CONTRATO DE ARRENDAMENTO
DESPEJO IMEDIATO
Sumário


1. Estando o locado em estado de degradação, reconhecida pelo senhorio e sem possibilidade do inquilino nele exercer o fim a que se destina - restauração e cervejaria, por falta de salubridade e mantendo-se encerrado por mais de dois anos consecutivos, reconhecendo-se que o encerramento se deve a “caso de força maior “ ou ausência forçada do arrendatário por mais de dois anos, o senhorio pode resolver o contrato ao abrigo da alínea h) do n.º 1 do art.º64.º do RAU.
2.Tendo o senhorio, proprietário do imóvel locado acordado com o inquilino de que este não teria que pagar a renda, enquanto não pudesse exercer no locado a actividade de restauração e cervejaria e se mantivesse encerrado, os efeitos desse acordo, transferem-se para o novo proprietário do imóvel locado.

Texto Integral



Acordam no Supremo Tribunal de Justiça
:
I-RELATÓRIO:
1 - AA intentou a presente acção declarativa de despejo com processo ordinário contra, BB - Restaurante Cervejaria, Ldª na qual pretende que se decrete a resolução do contrato de arrendamento, condenando-se a Ré a despejar e entregar-lhe imediatamente o locado e bem assim, a pagar-lhe as rendas vencidas no montante de 3.916.360$00,acrescido de 1.958.180$00, a título de indemnização, e ainda as que se vencerem, até à restituição do arrendado, elevando-se ao dobro essa indemnização caso a R. se constitua em mora; e a indemnizá-lo em quantia não inferior a 1.000.000$00, valor em que se estima os prejuízos causados pelo encerramento e degradação do arrendado. Se assim não se entender, decretar-se a resolução do contrato de arrendamento, condenando-se a Ré a despejar e a entregar imediatamente o locado ao A. e bem assim a pagar as rendas vencidas no montante de 3.916.360$00, acrescido de juros de mora, calculados à taxa legal de 7%, e, ainda, a título de indemnização e até ao momento da restituição do arrendado, as rendas que se vencerem elevando-se ao dobro essa indemnização caso a R. se constitua em mora.
A Ré contestou, pronunciando-se pela improcedência da acção, alegando que a falta de pagamento das rendas, resulta dum acordo com o senhorio e do mesmo modo o encerramento do local arrendado se deve à falta de condições para nele ser exercida actividade de restauração para que foi arrendado.
O A. respondeu, mantendo a sua posição inicial.
Decorrida a tramitação processual, foi proferida sentença na qual se julgou a acção procedente e, consequentemente, decretou-se a resolução do contrato de arrendamento e condenou-se a Ré a despejar o locado e a entregá-lo ao Autor e ainda a pagar-lhe as rendas vencidas, no montante de € 19 534,72, bem como as vincendas, a titulo de indemnização, até à restituição do arrendado, acrescidas dos juros, calculados às taxas supletivas legais sucessivamente aplicáveis, até integral pagamento.
Dessa decisão, interpôs recurso de apelação a Ré, e na sequência do qual foi proferido acórdão que a absolveu do pedido.
2 – Inconformada com a decisão, dela interpôs recurso de revista o Autor, que foi admitido e oportunamente foram apresentadas as alegações concluindo nelas pela forma seguinte:
1ª) O âmbito ou objecto de recurso de Apelação interposto pela R., ora Recorrida, estava delimitado pelas conclusões;
2ª) Todas estas conclusões foram julgadas improcedentes pelo Acórdão recorrido, pelo que deveria ter sido julgado improcedente o recurso;
3ª) Contudo, o Acórdão recorrido revogou a sentença, conhecendo de questões não contidas no âmbito do recurso da Apelante;
4ª) Assim, o Acórdão recorrido conheceu de questões de que não podia tomar conhecimento, sendo pois nulo;
5ª) O estado de degradação do arrendado não constitui um caso de força maior;
6ª) Independentemente disso, o estado de degradação do arrendado não se deve exclusivamente ao A., ora Recorrente, uma vez que a R., também contribuiu para isso;
7ª) Acresce que o A., ora Recorrente, não era proprietário do arrendado à data em que a R. encerrou o estabelecimento e não ficou provado que o A. conhecia a situação de degradação em que o arrendado se encontrava;
8ª) E incumbia à R. fazer parte das obras no arrendado;
9ª) Resultou apenas genericamente provado que o arrendado estava degradado, não se podendo daí concluir que tivesse que ser encerrado;
10ª) Seja como for, durando o encerramento por mais de dois anos, mesmo que se estivesse perante um caso de força maior, já nada poderia salvar o arrendatário;
11ª) Desse modo, o encerramento do arrendado por mais de dois anos seria por si só motivo bastante para ser decretada a resolução do arrendamento;
12ª) E o encerramento do arrendado também não pode ser justificado pelo acordo a que se refere a resposta ao quesito 9º;
13ª) Desde logo, esse acordo não foi feito pelo A. nem pelo então senhorio, pelo que não se reveste de qualquer validade;
14ª) Efectivamente, à data do pretenso acordo de encerramento (16 de Setembro de 1998) o proprietário do arrendado era EE, como se prova pela certidão do Registo Predial junta com a petição como Doc. n.2 ;
15ª) Verifica-se por isso um erro na fixação de um facto material da causa ao considerar-se como proprietário à data do acordo CC, o que ofende lei expressa que fixa a força de determinado meio de prova;
16ª) Assim, esta questão pode ser objecto de recurso de revista, nos termos do art. 722° n.° 2 do CPC;
17ª) Por outro lado, o mau estado do arrendado e a carência de obras não se contrapõe ao não pagamento de rendas,
18ª) Com efeito, a obrigação de fazer obras não justifica a invocação da excepção de incumprimento do contrato;
19ª) A própria R. afasta expressamente a questão da falta de pagamento de rendas devido ao estado do arrendado, pelo que essa questão não deveria ter sido sequer conhecida pelo Acórdão recorrido;
20ª) Também não se justifica o não pagamento de rendas com base no acordo a que se refere a resposta a quesito 5°, por se ter baseado exclusivamente no depoimento de uma testemunha e não ser admissível prova testemunhal sobre essa matéria;
21ª) E existindo lei expressa que exige certa espécie de prova para a existência do facto, pode igualmente esta questão ser objecto de recurso de revista;
22ª) E tendo havido uma cessão de créditos relativos às rendas em dívida pelo anterior senhorio ao A., ora Recorrente, e estando o acordo de liberação de rendas ligado ao contrato-promessa de compra e venda do arrendado por parte da R., não se tendo concretizado a compra, tem o A. direito a exigir o pagamento das rendas e a pedir a resolução do contrato de arrendamento com esse fundamento;
23ª) Mesmo admitindo que o acordo de liberação das rendas existiu e continua em vigor, nunca produziria efeitos em relação ao A. quanto às rendas vencidas após a compra;
24ª) Assim, as rendas vencidas e não pagas após a escritura sempre confeririam ao A. direito à resolução do contrato de arrendamento:
25ª) Decidindo como decidiu, o douto Acórdão recorrido violou, designadamente os art.° 668 n ° 1 al. d), 678 n.° 1, 680 n°1, 684, n.° 3, 684-A 690, n.° 1, 716, todos do Cód. Proc. Civil, 110 do Cód. Registo Predial; 371, n° 1, 428, 1058 do Cód. Civil e art.° 64 n.º 1 al. h) do RAU;
Termos em que, deve ser concedido provimento ao recurso, revogando-se o Acórdão recorrido.
Não houve contra alegações.
Corridos os vistos e tudo ponderado cabe apreciar e decidir

II – FUNDAMENTAÇÃO:
A) Factos:
A decisão recorrida apoiou-se na seguinte matéria de facto:
A) Em 16 de Outubro de 1989, entre o então proprietário, CC na qualidade de senhorio e a Ré, como locatária, foi celebrado contrato de arrendamento da fracção autónoma designada pela letra “B" correspondente ao rés do chão direito do prédio urbano sito na Rua ...., n°s 00-A e 00, freguesia e concelho de Almada;
B) Nos termos do referido contrato, o local arrendado destina-se ao comércio de restaurante, cerveja a e pastelaria;
C) A renda foi fixada em 60.000$00 ;
D) O Autor é proprietário do local arrendado desde 21 de Novembro de 2000;
E) Durante alguns anos, a Ré exerceu efectivamente no arrendado o seu comércio de restaurante e cervejaria;
F) Acontece que, pelo menos desde Janeiro de 1999, a Ré encerrou o estabelecimento comercial;
G) E não exerce, desde então, qualquer actividade no arrendado, cujo gradeamento exterior à porta se encontra fechado com cadeados e com correntes de ferro;
H) O interior do arrendado encontra-se em estado de degradação;
M) A Ré não pagou a renda referente a Setembro de 1998, não tendo pago, desde esta data, as rendas referentes ao acordo mencionado em A);
N) Actualmente, a renda é de 97.909$00 (noventa e sete mil novecentos e nove escudos), mercê de sucessivas actualizações legais, tendo a última ocorrida em Janeiro de 1998;
O) Em 16 de Setembro de 1998, foi celebrado um contrato promessa de compra e venda da fracção despejanda, entre o então proprietário e a ora Ré;
P) Nos termos desse contrato, DD prometeu vender à ora Ré a referida fracção pelo preço de 11.500.000$00;
Q) Foi entregue um sinal de 500.000$00 acordando-se que a escritura de compra e venda seria outorgada até 15 de Dezembro desse ano de 1998;
R) Durante período de tempo não concretamente apurado, as portas atrás do gradeamento exterior referido em G) estiveram escancaradas, permitindo a entrada de lixo e animais;
S) Tal situação constituía foco de insalubridade;
T) Pelo menos na ocasião em que as portas estiveram abertas, havia lixo no interior do arrendado;
U) O anterior proprietário do arrendado conferiu ao Autor o direito a exigir da Ré todos os montantes relativos a rendas vencidas e não pagas, até à data do contrato de compra e venda e respectiva indemnização por mora;
V) Foi também acordado entre o senhorio e a arrendatária que, a partir da data da celebração do contrato promessa (16 de Setembro de 1998), a Ré deixaria de pagar renda;
X) O que, efectivamente, passou a suceder;
Z) Foi então acordado entre CC, que se apresentava como senhorio do arrendado, e a arrendatária, que seriam efectuadas obras na fracção;
AA) Uma vez que as instalações do estabelecimento se encontravam muito degradadas;
AB) Foi ainda acordado com o referido CC o encerramento do arrendado;
AC) Após a realização de obras efectuadas pela administração do condomínio, no arrendado ficou também entulho resultante dessa obra;
AD) A Ré tinha solicitado ao senhorio a efectivação de outras obras de conservação do locado;
AE) Isto porque se verificavam infiltrações de humidade nas paredes e no tecto da fracção;
AF) Provocando o aparecimento de manchas negras;
AG) E dando origem a falta de salubridade no estabelecimento;
AH) O senhorio tinha recusado efectuar as obras de conservação do prédio.

B) Direito:
Sabendo-se que o objecto do recurso é balizado pelas conclusões que os recorrentes tiram das alegações , a elas nos cingiremos na sua apreciação.
1- O recorrente começa as conclusões, sustentando que o Acórdão recorrido que apreciou e decidiu com base em questões que não constituíam objecto do recurso de apelação por si interposto e que tendo todas as conclusões sido julgadas improcedentes, o recurso devia ter sido do mesmo modo julgado improcedente por não provado.
Não tem razão nesta parte o recorrente.
Vejamos:
Ao contrário do que sustenta o recorrente, da análise das conclusões tiradas das alegações do recurso de apelação que constituírem efectivamente o objecto desse recurso, verifica-se que o ali apelante, tirou das alegações a 11.ª conclusão que se transcreve: “Alegando-se falta de pagamento das rendas, mas tendo sido provado o acordo para o não pagamento, em função do evento futuro que não se efectivou, para a decisão da causa é essencial saber-se a quem cabe a responsabilidade por tal facto – o da escritura da compra e venda não ter sido efectuado.
Desta conclusão resulta que o Tribunal da Relação não podia deixar de apreciar e decidir se as rendas eram ou não devidas e não o sendo, como se entendeu mostra-se evidente que a resolução do contrato com o fundamento na falta de pagamento das rendas, não poderia proceder, como acertadamente foi decidido no acórdão recorrido.
Não é assim verdade que no acórdão recorrido tenham sido julgadas improcedentes todas as conclusões que foram objecto do recurso de apelação, nem que no acórdão que revogou a sentença da 1.ª instância tenha conhecido de questões de que não podia ter conhecido.
Assim, improcedem as primeiras 4 conclusões que o recorrente tira das alegações.
2 – Vejamos agora se o estado de degradação do imóvel, deve, no caso em apreciação ser considerado como um caso de força maior, como foi entendido em ambas as instâncias, facto que o ora recorrente aceitou na decisão da 1.ª instância.
Da matéria dada como assente resulta que, pelo menos desde Janeiro de 1999, a Ré encerrou o estabelecimento comercial e não exerce, desde então, qualquer actividade no arrendado, cujo gradeamento exterior à porta se encontra fechado com cadeados e com correntes de ferro, e em consequência dessa situação, durante um período de tempo não concretamente apurado, as portas atrás do gradeamento exterior referido em G) estiveram escancaradas, permitindo a entrada de lixo e animais, situação que constituía foco de insalubridade e pelo menos na ocasião em que as portas estiveram abertas, havia lixo no interior do arrendado.
Foi então acordado entre CC, que se apresentava como senhorio e a arrendatária, que seriam efectuadas obras na fracção, uma vez que as instalações do estabelecimento se encontravam muito degradadas. Foi ainda acordado com o referido José Arsénio o encerramento do arrendado.
Posteriormente, foram efectuadas obras pela administração do condomínio, mas no arrendado ficou entulho resultante dessa obra, e continuaram a verificar-se infiltrações de humidade nas paredes e no tecto da fracção, provocando o aparecimento de manchas negras e dando origem a falta de salubridade no estabelecimento. Daí que a Ré tenha solicitado ao senhorio a efectivação de outras obras de conservação do locado, mas o senhorio tinha então recusado efectuar as obras de conservação do prédio.
Verifica-se assim da matéria assente que face à situação de degradação do locado, reconhecida pelo próprio senhorio, não era possível à inquilina manter aberto o estabelecimento por falta de salubridade, tanto mais destinando-se ele ao comércio de restauração e cervejaria era indispensável que não tivesse infiltrações para que o inquilino pudesse exercer nele a actividade a que era destinado pelo contrato.
Enquadrará essa situação o caso de força maior previsto na alínea h) do n.º2 do art.º 64º do RAU ?
Como se sabe consideram-se normalmente casos de “força maior”, os que resultam de forças da natureza, ciclones, inundações graves, descargas eléctricas entre outros, não sendo habitual considerar-se caso de força maior o facto do locado se encontrar em estado de degradação por o Senhorio não realizar nele as obras necessárias para a sua utilização para o fim determinado no contrato de arrendamento.
Entendemos que a impossibilidade que resulta da degradação do imóvel nos termos descritos se enquadra plenamente no âmbito do caso de força maior, por não divergir grandemente, da situação que impede a utilização do locado pelo inquilino, em consequência duma inundação ou de um tornado que destrói o telhado dum imóvel e que por esse motivo o inquilino fica impossibilitado de nele exercer a actividade, a que se destina -(1).
No caso em apreciação é o próprio senhorio, que se recusa a fazer as obras necessárias para a normal utilização do locado e acordou com a inquilina o encerramento do local arrendado, por tempo indeterminado.
Pelo que se deixou dito, não se entende que o estado de degradação em que se encontra o imóvel não se enquadre no elenco dos casos de força maior, e também não está provado que à Ré caiba alguma fracção de responsabilidade por essa degradação nem que lhe incumbisse fazer obras no arrendado.
Improcedem, por isso, as 5.ª, 6.ª, 7.ª, 8.ª e 9.º conclusões.
Dos factos que se alinharam resulta que o encerramento não constituiria fundamento para a resolução do contrato, se não estivesse provado que, pelo menos desde Janeiro de 1999, a Ré encerrou o estabelecimento comercial e que se manteve continuadamente encerrado até ao presente.
Acontece que a lei permite a resolução do contrato de arrendamento pelo senhorio se o inquilino “conservar encerrado, por mais de um ano, o prédio arrendado para o comércio, indústria ou exercício de profissão liberal, salvo caso de força maior ou ausência forçada do arrendatário, que não se prolongue por mais de dois anos”(al.h) do nº1 do artº 64ºdo RAU).
Verifica-se da análise deste preceito legal que a lei estabelece um limite (máximo) de tempo para a protecção excepcional do locatário.
Tanto o caso de força maior, como a ausência forçada da arrendatária, deixam de ser causa impeditiva do despejo do prédio, desde que se prolonguem por mais de dois anos.
Há assim que ter em conta que a excepção contida na referida alínea h), que protege o locatário, cessa a partir do momento em que o encerramento do prédio atinge os dois anos. A partir daí, como entende Antunes Varela, volta a prevalecer, “no julgamento criterioso da lei, o interesse do proprietário do imóvel em reavê-lo, livre do arrendamento, bem como o interesse geral da colectividade no aproveitamento efectivo do local” -(2).
Não é por o acordo efectuado entre o então senhorio e a arrendatário não ser válido nem pelo facto do Autor ainda não ser proprietário do imóvel quando o encerramento do locado ocorreu, que procede o pedido de resolução do contrato de arrendamento com o fundamento do encerramento, mas porque a lei assim o determina expressamente, face ao tempo decorrido desde o encerramento, ou seja há mais de dois anos.
Procedem assim as conclusões 10ª e 11ª.

3 – Sustenta ainda o recorrente que o encerramento do locado não se justifica pelo acordo a que se refere o quesito 9.º, que esse acordo não terá sido feito pelo então proprietário do locado que era EE e que por isso haverá erro na fixação de um facto material da causa.
Da análise da matéria de facto, verifica-se que em Outubro de 1989, data da celebração do contrato de arrendamento, era proprietário do imóvel o CC e só em Setembro de 1998 é que aparece como novo proprietário EE e foi com este que foi celebrado o contrato de promessa de compra e venda do locado à arrendatária e foi também nessa altura que foi celebrado o acordo com a Ré, que lhe permitiu deixar de pagar as rendas.
O Autor só passou a ser proprietário do local arrendado em 21 de Novembro de 2000, sendo certo que pelo menos desde Janeiro de 1999, a Ré encerrou o estabelecimento com o consentimento do então proprietário.
Assim, de harmonia com a matéria dada como assente, a Ré deixou de pagar a renda em Setembro de 1998 e foi nessa data que celebrou com o então proprietário o contrato promessa de compra e venda do imóvel locado e o acordo para não continuar a pagar rendas.
De qualquer modo, mesmo que tenha havido erro na apreciação da matéria de facto como entende o recorrente. Essa questão não caberia no recurso de revista.
Por se tratar de matéria de facto, este Tribunal estaria impedido de a apreciar, como se dispõe no art.º 722.º, n.º 2 do CPC.
Improcedem assim as conclusões 12.ª, 13.ª, 14.ª, 15.º e 16.ª .
4 - Vejamos agora a parte do recurso relativa ao entendimento do recorrente que apesar do mau estado do imóvel e o seu consequente encerramento, “ não se contrapõe ao não pagamento das rendas”, porque “a obrigação de fazer obras não justifica a invocação da excepção de incumprimento do contrato” e que por isso, “ essa questão não deveria sequer ter sido conhecida pelo Acórdão recorrido”.
As asserções do recorrente relevariam , se a decisão não assentasse na matéria assente, mas em puros conceitos jurídicos desgarrados da realidade factica concreta dos presentes autos.
Na verdade, na apreciação do recurso não se pode deixar de ter em consideração que, “ Foi acordado entre o senhorio e a arrendatária que, a partir da data da celebração do contrato promessa (16 de Setembro de 1998), a Ré deixaria de pagar renda, o que, efectivamente, passou a suceder “ e “Foi então acordado entre CC, que se apresentava como senhorio do arrendado, e a arrendatária, que seriam efectuadas obras na fracção” e que “ uma vez que as instalações do estabelecimento se encontravam muito degradadas , foi ainda acordado com o referido CC o encerramento do arrendado”.
Começa o recorrente por sustentar que à data em que foram celebrados os aludidos acordos ele ainda não era proprietário do imóvel, uma vez que como se vê da matéria provado só passou a ser proprietário do local arrendado, desde 21de Novembro de 2000, e os acordos entre o anterior proprietário e a inquilina ocorreram todos eles antes dessa data.
É verdade que assim aconteceu, mas a alteração da titularidade do direito de propriedade, não altera os ónus e encargos que sobre ele recaíam. O adquirente, ao tornar-se proprietário do imóvel, adquire não apenas os direitos que sobre ele incidem, mas também os encargos assumidos pelo anterior proprietário e se este não o informou da existência dos referidos acordos com a inquilina, é questão a decidir entre eles, antigo e novo proprietário. O inquilino, não pode ser prejudicado por factos que lhe não são imputáveis, uma vez que nada tem a ver com as negociações entre o anterior proprietário do imóvel e o actual (art.º 1057.º do Código Civil).
Procedendo à interpretação dos referidos acordos firmados entre o anterior senhorio e a inquilina, apoiando-nos na teoria da impressão do declaratário, a declaração terá o sentido que lhe daria alguém medianamente sagaz, diligente e prudente, colocado na posição de declaratário normal na posição do real declaratário (art.º 236.º, n.º1 e 238.º, n.º1 do CC).
Para isso, devemos tomar como elemento da interpretação dos acordos toda a matéria assente.
Salienta-se assim que o encerramento do locado ocorreu por acordo de ambas as partes.
Ambos aceitarem que o inquilino não poderia exercer nela a actividade de restauração e cervejaria, tendo-se na altura o senhorio comprometido a levar a efeito no imóvel obras de recuperação, que só mais tarde se recusou a efectuar.
Por outra banda, celebraram ambos, senhorio e inquilina um acordo em que o primeiro dispensou o inquilino de pagar as rendas, por tempo indeterminado.

Mostra-se ainda assente que entre eles foi celebrado um contrato promessa de compra e venda do imóvel locado. Não se sabendo nem quem não cumpriu, nem quem deu causa ao incumprimento
Resultam assim dos acordos celebrados dois motivos que levaram o senhorio a dispensar o inquilino do pagamento das rendas:
- o primeiro porque o imóvel estava “degradado”, não podendo nele ser exercida a actividade a que o mesmo se destinava;
- o segundo, por ter sido celebrado entre eles um contrato de promessa de compra e venda do imóvel.
Embora se tenha tornado impossível a celebração do contrato definitivo de compra e venda do imóvel, uma vez que este foi vendido a terceiro, o actual senhorio, não se mostram provados factos que informem o tribunal de quem resultou o incumprimento definitivo desse contrato.
Se a dispensa pelo senhorio, da inquilina pagar as rendas tiver por base o facto deste não poder manter o restaurante e a cervejaria a funcionar, enquanto no imóvel não fossem efectuadas as obras de recuperação que o colocassem em condições de nele poder ser exercida essa actividade, é evidente que o Autor, novo senhorio, no estrito cumprimento do contrato celebrado entre o anterior proprietário e a inquilina, continua a não ter direito a receber as rendas até que as obras se efectuem.
Não se mostrando provado o período de desvinculação do inquilino do pagamento das rendas, não pode aceitar-se a invocada cessão de créditos, por estes não existirem.
Não se apurou que existam créditos.
Ninguém pode transmitir a outrem aquilo que não possui.
Não procedem assim as restantes conclusões tiradas pelo recorrente das alegações, pelo que também nesta parte não procede o recurso, mantendo-se a decisão recorrida no que respeita à desvinculação da inquilina do pagamento das rendas.
Improcedem deste modo as restantes conclusões que o recorrente tira das alegações.

III- DECISÃO:
Assim, tendo-se em consideração as razões que se alinharam, concede-se revista parcial, , julga-se parcialmente procedente o recurso, declara-se resolvido o contrato de arrendamento em causa, condenando-se a Ré a entregar ao Autor o referido imóvel, livre de coisas e pessoas, mantendo-se em tudo o resto a decisão recorrida.
Custas por ambas as partes, na proporção de vencido.

Lisboa, 31 de Janeiro de 2007

Gil Roque (Relator)
Salvador da Costa
Ferreira de Sousa

____________________________
(1) -- Veja-se neste sentido o Ac. R.P. de 3/02/1981, in col.Jur. VI, I, 146.
(2) - Ver. Leg. Jur., n.º 116.º, 192 e 217.