CONTRATO DE TRABALHO A TERMO
MOTIVAÇÃO
INTERPRETAÇÃO DA DECLARAÇÃO NEGOCIAL
ACRÉSCIMO DA ACTIVIDADE
LANÇAMENTO DE NOVA ACTIVIDADE
DESENVOLVIMENTO DE PROJECTOS
Sumário


I - Para que se possa afirmar a validade do termo resolutivo aposto ao contrato de trabalho no âmbito da LCCT é necessário que se mostrem vertidos no texto do contrato factos recondutíveis a algum dos tipos legais de justificação plasmados nas várias alíneas do n.º 1 do art. 41.º da LCCT (em que o legislador considera lícita a celebração do contrato de trabalho a termo) e, ainda, que esse factos tenham correspondência com a realidade.
II - A necessidade de verificação cumulativa dos pressupostos assinalados é um mero corolário do carácter excepcional da contratação a termo e do princípio da tipicidade funcional emergente do art. 41.º da LCCT: o contrato a termo só pode ser validamente celebrado para certos fins e na medida em que estes o justifiquem.
III - Só serão atendíveis os motivos invocados pelo empregador para justificar a contratação a termo que constam do texto contratual, sendo contudo irrelevante a sua localização sistemática no texto contratual: tanto faz que a fundamentação se mostre inserida no início ou no final do texto, como conste de um excerto que contém denominados “considerandos”, ou de um outro que as partes dividiram em “cláusulas”.
IV - A indicação dos motivos justificativos da celebração do contrato a termo - quer antes, quer após a publicação da Lei n.° 38/96, de 31 de Agosto - importa a concretização dos factos e circunstâncias que o fundamentam, exigência legal que constitui uma formalidade ad substantiam.
V - Para aferir da licitude da celebração entre as partes de um contrato de trabalho a termo, o tribunal deve proceder à interpretação do convénio e analisar os factos e circunstâncias constantes da motivação dele constante perante a panóplia de hipóteses em que o legislador considera lícita a contratação precária, não estando limitado à alínea do n.º 1 do art. 41.º da LCCT que ficou também a constar do texto do contrato logo após aqueles “considerandos” e cuja indicação seria mesmo dispensável.
VI - A errada indicação da alínea do preceito - por erro material ou efectivo erro de qualificação jurídica - não pode espartilhar e, muito menos, impedir, a actividade judicial de subsunção ao direito dos factos e circunstâncias relatados no texto negocial.
VII - Nenhum relevo interpretativo deve dar-se à referência legal efectuada no texto do contrato após os “considerandos” nele expressos, num caso em que: essa referência não é acompanhada do inerente descritivo legal, ficando sem se saber se as partes ponderaram efectivamente, também, qualquer eventual acréscimo de actividade que se verificasse e cujos fundamentos de facto não ficassem a constar do texto; as “razões” da contratação vêm referidas no texto através de factos, circunstâncias e motivações que reflectem com clareza os reais motivos do convénio; a alusão à citada al. b) segue-se, de imediato, à exposição daquelas “razões” e não se vislumbra qualquer conexão lógica entre uma e outras.
VIII - Para que se verifique o acréscimo de actividade previsto na al. b) do n.º 1 do art. 41.º, da LCCT, é imprescindível que a actividade da empresa esteja já em normal processamento e que, por qualquer razão, venha a sofrer um acréscimo.
IX - Para efeitos do início da actividade produtiva ou do seu alargamento previstos na al. e) do n.º 1 do art. 41.º, da LCCT, deve considerar-se lançada a actividade a partir do momento em que se iniciam as operações directamente dirigidas à produção do bem ou serviço, excluindo-se as fases de preparação das condições de decisão (estudos, projectos, etc.) e de preparação das condições de produção (autorizações administrativas, encomendas e montagem dos equipamentos, contratação de trabalhadores, etc.).
X - Até se iniciar e se consolidar a actividade essencial da empresa, o desenvolvimento dos projectos, estudos e instalação devem entender-se como não inseridos na actividade corrente do empregador, considerando-se abrangidos pela alínea g) do n.º 1 do dito art. 41.º.
XI - Mostra-se justificado nos termos da al. g) deste preceito, o contrato a termo motivado pela preparação da estrutura e organização de uma empresa de forma adequada à plena entrada em funcionamento do mercado que o empregador vai explorar e gerir, projecto este que tem uma duração perfeitamente limitada (que antecede a entrada em funcionamento do mercado e termina com esse pleno funcionamento e o início da actividade económica propriamente dita do empregador).
XII - A associação do tempo em que se projectou a conclusão das tarefas preparatórias de que a ré incumbiu o autor ao período temporal em que se previa a concretização da construção física do mercado, é susceptível de alicerçar a conclusão de que a duração estipulada para o contrato - 3 anos - se adequa à razão de ser da contratação nele indicada pelas partes.

Texto Integral

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

I-RELATÓRIO
1.1.
AA intentou, no Tribunal do Trabalho de Lisboa, acção declarativa de condenação, com processo comum, emergente do contrato individual de trabalho, contra "M.A.R.L. - Mercado Abastecedor da Região de Lisboa S.A.", pedindo, com fundamento na pretensa invalidade da cláusula acessória do termo resolutivo aposta no contrato de trabalho aprazado entre as partes:
A- se declare que o aludido vínculo configura um contrato de trabalho sem prazo e que, por via disso, a decisão de cessação contratual, operada pela Ré, corresponde a um despedimento ilícito, já que se mostra desprovida de justa causa e com omissão do necessário processo disciplinar;
B- se condene a mesma Ré a reintegrar o Autor no seu posto de trabalho - se ele não vier a optar, entretanto, pela indemnização de antiguidade - e a pagar-lhe as componentes retributivas e os benefícios em espécie discriminados no petitório inicial, bem como uma indemnização por danos não patrimoniais e os correspondentes juros moratórios.
A Ré contraria integralmente a versão do Autor, designadamente aduzindo que a aposição do termo certo se mostra conforme à previsão normativa atendível - sendo que o contrato dos autos estava imperativamente sujeito ao regime da contratação a prazo -, que o demandante recebeu uma indemnização de 5.155.449$00 pela caducidade do contrato e que, enfim, essa cessação, sendo plenamente legal, não produziu quaisquer danos indemnizáveis.
1.2.
Instruída e discutida a causa, veio a 1ª instância a julgar totalmente improcedente a acção por considerar válido - de acordo com o disposto no art.º 41° n.º 1 al. E) (2ª parte) da L.C.C.T. - o termo aposto no contrato de trabalho ajuizado, bem como a sua cessação por caducidade.
Sob desatendida apelação do Autor, o Tribunal da Relação de Lisboa confirmou integralmente o julgado, ainda que com fundamentação diversa, pois que subsumiu a justificação do termo à previsão contida na al. G) do falado art.° 41° n.° 1.
1.3.
Continuando irresignado, o Autor pede a presente revista, em cujo âmbito formula as seguintes conclusões:
1- no caso do contrato de trabalho a termo, que é um negócio formal, a declaração não poderá valer com um sentido objectivo que não encontre um mínimo de correspondência no texto do documento - art.º 238° do Cod. Civil;
2- a esta luz, o acórdão recorrido não fez uma boa interpretação jurídica do contrato, o que flui até da própria Cl.ª 3ª, em cujos termos compete ao A. desempenhar as funções correspondentes à sua categoria profissional de Director-Geral "e inerentes ao objecto social e actividade da ENTIDADE PATRONAL";
3- ora, o acórdão passa por cima disto - ou seja, põe de lado o objecto social e a actividade estatuária da R. onde, segundo a cl.ª 3ª, se deve ir buscar o real conteúdo funcional da convencionada categoria de Director Geral e, sem mais, reduz a necessidade da contratação do A. à realização de TRABALHOS DE CONSTRUÇÃO CIVIL (trabalhos "não inseridos na actividade corrente da entidade empregadora");
4- dá-se como líquido que os "CONSIDERANDOS" constantes do escrito contratual devem ser tomados em conta para o efeito de se verificar se foi ou não cumprida a exigência legal de a estipulação a prazo ser acompanhada da indicação do motivo justificativo - art.º n.º 1 al. E) da L.C.C.T.;
5- o motivo concretamente invocado e o termo concretamente estipulado devem estar em articulação directa, de tal modo que entre um e outro exista uma relação de causa-efeito, isto é, que o termo, tal como estipulado, surja como causalmente conexionado com aquele motivo individualizado no escrito contratual como justificador do desvio à regra da celebração do contrato por tempo indeterminado. É que, só à luz da "congruência entre o termo estipulado, e o concreto fundamento invocado como causa da aposição do termo, é possível o controlo jurisdicional da admissibilidade legal da contratação a termo";
6- mais: tem de ser feita em juízo (pela entidade empregadora) a prova da veracidade do fundamento formalmente individualizado no contrato, o que postula a necessidade de a matéria de facto dada como provada dever retratar fielmente a conformidade daquele concreto fundamento que as partes invocaram no escrito contratual com a realidade de facto apurada no processo;
7- para a avaliação da imprescindível articulação directa entre o termo estipulado e o motivo justificativo invocado, necessário é que a motivação indicada no escrito contratual, para além de corresponder à verdade provada em juízo, preencha "in concreto" um dos taxativos tipos de justificação previstos numa das alíneas do n.º 1 do art.º 41º da L.C.C.T.;
8- a representação que, no texto do contrato, se faz, através da expressa invocação da al. B) do n.° 1 daquele art.º 41°, ao "acréscimo temporário ou excepcional da actividade da empresa" - é a única motivação factual que pode ser tomada em conta para se apurar se foi ou não cumprida a exigência legal de "invocação do motivo justificativo da estipulação do termo, por ter sido esta, e só esta, a aberta e inequivocamente invocada no texto do contrato;
9- uma vez que as duas instâncias repeliram "o acréscimo temporário ou excepcional da actividade da empresa" indicada no escrito contratual" como razão única justificativa da aposição do termo, tanto bastaria para que o contrato dos autos tivesse que ser inexoravelmente havido como celebrado por tempo indeterminado;
10- falhado, aos olhos das instâncias, aquele específico motivo justificado único eleito pelas partes para a estipulação do termo, não é permitido ao Tribunal, substituindo-se aos contraentes - a pretexto, obviamente errado, de que se estaria a mover no domínio das qualificações jurídicas - procurar um qualquer outro circunstancialismo factual como aptidão para salvar a estipulação do termo. Por esse ínvio caminho, a Relação foi desembocar na al. G), porque não podia socorrer-se, como fez a 1ª instância, da al. E) do citado art.º 41° n.º 1;
11- não faz sentido que a Relação tivesse associado o "acréscimo temporário ou excepcional da actividade da empresa", expressamente referido pelas partes, à concretização do projecto de Construção Civil do mercado, como se, tudo amalgamado, permitisse, neste caso, justificar a aposição do termo!
12- sendo o A. licenciado em direito, e não havendo no processo factualidade de onde emergisse a sua competência técnica para implementar e desenvolver aquele projecto de Construção Civil, não se percebe a solução alcançada pelo acórdão recorrido. O raciocínio do Acórdão parece ter assentado na falsa ideia de que a Ré necessitou de contratar o A. a prazo por ele ser um perito em construção civil, sendo que esse projecto foi implementado e fiscalizado por empresas altamente qualificadas no ramo, não fazendo sentido que a Ré confiasse tal missão ao A.;
13- neste contexto, o que contratualmente competia ao A. era velar pela preparação atempada do mais que fosse necessário à "plena entrada em funcionamento do Mercado", não se esgotando o objecto do contrato no dia em que a construção civil fosse dada por terminada;
14- é a própria cl.ª 3ª a dizer expressamente que compete ao A. desempenhar as funções correspondentes à sua categoria profissional de Director-geral e "inerentes ao objecto social e actividade da Entidade Patronal";
15- o raciocínio do acórdão recorrido só faria sentido se estivesse em causa a contratação, a termo de 3 anos, de um Perito em Construção Civil. Mas, sendo o A. licenciado em direito (facto n.º 18) e não se tendo provado que ele tivesse qualquer experiência em Trabalhos de Construção Civil, não se compreende a justificação encontrada. A Relação só denota não fazer a mais pequena ideia do que seja um Mercado Abastecedor e, muito menos, a sua construção;
16- temos como certo que as instâncias não se ocuparam da qualificação jurídica da motivação negocial das partes: o que fizeram a pretexto de que se estaria no domínio das qualificações jurídicas, foi fazer prevalecer outra motivação factual, o que é de todo inaceitável, visto que o Tribunal não pode mexer no circunstancialismo de facto que as partes consideraram no momento da celebração do contrato;
17- e, ainda que fosse de admitir que a contratação do A. visara o "Desenvolvimento de projectos, incluindo concepção, investigação direcção e fiscalização, não inseridos na actividade corrente da entidade empregadora", a verdade é que ali estava a cl.ª 3ª para dizer o contrário;
18- ora, quando a contratação, nos termos dessa cláusula, se destinou à realização de trabalhos "inseridos na actividade corrente da entidade empregadora", a previsão da al. G) está inapelávelmente afastada por o seu conteúdo se reportar explicitamente apenas a trabalhos "não inseridos na actividade corrente da entidade empregadora": a cl.ª 3ª e a parte final da al. G) são incompatíveis;
19- sendo de afastar a previsão da al. G), a contratação do A. só seria permitida por tempo indeterminado;
20- acresce que, não se podendo presumir que o A. foi contratado para a Construção Civil do MARL, os trabalhos de concretização do projecto não têm idoneidade para confirmarem um "acréscimo temporário ou excepcional da actividade da empresa", única motivação factual expressamente invocada no contrato para a aposição do termo, em momento em que a actividade estatuária corrente do MARL ainda nem sequer tinha começado. Por isso, como se poderia falar já em "acréscimo temporário ou excepcional" dessa actividade, abarcada pelo objecto social da empresa? E como, qualificar então um acréscimo em período posterior, quando a Ré já tivesse a seu cargo a gestão corrente do Mercado entretanto inaugurado?
21- no caso vertente, a estipulação do termo, por não se integrar na provisão da al. B), torna a cláusula do termo ilícita, inválida e ineficaz, devendo o contrato ser havido como celebrado por tempo indeterminado - art.º 42° n.º 3 da L.C.C.T.;
22- por isso, a cessação do contrato levada a cabo pela Ré equivale juridicamente a despedimento ilícito, com as consequências aqui reclamadas pelo A., devendo a acção proceder por inteiro;
23- foram designadamente violadas os art.ºs 41 ° n.º 1 als. B) e G) e n.º 2, 42° n.ºs 1 al. E) e 3 da L.C.C.T., 238° do C.C. e 264° do C.P.C ..
1.4.
A Ré contra-alegou, sustentando a improcedência do recurso e a consequente confirmação do julgado.
1.5.
No mesmo sentido, sem resposta das partes, se pronunciou a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta.
1.6.
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.

2- FACTOS
As instâncias deram pacificamente como assente a seguinte factualidade:
1- em 15/3/93, o A., ao tempo trabalhador do quadro permanente da "Tabaqueira S.A.", foi indigitado pelo Senhor Ministro do Comércio e Turismo para pertencer ao Conselho de Administração da "SINAB .- Sociedade Instaladora de Mercados Abastecedores S.A.", empresa de Capitais exclusivamente públicos em processo de constituição;
2- por acordo entre o referido membro do Governo e o Conselho de Administração da "Tabaqueira", o A. iniciou de imediato, e em conjunto com os outros elementos indigitados para integrar o Conselho de Administração, os trabalhos preparatórios de instalação, organização e funcionamento do SIMAB, por forma a que esta empresa iniciasse a sua actividade logo que publicado o Decreto-Lei que a constituía;
3- o que veio a acontecer com a publicação do D.L. n.º 92/93, de 24/3, tendo a tutela formalizado a requisição do A. à Tabaqueira em 29/3/93;
4- na 1ª Assembleia Geral da SIMAB S.A., realizada a 19/4/93, foi o A. eleito Administrador desta sociedade, cargo que exerceu ininterruptamente até 1/8/95, data da produção de efeitos da renúncia que o A. solicitou, pelas razões que adiante se explicitam;
5- por escritura pública de 28/12/93, foi constituída a "MARL - Mercado Abastecedor da Região de Lisboa S.A.", ora Ré, tendo como accionistas a SIMB S.A., o Município de Lisboa, a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa e o Município de Loures;
6- na mesma data, e ratificado posteriormente na 1ª Assembleia da dita M.A.R.L., foi o A. eleito vogal executivo do Conselho de Administração da Ré, cargo que desempenha em acumulação com o de Administrador da SIMAB S.A.;
7 - em 31/12/93, cessou a requisição do A. à Tabaqueira, em virtude de, nessa data, ter passado à situação de pré-reformado daquela Empresa, prosseguindo os mandatos como Administrador da SIMB e da MARL;
8- o A. exerceu o cargo de Administrador da R., ininterruptamente, até ao final do mandato, que se verificou na A.G. de 13/5/96;
9- as partes celebraram e reduziram a escrito, em 14/5/96, o contrato individual de trabalho que consta de fls. 22 a 26, que aqui se dá por reproduzido;
10- pela prestação do seu trabalho, o A. auferia da R., ultimamente, as seguintes prestações remuneratórias mensais, as seguintes prestações remuneratórias mensais: I- retribuição fixa - 667.380$00; II - despesas de representação - 106.236$00; III - subsídio de refeição - 18.760$00;
11- eram devidos ao A. os subsídios de férias e de Natal, de montante igual à soma das parcelas de retribuição mensal referidas nos itens "Retribuição fixa" e "despesas de representação", referidas em 10;
12- para além das quantias indicadas em 10- e 11-, o A. usufruía de todas as actualizações, benefícios e bónus concedidos aos vogais executivos do Conselho de Administração da R., designadamente:
A) a utilização de cartão de crédito para gastos da R., sem limite, com acumulação dos saldos não utilizados deste último valor;
B) o uso de telemóvel, sem restrições de chamadas nem limite de gastos, sendo utilizados pelo A. dois telemóveis, à semelhança de outros vogais do C.A. da Ré;
C) a utilização da viatura marca Volvo, modelo S40, de 1996, com a matrícula 00-00-HH, para uso total, sem qualquer limitação, também na sua vida privada, inclusive nos períodos pós-laborais, nos fins de semana e nas férias, correndo por conta da Ré todas as despesas inerentes ao uso da viatura pelo A. (combustível, manutenção, seguros, selo, etc.);
D) o pagamento, pela Ré, da factura integral do telefone da rede fixa instalado na residência do A.;
13- o A. usufruía de um seguro de saúde (compreendendo exames auxiliares de diagnóstico, despesas médicas, medicamentosas e hospitalares) para sua filha ...e beneficiava também de um seguro de saúde, digo, de acidentes pessoais (neste, invalidez permanente, com o capital de 60.000 contos, mais 1000 contos de D.T.R.);
14- para admitir o A. ao seu serviço, a R. celebrou com ele um contrato individual de trabalho a termo certo, com a duração de 3 anos e início da vigência em 14/5/96;
15- por carta de 3/5/99, a R. fez, cessar o contrato de trabalho do A., notificando-o “de que o mesmo cessará os seus efeitos no próximo dia 14 de Maio de 1999", propósito que, nesta última data, a R. efectivamente concretizou;
16- não foi sequer movido contra o A. qual quer processo disciplinar;
17- da acta n.º 36, de 13/5/96 do C.A. da Ré consta que, considerando que a empresa vai entrar numa fase de crescimento no sentido de preparar atempadamente a sua estrutura e organização de forma adequada ao futuro funcionamento do Mercado, deliberou celebrar com o Sr. Dr. AA, dada a sua experiência e conhecimento de todas as questões ligadas ao projecto de construção, organização e funcionamento do Mercado Abastecedor da Região de Lisboa, um contrato de trabalho a termo certo, pelo prazo de 3 anos, a partir de 14 do corrente, com a categoria de Director-Geral e nas condições constantes do contrato que fica arquivado;
18- o A. é licenciado em Direito;
19- o A. recebeu da R. a quantia de 5.455.449$00, a título de créditos vencidos pela cessação do contrato;
20- a prestação mensal líquida da pré-reforma recebida pelo A. da Tabaqueira S.A., aliás atribuída por esta sua ex-entidade em período muito anterior ao do contrato de trabalho dos autos, foi inicialmente fixada em 220.459$00 e, com as actualizações nos termos legais, é hoje de 299.513$00;
21- no dia 13/5/96, tinha tomado posse um novo Conselho de Administração da Ré que, em relação ao anterior, integrava em 5, 3 novos membros;
22- a construção do mercado abastecedor da região de Lisboa iniciou-se em meados de 1996, prevendo-se, na altura, que tais trabalhos se concluíssem em cerca de 3 anos;
23- o A. desempenhou nos C.T.T., durante 3 anos, as funções de Administrador, tendo-lhe sido atribuído, entre outros, o pelouro do pessoal;
24- enquanto Administrador da SIMAB e da Ré, ao A. pertencia, entre outros, o pelouro do pessoal, que lhe foi atribuído por ser o único Administrador licenciado em Direito, e porque já tinha exercido tal pelouro nos C.T.T.;
25- quando se iniciou a reunião do C.A. da Ré mencionada em 17-, já existia a minuta a que a deliberação referida em 17- se reporta;
26- o acordo referido em 9- foi firmado por iniciativa de um dos vogais do C.A. em funções até 12/5/96;
27- a R. atribuiu ao A. a categoria de Director Geral para lhe proporcionar uma remuneração idêntica àquela que o A. auferia quando era Administrador da Ré;
28- a cessação de funções do A., como Director-Geral da Ré, e a forma como tal ocorreu, causaram ao A. tristeza, angústia e ansiedade, bem como alterações na sua disposição tornando-se facilmente irritável, o que antes não sucedia;
29- o A. é tido como uma pessoa idónea e é muito respeitado por aqueles que com eles se relacionam.
São estes os factos.
_____//______

3- DIREITO

3.1.
A questão nuclear da acção, que subsiste na fase dos recursos e, em concreto, na presente revista, traduz-se em aferir da validade ou invalidade da estipulação do termo aposto no contrato de trabalho aprazado entre as partes.
Com efeito, será essa resposta que necessariamente condiciona o êxito ou o fracasso da acção: se a estipulação for tida como válida, é legítima a cessação do vínculo operada pela Ré; caso contrário, essa cessação configura um despedimento ilícito, devendo Autor ser ressarcido nos termos reclamados.
Já sabemos que as instâncias afirmaram a validade da estipulação, embora com fundamentação diversa, continuando o Autor a defender a tese contrária.
3.2.1.
Ao caso dos autos é aplicável o regime jurídico do contrato de trabalho a termo resolutivo constante da L.C.C.T., aprovada pelo D.L. n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro: é que o contrato ajuizado cessou em 14 de Maio de 1999, sendo que o art.º 8º n.º 1 (parte final) da Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto - que aprovou o Código do Trabalho e revogou a legislação de pretérito - estatui que a legislação revogada continua a aplicar-se aos efeitos de factos totalmente passados antes da sua entrada em vigor (1 de Dezembro de 2003 - art.º 3° n.º 1 da referida Lei).
No âmbito da L.C.C.T., a contratação a termo só podia ocorrer ao abrigo de alguma das situações previstos no elenco taxativa da lei.
Assim, nos termos do seu art.º 41º n.º 1, "… a celebração do contrato de trabalho a termo só é admitida nos seguintes casos:
A) …
B) Acréscimo temporário ou excepcional da actividade da empresa;
C) …
D) …
E) Lançamento de nova actividade de duração incerta, bem como o início de laboração de uma empresa ou estabelecimento;
F) …
G) Desenvolvimento de projectos, incluindo concepção, investigação, direcção e fiscalização, não inseridos na actividade corrente da entidade empregadora;
H) …”.
Por sua vez, estabelece o n.º 2 do mesmo preceito que a celebração de contrato a termo" ... fora dos casos previstos no número anterior importa a nulidade da estipulação do termo", de onde decorre que o contrato há-de ser havido como contrato de trabalho sem termo.
Ademais, o contrato tem de ser reduzido a escrito, sendo também considerado sem termo se o não for ou se não contiver a indicação do motivo justificativo do termo (art.° 42° n.ºs 1 e 3).
Assim, a validade do referido termo resolutivo impõe:
- que se mostrem vertidos no texto contratual factos recondutíveis a algum dos tipos legais de justificação plasmados no transcrito art.º 41 ° n.º 1;
- que esses factos tenham correspondência com a realidade.
A necessidade da verificação cumulativa dos pressupostos assinalados é um mero corolário do carácter excepcional da contratação a termo e do princípio da tipicidade funcional emergente do falado art.º 41°: o contrato a termo só é admissível para certos fins e na estrita medida em que esses fins o justifiquem.
3.2.2.
Como vem sendo pacificamente reconhecido na doutrina e na jurisprudência, só serão atendíveis os motivos justificativos da contratação a termo, invocados pelo empregador, que constem do texto contratual.
Por isso, se o empregador tiver razões válidas para essa contratação - e vier, inclusivamente, a demonstrá-las em Tribunal - tal circunstância de nada relevará, posto que as mesmas não tenham sido oportunamente vertidas no documento que titula o vínculo: nesse caso, a conversão do contrato sem termo será inevitável (cfr. Ac. Do S.T.J. de 3/3/05 - Rec. N.º 3952/04, da 4ª Secção).
Como dizem Luís Miguel Monteiro e Pedro Madeira de Brito, "…as razões determinantes da forma do negócio opõem-se a que a vontade real dos contraentes possa ter relevância na validade da estipulação do termo, se essa vontade não estiver expressa no texto do contrato - art.º 238° do C.C." (in "Código do Trabalho Anotado, Pedro R. Martinez e outros, pág. 281).
Não obstante imperatividade dessa adução, já temos por irrelevante a sua localização sistemática no texto contratual: tanto faz que a correspondente fundamentação se mostre inserida no início ou no final do texto, como consta de um excerto que contém denominados "considerandos" ou de um outro que as partes dividiram em cláusulas.
Com efeito, a lei limita-se a exigir, neste particular, que o "contrato de trabalho a termo" se submeta à "forma escrita", devendo "conter", entre outras indicações, o "Prazo estipulado com indicação do motivo justificativo", sendo de rejeitar, por manifesto excesso formal, a exigência de que a justificação se mostre alinhada, no texto contratual, a par da estipulação do prazo (no que o recorrente parece também já condescender - conclusão 4ª).
Do texto, firmado pelas partes em 14 de Maio de 1996, consta o seguinte:
"CONSIDERANDO:
A) Que o TRABALHADOR tem estado ligado a toda a problemática dos Mercados Abastecedores ao mais alto nível da sua concepção e desenvolvimento, tanto na SIMAB - Sociedade Instaladora de Mercados Abastecedores S.A., como na MARL S.A. desde a constituição destas duas empresas;
B) Que por este motivo tem experiência e total conhecimento de todas as questões ligadas ao projecto de construção, organização e funcionamento do Mercado Abastecedor da Região de Lisboa;
C) Que a ENTIDADE PATRONAL vai entrar numa fase de crescimento, separando-se progressivamente da SIMAB S.A. e preparando, atempadamente, a sua estrutura e organização de forma adequada à plena entrada em funcionamento do Mercado, necessitando por isso do conhecimento e experiência do Trabalhador;
D) Que a ENTIDADE PATRONAL, pelas razões expostas, acordou empregar o TRABALHADOR e este acordou em trabalhar para a ENTIDADE PATRONAL nos termos e condições adiante estabelecidos no presente contrato;
AS PARTES ACORDAM ENTRE SI NA CELEBRAÇÃO DO PRESENTE CONTRATO DE TRABALHO A TERMO CERTO, NOS TERMOS DA ALÍNEA B) DO ARTIGO 41° DO DEC.-LEI N.º 64-A/89, DE 27 DE FEVEREIRO, SUJEITO ÀS SEGUINTES CLÁUSULAS E CONDIÇÕES (...)",
Seguem-se as cláusulas que fixam o tempo de duração do contrato (1º), a data do seu início (2°), a categoria profissional do Autor (3°), o salário (4°), o horário de trabalho (5°), os deveres do trabalhador (6ª), o local de trabalho (7ª) e um pacto de competência (8ª).
Como salienta o Prof. Monteiro Fernandes no douto Parecer junto a fls. 367 e segs. dos autos, aqueles "considerandos" foram manifestamente desenhados para corresponder à exigência legal de indicação do motivo da estipulação do termo, deles resultando que foi pelas "razões expostas" que a Ré contratou o Autor e que este aceitou o contrato "nos termos e condições nele estabelecidos",
Assim é que logo a cl.ª 1ª - que se segue à enunciação da motivação - estipula o "prazo de três anos" para a duração do contrato.
Deste modo, devemos concluir que se mostra satisfeita, no texto do contrato, a exigência da indicação dos motivos que conduziram à celebração do vínculo.
3.2.3
Para além dessa exigência, tem o S.T.J. vindo uniformemente a entender - quer antes, quer após a publicação da Lei n.º 38/96, de 31 de Agosto - que a indicação daqueles motivos implica a concretização dos factos e circunstâncias que fundamentam o vínculo, sendo que esta exigência legal constitui uma formalidade "ad substantiam" (Cfr. Acs. De 3/3/05 (Rev. 3952/04) e de 17/1/07 (Rev. n.º 3750/06), desta 4ª Secção).
O n.º 1 do art.º 3° daquela Lei n.º 38/96 - publicada após a celebração do contrato dos autos mas com um cariz eminentemente interpretativo e, por isso, integrável na lei interpretada (art.º 13° do Cod. Civil) - veio dispor que a "indicação do motivo justificativo da celebração de contrato a termo, em conformidade com o n.º do art.º 41 ° e com a al. E) do n.º 1 do art.º 42° ... só é atendível se mencionar concretamente os factos e circunstâncias que integram esse motivo", vindo a Lei n.º 18/2001, de 3 de Julho a aditar ao mesmo preceito o seguinte: " ... devendo a sua redacção permitir estabelecer com clareza a relação entre a justificação invocada e o termo estipulado".
É dizer que a simples remissão para uma das alíneas do citado art.º 41º n.° 1 não basta para se considerar cumprido o requisito da motivação do contrato, como também não basta a simples reprodução da fórmula legal utilizada nessas mesmas alíneas.
Deste modo, a atenção do julgador deve efectivamente centrar-se nas circunstâncias que as partes verteram no texto contratual em abono da celebração do vínculo.
3.2.4.
Revertendo ao concreto dos autos as partes enunciam no texto vários "considerandos" - já os reproduzimos - que inequivocamente contêm factos e circunstâncias que, segundo elas, justificam a contratação operada.
Logo após, referenciam um preceito que, em abstracto, corresponde a uma das hipóteses em que o legislador considera lícita a contratação a termo.
A questão que agora se coloca é a de saber se, para ponderar a licitude da celebração da dita contratação a prazo, deve o tribunal atender e analisar os factos e circunstâncias constantes dos "considerandos" subscritos pelas partes, confrontando-os com a panóplia de hipóteses eleitas pelo legislador para admitir a contratação precária, ou se, pelo contrário e para esse efeito, lhe cabe ponderar apenas a hipótese legal mencionada no texto - al. B) do n.º 1 do art.º 41° - aferindo perante ela (e só perante ela) a licitude da contratação aprazada.
E essa questão é tanto mais candente quanto é certo - como bem refere o Autor nas suas alegações - que não se vislumbra conexão lógica satisfatória entre essa qualificação legal e as razões da contratação do Autor, antecipadas nas als. A) a C) dos "considerandos" .
É essencialmente aqui que reside a discordância do recorrente, para quem o tribunal "a quo" jamais poderia afirmar a validade da estipulação do termo resolutivo, subsumindo a justificação expressamente invocada no contrato à hipótese prevista na al. G) do art.º 41 ° n.º 1.
Segundo diz, ao Tribunal apenas cumpria indagar se o motivo formalmente indicado pelas partes no contrato - o da al. B) daquele preceito - foi o que realmente as levou à contratação precária, pois esse motivo é o único a que caberá atender para o efeito de se verificar se está, ou não, cumprida a exigência legal da "indicação do motivo justificativo" da estipulação do termo: daí a pretensa invalidade dessa estipulação, pois entende o recorrente - como também as instâncias - que a previsão da citada al. B) ("acréscimo temporário ou excepcional da actividade da empresa") não permite validar, no caso, a aposição do termo resolutivo.
Vejamos.
3.2.5.
Ao apreciar se a motivação circunstancial para a aposição de um termo resolutivo se subsume a alguma das hipóteses em que a lei admite a contratação precária, o tribunal deverá proceder, antes de mais, à interpretação do convénio estabelecido.
Para o efeito, deve ter presentes os critérios enunciados nos art.ºs 236° e segs. do Cod. Civil.
Importa não esquecer, designadamente, que o contrato de trabalho a termo é um negocial formal - art.º 42° n.º 1 da L.C.C.T. - de onde decorre que a declaração não pode valer com um sentido que não encontre um mínimo de correspondência no texto do documento, ainda que imperfeitamente expresso - art.º 238° do Cód. Civil.
Deve atender ainda - como resulta do já exposto - que a motivação do vínculo laboral a termo se faz com a menção dos factos e circunstâncias que integram objectivamente o motivo eleito (como veio expressamente determinar o art. 3° n.º 1 do D.L. n.º 38/96), devendo a atenção do julgador incidir particularmente sobre tudo aquilo que, em sede factual, constar do escrito para motivar o contrato.
Aqui chegados, podemos adiantar já uma certeza: enquanto a factualidade inserida no contrato pode ser suficiente para justificar aquele motivo, sendo dispensável a referência ao preceito legal em que essa motivação pretensamente se integra, já a mera indicação desse preceito, desacompanhada da referida factualidade, não tem, em contrapartida, a virtualidade de cumprir a exigência legal da motivação.
É dizer que, em sede interpretativa, os factos e circunstâncias vertidos no texto do convénio assumem um relevo bem maior, em termos relativos, do que as referências legais nele inseridas.
Ademais, importa não esquecer que a qualificação jurídica feita pelas partes - quer no tocante ao enquadramento legal da justificação do negócio, quer no que respeita à própria natureza jurídica do vínculo - jamais vincula o julgador: a regra enunciada no art.º 664° do Cod. Proc. Civil é clara nesse sentido, sendo consequentemente irrelevante a simples qualificação legal (atribuição de um "nomen júris" ou indicação de um preceito legal) feita pelos outorgantes.
Apesar disso, essa referência legal não deve ser ignorada de todo: o que não pode é conferir-se-lhe um valor decisivo na interpretação do contrato mas um valor meramente subsidiário no confronto com a factualidade elencada pelas partes.
3.2.6.
Tendo presentes estes critérios interpretativos e recordados os poderes do Tribunal em matéria de qualificação jurídica, já podemos afoitamente adiantar que os "considerandos" vertidos no texto negocial visaram corresponder à exigência legal de indicação do motivo justificativo da vinculação operada: deles resulta, como já se referiu, que foi pelas "razões expostas" que a Ré contratou o Autor e que este aceitou o contrato "nos termos e condições nele estabelecidos".
Além disso, limitaram-se as partes a aludir à al. B) do art.º 41° n.º 1 sem descreverem a hipótese legal a que pretenderam subsumir a justificação assim operada e sem referenciar, em parte alguma do contrato, que o mesmo é celebrado devido a "acréscimo temporário ou excepcional da actividade da empresa".
Aliás. a declaração de que o contrato ajuizado é feito" ... nos termos da alínea B) do número 1 do art.° 41° do Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro" surge, no texto negocial, logo após os "considerandos" que claramente o motivam: essa inserção sistemática, de par com o completo desajustamento entre a factualidade dos "considerandos" e a previsão da citada al. B), sugerem que possa ter havido um concreto erro material na referida qualificação.
Seja como for, a errada indicação da falada alínea - por erro material ou erro efectivo de qualificação jurídica - não pode minimamente espartilhar e, muito menos, impedir a actividade judicial de subsunção ao direito dos factos e circunstâncias relatadas no texto negocial.
De resto, no circunstancialismo concreto dos autos, estamos mesmo em crer que nenhum relevo interpretativo deve ser dado à mencionada referência legal, pois que:
- essa referência não vem acompanhada do inerente descritivo legal, ficando sem se saber se as partes ponderaram efectivamente, também, qualquer eventual acréscimo de actividade que ocorresse e cujos fundamentos não ficaram a constar do texto;
- as "razões" da contratação do Autor vêm referidas no mencionado texto através da referência material de factos, circunstâncias e motivações que reflectem, com clareza, os reais motivos do convénio;
- a alusão à citada al. B) segue-se, de imediato, à exposição daquelas “razões”, não se vislumbrando qualquer conexão lógica entre uma e as outras.
Neste contexto, impõe-se que o Tribunal interprete as declarações negociais das partes no sentido de que os "considerandos" vertidos no documento consubstanciam a motivação do recurso à contratação a termo (sendo que esse sentido encontra, no texto negocial, ampla correspondência verbal e perfeitamente expressa), verificando, de seguida se a correspondente factualidade permite concluir, ou não, que o contrato em análise se enquadra nas hipóteses em que é lícita a contratação precária e se nele se mostra satisfeita a exigência legal de justificação do termo estipulado.
Não se trata de um juízo correctivo mas de simples subsunção jurídica, em cujo domínio é lícito divergir da qualificação legal operada pelas partes no texto do convénio.
Pois, aliás, o que também fizeram as instâncias, mal se percebendo como pode o recorrente afirmar que a Relação fez prevalecer uma motivação factual diversa daquela que foi afirmada pelas partes no contrato e no processo, ou que a Relação tenha mudado, "a seu gosto", os pressupostos factuais de que os outorgantes se prevaleceram.
3.2.7.
Recordando o que já se disse, importa deixar assente, em definitivo, que as razões adiantadas pelas partes no documento em apreço não se podem subsumir à hipótese legal plasmada na dita al. B) - "acréscimo temporário ou excepcional da actividade da empresa".
Para haver esse acréscimo de actividade, seria mister que a actividade da empresa estivesse já em normal processamento e que, por qualquer razão, ela viesse a sofrer um acréscimo.
Ora, o que resulta do texto do contrato é que a M.A.R.L.:
- vai entrar numa fase de crescimento, separando-se progressivamente da S.l.M.A.B.;
- vai preparar atempadamente a sua estrutura e organização, de forma adequada à plena entrada em funcionamento do Mercado;
- é por estas razões que necessita do conhecimento e experiência do Autor - que tem estado ligado à problemática dos mercados abastecedores, ao mais alto nível da sua concepção e de desenvolvimento, e tem experiência e total conhecimento das questões ligadas ao projecto de construção, organização e funcionamento do mercado abastecedor da região de Lisboa - celebrando com ele, por via disso, o contrato em análise.
Assim, esse contrato nunca poderia ser justificado com um pretenso acréscimo de actividade da empresa - que só se compreenderia se a Ré já tivesse a seu cargo a exploração e gestão do próprio mercado abastecedor - mas já é plausível que o seja com a "necessidade de preparar a estrutura e organização da empresa de forma adequada à plena entrada em funcionamento do Mercado"
3.2.8.
Por outro lado, também não é possível subsumir a justificação oferecida à previsão enunciada na al. E) do dito art.º 41º - início de laboração da empresa" - como fez a 1ª instância.
Nesta hipótese legal, a admissibilidade da contratação a termo não se relaciona, em vigor, com a ideia de transitoriedade (é suposto, ao invés, que a nova empresa prolongue a sua actividade no tempo) mas antes com a probabilidade, ou não, de subsistência dessa nova empresa, dada a imprevisibilidade das circunstâncias económicas, sociais e políticas do mercado (cfr. Ac. do S.T.J. de 9/6/2004 na Rev. n.º 1011/04, da 4ª Secção).
Na óptica do legislador, a novidade da actividade (que o empregador vai lançar na sua empresa) ou a novidade da própria empresa ou estabelecimento (que inicia a sua laboração) acarreta a incerteza da sua viabilidade: daí a admissibilidade da contratação a termo.
Como refere o Prof. Jorge Leite, do que então se trata é de " ... pôr à disposição do empregador modalidades contratuais flexibilizadoras dos efectivos da empresa, susceptíveis de vencer as suas resistências à admissão de novos trabalhadores, sobretudo no início da sua actividade produtiva ou do seu alargamento" (in "Questões Laborais" - Contrato a termo por lançamento de nova actividade" - n.° 5, 1995, pág. 79).
Quanto à localização temporal do lançamento da nova actividade ou do início da laboração da nova empresa - a que importa atender para efeitos, no caso, da contratação precária - também são elucidativos os ensinamentos do mesmo Autor que, ademais, clarificam a delimitação material das situações subsumíveis à previsão das alíneas E) e G).
A este propósito, escreve:
"Sendo certo que toda a actividade empresarial se dirige à produção de um bem (produto ou serviço) cujos destinatários são os seus clientes, já conhecidos ou, como é regra, desconhecidos, poderia entender-se que o lançamento se inicia quando aquele bem se encontra em contacto com os seus potenciais consumidores (adquirentes), isto é, quando se lança no mercado. O empresário só pode conhecer suficientemente ou ajuizar, em bases razoáveis, das possibilidades de subsistência, de êxito, da nova actividade a partir do momento em que coloca o produto no mercado, isto é, a partir do momento em que o bem se encontra à disposição dos seus potenciais interessados.
Sucede, porém, que, como será regra, esta fase é antecedida de outras, de duração mais ou menos longa, envolvendo estudos, projectos (fase de estudos), aquisição de equipamentos, autorizações administrativas, contratação de pessoal (fase de instalação) e, finalmente, a fase da produção, também esta de duração mais ou menos longa, conforme o bem de que se trate. Ora, um dos problemas que este elemento suscita é o de saber a partir de que momento se considera, para efeitos da alínea em análise, lançada a actividade.
A meu ver, deve considerar-se lançada a actividade a partir do momento em que se iniciam as operações directamente ligadas à produção do bem ou serviço, ou seja, a partir do momento em que começa a execução daquelas actividades que são o suporte dos empregos precários.
Excluem-se, assim, as fases de preparação das condições de decisão (estudos, projectos, etc.) e de preparação das condições de produção (autorizações administrativas, encomendas e montagem dos equipamentos, contratação de trabalhadores, etc.), já que aquelas se devem entender abrangi das pela alínea G) (até se iniciar e se consolidar a actividade, o desenvolvimento de tais projectos devem entender-se como não inseridos na actividade corrente da entidade empregadora" (FIMDE TRANSCRIÇÃO - est. Citado, pags. 83 e 84).
No caso dos autos, resulta dos "considerandos" insertos no texto que a contratação do Autor visa fazer face à necessidade de preparar a estrutura e organização da empresa de forma adequada à plena entrada em funcionamento do Mercado.
Não se trata, pois, de início da laboração da empresa - com a inerente dúvida quanto ao resultado económico da prestação de serviços em que se consubstancia a actividade do Mercado - nem do lançamento de nova actividade de duração incerta.
Destarte, também devemos excluir a hipótese enunciada na referida alínea E).
3.2.9.
Trata-se, isso sim, do "desenvolvimento de projectos, incluindo concepção, investigação, direcção e fiscalização, não inseridos na actividade corrente da entidade empregadora", não merecendo censura a decisão recorrida que assim qualificou a motivação contratual vertida pelas partes no texto regulador do convívio, enquadrando-a na previsão constante da alínea G).
O que motivou a celebração do contrato foi a preparação do início da actividade central da Ré, o pleno funcionamento do Mercado necessitando, por isso, do conhecimento e experiência do Autor (considerando C).
A preparação da estrutura e organização de uma empresa, de forma adequada à plena entrada em funcionamento do mercado que vai gerir e explorar, constitui o desenvolvimento de um projecto não inserido na actividade corrente do empregador, já que essa actividade corrente só se iniciaria com a entrada em funcionamento do dito mercado.
Foi justamente para desenvolver este projecto, que tem uma duração perfeitamente limitada - antecedendo a entrada em funcionamento do mercado e terminando com esse pleno funcionamento e com o início da actividade económica propriamente dita da Ré - que foi contratado o Autor, a quem a Ré reconhece "experiência e total conhecimento de todas as questões ligadas ao projecto de construção, organização e funcionamento do Mercado Abastecedor da Região de Lisboa", justamente por ter estado ligado "a toda a problemática dos Mercados Abastecedores ao mais alto nível da sua concepção e desenvolvimento", quer na SIMAB S.A. (intitulada, precisamente, Sociedade Instaladora de Mercados Abastecedores), quer na MARL S.A., desde a constituição destas duas empresas.
3.2.10.
Aduz o recorrente que o acórdão da Relação reduziu a necessidade da contratação do Autor - licenciado em Direito e sem competência técnica para desenvolver um mega projecto de construção civil - à realização de trabalhos inseridos nesta área, sendo que a cl.ª 3ª do contrato lhe comete o desempenho de funções correspondentes à categoria de Director Geral e inerentes ao objecto social e actividade do empregador.
Contudo, não é minimamente exacto que o Acórdão sindicando tivesse feito assentar a sua tese na ideia de que a Ré contratou a prazo o Autor por ele ser um perito em construção civil.
Como o próprio recorrente afirma (conclusão 13ª), o que contratualmente lhe competia era "... velar pela preparação atempada do mais que fosse necessário à plena entrada em funcionamento do Mercado".
Ora, analisando o referido Acórdão, verifica-se que o mesmo nunca foi além disso, jamais referenciando - ou tendo pressuposta a ideia - que o Autor seria perito em construção civil e tivesse que realizar, dirigir ou supervisionar os inerentes trabalhos.
A única referência que é feita à duração previsível da conclusão da construção do mercado (3 anos) conexiona-se com o passo do Acórdão em que este verifica a congruência entre o prazo contratual e a previsível duração do projecto - em que o Autor se ia inserir - de preparação da entrada em funcionamento do mercado.
Ora, é absolutamente normal e lógico que na projecção e planeamento das actividades de " ... preparação atempada do mais que fosse necessário à plena entrada em funcionamento do Mercado" - e na celebração do contrato ao abrigo do qual essas actividades iam ser dirigidas e executadas - se perspectivasse que essas actividades estariam concluídas até à conclusão da construção do próprio mercado.
Não fazia qualquer sentido ter uma estrutura física, construída e apta a funcionar, com a dimensão do projectado mercado e mantê-la inactiva porque se perspectiva um período temporal mais alargado para a conclusão de tudo" ... o mais que fosse acessório à plena entrada em funcionamento do Mercado".
A referida associação temporal - entre a conclusão das tarefas preparatórias cometidas ao Autor e a conclusão da construção física do mercado - é, pois, natural e óbvia, sendo susceptível de acobertar a conclusão, extraída pelo Acórdão, de que a duração estipulada para o contrato - 3 anos - se adequa à motivação da contratação ali vertida pelos outorgantes.
3.2.11.
Também não pode validamente afirmar-se - como faz o recorrente - que o acórdão da Relação ignorou o objecto social e a actividade estatuária do empregador ao considerar que as tarefas preparatórias do funcionamento do mercado não se incluem no conceito de actividade "corrente" da Ré, para os efeitos plasmados na enunciada alínea G).
Na verdade, resulta claramente do Acórdão - e até das próprias citações doutrinárias que nele se verteram e que, aqui, também perfilhamos - que o Tribunal considerou não inseridos na actividade "corrente" do empregador o desenvolvimento dos projectos de preparação das condições de produção (v.g., autorizações administrativas, encomendas, montagem dos equipamentos, contratação de trabalhadores) justamente por entender que essas actividades iriam ser prossegui das até se iniciar e consolidar a actividade essencial da empresa: por isso, as considerou abrangidas na previsão da mencionada alínea G).
Em suma:
ainda que do objecto social e actividade estatuária da Ré conste globalmente a promoção, construção, exploração e gestão do mercado abastecedor da região de Lisboa, o qual se destina ao comércio por grosso de produtos alimentares e não alimentares e actividades complementares", a previsão daquela alínea G), ao referenciar expressamente a actividade "corrente" do empregador, estabelece um conceito mais restritivo do que o acima transcrito, reconduzindo o intérprete às actividades directamente ligadas à produção de bens ou serviços que são prosseguidos quando, finalmente, se consolida a actividade principal da empresa - "in casu" a gestão e exploração do mercado - excluindo de tal conceito as fases preparatórias dessa actividade produtiva.
Aliás, cabe notar que, também aqui, é o próprio Autor a alegar que, no momento da contratação, a actividade estatuária corrente da Ré ainda não tinha começado (conclusão 20°), de onde resulta que ele próprio, obviamente conhecedor do que consta do objecto social da Ré, de que foi Administrador, também perspectiva para os efeitos aqui atendíveis, uma compreensão restritiva da actividade corrente da referida sociedade.
Assim, é perfeitamente compatível com a tese perfilhada no Acórdão considerar, por um lado, que o recorrente foi incumbido de tarefas inerentes ao objecto social e actividade do empregador (como refere a cl.ª 3ª) e, simultâneamente, considerar que tais tarefas (preparatórias do funcionamento do mercado, como resulta do texto negocial, e não envolvidas ao seu efectivo funcionamento) se não incluem no conceito de actividade "corrente" desse mesmo empregador, conforme exige a dita alínea G).
3.2.12.
Devemos concluir, perante o conteúdo concreto dos "considerandos" já analisados, que a justificação aposta no contrato traduz, de modo suficiente e esclarecedor, uma situação concreta, objectiva e adequada à justificação do recurso à contratação precária.
É de notar, como refere Pedro Ortins de Bettencourt, também citado no Acórdão recorrido, que, nos casos da al. G), é " ... desnecessária a clara descrição da tarefa ocasional, ou do serviço determinado, precisamente definido e não duradouro. É, no entanto, necessária a identificação, não tanto da tarefa precisamente definida que o trabalhador vai desempenhar, mas do projecto em que se vai inserir e uma indicação genérica do tipo de trabalho que o trabalhador vai desempenhar nesse projecto" (in "Contrato de Trabalho a Termo", 1996, pág. 151).
Ora, do texto negocial em análise resulta claramente que a actividade a desenvolver pelo Autor se destinava à preparação da estrutura e organização do futuro Mercado Abastecedor da Região de Lisboa, com vista à sua entrada em pleno funcionamento, e que a Ré envolveu o Autor nesse projecto, contratando-o a termo como Director-Geral, atentos os seus conhecimentos e experiência nesta área.
Aliás, da acta n.º 36, de 13 de Maio de 1996, do Conselho de Administração da Ré, ficou a constar o seguinte:
"Considerando que a empresa vai entrar numa fase de crescimento, no sentido de preparar atempadamente a sua estrutura e organização de forma adequada ao futuro funcionamento do Mercado, deliberou celebrar com o Sr. Dr. AA, dada a sua experiência e conhecimento de todas as questões ligadas ao projecto de construção, organização e funcionamento do Mercado Abastecedor da Região de Lisboa, um contrato de trabalho a termo certo, pelo prazo de três anos a partir de 14 do corrente, com a categoria de Director-Geral e nas condições constantes do contrato que fica arquivado" (Ponto 17 dos Factos).
Esta declaração só corrobora a veracidade do motivo justificativo explanado no contrato.
Também é importante salientar que a construção do mercado abastecedor da região de Lisboa - como ficou provado (Ponto n.º 22) - se iniciou em meados de 1996, prevendo-se, na altura, que os trabalhos respectivos se concluíssem em cerca de três anos; por isso, o tempo convencionado para a duração do contrato é perfeitamente adequado à previsível duração do projecto de preparação do futuro funcionamento do mercado.
A motivação estipulada é, pois, suficiente para justificar o termo, tem correspondência com a realidade (o que também não é questionado pelo Autor) e reconduz-se à tipologia do art.º 41° n.º 1 al. G) do D.L. n.º 64-A/89, devendo considerar-se válida e perfeitamente justificada a estipulação do termo aposta ao contrato ajuizado.
Improcede, assim, a tese do recorrente.

4- DECISÃO
Em face do exposto, acordam em negar a revista, confirmando o Acórdão da Relação.

Custas pelo recorrente.

Lisboa, 14/3/07

Sousa Grandão (relator)
Pinto Hespanhol
Vasques Dinis