ª.
Mas não é tudo.
A “aproximação” dos dois regimes obriga ainda a considerar que o período transitório relevante – durante o qual o trabalho suplementar não beneficiava de remuneração autónoma – não é só o qual o período de 4 anos previsto na cl.ª 142º (que só opera relativamente à “disponibilidade decorrente do IHT pago em cada ano) mas abarca ainda o período – incerto – até que se complete a equiparação retributiva mencionada na cl.ª 66ª (disponibilidade adicional decorrente da integração faseada do IHT na remuneração-base).
3.3.6
Examinando a factualidade provada, verifica-se que:
- em sede de execução de sentença – e como corolário exclusivo da antecedente decisão do Supremo – a Autora pagou ao Réu a quantia global de 14.017.404$00, correspondente ao subsídio de IHT desde Janeiro de 1994 até Julho de 2002, incluindo subsídio de Natal, férias e subsídio de férias – Ponto n.º 18;
- em contrapartida, a Autora sempre foi pagando ao Réu, ao longo do mesmo período e a título de remuneração autónoma de trabalho suplementar, os montantes discriminados no Ponto 19, num total de 15.053.058$00.
Pretende a Autora, como dissemos, que este último pagamento constitui uma duplicação daquele que foi judicialmente obrigada a fazer: por isso, reclama do Réu a sua devolução.
As instâncias rejeitaram a sua tese, absolvendo o Réu do pedido.
Para o efeito:
- consideraram que a Autora estava obrigada a pagar autonomamente todo o trabalho suplementar que fosse prestado para além do período compreendido entre as 17 e as 20 horas e as 21 e as 24 horas (período ao qual se reportava o IHT previsto no contrato individual de trabalho);
- arrimando-se aos factos constantes dos Pontos 21 a 24 da matéria de facto, mais consideraram que o pagamento autónomo, referido no citado Ponto 19, “…se reportava ao trabalho suplementar não coberto pela aludida cláusula contratual, que consagrou o subsídio de isenção de horário de trabalho, tanto no que concerne à sua delimitação temporal, como no que respeita às funções exercidos”.
Com o devido respeito, não podemos subscrever este entendimento.
Antes de mais, as instâncias ignoravam que “… pelo menos desde Janeiro de 1994, altura em que se implementou o regime do C.C.T. de 1994), o R. tem trabalhado para a A. em regime de turnos, das 8h às 17h ou das 17h às 24 horas” – Ponto 20.
Ora, se um desses turnos abrangia, justamente, o período contratualmente fixado para a prestação de trabalho suplementar, está bom de ver que, a partir de Janeiro de 1994, o trabalho prestado nesse período há-de ser havido como trabalho “normal” e não como trabalho “suplementar”.
Por outro lado, as instâncias ignoraram em absoluto que, por força da integração remuneratória ordenada pelo Supremo, a “disponibilidade” do Réu, para prestar trabalho suplementar não remunerado “à parte”, deixou de se circunscrever ao período abrangido pelo IHT, passando a incluir também o acréscimo previsto na cl.ª 66ª n.º 3, já contabilizado supra.
Por outro lado ainda, as instâncias também se acobertaram ao princípio geral da correspondência entre a actividade exercida e a categoria-estatuto do trabalhador (art.º 22º n.º 1 da L.C.T.), esquecendo que este princípio pode ser derrogado no âmbito do “jus variandi” ou por via da “polivalência funcional” (n.ºs 7 e 8 e 296, respectivamente, do mesmo artigo), sendo que, no 1º caso, apenas se exige – no que aqui releva – que o trabalhador não veja diminuída a sua retribuição nem substancialmente modificada a sua posição de trabalhador, e que no 2º caso o trabalhador mantenha, como actividade principal, o desempenho da sua função habitual.
No caso em apreço, verifica-se que a Autora acordou com os seus trabalhadores a prestação de trabalho suplementar fora das suas funções normais (Ponto n.º 21): trata-se da antedita “polivalência funcional”, plenamente válida e que, por isso, em nada contende com o regime de “disponibilidade” do Réu, tal como o deixámos já equacionado supra.
Devemos concluir, deste modo, que essa “disponibilidade” abrangia todo o trabalho suplementar que, até ao limite da concorrência e do horário também já definido supra, fosse prestado pelo Réu, fora dos respectivos turnos, entre as 8 e as 24 horas de 2ª a 6ª feira.
Assim – e ao invés do que concluíram as instâncias – somos a entender que a factualidade provada evidencia um pagamento em excesso mas, apesar disso, não demonstra que deva se devolvido todo o montante reclamado pela Autora.
Por duas razões:
1ª- esse pagamento em excesso circunscreve-se ao trabalho suplementar abrangido pela “disponibilidade” do Réu: essa “disponibilidade” abrangia o trabalho suplementar prestado entre as 8 e as 24horas de 2ª a 6ª feira, tendo como limites o valor concorrencial e os horários decorrentes, quer da redução gradual do IHT, quer da integração faseada desse subsídio na remuneração global;
2ª- o limite temporal, atendível para o efeito, é aquele em que a retribuição de base tenha atingido o valor da retribuição global, nos termos previstos na cl.ª 66ª n.º 2: a partir dessa equiparação, todo o trabalho suplementar é remunerado “à parte”.
Que consequências devemos extrair dessa insuficiência factual?
3.3.7.
Como se sabe, a condenação em objecto diverso do pedido – que a lei proíbe, cominando-a com nulidade decisória (art.ºs 661º n.º 1 e 668º n.º 1 al. E) do C.P.Civil) – só ocorre quando essa diversidade seja qualitativa.
Casos há, porém, em que a disparidade não deriva da qualidade mas reside no simples modo como se opera a condenação: é o que sucede quando a um pedido específico corresponder uma condenação genérica.
Sendo de todo evidente que tal situação não configura nulidade decisória, resta saber quando – e em que termos – a lei consente essa disparidade.
Dispunha, neste contexto, o art.º 661º n.º 2 do Cod. Proc. Civil (na redacção anterior ao D.L. n.º 38/2003, de 8 de Março):
“Se não houver elementos para fixar o objecto ou a quantidade, o tribunal condenará no que se liquidar em execução de sentença, sem prejuízo da condenação imediata na parte que já seja líquida”.
Por sua vez, o art.º 471º do mesmo Código estabelece, como regra, a obrigatoriedade de dedução de um pedido específico, só admitindo os pedidos genéricos em casos absolutamente contados.
Compaginando os dois preceitos, havia quem entendesse, nesse regime de pretérito, que o Tribunal só podia condenar no que se liquidasse em execução de sentença, sempre que o pedido tivesse sido ou pudesse ter sido formulado em termos genéricos; nos demais casos – que constituem a regra geral – em que o pedido fosse ou devesse ter sido deduzido em termos específicos, o Tribunal deveria julgar improcedente a acção, sempre que não alcançasse os elementos necessários para fixar o objecto ou a quantidade da condenação.
Em abono dessa tese, considerava-se, em suma, que:
- por um lado, o referido art.º 661º n.º 2 só se reportava às situações em que, no momento da instauração da acção ou da prolação decisória, ainda se não conhecessem, com exactidão, algumas ou todas as consequências do acto ilícito, por não se terem ainda revelado totalmente ou por estarem em evolução;
- por outro, a lei não permitia uma segunda oportunidade de prova relativamente a factos já alegados – mas indemonstrados – na acção declarativa ou que nem sequer aí tivessem sido invocados.
Sem recusar a validade da compaginação entre os dois preceitos, de há muito entendíamos que importava reflectir, ainda assim, sobre a “ratio” e o enquadramento sistemático de ambos.
O art.º 471º regula a P.I. e, situando-se no dealbar da acção – em que imperam proeminentes razões de certeza – percebe-se que estipule, como regra, a dedução de um pedido específico.
O art.º 661º n.º 2, por sua vez, já disciplina uma fase adjectiva final, subsequente à instrução e discussão da causa, e previne a situação em que se provou a existência do direito, sucedendo apenas que o Tribunal se encontra impossibilitado de proferir decisão específica por não ter logrado alcançar o objecto ou a quantidade que corporizam esse já reconhecido direito.
Neste caso, seria de aceitar, por evidentes razões de justiça e de equidade, que o tribunal se abstivesse de absolver o Réu – porque demonstrada a existência da obrigação – muito embora se perceba também a inconveniência – porque arbitrária – de uma condenação quantificada.
Ora, existindo uma regra como a do art.º 661º n.º 2, fazia sentido que ela devesse funcionar (também) na assinalada situação.
De resto, não poderá deixar de se entender que a regra do art.º 661º n.º 2, direccionada que está para os casos particulares sobre os quais prevê, e sendo, nessa justa medida, uma regra especial, não colide com a disciplina genérica do art.º 342º n.º 1 do Cod. Civil.
Anote-se, aliás que esse art.º 661º n.º 2 se refere expressamente à inexistência de elementos “… para fixar … a quantidade”, não distinguindo entre os casos em que são ou não, formulados pedidos genéricos ao abrigo do art.º 471º n.º 1 al. B).
E, se a lei não opera essa distinção, também o intérprete o não deve fazer, a menos que houvesse ponderosas razões de sistema – que aqui se não vislumbram – a impor essa diferenciação.
Dir-se-á, em síntese, que o falado art.º 661º n.º 2 contempla não apenas as situações em que foi deduzido um pedido genérico, senão também aquelas em que se formulou um pedido específico mas em que não foi possível coligir elementos probatórios suficientes para precisar o objecto e (ou) a quantidade da condenação.
É dizer, em suma, que a omissão probatória daqueles elementos não implica a absolvição do pedido, antes justifica a condenação do demandado naquilo que vier a ser liquidado oportunamente.
O já citado D.L. n.º 38/2003 (aqui já conferível, visto que o seu art.º 21º n.º 3 o torna aplicável às decisões que venham a ser proferidas após 15 de Setembro de 2003) deixou absolutamente intocados os princípios expostos: apenas veio estatuir – através das alterações introduzidas nos art.ºs 378º n.º 2 e 661º n.º 2 – que a referida liquidação já não poderá ser feita em execução de sentença mas apenas através de incidente a implementar no próprio processo da acção declarativa.
O recurso a este incidente tem como pressuposto – como já sucedia no passado com a execução de sentença – a inexistência de elementos necessários à quantificação condenatória, tenha ela resultado, ou não, do fracasso probatório.
3.3.8.
Perante a solução alcançada na rubrica anterior, estamos agora em condições de concluir que a insuficiência probatória evidenciada nos autos, quanto ao montante a devolver pelo Réu à Autora, não pode conduzir à improcedência da acção, devendo ser objecto de apuramento em incidente de liquidação.
A finalizar, diremos apenas que não faria o menor sentido – como a recorrente pretende – “sindicar” nesta acção a pretensa inconstitucionalidade da solução alcançada pelo anterior Acórdão do Supremo (!): essa sindicância haveria de ter sido requerida – como é meridianamente claro – no respectivo processo, ao órgão próprio (Tribunal Constitucional) e no prazo processual relevante (10 dias após a notificação do referido Acórdão às partes).

4- DECISÃO

Em face do exposto, concede-se parcialmente a revista e, em consequência:
1- revoga-se o Acórdão impugnado;
2- condena-se o Réu a devolver à Autora o montante correspondente ao trabalho suplementar que lhe foi pago autonomamente a partir de Janeiro de 1994, observado que se mostrem os seguintes pressupostos:
- o montante a devolver, sem prejuízo do limite concorrencial, corresponderá a tudo o que esteja incluído pela disponibilidade do Réu, para prestar trabalho suplementar não remunerado autonomamente, quer em decorrência do subsídio de IHT que lhe foi pago em cada ano, quer em decorrência da integração desse subsídio na respectiva remuneração-base;
- o período atendível, para o cômputo dessa devolução, corresponderá àquele que tiver decorrido entre Janeiro de 1994 e Maio de 2002 (limite decorrente do pedido), nunca podendo ultrapassar o momento em que a remuneração-base do Réu, com referência àquela primeira data, tivesse atingido o montante da remuneração global, se a integração do subsídio de IHT, na componente retributiva, tivesse sido feita, por inteiro, em Janeiro de 1994;
3- o apuramento do montante em dívida é relegado para liquidação ulterior.

Custas, em igual proporção, por ambas as partes, sem prejuízo do acertamento que resultar da liquidação.

Lisboa, 10 de Janeiro de 2007
Sousa Grandão (Relator)
Pinto Hespanhol
Vasques Dinis