CASO JULGADO PARCIAL
CONDIÇÃO RESOLUTIVA
COMPARTICIPAÇÃO
TRÂNSITO EM JULGADO
CUMPRIMENTO DA PENA
Sumário

I - Considera-se autónomo o recurso do comparticipante, sem prejuízo de, caso venha a ser julgado procedente, poder beneficiar também a situação dos co-arguidos não recorrentes.
II - Contudo, o efeito extensivo do recurso não impede a formação de caso julga­do relativamente aos interessados não recorrentes.
III – Trata-se de uma verdadeira "condi­ção resolutiva" do caso julgado parcial que não prejudica a sua formação.

Texto Integral

Recurso Penal 636/08 1TAVRL.P2

Acordam, em conferência, na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto

1. Relatório
No Processo Comum n.º 636/08.1TAVRL, a correr termos no 3º Juízo do Tribunal Judicial de Vila Real, foi proferido (em 03-12-2010) despacho (fls. 5571) considerando que “transitou em julgado o acórdão no que concerne aos arguidos B…, C…, D…, E…, F…, G…, H…, I…, J… e K…”.

Inconformada com tal decisão, a arguida D… recorreu para esta Relação, terminando a motivação do recurso com as seguintes conclusões (transcrição):

I. A arguida ora recorrente foi condenada (pela prática dos factos que lhe foram imputados) num crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo art.º 21, n.º1, do Decreto-lei 15/93 de 22/01, como reincidente, na pena de 6 anos de prisão, cfr fls. 310º do acórdão supra referido.

II. No mesmo acórdão foi também condenado o arguido L…, em cúmulo jurídico das penas fixadas, na pena única de 7 anos e três meses, pela prática dos crimes previstos e punidos pelo artº 21, n.º1, do Decreto lei 15/93 de 22/01, e art. 347, nº 2 do código penal.

III. Quer a arguida, ora recorrente, quer o arguido L… interpuseram recurso do referido acórdão.

IV. Não obstante o recurso interposto de tal decisão, pela ora recorrente, não ter merecido provimento, a verdade é que,

V. O recurso apresentado pelo arguido L…, co-arguido da aqui recorrente, foi julgado procedente. Acontece que,

VI. No dia 09 do corrente mês e ano, foi a arguida, aqui recorrente, notificada da decisão de que ora se recorre. Ora,

VII. Nos termos do disposto no art. 402º do C.P.P., nº1, o recurso interposto por um dos arguidos, abrange a totalidade da decisão.

VIII. A decisão proferida em recurso tem um âmbito de aplicação amplo, não se cingindo apenas ao recorrente mas também a outros participantes processuais, excepto se o recurso se fundar em motivos estritamente pessoais, o que,

IX. Ainda que fosse o caso dos autos, recorrendo só um dos arguidos, em caso de comparticipação, tal recurso aproveita os restantes, como no caso em concreto acontece para a arguida D… aqui recorrente, vide art. 402º, nº 2 a), do C.P.P.

X. Aproveitando designadamente, nas suas consequências, os demais co-arguidos.

XI. Pelo que, o tribunal a quo ao considerar que o acórdão condenatório transitou em julgado, quanto à arguida D…, aqui recorrente, violou o disposto no art. 402, nº 1 do C.P.P.

XII. Ainda que assim não se entenda, sempre violaria o disposto no art. 402º, nº 2 a), do C.P.P, uma vez que,

XIII. Os factos imputados à ora recorrente (a terem sido praticados), e pelos quais a mesma foi condenada, foram em comparticipação com o arguido L…. Logo,

XIV. A regra é a de que o recurso interposto de uma sentença abrange toda a decisão, nº 1 do sobredito art. 402º, não sendo possível apreciar autonomamente a parte do acórdão condenatório objecto de recurso/ procedente.

XV. Não se percebendo o raciocínio do Tribunal a quo no que ao transito em julgado e suas consequências concerne. Tanto mais que,

XVI. Ainda não se sabe se o Tribunal Superior vai ou não anular o julgamento da 1ª instância e mandá-lo repetir quanto à totalidade do objecto do processo, nos termos do nº 1 do art. 426º do Código de Processo Penal, antevendo-se a possibilidade de reenvio, sem prejuízo do disposto no art. 402º n.2º a) CPP, folhas 3541 do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, nos presentes autos.

Nestes termos, e nos melhores de direito, Vossas Excelências deverão revogar a decisão de que agora se recorre, por violação do disposto do art. 402º do C.P.P. nº1 ou, sem prescindir, do art. 402º do C.P.P, n.º 2, al. a), substituindo-a por outra que determine que a decisão condenatória proferida não transita em julgado quanto a todos co-arguidos, designadamente no que concerne à ora recorrente D…, com todas as legais consequências.

O MP junto do Tribunal recorrido respondeu à motivação do recurso, pugnando pela manutenção do despacho recorrido.

Nesta Relação, o Ex.mo Procurador-Geral-Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

Cumprido o disposto no artigo 417º, 2 do CPP, não houve resposta.

Colhidos os vistos legais foi o processo submetido à conferência para julgamento.

2. Fundamentação
2.1. Matéria de facto

a) O despacho recorrido é do seguinte teor:

“Tendo em consideração que já transitou em julgado o acórdão no que concerne aos arguidos B…, C…, D…, E…, F…, G…, H…, I…, J… e K…, determino que se organize traslado integral dos presentes autos para acompanhamento da execução das penas e após se abra vista ao Ministério Público para liquidação das mesmas. Notifique e D. N.”.

b) Tal despacho foi proferido na sequência de acórdão da 2ª Secção Criminal desta Relação, publicado em 29/09/2011, onde se deliberou:
“1 - Rejeitar o recurso da arguida D… porque interposto fora de tempo, ao abrigo do disposto nas disposições conjugadas dos artigos 414º, n.º 2 e 420º, n.º 1, b) do Cód. Proc. Penal;
2 – Negar provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público;
3 – Julgar procedente o recurso do arguido L… e, em consequência, decretar o reenvio parcial do processo, para novo julgamento restrito ás questões supra assinaladas, nos termos dos artigos 426º, 1, parte final, e 426º-A, do CPP.
(…)”

2.2. Matéria de Direito
A questão objecto do presente recurso é a de saber se a decisão proferida na 1ª instância – acórdão que condenou (além de outros) a arguida D… – transitou efectivamente em julgado e, portanto, está correcto o despacho que ordenou se organizasse “traslado integral dos presentes autos para acompanhamento da execução das penas”, não obstante o recurso do arguido L… ter sido julgado procedente. Ou seja, impõe-se saber em que medida a procedência do recurso do co-arguido L… aproveita à arguida/recorrente D… e se projecta sobre o seu actual estatuto processual.

Entendeu-se no despacho recorrido que, relativamente à ora recorrente (e outros co-arguidos), a decisão condenatória transitou em julgado e, portanto, ordenaram-se as diligências necessárias ao acompanhamento da execução da pena aplicada (6 anos de prisão, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo art.º 21, n.º1, do DL n.º 15/93 de 22/01, com a agravante da reincidência, nos termos do art. 75º do C. Penal

A recorrente discorda deste entendimento, pois considera que os factos a que se reportam os autos lhe foram imputados em comparticipação com o co-arguido L…, cujo recurso foi julgado procedente (muito embora o seu próprio recurso não tenha merecido provimento). Assim, dado que o recurso interposto por um dos arguidos, em comparticipação, aproveita aos restantes (art. 402º, 2 al. a) o CPP), o Tribunal “a quo” não podia ter considerado que, relativamente à arguida/recorrente, o acórdão condenatório transitou em julgado.
Pugna assim pela revogação do despacho recorrido, pedindo a sua substituição por outro que “determine que a decisão condenatória proferida não transitou em julgado quanto a todos os co-arguidos, designadamente no que concerne à ora recorrente D…, com todas as legais consequências:”.

Vejamos então.

A questão colocada não é nova. Com efeito, o Supremo Tribunal de Justiça já se pronunciou várias vezes sobre a questão, nomeadamente no acórdão proferido no processo n.º 03509/07, de 27-09-2007, cujo sumário é do seguinte teor:
“ (…)
Vem sendo jurisprudência dominante deste Supremo Tribunal que em casos de comparticipação, e tendo em conta entre o mais o disposto na al. d) do n.º 2 do art. 403.º, forma-se caso julgado parcial em relação aos arguidos não recorrentes; estes passam a cumprir pena, sem prejuízo do recurso interposto por qualquer dos comparticipantes lhes poder aproveitar – Acs. de 07-07-05, 08-03-06, 07-06-06 e de 07-02-07, respectivamente nos Procs. n.ºs 2546/05 - 5.ª, 886/06 - 3.ª, 2184/06 - 3.ª e 463/07 - 3.ª.
VI – Daí se falar, em relação a eles, de caso julgado sob condição resolutiva, a partir da disciplina do art. 403.º – cf. Cunha Rodrigues, Jornadas de Direito Processual Penal, O Novo Código de Processo Penal, pág. 388, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, pág. 335, e Simas Santos/Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, pág. 73.”
(…)”.

Também nos parece ser este o melhor entendimento.

O regime de recursos em processo penal, previsto nos artigos 402º e 403º do CPP, permite a limitação do objecto do recurso “quando a parte recorrida puder ser separada da parte não recorrida, por forma a tornar possível uma apreciação e uma decisão autónomas” (n.º 1 do art. 403º).
A lei considera desde logo “autónomas”, para este efeito, algumas situações entre as quais se inclui a “comparticipação criminosa”. Para esta situação, diz-nos o art. 403º, 1, al. e) que é autónoma, em caso de comparticipação criminosa, a parte da decisão recorrida relativa “a cada um dos arguidos, sem prejuízo do disposto nas alíneas a) e c) do n.º2 do art. 402º”. E a al. a) do n.º 2 do art. 402º do CPP refere que o recurso interposto por um dos co-arguidos, em caso de comparticipação, aproveita aos restantes.

A melhor leitura deste regime é assim a que vem sendo dominantemente seguida, considerando autónomo o recurso do comparticipante, sem prejuízo de o mesmo (caso venha a ser julgado procedente) poder beneficiar também a situação dos co-arguidos não recorrentes. Trata-se da regra segundo a qual o Tribunal deve retirar da procedência do recurso (ainda que limitado a questões autónomas) “as consequências legalmente impostas relativamente a toda a decisão recorrida”. Uma das consequências legalmente impostas é a de que a procedência do recurso do comparticipante aproveita ao co-arguido não recorrente. Contudo, o efeito extensivo do recurso não impede a formação de caso julgado relativamente aos interessados não recorrentes. Como diz GERMANO MARQUES DA SILVA, Curso, III, pág. 335, “o efeito extensivo da decisão do recurso opera como remédio extraordinário do caso julgado parcial”. Funciona aqui uma verdadeira “condição resolutiva” do caso julgado parcial que não prejudica a sua formação, como refere CUNHA RODRIGUES, Recursos, Jornadas de Direito Processual Penal, o Novo Código de processo penal, Coimbra, 1988, pág. 388.

Dado que foi este o entendimento seguido no despacho recorrido, deve negar-se provimento ao recurso.

3. Decisão
Face ao exposto, os Juízes da 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto acordam em negar provimento ao recurso.
Custas pela recorrente, fixando a taxa de justiça em 3 UC.

Porto, 14/09/2011
Élia Costa de Mendonça São Pedro
Pedro Álvaro de Sousa Donas Botto Fernando