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CONTRATO DE EMPREITADA
DEFEITO DA OBRA
DEFEITOS
RECONHECIMENTO DO DIREITO
CADUCIDADE
Sumário
1. Quando o vendedor do prédio tenha sido o seu construtor, não obstante inexistir empreitada entre ele e o comprador, aos defeitos do prédio é aplicável o regime do art. 1225º e não o do art. 916º. 2. A proposta de reparação traduz inequivocamente o reconhecimento, por parte da ré/construtora, da existência dos defeitos que se propôs eliminar. Através deste reconhecimento, muito concreto e preciso, não subsistem dúvidas sobre a aceitação dos direitos da autora, tanto para, nos termos do aludido nº 2 do art. 1220º, o fazer equivaler à denúncia como para, segundo o nº 2 do art. 331º, impedir a caducidade
Texto Integral
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
I. Relatório
ADMINISTRAÇÃO DO CONDOMÍNIO …….,
intentou a presente acção declarativa, com processo ordinário,
contra
B….. –SOCIEDADE DE CONSTRUÇÃO CIVIL, LDª,
pedindo que seja condenada a:
- efectuar determinadas obras em partes comuns do edifício constituído em regime de propriedade horizontal de que é administradora; e
- indemnizá-la, no que vier a ser liquidado, dos prejuízos que a sua actuação lhe acarretou.
Alega, em síntese, que a ré construiu, após o que o constituiu em regime de propriedade horizontal e vendeu as fracções autónomas que o passaram a compor, o prédio de que é administradora.
Apresentando algumas das suas partes comuns defeitos vários, que a ré se recusa a corrigir e que se vêm agravando, acarretando-lhe graves prejuízos.
Contestou a ré, invocando a caducidade da presente acção por não ter sido interposta dentro dos prazos em que o devia ter sido a partir do conhecimento dos invocados defeitos.
E requereu a intervenção dos construtores do prédio – C….. S…., Ldª, e G….. e A…., Ldª,- por, na eventualidade de ser condenada, ter direito de regresso contra eles.
Replicou a autora para defender que denunciou oportunamente os defeitos que o prédio ostenta e que intentou esta acção tempestivamente.
Contestou a chamada C….. & S…., Ldª, argumentando que as obras da sua responsabilidade foram executadas sem qualquer deficiência, mas, a existirem, já caducaram os direitos de denúncia e sua reparação.
No despacho saneador, relegou-se para final o conhecimento da invocada excepção de caducidade, após o que se procedeu à selecção da matéria de facto relevante considerada assente e da que constituiu a base instrutória.
Prosseguiu o processo para julgamento e, na sentença, subsequentemente proferida, foi a excepção julgada improcedente e parcialmente procedente a acção e a ré condenada a proceder à eliminação dos defeitos invocados e a indemnizar a autora pelos danos emergentes, em montante a liquidar.
Inconformada com o decidido sobre a excepção de caducidade do direito de acção, recorreu a ré, mas sem êxito, tendo o Tribunal da Relação do Porto confirmado a sentença recorrida.
Recorre agora de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, pugnando pela revogação da decisão posta em crise.
Contra-alegou a recorrida sustentando a bondade do julgado.
***
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir
II. Âmbito do recurso
A- De acordo com as conclusões, a rematar as respectivas alegações, o inconformismo da recorrente radica no seguinte:
1- Ao caso em apreço é aplicável o regime do art.1225° do Código Civil com a actual redacção e não o artigo 916° do mesmo diploma.
2- Da factualidade dada como provada resulta que a denuncia dos defeitos da fachada e passeio foi feita em data anterior a 22.03.1996.
3- Tendo a ré, em 22.03.1996, comunicado à administração do condomínio proposta para reparar as fachadas do edifício e concluir o passeio, implica um reconhecimento dos defeitos.
4- O prazo para propor acção é de um ano e conta-se a partir da denúncia, mas tendo havido impedimento da caducidade (artigo 331°, n°2) o prazo inicia-se a partir desse momento.
5- No caso concreto, o prazo para propor acção destinada à eliminação dos defeitos da fachada e passeio iniciou-se a partir do reconhecimento, ou seja, 22.03.1996.
6- Se assim é, a autora teria de propor a acção até ao limite de 22.03.1997.
7- A acção deu entrada em 02.10.1997, quando já havia caducado o direito da autora accionar a ré.
8- Violou o acórdão as normas constantes dos artigos 1225°, 1220° e 331°, todos do Código Civil.
B- De acordo com as conclusões formuladas a questão controvertida a decidir reconduz-se a saber se a presente acção foi intentada tempestivamente.
III. Fundamentação
A- Os factos
Foram dados como assentes no acórdão recorrido os seguintes factos:
1- Por escritura pública celebrada em 24.07.1992, no 2º Cartório Notarial de Vila Nova de Famalicão, foi constituída pela ré, então sua proprietária, a propriedade horizontal de um prédio urbano, com três pisos, destinados a garagem, comércio, escritórios e habitação, sito no lugar de Tojeda, Avidos, Vila Nova de Famalicão, omisso na matriz predial, mas com declaração apresentada para a sua inscrição na 1ª Repartição de Finanças do concelho de Vila Nova de Famalicão no dia 27.7.92, e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº …...
2- Em consequência da dita escritura e, como dela consta, o prédio referido em 1. ficou a ser constituído por 62 fracções, distintas, autónomas e isoladas entre si, com saída para uma parte comum do edifício ou directamente para a via pública.
3- A ré requereu a licença de utilização das diferentes fracções do prédio. 4- A ré procedeu à construção do prédio referido em 1., efectuando as obras sob seu controlo e direcção. 5- A ré era dona do terreno onde o prédio foi implantado. 6- A ré vem procedendo (1997) à venda das diversas fracções que compõem aquele edifício, o qual passou a ter vários condóminos. 7- O prédio referido em 1. apresenta, no exterior, diversas fissuras ao nível das fachadas, com mais relevância nos elementos salientes e pontualmente nas ligações caixilharia-fachada, inadequado tratamento das juntas, manchas de humidade e infiltrações de águas pelas janelas, existindo obras de arranjos exteriores inacabadas, mas que não constam do projecto de implantação, ocorrência de deslocamentos significativos no muro de suporte de uma das escadas de acesso ao edifício e nos interiores algumas paredes estão a descascar e alguns tectos a cair.
8- Essas deficiências têm origem: na deformidade dos corpos em consola e também na ligação de dois materiais (tijolo+betão) com coeficientes de dilatação térmica diferentes, nas pontuais deficientes ligações da caixilharia à fachada, no deficiente tratamento das juntas de dilatação estruturais horizontais e verticais; nos defeitos pontuais de drenagem de águas pluviais.
9- Estes defeitos vêm surgindo desde momento que se situa no tempo entre 1994 e 1996, agravando-se dia a dia, mormente pelo desprendimento contínuo do revestimento das fachadas, o que tem vindo a provocar aumento de infiltrações.
10- A autora várias vezes solicitou à ré a correcção desses defeitos, sem que esta os tenha reparado. 11- A escada de acesso ao edifício não tem qualquer tipo de acabamento, assim com os passeios exteriores do edifício não se encontram acabados, havendo partes dos mesmos sem qualquer pavimento. 12- A ré B…. solicitou a terceiros, nomeadamente empresas, a execução de partes da obra do prédio em causa. 13- A primeira administração do condomínio do prédio em causa foi eleita em 12.07.1995.
14- As vendas das fracções pela ré B….. ocorreram em parte, antes de 1995, tendo ficado algumas outras fracções por vender. 15- Em 22.3.1996, a ré B….. comunicou à administração do condomínio proposta para reparar as fachadas do edifício e concluir o passeio e ainda que em data indeterminada lhe foi impedido o acesso ao telhado do prédio porque não tinha autorização da administração do condomínio. 16- As obras executadas pela C…. & S…., Ldª, no prédio em causa terminaram em 1992, não tendo havido reclamações da B…... 17- Nunca à C….. & S….. foi denunciada qualquer defeito. 18- Os defeitos invocados pela autora resultam de obras que não foram executadas pela C….& S…., Ldª.,
B- O direito
Na situação vertente, temos que a ré, vendedora do prédio, foi igualmente a sua construtora. A partir de certa altura começaram a surgir defeitos de construção no prédio, que foram denunciados à ré, tendo ela aceitado proceder à sua reparação, concretamente em 22.3.1996, quando comunicou à administração do condomínio proposta para reparar as fachadas do edifício e concluir o passeio.
Apesar de, tanto na 1ª instância como na Relação, se ter julgado improcedente a excepção de caducidade dos direitos contratuais do comprador, a 1ª instância estribou-se no regime preconizado no art. 916º C.Civil, enquanto o acórdão recorrido aplicou o regime do art. 1225º do mesmo diploma.
O dec-lei 267/94, de 25 Outubro, que deu nova redacção aos citados arts. 916º e 1225º, veio estender o campo de aplicação do regime de empreitada ao vendedor que tenha sido simultaneamente construtor do prédio vendido e uniformizar os prazos de denúncia dos defeitos e subsequente direito de acção nas situações de empreitada e venda de coisa defeituosa.
E ao resolver os diferentes entendimentos que a nível jurisprudencial conflituavam quanto a saber se o art. 1225º só regulava as relações entre empreiteiro e dono da obra ou se também abarcava as situações em que o vendedor tivesse sido o construtor, consagrando uma dessas correntes, esta norma apresenta-se claramente como interpretativa e, como tal, é de aplicação imediata (art. 13º, nº 1 C.Civil) (1) .
Com esta alteração, tornou-se seguro que o empreiteiro é responsável pelos defeitos que a obra apresente não só perante o dono da obra, como também perante o terceiro que lha adquiriu, podendo este socorrer-se do regime da empreitada para o responsabilizar por esses defeitos.
Quando o vendedor do prédio tenha sido o seu construtor, não obstante inexistir empreitada entre ele e o comprador, aos defeitos do prédio é aplicável o regime do art. 1225º e não o do art. 916º (2) .
Segundo este regime, tal como o estabelecido pelo nº 3 do art. 916º quando a coisa vendida seja um imóvel, a denúncia será feita dentro do prazo de um ano após conhecidos os defeitos e dentro de cinco anos a contar da entrega do imóvel.
O não cumprimento de denúncia tempestiva dos defeitos, ónus que recai sobre o vendedor/réu em conformidade com o disposto no nº 2 do art.343º C.Civil, acarreta a caducidade dos direitos conferidos ao comprador –art. 1224º C.Civil, fazendo a lei corresponder à denúncia o reconhecimento, por parte do empreiteiro, da existência do defeito –nº 2 do art. 1220º C.Civil.
A autora, por várias vezes, solicitou à ré a correcção dos defeitos que o prédio apresentava, sem que, todavia, ela procedesse à sua reparação.
Porém, em 22 de Março de 1996, a ré comunicou à administração do condomínio proposta para reparar as fachadas do edifício e concluir o passeio -nº 15 dos factos assentes.
Esta proposta de reparação traduz inequivocamente o reconhecimento, por parte da ré/construtora, da existência dos defeitos que se propôs eliminar. Através deste reconhecimento, muito concreto e preciso, não subsistem dúvidas sobre a aceitação dos direitos da autora, tanto para, nos termos do aludido nº 2 do art. 1220º, o fazer equivaler à denúncia como para, segundo o nº 2 do art. 331º, impedir a caducidade.
O prazo de caducidade não se suspende nem se interrompe senão nos casos em que a lei o determine, preconiza o art. 328°C.Civil.
Para no nº 1 do art. 331º se dizer que só impede a caducidade a prática, dentro do prazo legal ou convencional, do acto a que a lei ou convenção atribua efeito impeditivo. Quando, porém, se trate de prazo fixado por contrato ou disposição legal relativa a direito disponível, dispõe-se no nº 2, impede também a caducidade o reconhecimento do direito por parte daquele contra quem deve ser exercido.
A caducidade pode, pois, ser impedida, mas não interrompida ou suspensa.
Como afirma Aníbal de Castro (3) o impedimento corresponde à efectivação do direito, não gera novo prazo, ficando o direito definido sujeito às disposições que regem a prescrição. Ou antes, esgotando-se ou exaurindo-se, com o exercício, o direito caducável, o que porventura surgir, em consequência desse exercício, ficará sujeito, não ao regime anterior, mas àquele a que houver mister recorrer-se, se for caso disso.
O impedimento da caducidade, como se escreveu no ac. S.T.J., de 1998/11/25 (4) , não tem como efeito o início de novo prazo, mas o seu afastamento definitivo.
No caso presente, a autora solicitou, em tempo, a reparação dos defeitos que o prédio ostentava e a ré, finalmente, propôs-se repará-los.
Estamos indubitavelmente no campo de direitos disponíveis. Por isso, o claro reconhecimento, por parte da ré, da existência de defeitos, impediu a caducidade, afastando-a definitivamente.
Daí que seja tempestivo o exercício, através da presente acção, intentada pouco mais de um ano após aquele reconhecimento, dos direitos conferidos à autora.
IV. Decisão
Perante tudo quanto exposto fica, acorda-se em negar a revista.
Custas pela recorrente.
Lisboa, 8 de Março 2006
Alberto Sobrinho
Gil Roque
Salvador da Costa
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1- cfr, neste sentido, acrs. S.T.J., de 1996/06/27 e de 2004/07/06, in B.M.J., 458º-315 e www.dgsi.pt/jstj, respectivamente .
2- neste mesmo sentido se pronunciou Calvão da Silva, in Compra e Venda de Coisas Defeituosas, pág. 100 .
3- in A Caducidade na Doutrina, na Lei e na Jurisprudência, pág. 145.
4- in B.M.J., 481º-430.