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ACÇÃO DE REIVINDICAÇÃO
EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA
ILEGITIMIDADE ACTIVA E PASSIVA
Sumário
I - O falecimento da autora numa acção de reivindicação não torna impossível nem inútil a continuação da lide, não determinando, por isso, a extinção da instância. II - Tal óbito não impõe a intervenção de todos os herdeiros da autora, mas tão só daqueles que não ocupam a posição de réus. III - Podem ser demandados e, como tal, condenados os herdeiros de quem tinha a detenção dos bens reivindicados, por se tratar de herança indivisa e já aceite. IV - A obrigação de restituição dos bens incumbe a todos os herdeiros que, por força da sucessão, ficaram vinculados na mesma medida em que o seria o autor do facto ilícito.
Texto Integral
Proc. nº 179/08.3TVPRT.P1 – 1ª Vara Cível do Porto
Rel. F. Pinto de Almeida (R. 1319)
Adj. Des. Teles de Menezes; Des. Mário Fernandes
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
I.
B… (representada por sua filha C…, então na qualidade de tutora de sua mãe) intentou a presente acção declarativa comum na forma ordinária contra: D…, E…, F…, G… e H….
Pediu que:
- Os réus sejam condenados a reconhecer que a autora é proprietária de diversos bens móveis que identifica e, por via disso, sejam os mesmos igualmente condenados a restitui-los à demandante;
- Para o caso de se demonstrar que a restituição dos bens não é possível, os réus sejam condenados a indemnizar a autora do dano correspondente ao valor dos mesmos, que se cifra em € 167.589,37, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até efectivo pagamento.
Como fundamento, alegou que a filha da autora, I… (entretanto falecida, tendo-lhe sucedido os ora réus) levou da casa daquela vários objectos, no valor global de € 167.589,37, que não foram restituídos pese embora as diversas solicitações da respectiva proprietária no sentido de os mesmos lhe serem entregues.
Todos os réus (com excepção do co-réu F…, que foi citado editalmente, estando representado pelo Ministério Público), apresentaram contestação conjunta, na qual se defendem por impugnação.
Replicou a autora concluindo como no articulado inicial.
Falecida a autora, foram julgados habilitados como seus herdeiros B… e todos os réus, com excepção do primeiro (D…).
Percorrida a tramitação normal, foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, em consequência do que os réus (na qualidade de sucessores de I…) foram condenados a entregar os bens móveis supra identificados à cabeça de casal (concretamente C…) da herança aberta por óbito da autora B….
Discordando desta decisão, dela recorreram os réus, tendo apresentado as seguintes
Conclusões (síntese):
1. O presente recurso tem em vista não apenas a interpretação e aplicação da lei aos factos dados como provados, mas também a reapreciação da prova produzida, v.g. documental e testemunhal (gravada), com vista à impugnação da decisão sobre a matéria de facto;
2. Salvo o devido respeito por melhor opinião, o falecimento da autora na pendência da presente causa, tal como foi configurada – e não tendo ocorrido qualquer alteração quer quanto à causa de pedir, quer quanto ao pedido (o que poderia ter sido feito pela cabeça-de-casal), dava lugar à extinção da instância. Por um lado, por se tornar impossível ou inútil a continuação da lide, nos termos do nº.3, do 276º, do c.p.c.;
3. E, por outro, como vem sendo defendido na doutrina e jurisprudência, a acção de reivindicação tem de ser intentada com a intervenção de todos os herdeiros, no exercício do seus direitos de acção em litisconsórcio necessário activo e legal – o que se alega para todos os efeitos legais.
4. Acresce que a (aparente) convolação de acção de reivindicação numa “acção possessória ou de petição de herança”, ao abrigo do 2088º, do c.civil - como nos parece ter sucedido in casu, para fundamentar a legitimidade activa da cabeça-de-casal a partir da morte da sua representada - é inaplicável, sob pena de se subverter as regras do código civil e do processo civil, no que se refere aos pressupostos da instância, designadamente da legitimidade – o que se alega para todos os efeitos legais.
5. Na verdade, o que se constata é que quer a ora autora (cabeça-de-casal), quer o digníssimo tribunal a quo lançaram mão de uma forma processual inadequada para fazer valer a pretensão em causa (entrega de bens), incorrendo a douta sentença, igualmente, em claro e inequívoco excesso de pronuncia ao conhecer e tomar posição sobre questões que não deveria conhecer – o que se invoca para todos os efeitos legais.
6. O que implicará, outrossim, que a douta sentença em análise padeça de erro de julgamento (erro in judicando), dado distorcer quer a realidade factual (error facti), assim como na aplicação do direito (error juris), uma vez que o decidido não corresponde à realidade normativa invocada e aplicada.
7. Concretizemos: a questão prende-se com o facto de saber se, sendo os ora recorrentes os únicos herdeiros da falecida I…, em face da causa de pedir e pedido formulado na presente acção, podem ser demandados e condenados a entregar (à cabeça-de-casal) uns bens móveis que aquela, em determinada altura, havia “retirado” de casa da sua mãe (autora).
8. Ora, considerando o disposto v.g. Nos 2068º, 2097º e 2098º., haverá que distinguir a situação de herança indivisa deferida a vários herdeiros (caso dos presentes autos) e de herança partilhada. No primeiro caso, estamos perante uma universalidade composta de património autónomo, em que os herdeiros não detêm direitos próprios sobre cada um dos bens hereditários e nem sequer são comproprietários desses bens, mas apenas titulares em comunhão de tal património.
9. Resulta também de uma simples leitura dos presentes autos, v.g. Petição inicial que, nem a autora (nem, mais tarde, a cabeça-de-casal), alega(m) que a herança aberta por óbito da referida I… já tenha sido partilhada, nem alega(m) tão pouco qual a proporção da quota que, em tal partilha, teria eventualmente cabido a cada um dos ora recorrentes. Em nossa modesta opinião, trata-se de um facto que julgamos essencial e relevante para, de entre as várias soluções plausíveis da questão de direito, dever ter sido alegado, considerado e valorado para uma boa decisão da causa, o que tão pouco sucedeu - o que se invoca para efeito do disposto nos artigos 650º nº.2 al.f) e 712º., ambos do c.p.c..
10. No caso dos autos estamos, pois, perante uma herança indivisa. Não obstante aquele litisconsórcio, o certo é que a “obrigação de restituir/entregar” os bens móveis a que foram condenados os ora recorrentes, não é deles, mas sim da falecida I…, mais exactamente da herança desta;
11. Apesar de os ora recorrentes terem legitimidade para serem demandados – enquanto representantes da herança indivisa -, contudo não podem ser – como sucede na douta sentença em apreço - eles próprios condenados a “entregar os bens móveis”. Os herdeiros apenas podem ser condenados a reconhecer a existência de tal obrigação (“encargo”) sobre a herança e a ver satisfeito esse “crédito” pelos bens da herança.
12. Sucede, porém, que não foi este o pedido formulado pela autora (nem pela cabeça-de-casal) – o que se alega para todos os efeitos legais v.g. 3º., 264º, 660º., 664º, todos do c.p.c..
13. Já vimos que a presente acção se encontra configurada como uma “típica acção de reivindicação”. Esta, segundo o disposto no artigo 2091º, do c.civil, teria de ser intentada por todos os herdeiros – litisconsórcio necessário activo (cfr. Artº 28º,c.p.c.) - o que não sucede !!!
14. Não se trata porém de apenas uma questão de legitimidade processual activa, mas sim de uma verdadeira condição para a acção, de fundamentos próprios da demanda, sem os quais a acção deve(ria) improceder – o que se alega para todos os efeitos legais.
15. Do mesmo modo, tratando-se a presente de uma acção de reivindicação, cujos pressupostos se encontram previstos no artigo 1311º, do c.civil, para obter o efeito jurídico de “condenação na entrega”, sempre se exigiria à autora (ou à cabeça-de-casal) ter(em)alegado e provado a “ detenção e/ou a posse” dos bens em causa, por parte dos ora recorrentes – o que também não aconteceu - , constituindo, além do mais, este facto essencial e pressuposto - numa perfeita relação de causa-efeito -, para a correspondente reivindicação e consequente condenação daqueles na sua entrega – o que se invoca para todos os efeitos legais.
16. Acresce que quem (pretensamente) “levou os bens” foi a I…, sendo esta a (eventual) responsável pela sua “restituição/devolução/entrega” à autora;
17. Como sabemos, a obrigação de restituir objecto dos presentes autos está (rá) vinculada e/ou adstrita a eventual responsabilidade (civil/criminal).
18. A conduta em apreço (“levou da casa da interdita os seguintes bens”), a constituir “facto ílicito”, sempre se extinguiu com a sua morte – o que se invoca para todos os efeitos legais, v.g. Artigo 30º.nº.3, da c.r.portuguesa.
19. Por outro lado, data vénia, para que se pudesse transmitir ou assacar aos seus herdeiros tal responsabilidade (leia-se de entrega dos bens) – ainda que meramente civil -, sempre a autora (e cabeça-de-casal), deveriam ter alegado factos e fazerem a prova de que aqueles se encontravam na sua posse/detenção ilícita – o que também não sucedeu!
20. Existem relações jurídicas que se encontram destinadas a capitular à morte do titular, por terem sido constituídas intuitu personae, como por exemplo o dever de prestar alimentos, as obrigações não fungíveis de prestação de facto, os direitos de usufruto, o direito de uso e habitação.
21. Com o devido respeito, encontra-se também nesta “categoria” a “prestação/obrigação de entrega de coisa certa” em causa, atenta v.g. a sua natureza infungível, porquanto tem na sua constituição/génese a conduta (alegadamente) “ilícita”, levada a cabo pela de cujus I… – o que se invoca para todos os efeitos legais.
22. Resulta da matéria apurada, constante v.g. no aliás douto despacho proferido em 13/12/2010, no que concerne à "motivação da decisão de facto", e, mais concretamente, "no que tange à factualldade vertida nos factos controvertidos n°s 1, 2, 3, 4, 6, 7 e 10, que a respectiva demonstração assentou no conjunto dos depoimentos prestados ... em especial por J… .... (no que foi secundado pela testemunha K…) ..."
23. Se é certo que estas depuseram "de forma coerente e segura" quanto a tais factos, também resulta dos seus depoimentos factos que, em certa medida, impunham resposta diferente daquela que tais factos controvertidos mereceram; assim como a averiguação, por parte daquele tribunal a quo, de outros factos que consideramos essenciais e que resultaram da instrução - v.g. supracitados depoimentos -, e discussão da causa ( cfr. arts. 650º n° 2, al. f), e 264°.n° 3, ambos do c.p.c.).
24. Salvo o devido respeito, o digníssimo tribunal a quo faz uma errónea interpretação, apreciação e valoração dos supracitados depoimentos para dar como provada a matéria constante dos factos provados nos pontos 5°., 6°.,7°.,8°.,9°., 10°. e 11°, naquela sentença, e que impunham uma resposta diversa daquela que mereceu (provada)!
25. Porquanto, e por um lado, não atendeu (cfr. douta decisão proferida em 04/03/2009) à matéria da facto constante da reclamação apresentada pelos ora recorrentes, essencial e relacionada com aqueles factos - o que se invoca para efeitos v.g. do n°.3, do 511°., do c.p.c ..
26. Por outro, à circunstância da a autora ter sido declarada interdita, com data de incapacidade reportada ao ano de 2000 (facto dado como provado sob o ponto 2°.);
27. Somente da conjugação de todos os aludidos factos e circunstância(s) é que permitiria ao digníssimo tribunal a quo, de entre as várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de direito, alcançar a descoberta da verdade material e proferir uma boa decisão da causa, o que, data vénia, julgamos não ter sucedido - o que se invoca para todos os efeitos legais.
28. Pelo que deve(m) ser aquela(s) revogada(s) ou anulada(s), conforme se entenda, com todas as consequências legais!
Nestes termos, a aliás douta sentença recorrida violou, v.g. Por erro de interpretação, os aludidos preceitos legais v.g. 3º, 264º, 650 nº.2,al.f), 660º, 664º., 28º., 276º.nº.3, todos do c.p.c., e 2068º., 2091º., 2097º, 2098º, 1311º., estes do c.civil, e artigo 30ºc.r.p., devendo, por isso, ser revogada(s) – nula(s) ou anulada(s), conforme se entenda -, e substituida(s) por outra que decida no sentido ora defendido pelos recorrentes.
A apelada contra-alegou, concluindo pela improcedência do recurso.
Após os vistos legais, cumpre decidir.
II.
Questões a resolver:
Os recorrentes defendem que:
- O falecimento da autora deveria dar lugar à extinção da instância;
- Sendo a acção de reivindicação, o caso é de litisconsórcio necessário activo, nela devendo intervir todos os herdeiros;
- Não pode convolar-se a acção de reivindicação em acção possessória ou de petição da herança;
- A herança que representam está indivisa, pelo que não podem ser condenados a cumprir uma obrigação que não é deles;
- Não se provou que estejam na detenção dos bens, nem a obrigação de entrega é transmissível.
E impugnam a decisão sobre a matéria de facto, no que respeita a todos os pontos de facto controvertidos considerados provados e sustentando que a mesma deve ser ampliada com os factos incluídos na reclamação que formularam à base instrutória.
III.
Na sentença recorrida foram considerados provados os seguintes factos:
1º- A requerente é filha de B…, de quem foi declarada tutora por sentença proferida no processo n.º 4777/03.3TVPRT, da 1ª Secção da 3ª Vara Cível do Porto (alínea A) da matéria de facto assente).
2º- Pela mesma sentença foi também a mãe da requerente – B… – declarada interdita, com data da incapacidade reportada ao ano de 2000 (alínea B) da matéria de facto assente).
3º- I…, entretanto falecida em 21 de Setembro de 2007, era irmã da requerente e filha da interdita B… (alínea C) da matéria de facto assente).
4º- Os réus são herdeiros da falecida, sendo o 1º, D…, cabeça de casal da herança aberta por óbito de I… (alínea D) da matéria de facto assente).
5º- A falecida I…, há alguns anos a esta parte, entrava e saía de casa da mãe, da qual tinha a chave, com o pretexto de a visitar, conversar e estar com ela (resposta ao facto controvertido nº 1).
6º- Nessas ocasiões, a dita I… levou da casa da interdita os seguintes bens:
- uma estrela em ouro e diamantes e um par de brincos com brilhantes de 5 quilates cada um (adiante eliminado nesta parte);
- um conjunto de brincos e alfinete em minas novas;
- conjunto de brincos, alfinetes e anel em minas novas;
- duas pulseiras em ouro representando cobras;
- um par de brincos com esmeraldas;
- dois anéis em brilhantes;
- dois anéis de minas novas;
- um casaco de vison escuro comprido (resposta ao facto controvertido nº 2).
7º- A dita I… retirou tais objectos com o pretexto de que a casa da mãe era pouco segura (resposta ao facto controvertido nº 3) - adiante eliminado.
8º- A interdita solicitou à filha I… que lhe restituísse as jóias referidas em 6º (resposta ao facto controvertido nº 4).
9º- Os bens em causa vinham sendo gozados e fruídos pela interdita, por si e por intermédio dos seus antepossuidores, de forma exclusiva e na convicção de gozar e fruir coisas exclusivamente suas, há mais de 1, 5 ou 10 anos, contínua e ininterruptamente, adquirindo-os, pagando os respectivos preços, vestindo-o (o casaco de pele) e apresentando-se com eles (casaco e jóias) em festas e outros actos sociais e públicos, exibindo-os aos amigos, usando-os, limpando-os, mandando-os arranjar, guardando-os, à vista de toda a gente, de forma pública e pacífica, sem oposição de quem quer que seja e de boa fé (resposta ao facto controvertido nº 6).
10º- A interdita viveu com o desgosto de ter sido desapossada e privada dos referidos bens (resposta ao facto controvertido nº 7).
11º- A requerente interpelou os demandados, após a morte da I…, para procederem à entrega das jóias (resposta ao facto controvertido nº 10) – adiante eliminado.
IV.
Cumpre apreciar as questões acima indicadas, seguindo a sistematização adoptada pelos Recorrentes, por se nos afigurar adequada (dada a natureza predominantemente adjectiva das primeiras questões).
1. Começam os Recorrentes por afirmar que o falecimento da autora na pendência da presente causa, tal como foi configurada – e não tendo ocorrido qualquer alteração quer quanto à causa de pedir, quer quanto ao pedido – deveria dar lugar à extinção da instância, uma vez que se tornou impossível ou inútil a continuação da lide, nos termos do nº 3 do art. 276º do CPC.
Não têm razão, como parece evidente.
É certo que o falecimento de uma das partes nem sempre dá lugar à suspensão da instância, como se determina no nº 1, al. a) do preceito citado: em vez da suspensão[1], verifica-se a extinção da instância quando a morte da parte torne impossível ou inútil a continuação da lide – nº 3.
São casos em que o direito material controvertido é pessoal e intransmissível ou em que, por outra razão, "a morte de uma das partes esvazia de conteúdo o litígio, tornando a lide impossível"[2].
Como se prevê no art. 2025º, nº 1 do CC, não constituem objecto de sucessão as relações jurídicas que devam extinguir-se por morte do respectivo titular, em razão da sua natureza ou por força da lei.
Podem também extinguir-se à morte do titular, por vontade deste, os direitos renunciáveis (nº 2).
Existem, assim, como refere Capelo de Sousa[3], três causas típicas de intransmissibilidade sucessória: a natural, a legal e a convencional.
Na primeira, incluem-se situações em que, pela particular natureza, se extinguem no momento da morte (por ex., os chamados direitos, poderes e deveres pessoais, como o poder paternal, os deveres conjugais pessoais); na segunda, os vários casos em que a intransmissibilidade é imposta por lei (por ex. o direito de usufruto, o direito de uso e habitação, o direito ao divórcio); na última, os casos em que ocorreu renúncia (sendo esta admissível) por parte do autor da sucessão.
Como parece evidente, não estamos perante nenhuma das situações apontadas: a pretensão deduzida na acção, qualificada já como reivindicação dos bens móveis acima identificados, envolve o reconhecimento do direito de propriedade sobre os mesmos e o pedido de restituição (art. 1311º do CC) e tem natureza patrimonial, sendo, por isso, transmissível; a intransmissibilidade não é, no caso, imposta por lei, sendo certo também que, apesar de se tratar de bens móveis, não houve, naturalmente, renúncia[4] ao direito sobre os mesmos, nem sequer abandono destes por parte da titular do direito (como o revela a prova efectuada).
Deve concluir-se, por conseguinte, que o falecimento da autora não tornou impossível ou inútil a continuação da lide, não determinando, por isso, a extinção da instância.
2. Defendem também os Recorrentes que a acção de reivindicação tem de ser intentada com a intervenção de todos os herdeiros, no exercício dos seus direitos de acção em litisconsórcio necessário.
Sobre este ponto, importa referir que a acção foi proposta por quem tinha legitimidade para tal: a proprietária dos bens reivindicados.
Com o falecimento desta, correu termos e foi declarada a habilitação de todos os seus sucessores.
Não se compreende, por isso, a questão agora suscitada.
Em rigor, o que parece que seria defensável era que fosse habilitada apenas a filha C…, uma vez que os demais sucessores já intervinham na acção, ocupando a posição de réus.
Com efeito, "não se cuida aqui da sucessão hereditária. Na habilitação – incidente da acção – há apenas que deferir a sucessão de uma parte, que faleceu, para as pessoas que na causa devam ocupar a mesma posição jurídica que aquela parte ocupava.
Assim, os filhos da autora que na acção ocupam a posição jurídica de réus não podem ser incluídos no número daqueles filhos que nessa qualidade de autores vão ocupar a posição da mãe"[5].
Sublinhava Alberto dos Reis que "a habilitação incidental visa colocar o sucessor no lugar que o falecido ocupava em processo pendente. Daí vem que a sentença de habilitação não tem alcance geral; o seu efeito é limitado ao processo em que surge como incidente, visto que o sucessor habilitou-se ou foi habilitado, não erga omnes, mas perante o litigante com o qual pleiteava a falecida"[6].
Assim, com a habilitação não se opera nenhuma transmissão de direitos nem de obrigações, mas apenas a sucessão de posição jurídica de pessoa na relação processual.
A habilitação incidental respeita, pois, "tão só à transmissão da posição jurídica litigiosa, a qual não tem de coincidir com a transmissão universal dos direitos do falecido"[7].
No caso, na sequência da sentença de habilitação e apesar dela, a posição jurídica activa vem sendo ocupado efectivamente apenas pela filha C…, confinando-se os réus à sua posição passiva; nada se oferece, pois, acrescentar.
3. Aludem, de seguida, os Recorrentes "a uma (aparente) convolação da acção de reivindicação numa acção possessória ou de petição de herança ao abrigo do 2088º, do C.Civil, para fundamentar a legitimidade activa da cabeça-de-casal a partir da morte da sua representada".
Acrescentam que a sentença incorre em "claro e inequívoco excesso de pronúncia ao conhecer e tomar posição sobre questões que não deveria conhecer".
Vejamos.
A questão agora posta encontra alguma justificação, tendo em conta o teor, não da sentença, mas do despacho de fls. 256 e 257, ainda não transitado em julgado[8]. Com efeito, na parte final desse despacho determinou-se que "a acção pode prosseguir nos termos expostos, por se manter a legitimidade da filha da autora, no lugar daquela, como cabeça de casal da herança entretanto aberta e face ao interesse em agir que resulta do pedido que esta pode formular de restituição de bens ao património da falecida - leia-se 'herança' ".
Todavia, afigura-se-nos que não há necessidade, nem fundamento, para proceder a esta alteração.
A legitimidade da filha C… advém da sua qualidade de sucessora da autora, como foi reconhecido pela sentença de habilitação, não tendo, parece-nos, cabimento o recurso à sua qualidade de cabeça-de-casal (como se ela, nessa qualidade, propusesse a acção em representação da herança, em vez de prosseguir com ela como simples sucessora da autora) e ao, não invocado, regime do art. 2088º do CC, que envolveria alteração da causa de pedir (pelo fundamento e objectivo visado com o pedido de entrega), o que afrontaria o princípio da estabilidade da instância previsto no art. 268º do CPC[9].
Nesta parte, o aludido despacho deve ser revogado.
Na sentença, o único ponto relacionado com esta questão consistiu no ajustamento que se entendeu necessário efectuar ao pedido formulado na acção, na sequência do falecimento da autora. Pedido esse que, na sequência do aludido despacho, "se transmutou em pedido de reconhecimento do direito de propriedade da herança aberta por óbito da autora sobre tais objectos".
Parece-nos óbvio que teria de ser assim: a restituição não poderia ser feita à autora, já falecida, mas à sua herança. O acrescento que se faz na parte injuntiva da sentença, ao concretizar-se a pessoa que representa a herança, não será relevante, por não ser indispensável, uma vez que constitui uma mera decorrência do regime legal, por ser a cabeça de casal quem administra e representa a herança (cfr. arts. 2079º e segs do CC).
A sentença não se encontra, por isso, afectada de qualquer vício formal, designadamente por excesso de pronúncia – art. 668º nº 1 al. d) do CPC.
4. Sustentam também os Recorrentes que estamos perante uma herança indivisa (da filha I…), pelo que os herdeiros desta não podem ser condenados a cumprir com uma obrigação (de entrega de coisa certa) que não é deles, mas sim da herança.
Crê-se que não têm razão.
Deve começar por referir-se que a herança indivisa não se confunde com herança jacente ou não aceite pelos sucessores.
A herança pode não ter sido partilhada e continuar indivisa, mas já ter sido aceite pelos sucessores (cfr. art. 2050º e segs. do CC). Neste caso, não obstante ainda não ter ocorrido a liquidação e partilha, o contraditório deve ser estabelecido com os herdeiros aceitantes, uma vez que a herança, não sendo jacente, deixou de ter personalidade judiciária (cfr. arts. 2046º do CC e 6º al. a) do CPC)[10].
É certo que, na p.i., a autora não alegou que a herança deixada por I…, mulher e mãe dos réus, foi aceite por estes, nem se pode concluir, como em princípio poderia parecer, que esse facto decorre implicitamente do teor daquele articulado, uma vez que, como se esclarece no art. 39º, a acção é proposta desde logo apenas contra o cabeça-de-casal, com base no disposto no art. 2088º nº 2 do CC; acrescenta-se depois (art. 40º) que, por cautela, se deduzem idênticos pedidos directamente contra os herdeiros, nos termos do art. 2091º do CC, para o caso de se vir a entender que a legitimidade passiva pertence a estes.
Foi este o caminho seguido na sentença, pelo que, não demonstrada a aceitação da herança, pareceria que a decisão deveria ser alterada no sentido da referida primeira formulação do pedido. No fundo, é esta a conclusão a que chegam os Recorrentes (supra conclusão 11ª).
Porém, estranha-se que estes não aleguem que a herança foi aceite, assentando a sua argumentação no facto de a herança se encontrar indivisa, de não ter sido partilhada.
Esta alegação, pelo que acima foi referido, não é suficiente para a alteração da decisão, que parte necessariamente do pressuposto de que a herança foi aceite, pressuposto que não foi infirmado, por qualquer modo, pelos recorrentes.
A razão invocada – manter-se a herança indivisa – não constitui, pois, fundamento para alteração da decisão.
5. Defendem ainda os Recorrentes que, estando-se perante uma acção de reivindicação, seria exigível à autora a alegação e prova de que aqueles estão na detenção dos bens em causa.
Por outro lado, a obrigação de entrega de coisa certa, atenta a sua natureza infungível, por ter na sua génese uma conduta ilícita, extingue-se com a morte do titular, não sendo transmissível.
Não têm razão.
No que respeita a este último ponto, já nos referimos atrás a correspondente questão posta do lado activo, tendo concluído que o direito peticionado era transmissível, não havendo fundamento para a extinção da instância pretendida pelos Recorrentes.
O mesmo se passa com a obrigação de entrega dos bens: como constitui entendimento pacífico, as obrigações integram o conteúdo das relações jurídicas patrimoniais, sendo por isso transmissíveis, nos termos do art. 2024º do CC.
Sublinha Capelo de Sousa que "são objecto de vocação ou devolução sucessória todas as relações jurídicas ou todas as coisas não exceptuadas por lei (cfr. art. 2025º do CC), nomeadamente, para além dos bens patrimoniais, certos direitos pessoais e, no lado passivo das relações jurídicas, as obrigações e as dívidas"[11].
Acrescenta, quanto a estas, que, em princípio, "a morte do de cujus não extingue as suas obrigações, acontecendo que a sua posição jurídica no lado passivo das relações jurídicas é ocupada pelos seus sucessores, permanecendo a obrigação com os seus atributos e acessórios. Só que a responsabilidade dos herdeiros está limitada às forças da herança"[12].
Importa acrescentar que está em causa a obrigação de restituição dos bens que, como se provou, pertenciam à primitiva autora e de que a filha I… se apropriou ilegitimamente (arts. 1305º e 1311º do CC).
Os herdeiros desta sucedem, nos termos acima referidos, nessa obrigação, que se mantém com os seus atributos apesar do falecimento da devedora, ficando aqueles vinculados a restituir os bens, na mesma medida em que o seria a autora do mencionado facto ilícito.
Não vemos, portanto, fundamento para censurar a decisão recorrida.
6. Os recorrentes impugnam a decisão sobre a matéria de facto, pretendendo que sejam alteradas as respostas dadas aos quesitos 1º, 2º, 3º, 4º, 6º, 7º e 10º.
Na motivação da decisão afirma-se que a demonstração dos factos desses quesitos assentou no conjunto dos depoimentos prestados no decurso da audiência de discussão e julgamento, em especial por J…, que depôs de forma coerente e segura, afiançando (no que foi secundado pela testemunha K…) que a referida I…, filha da interdita, se deslocava frequentemente à habitação desta, sendo que, por duas vezes, levou consigo peças de joalharia (que logrou discriminar) que se encontravam no interior de um cofre na casa desta e bem assim um vison, bens esses que a interdita, por diversas vezes, solicitou lhe fossem restituídos por se tratar de bens pelos quais tinha um particular apreço, sem que, todavia, tal pretensão fosse satisfeita.
Ouvida a gravação de todos os depoimentos prestados em audiência, vejamos cada um dos pontos de facto impugnados.
Perguntava-se no quesito 1º
A falecida I…, há alguns anos a esta parte, mais precisamente no início do ano de 2003, entrava e saía de casa da mãe, da qual tinha a chave, com o pretexto de a visitar, conversar e estar com ela?
Resposta: Provado.
Defendem os Recorrentes que o Tribunal fez uma errónea apreciação dos depoimentos referidos em especial na motivação, uma vez que a testemunha K… afirmou claramente que era ela quem abria sempre a porta à falecida I…, sendo certo que do depoimento de J… não resulta inequivocamente que aquela sempre teve chave.
Estas afirmações não são, todavia, inteiramente correctas.
O que afirmou a testemunha K… foi que, "quando ela batia à porta, quando eu estava lá, abria a porta (…); se batiam à porta, eu abria (…); não posso dizer se ela tinha chave de casa ou não tinha".
A outra testemunha foi mais peremptória, uma vez que à pergunta sobre se a filha I… tinha chave, respondeu que sim; e acrescentou: "houve períodos em que ela tinha a chave; sei que ela entrava e saía sem que ninguém lhe abrisse a porta; portanto tinha de ter chave". Esta conclusão não decorre de mera dedução sem conhecimento directo do que foi afirmado: trata-se antes de uma conclusão que se tem por necessária, tendo em conta o horário de trabalho das aludidas testemunhas, referido em audiência, que coincidia apenas de manhã e às quintas-feiras, o que leva a concluir que a testemunha J… era o único empregado na casa durante substancial lapso de tempo. Portanto, se alguém entrava na casa nesses períodos teria de ter chave.
Isto mesmo foi confirmado pela testemunha L…: "cheguei a estar lá em casa e via a D. I… entrar sem lhe abrirem a porta". A testemunha M…, arrolada pelos réus, afirmou também que, quando foi trabalhar para casa da D. I… (por volta de 1999), esta tinha a chave da casa da mãe.
Assim, não existe razão para alteração da resposta.
Quesito 2º
Nessas ocasiões, a dita I… levou da casa da interdita os seguintes bens:
a) uma papeleira pequena em pau santo, que se encontrava no quarto do casal, no valor de € 1500,00;
b) um paliteiro de prata antigo, representando um corcunda, no valor de € 500,00;
c) uma estrela em ouro e diamantes e um par de brincos com brilhantes de 5 quilates cada um, avaliados conjuntamente em € 149.639,37;
d) um conjunto de brincos e alfinete em minas novas, no valor de € 700,00;
e) conjunto de brincos, alfinetes e anel em minas novas, no valor de € 1000,00;
f) duas pulseiras em ouro representando cobras, no valor de € 750,00 cada uma;
g) um par de brincos com esmeraldas, no valor de € 700,00;
h) dois anéis em brilhantes, no valor de € 500,00 cada um;
i) dois anéis de minas novas, no valor de € 800,00;
j) um relógio em ouro de senhora, no valor de € 750,00;
k) dois faqueiros de prata, no valor de € 2500,00 cada um;
l) casaco de vison escuro comprido, adquirido nos EUA, no valor de € 5000,00?
Resposta: Provado que, nessas ocasiões, a dita I… levou da casa da interdita os seguintes bens:
- uma estrela em ouro e diamantes e um par de brincos com brilhantes de 5 quilates cada um;
- um conjunto de brincos e alfinete em minas novas;
- conjunto de brincos, alfinetes e anel em minas novas;
- duas pulseiras em ouro representando cobras;
- um par de brincos com esmeraldas;
- dois anéis em brilhantes;
- dois anéis de minas novas;
- um casaco de vison escuro comprido.
Sobre a existência destes bens, confirmando-a, foram relevantes os depoimentos de L… e de J…. A indicação dos bens que a falecida I… levou consigo de casa de sua mãe foi feita exclusivamente por esta última testemunha, que identificou os primeiros como "uma estrela em ouro e diamantes e um par de brincos com brilhantes". Não referiu, naturalmente, que os brilhantes fossem de "5 quilates cada um", pelo que, apesar de se ter afirmado que o bem era muito valioso (testemunha L…), o facto não pode ser considerado provado nessa parte.
Reconhece-se, pois, razão aos Recorrentes neste ponto da impugnação, devendo eliminar-se essa parte da resposta.
Quesito 3º
A dita I… retirou tais objectos com o pretexto de que a casa da mãe era pouco segura?
Resposta: Provado.
Aqui, no que concerne ao "pretexto de que a casa da mãe era pouco segura" – e ainda que não se veja qualquer utilidade na resposta – deve reconhecer-se razão aos Recorrentes, uma vez que a prova efectuada não corrobora tal justificação. Apesar de ambas confirmarem que a Sra. D. I… levou todas as jóias, a testemunha K… nada afirmou sobre o alegado pretexto; a testemunha J…, referiu que as jóias foram levadas em duas ocasiões; na primeira, a falecida I… justificou a ida à "garrafeira", onde se encontrava o cofre com as jóias, alegando que ia procurar umas caixas de ouro vazias; na segunda, não deu qualquer razão, mas "levou tudo"; "deixou o cofre vazio".
Assim, a resposta a este quesito deve ser alterada nestes termos:
Provado apenas o que consta da resposta ao quesito 2º
Quesito 4º
No Verão de 2003, a interdita solicitou à filha que lhe restituísse as jóias referidas no quesito 2º?
Resposta: Provado que a interdita solicitou à filha I… que lhe restituísse as jóias referidas na resposta ao quesito 2º.
Este facto foi, sem qualquer dúvida, inteiramente confirmado pelas testemunhas, ainda que a K… dele tenha tido conhecimento apenas indirectamente, por lhe ter sido referido pela própria interdita ("ao queixar-se de que a filha não lhe entregava as jóias"); também as testemunhas N… e L…, com igual razão de ciência, confirmaram esse facto. Já a testemunha J… indicou conversas e telefonemas em que a interdita insistiu com a sua filha para que lhe devolvesse as jóias, tendo chegado a sugerir que o depoente as fosse buscar, ao que foi respondido pela dita I… que não seria necessário e que ela as traria, o que não veio a acontecer.
Quesito 6º
Os bens em causa vinham sendo gozados e fruídos pela interdita, por si e por intermédio dos seus antepossuidores, de forma exclusiva e na convicção de gozar e fruir coisas exclusivamente suas, há mais de 1, 5 ou 10 anos, contínua e ininterruptamente, adquirindo-os, pagando os respectivos preços, vestindo-o (o casaco de pele) e apresentando-se com eles (casaco e jóias) em festas e outros actos sociais e públicos, exibindo-os aos amigos, usando-os, limpando-os, mandando-os arranjar, guardando-os, à vista de toda a gente, de forma pública e pacífica, sem oposição de quem quer que seja e de boa fé?
Resposta: Provado.
Referem os recorrentes que nenhuma das testemunhas fez referência a todos os factos aqui dados como provados, não explicitando, todavia, os que tenham faltado.
Parece-nos evidente, contudo, que a prova desta matéria de facto em todos os seus pontos seria redundante. O certo é que as testemunhas K… e J… não deixaram dúvidas de que a interdita já fosse proprietária das jóias quando as mesmas foram trabalhar para ela há mais de 20 anos ("eram do tempo do marido; continuou a ter as mesmas jóias, nunca comprou mais nenhuma"). E que ela as usava, como foi referido por J…, pois "gostava, gostava de ir bem arranjada e levar jóias". Como foi também declarado pelas testemunhas M… ("A D. B… arranjava-se muito bem") e L… ("Tinha uma vida social muito intensa; andava sempre com jóias bonitas"). Fora destas alturas em que as usava, as jóias estavam guardadas no cofre.
No fundo, guarda, fruição, uso e toda uma actuação sobre os bens própria de quem é dono e com a respectiva convicção.
Assim, directamente ou por presunção, ficou no essencial, demonstrada toda a matéria de facto do quesito, nada havendo a alterar.
Quesito 7º
A interdita viveu e vive com o desgosto de ter sido desapossada e privada dos referidos bens?
Resposta: Provado que a interdita viveu com o desgosto de ter sido desapossada e privada dos referidos bens.
Os recorrentes não têm também razão quanto a este facto, que se mostra confirmado pelos depoimentos das testemunhas. A interdita "queixava-se de que a filha não lhe devolvia as jóias" (K…); "queixava-se muito que a filha tinha levado as jóias e não lhas dava" (N… e L…). Numa altura em que sentia já dificuldades económicas, chegou a questionar a testemunha J… sobre o que iria fazer da vida dela e disse até à filha I… para lhe devolver as jóias porque "queria vendê-las para ficar com o dinheiro de reserva para o que desse e viesse". É pois natural que, em todo este período, a interdita sentisse desgosto por ver-se desapossada e privada dos bens.
Assim, para além de o facto não assumir, parece-nos, qualquer utilidade para a decisão, não existe razão plausível para alteração da resposta
Quesito 10º
A requerente interpelou os demandados, após a morte da I…, para procederem à entrega das jóias?
Resposta: Provado.
Aqui parece dever reconhecer-se razão aos recorrentes, uma vez que o facto não foi confirmado pela prova efectuada. Com efeito, apenas a testemunha L… referiu, de passagem, que "inclusive, a D. B… disse que chegou a pedir ao genro" (a devolução dos bens), o que é pouco, manifestamente, para considerar o facto provado, para além de constituir depoimento indirecto.
A resposta deve, pois, ser alterada para não provado.
7. Ainda neste âmbito da matéria de facto, defendem os recorrentes que:
- Deveriam ter sido considerados e valorados certos factos referidos durante a prova testemunhal;
- Tais factos deveriam ter sido conjugados e valorados com os factos acima indicados sob os nºs 2 e 8, para efeitos, v.g., do art. 940º do CC;
- E estão ainda relacionados com os factos alegados pelos réus na contestação e que estes incluíram na reclamação da base instrutória, mostrando-se estes imprescindíveis para a descoberta da verdade material.
Vejamos.
Os factos que os Recorrentes pretendem que deveriam ser considerados e valorados têm a ver com a afirmação da testemunha K… de que a D. B… (interdita) teria dito, numa altura em que estava zangada com a outra filha (C…), que "as minhas jóias vão todas para a minha filha" (I…); esta conversa ocorreu "antes de esta ter levado as jóias".
Para além de tal afirmação não ter sido corroborada por outras testemunhas, importa notar que se trata de facto essencial – afinal, os bens teriam sido doados à falecida I… – que não foi alegado pelas partes. Teria, na perspectiva do Recorrentes, resultado da discussão da causa, mas o mesmo não constitui complemento ou concretização de outros anteriormente alegados pelos réus, nem sobre ele se cumpriram as formalidades previstas no art. 264º nº 3 do CPC, pelo que o mesmo não poderia ser agora atendido.
Por outro lado, a argumentação dos Recorrente resume-se nestes termos: antes de a falecida I… ter levado as jóias, a mãe, num momento de lucidez, tinha-as doado a essa filha; depois, com o agravamento do seu estado de saúde, acabou por solicitar à filha a restituição das jóias, assim se justificando que tenha "dado o dito por não dito".
Esta argumentação baseia-se, porém, em meras suposições, que os Recorrentes não lograram demonstrar.
O que daí se retém é a confissão de que a falecida I… tinha as jóias consigo.
Sobre os factos que os Recorrentes invocaram na reclamação da base instrutória, subscreve-se o que se afirmou na respectiva decisão: não têm relevância para a decisão da causa. Por maioria de razão, agora, constatada a autoria dos factos praticados pela falecida I….
8. Importa acrescentar, a concluir, que as alterações introduzidas na decisão de facto nenhum relevo assumem em termos de apreciação do mérito, devendo ter-se em atenção, no que toca aos bens a restituir, a correcção feita na resposta ao quesito 2º - facto supra nº 6.
V.
Em face do exposto, julga-se a apelação improcedente, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pelos Apelantes.
Porto, 13 de Julho de 2011
Fernando Manuel Pinto de Almeida
Trajano A. Seabra Teles de Menezes e Melo
Leonel Gentil Marado Serôdio
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[1] Ou até do prosseguimento da lide, apesar do falecimento ou extinção da parte, como ocorre em determinadas situações.
[2] Rodrigues Bastos, Notas ao CPC, Vol. II, 3ª ed., 38.
[3] Lições de Direito das Sucessões, Vol. I, 2ª ed., 279; também Pereira Coelho, Direito das Sucessões (1992), 161.
[4] No sentido de perda voluntária de um direito que o renunciante pode demitir de si, sem o atribuir ou ceder a outrem – Capelo de Sousa, Ob. Cit., 282, nota (411).
[5] Acórdão do STJ de 02.06.64, BMJ 138-298.
[6] CPC Anotado, Vol. I, 574 e 575.
[7] Lebre de Freitas, CPC Anotado, Vol. 1º, 2ª ed., 685.
[8] Ao caso já é aplicável o novo regime dos recursos, introduzido pelo DL 303/2007, de 24/8.
[9] Neste sentido e para situação paralela, o Acórdão do STJ de 15.01.2004, em www.dgsi.pt.
[10] Neste sentido, o citado Acórdão do STJ de 15.01.2004 e o Acórdão da Rel. de Lisboa de 24.02.2000, CJ, XXV, 1, 125.
[11] Ob. Cit., 275. Cfr. também Carvalho Fernandes, Lições de Direito das Sucessões, 57 e J. Gomes da Silva, Herança e Sucessão por Morte, 200 e segs.
[12] Ob. Cit., 278.