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COLIGAÇÃO ACTIVA
VALOR DA CAUSA
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
Sumário
I - A coligação activa configura uma cumulação de vários pedidos conexos, pelo que o valor atendível, para efeitos de recurso, corresponde ao valor dos pedidos deduzidos individualmente, e não ao valor da causa.
II - No âmbito do CPT/81 (art. 47.º, n.º 3) e do CPT/99 (art. 79.º, alínea a), nas acções em que esteja em causa o despedimento do trabalhador e a sua reintegração na empresa, o legislador apenas assegurou o recurso para a Relação, sendo de observar quanto à admissibilidade (ou não) de recurso para o Supremo, o regime geral das alçadas.
III - Assim, é legalmente inadmissível recurso para o Supremo numa acção de impugnação de despedimento instaurada em 18 de Janeiro de 2005, à qual foi fixado o valor de € 25.913,67, sendo dois os autores e o valor de cada um dos pedidos inferior ao valor da alçada da Relação.
IV - Fixado o valor da causa, este mantém-se, ainda que o valor da condenação seja superior, uma vez que a lei não prevê qualquer mecanismo de correcção automática daquele valor com base no montante da condenação
Texto Integral
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:
1- RELATÓRIO
1.1.
AA e BB Leite instauraram, no Tribunal do Trabalho de Santa Maria da Feira, acção declarativa de condenação, emergente de contrato individual de trabalho, com processo comum, contra “CC – Indústria Têxtil Ld.ª”, pedindo seja declarada a ilicitude dos seus despedimentos, por inexistência de justa causa e, em consequência, seja a Ré condenada:
- a reintegrar as Autoras nos seus postos de trabalho ou a pagar-lhes a indemnização de antiguidade, se por ela vierem a optar;
- a pagar-lhes as prestações vencidas desde a data do despedimento e uma indemnização por danos não patrimoniais, no montante global de € 5.489,27 para a 1ª Autora e de € 5.460,45 para a 2ª Autora;
- a pagar-lhes as prestações que se vencerem até à data da sentença final;
- a pagar-lhes os juros moratórios que se vencerem desde a data da citação até integral pagamento;
- a pagar, relativamente a cada uma delas, a sanção pecuniária compulsória de € 250,00 por cada dia em que a reintegração das Autoras não seja realizada.
A Ré contestou, sustentando a verificação de “justa causa” de despedimento e reclamando, por via disso, a improcedência da acção. 1.2.
A 1ª instância, considerando verificada a ilicitude dos despedimentos, condenou a Ré a pagar às Autoras:
- uma indemnização por danos não patrimoniais, no montante individual de € 1.750,00;
- as retribuições que as mesmas deixaram de auferir desde 18/1/05 e que viriam a auferir até ao trânsito em julgado da decisão, à razão de € 489,27 por mês para Autora AA e de € 460,45 para a Autora BB, computando as retribuições vencidas “até ao momento” em € 5.871,24 e em € 5.525,40, respectivamente para uma e outra;
- uma indemnização por antiguidade, nos montantes de € 8.001,00 para a Autora AA e de € 7.620,00 para a Autora BB, tudo acrescido de juros de mora, à taxa legal, desde a citação – 24/2/05 – até integral pagamento, sem prejuízo da dedução dos montantes já por elas recebidos a título de subsídio de desemprego.
O Tribunal da Relação do Porto, concedendo provimento parcial à apelação da Ré, revogou o segmento decisório que a condenara no pagamento das indemnizações por danos não patrimoniais, confirmando, no mais, a sentença apelada. 1.3.
Continuando a defender a “justa causa” dos despedimentos, a Ré vem pedir a presente revista, onde reclama a improcedência da acção.
Subordinadamente, também as Autoras pedem revista, pretendendo que seja repristinada a decisão da 1ª instância no que respeita à indemnização por danos não patrimoniais que ali lhes foi concedida. 1.4.
A Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta veio suscitar, como questão prévia, a inadmissibilidade dos recursos, tendo em conta a situação de coligação activa que se configura nos autos – em que o valor atendível, para efeitos de alçada, é o de cada um dos pedidos coligados – e o valor definitivamente fixado à acção.
A esse douto parecer apenas respondeu a Ré, para quem o M.º P.º confunde “coligação” com “litisconsórcio voluntário” e “apensação de acções” – sendo que o valor da acção é uno, no caso de coligação – e não releva que um dos pedidos – o da reintegração – consubstancia um interesse imaterial, correspondendo, só a ele, o valor de € 14.963,94. 1.5
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.2- FACTOS
Para além da factualidade dada como assente nas instâncias, que não vem questionada e que por tal motivo, aqui se dá por inteiramente reproduzida – art.º 713º n.º 6 do Cod. Proc. Civil – relevam ainda os seguintes factos:
1- a presente acção foi instaurada em 18 de Fevereiro de 2005, tendo-lhe sido atribuído o valor de € 25.913,67;
2- esse valor não foi questionado pela Ré nem alterado pelo Tribunal. 3- DIREITO
3.1.
Importa apreciar, antes de mais, a questão prévia da inadmissibilidade dos recursos, suscitada pelo M.º P.º.
Já sabemos que a acção foi ajuizada em 18 de Fevereiro de 2005, tendo as Autoras atribuído à causa o valor de € 25.913,67.
Este valor não foi impugnado pela Ré nem oficiosamente alterado, pelo que se tem por definitivamente fixado com a prolação da sentença em 1ª instância (art.º 315º n.º 3 do Cod. Proc. Civil, aplicável por via do disposto no art.º 1º n.º 2 al. A) do Cod. Proc. Trabalho de 1999, aqui atendível).
O actual regime da admissibilidade dos recursos, em processo laboral, é o que consta das disposições combinadas do art.º 79º daquele Código de Processo do Trabalho e do art.º 678º do Cod. Processo Civil.
Este regime enuncia uma regra geral, vertida no n.º 1 daquele art.º 678º, e particulariza diversas excepções, plasmadas nos n.ºs 2, 3 e 4 do mesmo preceito e no proémio do também aludido art.º 74º.
Como nenhuma dessas excepções se aplica ao caso dos autos, apenas releva a assinalada regra geral, em cujos termos “… só é admissível recurso ordinário nas causas de valor superior à alçada do Tribunal de que se recorre, desde que as decisões impugnadas sejam desfavoráveis para o recorrente em valor também superior a metade da alçada desse Tribunal …”.
À data da propositura da acção, o valor da alçada da Relação era de € 14.963,94 (art.º 24º n.º 1 da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro, na redacção introduzida pelo art.º 3º do anexo ao D.L. n.º 323/01, de 17 de Dezembro).
Porque o valor fixado à acção é superior ao valor daquela alçada, parece que a inadmissibilidade dos recursos nunca poderia resultar do simples confronto entre esses dois valores.
É, pois, chegada a altura de apreciar os argumentos aduzidos pelo M.º P.º e aqueles que, de sinal contrário, a Ré invoca. 3.2.
A tese do M.º P.º é a de que estamos perante uma situação de coligação activa, caso em que valor conferível, para efeitos de alçada, é o de cada um dos pedidos coligados, notoriamente inferior a essa alçada.
A Ré contrapõe que “… Na coligação o valor é uno”.
A pluralidade de sujeitos processuais há-de ser dimensionada em função das figuras jurídicas enunciadas pelo compêndio adjectivo geral em sede de legitimidade das partes: litisconsórcio necessário, litisconsórcio voluntário e coligação.
No que aqui releva, dir-se-á que o traço distintivo essencial entre o litisconsórcio voluntário e a coligação reside em que o primeiro pressupõe a contitularidade da mesma relação jurídica, enquanto a segunda se arrima na dualidade/pluralidade dessas relações: por isso, se compreende que o requisito basilar da coligação seja a dedução de “pedidos diferentes” – art.º 30º n.º 1 do Cod. Proc. Civil.
Como diz Alberto dos Reis, “… os autores juntaram-se, não para fazerem valer a mesma pretensão ou para formularem um pedido único ou para formularem um pedido único, mas para fazerem valer, cada um deles, uma pretensão distinta e diferenciada” – in “Comentário …”, vol III, pág. 146 -.
Como se vê, a coligação não afasta a autonomia de cada um dos pedidos, sucedendo apenas que os demandantes se juntam para fazer valer a sua pretensão no mesmo processo, prosseguindo objectivo idêntico àquele que seria alcançado pela apensação de acções, que constitui uma realidade processual substancialmente idêntica.
É por virtude dessa autonomia estrutural que o Supremo tem vindo reiteradamente a decidir que, havendo coligação, o valor atendível, para efeitos de recurso, não corresponde ao valor da causa mas, antes e tão-sómente, ao valor dos pedidos deduzidos individualmente por cada um dos coligantes (cfr., entre tantos outros, os Acs. De 11/12/03, 14/1/04, 27/10/04 e 11/5/05, respectivamente proferidos nos processos n.ºs 2049/03, 2561/03, 778/04 e 302/05, todos da 4ª Secção).
Também é esta, como vimos, a tese do M.º P.º, que merece, pois, a nossa concordância, sendo que a Ré não questiona a verificação, “incasu”, de uma situação de coligação activa. 3.3.
Aqui chegados, parece que a solução seria óbvia: como a soma dos pedidos individuais é inferior à alçada da Relação, o recurso principal seria inadmissível e, em decorrência disso, também o seria o recurso subordinado – art.º 682º n.º 5 do Cod. Proc. Civil.
Mas, em contrário desse entendimento, a Ré apresenta um outro argumento: refere que só o pedido de reintegração de cada uma das Autoras – porque consubstancia um interesse imaterial – tem um valor correspondente a € 14.963,94.
E bem poderia admitir-se que as Autoras só não terão referenciado expressamente esse valor porque a soma dos restantes pedidos, tomados em conjunto, já excedia aquela alçada.
Embora não o diga, parece claro que a Ré se socorre, nesta vertente, do preceituado no art.º 312º do Cod. Proc. Civil: “As acções sobre … interesses imateriais consideram-se sempre de valor equivalente à alçada da Relação e mais 1$00”.
Não cremos que o argumento releve.
O actual Código de Processo do Trabalho contém disposição expressa sobre a matéria: trata-se do já referido art.º 79º, segundo o qual:
“Sem prejuízo do disposto no art.º 678º do Código de Processo Civil e independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admissível recurso para a Relação:
A) Nas acções em que esteja em causa a determinação da categoria profissional, o despedimento do trabalhador, a sua reintegração na empresa e a validade ou subsistência do contrato de trabalho …”.
Dir-se-á que o preceito se limita a estabelecer um valor mínimo para efeitos de recurso, permitindo que o falado art.º 312º seja analogicamente coligido para garantir a admissibilidade de recurso até ao Supremo.
A evolução adjectiva laboral sobre a matéria mostra-nos, porém, que não é assim, conforme nos dá conta o Acórdão desta Secção de 14/11/01 (Ver. n.º 1959/01).
A tese dos “interesses imateriais” era largamente acolhida durante a vigência do Cód. Proc. do Trabalho de 1963, que guardava absoluto silêncio sobre a questão.
Já o Cod. Proc. Do Trabalho de 1979 consignava expressamente, no seu art.º 46º n.º 3, que “As acções em que esteja em causa o despedimento do trabalhador, a sua reintegração na empresa ou a validade do contrato de trabalho nunca terão valor inferior ao da alçada da Relação e mais 1$00”.
Consagrou-se, assim, tese semelhante à do citado art.º 312º.
Porém, o Cod. Proc. Do Trabalho de 1981 veio contemplar solução idêntica à do actual art.º 79º al. A), assegurando apenas o recurso para a Relação (art.º 47º n.º 3).
Esta inversão legislativa – que continua actual – levou o Cons. Leite Ferreira (também citado no referido Aresto de 14/11/01) a escrever:
“De tudo isto resulta claro que, não obstante a natureza dos interesses em jogo nas acções em causa (…), o propósito do legislador de 1982 foi o de assegurar sempre, em tais situações, recurso para a 2ª instância. A partir daquele valor – alçada do Tribunal de 1ª instância e mais 1$00 – será de observar o regime geral das alçadas, especialmente o disposto nos art.ºs 305º e 306º do Cod. Proc. Civil e 74º n.º 4 do Cod. Proc. Do Trabalho.
Se a vontade do legislador tivesse sido a de garantir sempre recurso para o Supremo, bastar-lhe-ia, ou nada dizer, deixando que a jurisprudência continuasse a socorrer-se subdidiáriamente do art.º 312º do Cod. Proc. Civil, ou, no seguimento deste normativo e do art.º 46º n.º 3 do Cod. Proc. Do Trabalho de 1979, dizer que naquelas acções o valor nunca seria inferior ao da alçada da Relação e mais 1$00” (in “Código de Processo do Trabalho Anotado, 4ª ed., pág. 239 – sublinhados nossos).
Fica assim demonstrado – como também se diz no referido Acórdão de 14/11/01 – “que o legislador de 1981 (e também o de 1999) se desligou da equiparação aos interesses imateriais do art.º 312º do C.P. Civil, fazendo ele próprio a sua valoração dos interesses em causa para efeitos de recurso”. 3.4.
Poder-se-ia ainda dizer – o M.º P.º também se refere à questão – que, relativamente à Autora AA, a Ré acabou por ser condenada a pagar-lhe um montante superior (€ 15.622,24) ao da alçada da Relação.
Porém, como se anota no Acórdão desta Secção de 18/11/06 (Proc. N.º 1075/06), o valor da causa mantém-se, ainda que o valor da condenação seja superior, uma vez que a lei não prevê qualquer mecanismo de correcção automática daquele valor com base no montante da condenação.
É também evidente, por outro lado, a irrelevância da condenação em juros moratórios vincendos, face ao disposto no art.º 306º n.º 2 (2ª parte) do Cód. Proc. Civil: “Quando, como acessório do pedido principal, se pedirem juros, rendas e rendimentos já vencidos e os que se vencerem durante a prudência da causa, na fixação do valor atende-se somente aos interesses já vencidos”.
Compreende-se que assim seja:
“É que o pedido de condenação em juros não constitui o objecto próprio da acção e está fora do âmbito da controvérsia, emergindo, unicamente, como consequência da dedução do pedido principal” (Ac. Desta Secção de 14/12/06 no Proc. N.º 2573/06).
Também fora dessa controvérsia está o pedido de condenação em sanção pecuniária compulsória, que exclusivamente decorre do eventual atraso da entidade patronal no cumprimento da decisão judicial.
Em suma:
- O recurso principal é inadmissível porque o valor de cada pedido, sendo inferior à alçada da Relação, o não consente;
- o recurso subsidiário, ligado que está às ocorrências do recurso principal, é também inadmissível.
Procede, deste modo, a questão prévia em análise.
3.5.
Sendo embora certo que tais recursos vieram a ser admitidos pelos respectivos relatores nada obsta a que este Colectivo emita agora uma decisão de sinal contrário: com efeito, o despacho que admita o recurso não vincula o Tribunal Superior – n.º 4 do referido art.º 687º - nem o exame preliminar do relator forma caso julgado quanto à regularidade e admissibilidade do mesmo recurso – art.s 700º n.ºs 3 e 5 e 672º “in fine”, aplicáveis por via do disposto no art.º 726º, todos do Código de Processo Civil.
Ademais, os recorrentes tiveram oportunidade de se pronunciar sobre a questão – porque foram notificados do Parecer exarado pelo M.º P.º - o que torna dispensável a diligência enunciada no art.º 702º n.º 2 do Cod. Proc. Civil. 4- DECISÃO
Em face do exposto, decide-se, julgando inadmissíveis as revistas, não conhecer do seu objecto.
Custas pelos recorrentes.
Lisboa, 22 De Março de 2007
Sousa Grandão ( relator)
Pinto Hespanhol
Vasques Dinis