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ACIDENTE DE TRABALHO
PRAZO
PROCESSO URGENTE
Sumário
I - Mostra-se consagrada no art. 144.º, n.º 1 do CPC a regra da continuidade dos prazos processuais. II - Esta regra não é absoluta na medida em que a lei prevê a sua suspensão nas férias judiciais, o que acontecerá quando o prazo for inferior a 6 meses e não se trate de processo urgente. III - Tendo as acções emergentes de acidente de trabalho a natureza de processo urgente (art. 26.º, n.º 2 do CPT), o prazo de 30 dias para apresentação da alegação da revista (arts. 81.º, n.º 5 do CPT, 7124.º, n.º 1 e 698.º do CPC) não se suspende nas férias judiciais. IV - As regras contidas nos arts. 143.º n.º 2 e 3 e 144.º n.º 1 contemplam realidades diferentes. V - Iniciando-se o decurso do prazo em 27-07-2006 e decorrendo as férias judiciais de 1 a 31 de Agosto (art. 12.º da LOFTJ na redacção introduzida pela Lei n.º 42/2005 de 29.08), o termo do prazo ocorre em 28.08.2006 (dado que 27 foi domingo) e transfere-se para o 1.º dia útil seguinte às férias que então decorriam, ou seja 01-09-2006.
Texto Integral
Acordam na secção social do Supremo Tribunal de Justiça:
I –AA intentou contra Companhia de Seguros BB SA, a presente acção declarativa sob a forma de processo especial, pedindo que esta seja condenada a pagar-lhe a quantia de € 7.752,41, a título de indemnização por ITA e ITP e duma pensão anual e vitalícia por IPP de que é portador, resultantes de um acidente de trabalho que sofreu quando trabalhava por conta duma sociedade de que é sócio.
A ré contestou sustentando que o acidente não é de trabalho e que o mesmo ocorreu quando o autor se encontrava de férias.
O Tribunal da 1ª instância julgou a acção parcialmente procedente e condenou a ré a pagar ao autor a pensão anual e vitalícia de € 3.665,03, com início de vencimento em 12.11.2002.
A ré apelou da sentença com sucesso, pois o Tribunal da Relação, revogando a sentença, absolveu-a do pedido.
Inconformado, desta vez o autor, vem pedir revista, com os seguintes fundamentos: o tribunal recorrido interpretou mal os factos provados; o acórdão é nulo porque alterou indevidamente a decisão sobre a matéria de facto e porque a decisão está em oposição com a respectiva fundamentação.
Invoca, como normas violadas, os artºs 1º e 6º da Lei nº 100/97; artºs 655º e 668º-1-c) do CPC e artº 396º do CC.
Na contra-alegação, a ré suscita a extemporaneidade da alegação de recurso.
Argumenta que o autor foi notificado, em 24 de Julho de 2006, do despacho que admitiu o recurso de revista e que, por isso, o prazo de 30 dias de que dispunha para apresentar a sua alegação – dada a natureza urgente do processo - terminava em 26 de Agosto de 2006; como este dia era Sábado, o termo do prazo transferiu-se para segunda-feira, dia 28 de Agosto de 2006; donde resulta que, em 26 de Setembro de 2006, data em que o autor apresentou a sua alegação mediante o envio por correio electrónico, já se mostrava precludido o direito de praticar esse acto.
A Exmª Procuradora-Geral Adjunta pronuncia-se, igualmente, no sentido de o recurso de revista interposto pelo autor ser julgado deserto.
Na resposta, o recorrente/autor discorda, embora reconheça que foi notificado da admissão do recurso de revista em 27 de Julho de 2006 e que (apenas) apresentou a sua alegação em 26 de Setembro de 2006.
Invoca os seguintes argumentos:
- após prolação da decisão, pelo Tribunal da Relação, a lei deixa de considerar o presente processo como urgente, perdendo todas as especificidades processuais do processo laboral;
- de contrário, a disposição vertida no nº 5 do artº 81º do CPT, não teria qualquer efeito útil;
- o que resulta da referida norma é a manifesta intenção de o legislador estabelecer um regime diferente consoante se trate de recursos interpostos em 1ª e em 2ª instância, sendo que relativamente aos segundos estabeleceu a aplicação do regime geral fixado no Código de Processo Civil;
- só este entendimento justifica que o recurso tenha subido;
- a interpretação do recorrente tem, aliás, pleno cabimento nas inovações vertidas no Decreto-Lei n.º 480/99, de 9 de Novembro, diploma que alterou o Código do Processo do Trabalho;
- tais inovações tornam patente que a intenção legislativa foi assimilar o processo laboral ao processo civil;
- intenção que é completamente denegada pela interpretação da recorrida e do Ministério Público;
- a atribuição de carácter urgente aos processos resultantes de acidente de trabalho tem um objectivo: acautelar a posição do trabalhador - parte mais fraca - no mais curto espaço de tempo;
- a interpretação da recorrida não tem assim qualquer base teleológica, contrariando o fim da previsão legal;
- ao decidir-se contra o trabalhador, essa decisão será inconstitucional por violadora do artº 59° da CRP;
- decidida a admissibilidade e tempestividade do recurso, por despacho transitado em julgado, seguirá o recurso os seus termos normais;
- atento o regime de admissão previsto no artº 82º do CPT, entende o recorrente que não é aplicável o disposto no nº 4 do artº 687º do CPC;
- o recurso à legislação processual civil só é admissível se houver caso omisso e, ainda assim, se a norma subsidiária não for incompatível com a índole do processo laboral, nos termos previstos nos nºs 2 e 3 do artº 1° do CPT;
- a questão da admissão dos recursos em processo laboral está expressamente prevista e regulada no artº 82º do CPT, não havendo assim que integrar qualquer lacuna quanto à força vinculativa da decisão relativa à admissibilidade ou tempestividade do recurso;
- a entender-se correcta a interpretação assumida pela recorrida, o recorrente teria que praticar o acto em férias; todavia, como a notificação da interposição de recurso à parte contrária não se inclui nos actos que se destinem a evitar dano irreparável (artº 143º- 2 do CPC), a secretaria apenas teria que notificar a recorrida após o termo das férias judiciais, sendo que apenas após tal notificação começaria a correr o prazo para a recorrida responder às alegações apresentadas pelo recorrente (artº 81°-2 do CPT), violando-se assim o princípio da igualdade, plasmada no artigo 13º da CRP.
- por tudo isto, é manifesto que, no caso dos presentes autos, o prazo para interpor recurso não deve correr em férias judicias;
- a interpretação contrária é, não apenas ilegal, mas inconstitucional.
II - Para decidir a questão prévia há que ter presente o seguinte:
1. A acção é da espécie “processos emergentes de acidentes de trabalho”.
2. A participação do acidente deu entrada no Tribunal de Trabalho em 4.07.2003.
3. A fase contenciosa teve início em 11.11.2003.
4. O acórdão recorrido foi proferido em 22.06.06 e notificado às partes por carta registada remetida em 26.06.2006.
5. O autor interpôs recurso de revista em 7.07.2006 (fls 236).
6. O recurso foi recebido por despacho proferido em 20.07.2006.
7. Este despacho foi notificado ao mandatário do autor através de carta registada expedida em 24.07.2006 (fls 246).
8. O autor apresentou as suas alegações, electronicamente, em 26.09.2006 (fls 267).
III – A questão que se coloca consiste em saber se o prazo de apresentação da alegação do recorrente se suspendeu ou não durante as férias judiciais de verão (de 2006).
3.1 Vejamos o regime legal a ter em conta.
À interposição e alegação do recurso de revista e de agravo em 2ª instância aplica-se o regime estabelecido no Código Processo Civil – é o que prescreve o nº 5 do artº artº 81º do CPT/1999.
Por seu turno, o artº 724º-1 do CPC estabelece que à interposição, apresentação de alegações e expedição do recurso (de revista) é aplicável o preceituado acerca do recurso de apelação (…), estatuindo-se no artº 698º-2 que o prazo das alegações é de 30 dias, contados da notificação do despacho de recebimento do recurso (…).
À contagem desse prazo aplica-se o disposto no artº 144º do mesmo diploma.
Em consonância com a doutrina que, desde o início, fez vencimento no âmbito da reforma global do processo civil sobre o cômputo dos prazos, consagra-se neste preceito a regra da continuidade dos prazos processuais. Esta regra não é, porém, absoluta, na medida em que a lei prevê a sua suspensão nas férias judiciais. Todavia tal suspensão (apenas) acontecerá quando o prazo for inferior a 6 meses e não se trate de processo urgente. Daqui resulta que o prazo (já) será contínuo - sem suspensões – se for igual ou superior a 6 meses ou se se estiver perante um processo que a lei considere urgente.
No caso dos autos estamos perante uma acção emergente de acidente de trabalho e esta acção tem natureza urgente (artº 26º-2 do CPT).
As alegações de recurso constituem actos processuais (actos das partes – artº 150º e sgs do CPC).
Por seu turno, o artº 12º da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, aprovada pela Lei nº 3/99, de 13 de Janeiro, na redacção introduzida pela Lei nº 42/2005, de 29 de Agosto, estabelece que as férias judiciais (de verão) decorrem de 1 a 31 de Agosto.
3.2 - Como refere Alberto dos Reis, o prazo judicial é o período de tempo fixado para se produzir um determinado efeito processual. Tem dois extremos: o dia de início (dies a quo) e o dia de termo (dies ad quem). Começa a correr no dia em que ocorre o facto ou se pratica o acto que constitui o ponto de partida para o início da contagem do período de tempo respectivo e finda logo que esteja esgotado esse período de tempo. Segundo o citado artº 144º-1, o prazo não corre, em princípio, durante as férias judiciais. Mas já correrá se o processo for urgente (a hipótese que agora nos interessa). Simplesmente, uma coisa é o decurso do prazo, outra a produção do efeito peremptório.
E aqui coloca-se a questão da articulação do disposto no artº 143º-2 com o disposto no artº 144º-1, na redacção actual: devemos entender, com Lopes do Rego, que, consagrada explicitamente, para efeito da contagem dos prazos, a figura dos processos “urgentes”, a expressão “actos que se destinem a evitar dano irreparável”, constante na parte final do nº 2 daquele artigo, deverá ser interpretada como significando acto integrado na tramitação dum processo que a lei explicitamente configura e qualifica como urgente (1)., ou, devemos, antes, defender que as duas disposições mantêm o seu campo próprio e assim, tratando-se de processo urgente e caindo o último dia do prazo em férias, o efeito peremptório produzir-se-á, ou nesse dia ou no primeiro dia útil seguinte às férias, consoante o acto a praticar se destine ou não a evitar dano irreparável?
Admitindo-se esta posição, isto significaria que se o acto em causa fosse o de interposição de um recurso em processo urgente, mas não incluído na parte final do nº 2 do citado artº 143º, o termo do prazo de interposição, caindo em férias, seria transferido para o primeiro dia útil seguinte (2)/ (3). .
No caso dos autos, é pacífico que o prazo começou a correr em 27 de Julho de 2006.
Naquele contexto, seria legítimo concluir que o acto podia ser praticado no primeiro dia útil após férias judiciais (dia 1 de Setembro) ou nos três dias úteis subsequentes, com multa – artº 145º-5 do CPC (concretamente, nos dias 4, 5 e 6 desse mês, dado 2 e 3 serem, respectivamente, Sábado e Domingo).
Acontece que a alegação de recurso apenas foi apresentada em 26 de Setembro de 2006.
Isto significa que, quer se aderisse a uma, quer a outra posição, sempre a prática do acto seria extemporânea.
Face aos preceitos atrás citados, perde sentido a argumentação do recorrente quando afirma que as acções emergentes de acidente de trabalho deixam de ter natureza urgente após ter sido proferida decisão pela Relação. A norma invocada - nº 5 do citado artº 81º do CPT - não tem o sentido que lhe é dado pelo recorrente. Não só não afecta a natureza urgente do processo (artº 26º-1 do mesmo diploma) como dá cobertura à aplicação do disposto no artº 144º do CPC.
Também não se vê, como é que a solução encontrada – que passa pela aplicação deste preceito - está em desacordo com as inovações vertidas no Decreto-Lei n.º 480/99, de 9 de Novembro (diploma que alterou o Código do Processo do Trabalho), afirmação tanto mais estranha quando é o próprio recorrente a acrescentar que as mesmas tornam patente que “a intenção legislativa foi assimilar o processo laboral ao processo civil”.
Segundo o recorrente, manter-se o carácter urgente do processo, após a prolação do acórdão da Relação não tem “qualquer base teleológica”, contrariando o fim da previsão legal (artº 26º do CPT), sabido que a atribuição de carácter urgente aos processos resultantes de acidente de trabalho tem, como objectivo, acautelar a posição do trabalhador - parte mais fraca - no mais curto espaço de tempo.
Sustenta, ainda, que, decidindo-se deste modo, viola-se, igualmente, o artº 59º da Constituição da República Portuguesa.
Além daquela argumentação não ter qualquer suporte no regime processual actual, não vemos como é que a “não suspensão do prazo das alegações em férias” pode desacautelar a posição do trabalhador e violar os seus direitos fundamentais.
Sempre se dirá que a actual redacção do artº 144º-1 do CPC não permite que o respectivo normativo, integrado no seu contexto sistemático (disposições gerais) e à luz da sua ratio, seja interpretado no sentido de que a não suspensão do prazo nas férias, quando estão em causa processos urgentes ou prazos iguais ou superiores a 6 meses, só terá lugar até ser proferida decisão, na 1ª instância (ou na 2ª, como defende o recorrente).
Tão pouco permite sustentar que a natureza urgente do processo decorra, não da classificação dada pela própria lei, mas da aplicação do critério do dano irreparável (artº 143º-2 do CPC). Se fosse esta a intenção do legislador não usaria uma forma tão tortuosa de se expressar, sendo certo que o intérprete deve presumir que aquele soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (artº 9º-3 do CC).
Acresce que as regras contidas nos artºs 143º-2-3 e 144º-1 contemplam realidades diferentes. Enquanto o primeiro artigo dispõe sobre o momento da prática dos actos processuais – das partes, dos magistrados e da secretaria -, o segundo refere-se ao modo de contagem dos prazos estabelecidos por lei ou fixados pelo juiz. Naquele consagra-se a regra de que os actos processuais não se praticam nos dias em que os tribunais estiverem encerrados, nem durante o período de férias judiciais, abrindo uma excepção para as citações e notificações e para os actos que se destinem a evitar dano irreparável. Neste, consagra-se a regra da continuidade dos prazos processuais, mas com suspensão nas férias judiciais, suspensão que não terá lugar, como já se referiu, se o prazo tiver duração igual ou superior a seis meses ou se o processo for urgente. Nestes casos, a continuidade será total.
Refira-se que, podendo as alegações do recorrente ser apresentadas no 1º dia útil após as férias judiciais – ou em qualquer dos três dias úteis posteriores com pagamento de multa -, de acordo com a orientação atrás referida e que seguimos, também perde sentido a argumentação do recorrente, quando afirma que a posição defendida pelo recorrido e pelo MP – correr o prazo em férias judiciais – levaria a soluções que ofenderiam o princípio da igualdade plasmado no artº 13º da CRP. Como refere, a violação resultaria do facto de o recorrente ter que apresentar as suas alegações nas férias judiciais e a notificação desse acto à parte contrária só se efectuar após o termo das férias, em virtude do disposto no citado artº 143º-2.
A solução que preconizamos trata, igualmente, recorrente e recorrido. Ou seja, quer se trate de alegações, quer de contra-alegações o regime é o mesmo. O prazo corre em férias, mas o acto pode ser praticado no 1º dia útil após férias (ou nos três dias úteis seguintes com multa). Não há, assim, qualquer violação do princípio da igualdade.
Improcede, pois, toda a argumentação do recorrente.
2.3 – Aplicando este regime ao caso dos autos, verifica-se que o autor foi notificado da admissão do recurso de revista por carta registada expedida em 24 de Julho de 2006 (fls 246), recebida em 27 de Julho desse mês. O próprio recorrente reconhece ter sido notificado nesse dia.
O prazo para apresentação das suas alegações iniciou-se, pois, nesse dia (artº 698º-2).
O acto em causa – alegação de recurso - foi praticado num processo urgente. Daqui resulta que o prazo de 30 dias não se suspendeu nas férias de verão, ocorrendo o seu termo em 28 de Agosto (dado que 27 foi domingo).
Todavia, porque o termo do prazo caiu em férias judiciais, o mesmo transferiu-se para o 1º dia útil seguinte, ou seja, 1 de Setembro de 2006, podendo ainda a alegação ser apresentada com multa, nos três dias úteis susequentes (artº 145º-5 do CPC), ou seja, até 6 de Setembro de 2006.
Uma vez que a alegação de recurso foi apresentada electronicamente em 26 desse mês, ou seja, quando há muito tinha decorrido o prazo de 30 dias, previsto no artº 698º do CPC (artºs 81º-5 do CPT e 724º-1 do CPC), impõe-se julgar procedente a questão prévia suscitada pela recorrida e concluir no sentido da deserção do recurso (artºs 291º-2 e 690º-3, ambos do CPC).
IV – Nestes termos, acordam em julgar deserto o recurso, com a consequente extinção da instância.
Custas a cargo do recorrente (artº 19º-1-a) do CCJ).
Lisboa, 7 de Fevereiro de 2007
Maria Laura Leonardo (relatora)
Sousa Peixoto
Sousa Grandão
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(1) Obra cit., Vol. I, pg 150.
(2) Estamos a seguir uma passagem do acórdão de 24.11.2004, proferido no processo nº 2851/04, relatado pela ora relatora.
(3) Neste sentido, o acórdão de 15.02.2005, no processo nº 3643/04 – 4ª secção