CONTRATO-PROMESSA
INTERPRETAÇÃO DA VONTADE
NOVAÇÃO
INEFICÁCIA
INCUMPRIMENTO
Sumário

I. A interpretação dos contratos deve observar o disposto nos artigos 236º a 238º do Cód. Civil.
II. A ineficácia da novação prevista no art. 860º, nº 1 do Cód. Civil, aplica-se ao caso de ser nula a obrigação objecto da novação, mas não ao caso de sendo nulo o contrato de que resulta a obrigação a novar, não ser esta nula, nomeadamente, nos termos do art. 298º do Cód. Civil.
III. O ónus de prova do cumprimento de uma obrigação onera o respectivo devedor.
IV. Num contrato-promessa de compra e venda em que foi fixado prazo para a celebração da escritura prometida e a obrigação de o promitente vendedor de marcar a escritura e avisar com antecedência o promitente comprador, incumbe ao réu promitente vendedor o ónus de prova de que cumpriu a aquela obrigação. *

* Sumário elaborado pelo Relator.

Texto Integral

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:



"AA" propôs a presente acção com processo ordinário, no 1º Juízo do Tribunal Judicial de Fafe, contra Empresa-A, BB e mulher CC, pedindo que se declare existente e válido o contrato promessa e o acordo que descreve e que seja proferida sentença que produza os efeitos da declaração negocial da primeira ré prometida que coloque na titularidade do autor os prédios que identifica e objecto dos citados acordos, ou, caso tal não seja possível, a condenação dos réus a pagar ao autor a quantia de 325.000.000$00, acrescida de juros à taxa legal de 10% ao ano, contados desde a citação e até efectivo pagamento.

Para tanto alega que, na sequência de um financiamento que efectuou à ré no montante de 350.000.000$00 de que resultou a emissão de letras de câmbio aceites pelo réu Alberto, celebrou o contrato promessa de compra e venda com transacção junto a fls. 8 a 10, mediante o qual esta lhe prometeu vender e ele prometeu comprar os imóveis que identifica, pelo preço global acordado correspondente à importância acima referida, que aquela declarou ter já recebido na totalidade, dando quitação correspondente à liquidação da dívida do empréstimo por si efectuado e acima referido e, consequentemente, liquidação de todas as letras de câmbio aceites pelo réu BB, tendo sido acordado que as escrituras de compra e venda seriam celebradas até 31 de Dezembro de 1966, devendo, para o efeito, a 1ª ré convocá-lo com 30 dias de antecedência, indicando o local, hora e dia, podendo as mesmas ser celebradas a seu favor ou de terceiros por ele indicados.

Mais alega que a 1ª ré não respeitou o prazo de aviso prévio, de trinta dias, tendo-o, apenas, em Agosto de 1997 notificado de que as escrituras públicas seriam celebradas no dia 18 de Agosto de 1997, em hora e local que indicou, e de que a não realização das mesmas, nessa altura, impossibilitaria manter os contratos promessa por culpa do autor, tendo-lhe comunicado que estava disposto a cumprir os contratos, pelo que ela lhe devia fornecer os elementos que menciona a fim de as escrituras serem celebradas no prazo contratual, observando-se o pré-aviso de trinta dias, não tendo os réus fornecido os documentos necessários, o que originou que as escrituras, à excepção da escritura referente a um prédio que descreve, no valor de 25.000.000$00, não tivessem sido celebradas por facto imputável à 1ª ré.

Finalmente ainda alega que a dívida é da responsabilidade de ambos os cônjuges réus, casados em regime que não é de separação de bens, já que o réu marido se dedica ao exercício da actividade industrial, tendo a dívida em causa sido contraída por este ao autor no exercício da sua actividade.
Os réus contestaram, tendo a 1ª ré alegado a incompetência territorial do tribunal demandado por ser competente o tribunal da comarca do Porto, arguiu a nulidade do contrato promessa por ser nulo por vício de forma o empréstimo que lhe está subjacente, arguiu a nulidade de todo o processo por contradição entre o pedido e a causa de pedir e, ainda, impugnando parte dos factos alegados, nomeadamente sobre a culpa no não cumprimento do contrato.

Além disso, a 1ª ré alega que os imóveis já não estão na sua titularidade e sendo assim impossível a execução específica, apenas poderá proceder a devolução do montante do empréstimo ainda em dívida que é de 106.000.000$00.
Por seu lado, os réus BB e mulher arguiram a sua ilegitimidade, além de acompanharem a 1ª ré na arguição da nulidade do contrato promessa e defendendo ter sido o contrato não cumprido por culpa do autor.
Replicou o autor rebatendo as excepções alegadas .
Convidadas as partes a aperfeiçoar os seus articulados, vieram aqueles fazê-lo, tendo a ré rectificado o montante do empréstimo ainda por pagar ao autor que é de 116.000.000$00 e não o montante indicado na contestação.
Foi julgada procedente a excepção de incompetência territorial, sendo mandado remeter o processo à comarca do Porto onde foi distribuído à 3ª Vara Cível.
Aqui foi saneado o processo, organizou-se a matéria assente e a base instrutória e realizou-se audiência de julgamento em que se decidiu a matéria de facto e foi proferida sentença que julgou o pedido subsidiário procedente apenas contra a 1ª ré e absolveu esta do pedido principal e os réus BB e mulher de todos os pedidos.

Inconformados, vieram o autor e a ré Empresa-A apelar, tendo na Relação do Porto sido julgadas improcedentes as apelações.
Ainda inconformados, vieram autor e aquela ré interpor revista tendo sido apresentadas alegações.
Corridos os vistos legais, urge apreciar e decidir.
Como é sabido - arts. 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do Cód. de Proc. Civil, a que pertencerão todas as disposições a citar sem indicação de origem -, o âmbito dos recursos é delimitado pelo teor das conclusões dos recorrentes.
A ordem de apreciação dos recursos é a da sua interposição, pelo que será conhecido em primeiro lugar o recurso do autor e, em seguida, a revista da ré.
Antes de mais há que identificar a matéria de facto que, nos termos do art. 713º, nº 6, se dá por reproduzida a factualidade elencada na sentença de 1ª instância.

I. Revista do autor AA.
Este nas suas alegações formulou conclusões que por falta de concisão não serão aqui transcritas e das quais resulta que aquele recorrente, para conhecer neste recurso, levanta a seguinte questão:
O réu BB obrigou-se no contrato promessa de compra e venda, tal como a ré Empresa-A, a vender ao autor os prédios identificados nesse contrato ?

Por seu lado, o recorrido BB contra-alega defendendo a manutenção do decidido.
Vejamos.
Pensamos que apesar do brilho das doutas alegações do recorrente e da curiosa e imaginativa construção jurídica ali efectuada, não podemos concordar com aquela pretensão.
Com efeito, o cerne da questão aqui em apreço reduz-se à interpretação do contrato promessa aqui ajuizado e que conta de fls. 8 a 10 dos autos em que as partes estão de acordo em ter sido outorgado, mas cuja interpretação é divergente.
Nesta actividade há que, em primeiro lugar, recorrer ao disposto no art. 236º do Cód. Civil, segundo o qual a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não poder razoavelmente contar com ele. E continua aquele dispositivo que sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida.

Por seu lado, tratando-se de negócio formal, o art. 238º do mesmo código estipula que a declaração não pode valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso.
Além disso, na interpretação daquela declaração há que atender a todas as circunstâncias do caso concreto, todos os coeficientes ou elementos que um declaratário medianamente instruído, diligente e sagaz, na posição do declaratário efectivo, teria tomado em conta.
Ora começando a analisar o contrato em causa vemos que as partes lhe chamaram "contrato-promessa de compra e venda com transacção".
Nele foram indicados como partes, a ré Empresa-A representada pelo seu gerente, o réu BB, como primeira outorgante, o réu BB, como segundo outorgante e o autor como terceiro contratante.
Nele se refere que a 1ª outorgante foi beneficiária de um financiamento pelo autor, "nos termos expostos e acordados conforme os contratos e acordos de 25/11/91 e 15/01/93, anexos a este contrato e dele fazendo parte integrante", e que constam a fls. 106 a 116 dos autos.

A seguir acrescenta aquele clausulado que no seguimento dos mesmos foram emitidas pelo segundo outorgante - o aqui réu BB -, conforme se refere o nº 2 do acordo de 15/01/93, letras de câmbio pelos montantes e para as datas aí referidas.
Na cláusula seguinte acordam a Empresa-A e o autor estabelecer e fixar o montante da dívida resultante do empréstimo, em 350.000.000$00, nele incluído, capital, letras de câmbio, juros e quaisquer outras despesas reclamáveis.
Na cláusula que se segue referem que para pagamento e liquidação integral do montante de 350.000.000$00 celebram o presente contrato-promessa de compra e venda.

A seguir descrevem o contrato promessa em que começam por alegar que a ré Empresa-A é legítima possuidora de um lote de terreno, de cinco parcelas de terreno e, ainda, de 500 metros quadrados de escritórios que identificam, prometendo, a seguir, a mesma ré vender aqueles imóveis ao autor e este prometendo comprar pelo referido preço de 350.000.000$00, quantia esta que a mesma ré declara ter recebido e dando a respectiva quitação, pagamento e quitação estes que declaram que corresponde à liquidação da dívida pelo empréstimo do autor à ré Empresa-A e consequente liquidação das letras de câmbio aceites pelo réu BB.

Mais ali acrescentam que os títulos de créditos que o autor mantém, em seu poder e aceites pelo réu BB, serão devolvidos ao mesmo até à data da celebração das escrituras públicas de compra e venda dos imóveis objecto do mesmo contrato.
Seguem-se cláusulas que referem a natureza livre de ónus ou encargos dos imóveis a vender e a data e formalidade da marcação das escrituras.
A seguir há uma cláusula que refere que "o presente contrato, bem como todas as obrigações assumidas pelos primeiro, segundo e terceiro outorgantes, ficam sujeitas ao regime da execução específica nos termos do art. 830º do Cód. Civil ".
Ora deste clausulado, tal como refere a douta sentença de primeira instância, nenhuma obrigação foi ali imposta ao réu BB.
É que quem assumiu a obrigação de vender foi a ré Empresa-A, quem se obrigou a comprar foi o autor e quem se obrigou a marcar a escritura foi a mesma ré.
Logo não podia o incumprimento do contrato promessa por parte da ré Empresa-A implicar para o mesmo réu qualquer responsabilidade.
O recorrente nas suas doutas alegações defende a opinião contrária baseado nos argumentos que se vão sinteticamente analisar.
O primeiro argumento consiste em no acordo de 15/01/93 - fls. 108 e segs. - referido no contrato promessa, haver intervindo o réu BB onde constituiu uma garantia de fiança pelo reembolso do montante emprestado pelo autor à ré Empresa-A.

Ora analisando o citado contrato de 15/01/93, vê-se que no mesmo formalmente intervieram apenas a ré Empresa-A, representada pelo sócios gerentes, BB e DD , por um lado e o autor, pelo outro.
As referências ao réu BB no mesmo acordo são feita na cláusula 2 em que se diz que para cada um dos montantes indicados no quadro de pagamento em prestações da dívida do empréstimo - em que é mutuante o autor e mutuária a ré Empresa-A e referido no acordo de 25/11/91 -, "é aceite pelo sr. BB e entregue ao sr. AA, nesta data, uma letra com o mesmo montante e data de vencimento, em garantia do respectivo pagamento".
Também na cláusula 3 se diz que a ré Empresa-A e o aceitante das letras ficam com a faculdade de proceder ao pagamento antecipado de qualquer dos valores das letras (...).
Finalmente na cláusula 7 ainda se faz a indicação do endereço do mesmo réu BB, para efeitos de comunicação.
Daqui resulta que, à primeira vez vista, o réu BB, não sendo parte expressa naquele acordo, não poderia assumir ali qualquer obrigação de garantia em relação à dívida da ré Empresa-A.
Porém do contexto em que o mesmo acordo foi redigido, parece-nos que o mesmo réu BB ali se obrigou pessoalmente à referida obrigação de garantia, pois logo ali mesmo se procedeu à entrega das letras que então se determinou serem aceites pelo mesmo réu e em seguida foram entregues como garantia ao autor.

Por outras palavras diremos, que pese embora a redacção pouco feliz ao apenas identificar as partes como sendo a ré e o autor, do texto do acordo resulta que o réu BB ali figurando expressamente apenas como sócio-gerente da ré, também interveio pessoalmente como se deduz da obrigação assumida pela ré de aquele aceitar as letras e ao logo ali se concretizar tal com a referida entrega que teria de ser efectuada pelo mesmo réu.
Esta obrigação de garantia apenas se refere ao contrato de mútuo ou de "financiamento" cujos contornos são descritos no acordo com o documento de fls. 106 e 107.
Outro argumento do recorrente consiste na intervenção do réu BB no contrato promessa.
Ora esta intervenção, onde a nada se obrigou, tal como parece resultar do texto do contrato, pode ter outro significado, como seja, o de garantir que nesse acordo se extinguiria a obrigação decorrente do empréstimo e de que aquele seria garante através das letras aceites pelo mesmo.
Por isso, da simples intervenção pessoal daquele réu no contrato promessa não resulta qualquer assunção pelo mesmo de obrigação decorrente do contrato promessa, nomeadamente da obrigação de proceder às vendas ali prometidas.

O recorrente ainda alega que esta intervenção tem como razão a referida assunção da obrigação de vender por os imóveis prometidas vender serem da propriedade de outras sociedades que o mesmo réu representava.
Porém tal não resulta de qualquer facto provado apenas se havendo provado - facto nº 19 da sentença de 1ª instância - que então o prédio onde se situavam as cinco parcelas de terreno prometidas vender eram da sociedade Empresa-B.
O recorrente aponta ainda outro argumento consistente no facto de o efeito extintivo da novação do contrato de mútuo pela celebração do contrato promessa não ser imediato no tocante à garantia dada pelo réu BB em relação ao pagamento do empréstimo.

Ora da análise do contrato promessa, consta expressamente a extinção da obrigação decorrente da devolução do montante mutuado ou financiado - cláusulas D, B2 e B3 do contrato promessa.
Mas mesmo que tal extinção se desse apenas com a celebração do contrato prometido, ou seja, com o cumprimento do contrato promessa - como pretende ver o recorrente na cláusula B4 do mesmo contrato -, nem por isso, o réu BB se teria ali obrigado ao cumprimento das obrigações decorrentes do mesmo contrato promessa, como seja a obrigação de vender, mas apenas resultaria que se manteria a obrigação de garantia do reembolso do montante mutuado ou financiado constante do documento de fls. 106 e 107, até aquele contrato promessa ser cumprido.
Finalmente o recorrente aponta outro argumento para a pretendida interpretação da responsabilização do réu BB na prometida venda que consiste no disposto no art. 237º do Cód. Civil que para a interpretação da declaração negocial manda em caso de dúvida sobre o sentido da declaração, prevalecer a interpretação, nos negócio gratuitos, o menos gravoso para o disponente e nos negócios onerosos o que conduzir a um maior equilíbrio das prestações.

Como o réu BB não tinha nenhuma prestação a receber por ser um simples garante das obrigações da ré Empresa-A, na devolução do mútuo ou financiamento, para ele o negócio era gratuito, pelo que se deve interpretar de forma restritiva a sua tomada de responsabilidades, com o que em caso de dúvida, se tem de entender que o mesmo não se responsabilizou pela promessa de venda.
Em conclusão, diremos que a interpretação efectuada do contrato promessa em apreço de acordo com os critérios legais acima enunciados, nomeadamente a ressalva constante da parte final do nº 1 do art. 238º do Cód. Civil, não permitiria concluir que no mesmo o réu BB se obrigou a vender os imóveis ali prometidos alienar.
Soçobra, assim, este fundamento do recurso e com ele todo o recurso.

II. Revista da ré Empresa-A.
Esta recorrente nas suas alegações formulou conclusões que por falta de concisão não serão aqui transcritas.
Daquelas se vê que a mesma, para conhecer neste recurso, levanta as seguintes questões:
a) O contrato promessa ajuizado é nulo por ser nulo o subjacente contrato de mútuo ?
b) Caso assim se não entenda, quem incumpriu o contrato promessa foi o autor e não a ré recorrente.

O recorrido-autor contra-alegou defendendo a improcedência deste recurso.
Antes de mais, há que realçar a mui cuidada, profunda e acertada fundamentação da douta sentença de 1ª instância, sobretudo na parte aqui em causa o que originou a remissão para a mesma da fundamentação da improcedência da apelação pelo Tribunal da Relação do Porto, decisão aquela que nos não merece qualquer censura, pelo que nos bastaria repetir aquela remissão.
Porém, pensamos que o valor dos argumentos apontados pela recorrente nos merecem uma análise e ponderação que, correndo o risco de repetir o que doutamente decidiu a sentença de 1ª instância, sempre permitirá uma reapreciação, eventualmente, mais completa, mas conducente à mesma improcedência do recurso, sobre as referidas questões jurídicas apontadas como objecto deste.

Vejamos, assim, cada uma destas questões.
a) Nesta questão defende a recorrente que o contrato promessa em apreço é nulo por se basear na novação de um outro contrato - ou vários contratos - de mútuo nulos por vício de forma.
Argumenta o recorrente que o contrato promessa não visou senão proceder ao pagamento da importância mutuada pelo autor à ré, ou seja, extinguindo-o por novação e que este mútuo, sendo nulo por vício de forma, inquina o contrato promessa, nos termos do art. 860º, nº 1 do Cód. Civil.
Contra-argumenta o aqui recorrido que não resulta dos factos provados os elementos bastantes para qualificar o referido empréstimo e se o mesmo for mercantil não seria nulo por vício de forma.

Efectivamente a nulidade do contrato promessa constitui uma excepção ao direito do autor, pelo que a prova dos respectivos fundamentos pertence à ré - art. 342º, nº 2 do Cód. Civil. E dos factos provados apenas se fala em empréstimo de 309.337.000$00, em várias parcelas superiores a 12.000.000$00. Ora daqui não se fica a saber a natureza do contrato de mútuo ou de empréstimo em causa, nomeadamente, se o mesmo não revestiu a natureza de empréstimo mercantil, com o que não seria exigida qualquer forma especial - cfr. art. 396º do Cód. Comercial.
Por isso e desde já por esta razão soçobraria a tese da recorrente.
Mas mesmo admitindo como fez a douta sentença de 1ª instância que se trataria de mútuo civil e como tal nulo por vício de forma, nunca tal nulidade inquinaria a validade do contrato promessa.

Com efeito, as partes e a douta sentença de 1ª instância aceitam que a celebração do "contrato promessa com transacção" constituiu novação da anterior obrigação da ré para com o autor relativamente ao financiamento confessado no documento de fls. 106 e 107.
A alegada nulidade do contrato por vício de forma não dispensava a ré de devolver o capital recebido e, eventualmente, os juros devidos, ao abrigo do disposto nos arts. 289º, nºs 1 e 3 e 1271º do Cód. Civil.
Daí que tendo sido provada a entrega do capital de 309.337.000$00 e o reembolso de apenas 192.654.620$00, atenta a taxa de juros vigente então, não nos parece que a importância fixada de 350.000.000$00 da dívida fosse ilícita, ou pelo menos, a ré não alegou e provou factos de onde se pudesse deduzir essa ilicitude.
Daí que a novação seja eficaz, pois o art. 860º, nº 1 apenas comina com a ineficácia a novação quando a obrigação é nula e não quando o negócio anterior seja nulo, mas dele resultem obrigações válidas como seja a de devolução com base na nulidade daquele negócio.

Por outro lado, ainda diremos que mesmo que não procedesse este último argumento, e se aceitasse que a dívida lícita da ré para com o autor fosse apenas o montante que aquela aceita - ou seja, o montante de 91.682.380$00 referido pelo mesmo nas alegações de revista, ou de 116.000.000$00, mencionado pela mesma na contestação rectificada a fls. 104 -, tendo a celebração do contrato promessa revestido a natureza de contrato de transacção, como doutamente apontou a sentença de 1ª instância, nada impedia que as partes validamente acordassem em valor diverso do que resultaria da lei sobre a obrigação anterior objecto da novação.
Tal como se refere naquela sentença, o contrato de transacção, previsto nos arts. 1248º do Cód. Civil, consiste no contrato pelo qual as partes previnem ou terminem um litígio, mediante recíprocas concessões.
E acrescenta o nº 2 do citado art. 1248º que as concessões podem envolver a constituição, modificação ou extinção de direitos diversos do direito controvertido.

Tendo em conta que o autor tinha um litígio com a ré relativamente ao financiamento ou empréstimo que apesar das letras emitidas para o respectivo pagamento, não fora pago, podia em vez de receber o montante que a recorrente entendia dever-lhe, ou seja, os montantes acima referidos - a aceitar a versão deste - nada impedia que a financiada ou mutuária em vez de pagar aquela importância, pagasse em prédios a entregar em compra e venda prometida, embora de valor mais elevado do que aquele montante.
E tudo isto sem entrar em linha de conta que o disposto no art. 289º, nº 3 do Cód. Civil, poderia reconhecer ao mutuante um valor substancialmente superior ao capital mutuado ainda por devolver, como já dissemos acima.
Improcede, desta a forma, este fundamento do recurso.

b) Nesta segunda questão defende a recorrente que o contrato promessa foi incumprido pelo autor e não pela ré.
Também aqui não podemos concordar com a recorrente.
Resulta da factualidade dada por aceite que no contrato promessa em juízo, as partes acordaram em a ré prometer vender três imóveis e o autor prometeu comprar aqueles pelo preço logo fixado e dado por pago.
Mais foi estabelecido que a celebração das escrituras públicas de compra e venda prometidas seriam celebradas até ao dia 31 de Dezembro de 1996 e que para tanto a ré Empresa-A procedia à convocação do autor com trinta dias de antecedência, indicando o local, hora e dia. Também foi acordado que as escrituras podiam ser deferidas até um prazo máximo de três meses, por razões referentes à existência de licenças camarárias indispensáveis à sua realização.
Também se provou que a ré, em Agosto de 1997, notificou o autor de que as escrituras públicas seriam celebradas no dia 18-08-97, pelas 16 horas, no 1º Cartório Notarial de Vila Nova de Gaia.

Ora daqui resulta que estava já esgotado, há muito, o prazo acordado para a celebração das escrituras que deviam ter sido efectuadas, já com o deferimento fixado - se devidamente fundamentado -, até fins de Março de 1997.
Por outro lado, a notificação não respeitou a antecedência mínima de trinta dias, o que atendendo ao facto de o autor residir no estrangeiro e a circunstância acordada no contrato de a venda poder ser efectuada para terceiros, é aquela notificação tardia, e dava lugar à recusa do autor na aceitação daquela data, ficando o contrato por cumprir nos termos acordados
Atendendo ao disposto no art. 799º, nº 1 do Cód. Civil, este incumprimento é culposo por nada se haver provado em contrário.

Alega a recorrente que o autor não provou o incumprimento.
Ora liminarmente diremos que resultando dos factos provados que a primeira obrigação de cumprir estava a cargo da recorrente: marcar a escritura dentro do prazo e com a notificação com a referida antecedência, há incumprimento desta, salvo se a ré provar o contrário, ou seja, o cumprimento não se presume. Com efeito sendo o cumprimento uma forma de extinção da obrigação, a sua verificação incumbe ao obrigado, nos termos do art. 342º, nº 2 do Cód. Civil.
Por outro lado, os factos provados no sentido de que a recorrente por correio registado, fez sentir ao autor a necessidade urgente de serem celebradas as escrituras de compra e venda relativa às fracções referidas no contrato promessa e avisando o autor de que face às obrigações e compromissos assumidos pela recorrente lhe era impossível manter a situação de indefinição e de que a não realização das escrituras inviabilizava definitivamente o cumprimento do contrato, não podem considerar-se cumprimento do contrato.
Com efeito, aqueles avisos foram enviados quando estava já extinto o prazo para marcar a escritura - com o deferimento era até 31 de Março de 1997, como dissemos já - e havia que avisar o autor com trinta dias de antecedência.

Por outro lado, a obrigação da recorrente derivada do contrato promessa era a de marcar as escrituras e não de avisar naqueles termos vagos e equívocos e, por isso, tinha de aquela de proceder à marcação e, se o autor não anuísse à sua realização, quer comparecendo, quer antes fornecendo os elementos bastantes para a celebração daquelas, então, seria este quem, nessa hipótese, incumpria o mesmo contrato.
Improcede, desta forma, este fundamento do recurso e com ele toda a revista.

Pelo exposto, decide-se negar as revistas solicitadas, confirmando o douto acórdão em apreço.
Custas pelos respectivos recursos pelos recorrentes.

Lisboa, 31 de Janeiro de 2007

João Camilo ( Relator )
Azevedo Ramos
Silva Salazar.