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DIFERENÇAS SALARIAIS
ÓNUS DA PROVA
JUSTA CAUSA DE RESCISÃO
FALTA DE PAGAMENTO DA RETRIBUIÇÃO
MORA DO CREDOR
Sumário
I - Incumbe ao trabalhador que fundamenta o direito a diferenças salariais emergentes da aplicação de um instrumento de regulamentação colectiva, o ónus de provar factos demonstrativos de que a actividade prosseguida pelo seu empregador se insere no âmbito das actividades abrangidas pela extensão desse instrumento operada através de PE. II - Para o preenchimento valorativo da cláusula geral de rescisão pelo trabalhador ínsita no n.º 1 do art. 441.º do Código do Trabalho, não basta a simples verificação material de qualquer dos comportamentos descritos o n.º 2 do preceito, sendo ainda necessário que desses comportamentos resultem efeitos de tal modo graves, em si mesmos ou nas suas consequências, que tornem inexigível ao trabalhador a continuação da prestação da sua actividade em benefício do empregador. III - Em harmonia com o disposto no art. 268.º, n.º 1 do Código do Trabalho, a retribuição deve ser satisfeita no local onde o trabalhador exerce a sua actividade, salvo se outro for convencionado; só após cessado o contrato de trabalho passa a valer a regra supletiva do lugar do domicílio do credor ao tempo do cumprimento, prescrita no art. 774.º do CC. IV - Não se verifica falta culposa de pagamento da retribuição referente aos primeiros 14 dias do mês de Março de 2004 se o local de pagamento da retribuição do trabalhador é o seu local de trabalho e se vem a provar-se que a retribuição dos dias em causa esteve ao dispor do trabalhador a partir do último dia daquele mês, nesse local, não tendo o trabalhador reclamado o seu pagamento nem solicitado lhe fosse remetido pelo correio, assim incorrendo em mora (cfr. os arts. 813.º do CC e 269.º, n.º 4 do Código do Trabalho). *
* Sumário elaborado pelo Relator.
Texto Integral
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:
I – A autora AA pede, com a presente acção com processo comum intentada contra a ré Empresa-A, que seja declarada a licitude da rescisão com justa causa, por si operada, e a R condenada a pagar-lhe a quantia global de 19.789,12 €, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a propositura da acção até integral pagamento.
Alegou, em síntese:
Foi admitida ao serviço da R em 4 de Maio de 1992 mediante contrato de trabalho, para desempenhar as funções inerentes à categoria assistente de consultório;
Ao contrato era aplicável o CCT entre a APAC e o SIFAC, publicado no BTE, n.º 10, de 15.03.1980.
Em 21 de Junho de 2004, a A. rescindiu o contrato, com justa causa: por falta de pagamento pontual da retribuição, por retribuição inferior aos níveis mínimos convencionais; por mau ambiente causado pelo gerente da R; e por imposição do exercício de tarefas não compreendidas na sua categoria profissional e alteração unilateral do horário de trabalho.
Reclama 11.138,40 € de indemnização de antiguidade e 7.391,13 €, de diferenças retributivas desde 1992.
A R. contestou.
Excepcionou a caducidade da rescisão do contrato de trabalho pela A., nos termos do art.º 442º do CT e invocou que tal rescisão sempre teria sido ilícita, uma vez que os factos invocados são falsos.
Alegou também que não devia as diferenças retributivas reclamadas.
Concluiu pela sua absolvição do pedido.
Saneada, instruída e discutida a causa, foi proferida sentença, que absolveu a Ré dos pedidos.
Dela apelou a A., tendo a Relação de Lisboa confirmado a sentença.
II – Novamente inconformada, a A. interpôs a presente revista, com as seguintes conclusões:
1ª - A Recorrente sustentou a aplicabilidade à relação de trabalho em causa do instrumento da regulação colectiva que vem referenciado no art° 5° da petição inicial, ou seja, a CCT celebrada entre a APAC (então com outra designação) e o SIF AP (então com outra designação), publicado no BTE, 1ª Série, n° 10 de 15 de Março de 1980.
2ª - A Recorrida questionou a aplicabilidade desta CCT, alegando que era outra a aplicável e, que, logo que teve conhecimento da entrada em vigor da CCT aplicável pagou as diferenças salariais à Apelante.
3ª - A CCT invocada pela Recorrente como aplicável à relação de trabalho em causa foi objecto de sucessivas portarias de extensão, que estendiam a sua aplicabilidade "às relações de trabalho entre entidades patronais que prossigam as actividades económicas incluídas na CAE Rev., pp. 8512 e 8513 (consultórios médicos, policlínicas, medicina dentária e odontologia) e trabalhadores ao seu serviço, da mesma profissão ou profissão análoga, filiados ou não nas associações sindicais signatárias".
4ª- A actividade desenvolvida pela Recorrida insere-se na actividade de saúde humana, incluída na CAE, Rev.2 (publicada em anexo ao D.L. 182/93, de 14/05), Secção N - concretamente na classe 8512 (actividades de prática clínica em ambulatório).
5ª- Consequentemente, ao contrato de trabalho que vigorou entre Recorrente e Recorrida é aplicável a CCT acima mencionada publicada no BTE, 1ª Série, n° 10, de 15 de Maio de 1980, por força da aplicação das portarias de extensão, assistindo à Recorrente o direito a receber da Apelada as diferenças retributivas peticionadas.
6ª- Subestimando a factualidade adquirida nos autos, o acórdão recorrido não fez a correcta interpretação dos factos e aplicação do direito, violando, entre outros, o disposto no n.º 1 do art° 29° do DL 519-C1/79, de 29 de Dezembro, e gerando uma errada interpretação do conteúdo do n° 2 das Portarias de Extensão supra identificadas e da abrangência da Classe identificada pelos dígitos 8512 (actividades de prática clínica em ambulatório) incluída na Secção N - Saúde e Acção Social - (Actividades de Saúde Humana) do anexo ao DL 182/93 de 14 de Maio (CAE - Rev2).
7ª- No douto acórdão recorrido veio a julgar-se verificada a caducidade do direito da ora recorrente invocar a justa causa para resolução do contrato (questão que não foi apreciada pela sentença recorrida), por, "à data da rescisão - em 21.06.2004 - já havia decorrido o prazo de 30 dias a que alude o n° 1 do art° 442° do Código do Trabalho ... "
8ª - O prazo de 30 dias previsto no n° 1 do art° 442° do C.T. configura é certo, um prazo de caducidade.
9ª - Mas, tal prazo, de harmonia com o disposto no n° 2 do art° 364° do C.T. e no n.º 1 do art° 308° da Lei 35/2004 de 29 de Julho, não é aplicável relativamente ao fundamento da resolução invocada pela recorrente, consistente na falta culposa do pagamento pontual da retribuição, que foi, tempestivo e válido.
10ª- Ao decidir pela caducidade o acórdão recorrido violou, assim, aqueles citados artigos.
11ª- O acórdão recorrido, que se limitou a remeter para a fundamentação desenvolvida na sentença da 1ª instância, consignou que, os factos julgados provados, "são manifestamente insuficientes para justificarem a rescisão imediata do contrato de trabalho da Autora, nos termos previstos no art° 441 ° do Código do Trabalho".
12ª - A lei consagra como um dos fundamentos da resolução, a falta culposa de pagamento pontual da retribuição.
13ª - Está provado que em 21 de Junho de 2004 a A. ainda não tinha recebido a retribuição relativa ao mês de Março.
14ª - Estando também provado que a A. entrou de baixa por doença no dia 15 de Março de 2004.
15ª- Dada a situação de baixa por doença da ora recorrente, que a impossibilitava de prestar trabalho, o pagamento da retribuição que lhe era devido, não devia ser satisfeito no seu local de trabalho, mas no seu domicílio, nos termos do art° 774° do Código Civil.
16ª - Também a recorrida não avisou a recorrente de que a retribuição do mês de Março se encontrava à sua disposição no local de trabalho, a Clínica, o que só veio a acontecer após ter recebido a carta de resolução do contrato de trabalho.
17ª- Tanto basta para se concluir que, contrariamente ao decidido pelas instâncias, existia justa causa para a resolução do contrato de trabalho.
18ª- Consequentemente, a resolução do contrato de trabalho deveria ter sido julgada lícita, com as consequências da ora recorrida restituir à ora recorrente a quantia que lhe descontou a título de aviso prévio em falta e a pagar-lhe a indemnização prevista no art° 443° do Código do Trabalho.
19ª - Mostram-se, assim, violados, entre outros os artigos 774° e 799°/1, ambos do Código Civil, os art°s 120º/al c), 396°/2 (com a s necessárias adaptações), e 441°/2/a), todos do Código do Trabalho.
Termina pedindo que seja revogado o acórdão recorrido e considerado:
a) que ao contrato de trabalho celebrado entre recorrente e recorrida era aplicável o CCT invocado pela recorrente, com todas as consequências legais;
b) que a conduta da recorrida constituiu a recorrente no direito resolver o contrato com invocação de justa causa.
A recorrida contra-alegou, defendendo a confirmação do julgado.
No seu douto Parecer, não objecto de resposta das partes, a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta neste Supremo, pronunciou-se no sentido de ser negada a revista.
III – Colhidos os vistos, cumpre decidir.
O acórdão recorrido deu como provados os seguintes factos, que aqui se aceitam por não haver fundamento legal para os alterar:
1. A A. trabalhou por conta da R, sob sua direcção e fiscalização, desde 4 Maio de 1992 até 22 de Junho de 2004.
2. A A possuía a categoria profissional de Assistente de Consultório e tinha como local de trabalho a Clínica de Santa Rita, sita na Rua Cooperativa Piedense , ..., na Cova da Piedade .
3. Cumprindo um horário de trabalho de 2.ª a 6.ª feira, das 08.00 horas às 13.00 horas e das 17.00 horas às 19.00 horas.
4. Auferindo ultimamente o vencimento base mensal ilíquido de € 507,00, acrescido de diuturnidades no valor de € 24.00, de subsídio para falhas de caixa, no valor de € 21,30 e subsídio de refeição no valor de € 96.00, no pressuposto de 20 dias de trabalho efectivo.
5. Em 21 de Junho de 2004, a A. pôs fim à relação laboral, através do envio da carta cuja cópia está junta a fls. 16 e 17, dando-se aqui por integralmente reproduzido o respectivo teor.
6. Em resposta, a R remeteu à A a carta e o cheque cujas cópias estão juntas a fls. 18-19 e 20, respectivamente, dando-se por integralmente transcritos os seus conteúdos.
7. A A., respondendo, veio a enviar à R, em 19 de Julho de 2004, a carta cuja cópia está junta a fls. 25.
8. A retribuição da A., ao longo do tempo em que trabalhou para a R, foi sendo a seguinte:
1992
- vencimento pago ………………….. Esc. 45.700$00
- sub. alimentação pago ……………....Esc. 280$00/dia
- subo falhas de caixa pago ………....... Esc. 0
1993
- vencimento pago ……………… ........Esc. 54.500$00
- sub. alimentação pago …..……............Esc. 400$00/dia
- sub. falhas de caixa pago ……...............Esc. 0
1994
- vencimento pago ……………… .........Esc. 58.900$00
- sub. alimentação pago ………...............Esc. 450$00/dia
- sub. falhas de caixa pago …....................Esc. 0
1995
- vencimento pago ……………...............Esc. 62.6600$00
- sub. alimentação pago ………................Esc. 500$00/dia
- sub. falhas de caixa pago ….....................Esc. 0
1996
- vencimento pago …………….................Esc. 65.900$00
- sub. falhas de caixa pago …...................... Esc. 0
1997
- vencimento pago ……………................. Esc. 72.700$00
- sub. alimentação pago ……….................. Esc. 600$00/dia
- sub. falhas de caixa pago …...................... Esc. 0
1998
- vencimento pago ……………................. Esc. 72.700$00
- sub. alimentação pago ……...................... Esc. 620$00/dia
- sub. falhas de caixa pago ….......................Esc. 0
1999
- vencimento pago ……………................. Esc. 77.400$00
- sub. alimentação pago ……...................... Esc. 620$00/dia
- sub. falhas de caixa pago …...................... Esc. 3.270$00
201
- vencimento pago ……………................. Esc. 91.700$00
- subo alimentação pago ……..................... Esc. 760$00/dia
2004
- vencimento pago ……………................ € 507,00
- sub. alimentação pago ………................. € 5,00/dia
- sub. falhas de caixa pago …...................... € 22,00
9. Em 21 de Junho de 2004 a A. ainda não tinha recebido a retribuição relativa ao mês de Março.
10. Algum tempo antes de 15 de Março de 2004, o gerente da R, BB, retirou à A as chaves da porta da Clínica que há muito lhe estavam confiadas.
11. A A. entrou de baixa por doença no dia 15 de Março de 2004.
12. A R descontou na retribuição da A a quantia de € 1.062,00 a título de indemnização por rescisão do contrato sem aviso prévio .
13. A R não exerce a actividade de análises clínicas, fazendo apenas colheitas.
14. A remuneração da A relativa aos dias de trabalho por si prestados em Março de 2004 esteve ao seu dispor a partir do último dia útil desse mês, no local de trabalho, como era habitual, não tendo a A reclamado o seu pagamento nem solicitado lhe fosse remetido por correio.
15. Quando a A. entrou de baixa levou consigo todos os seus pertences pessoais.
16. A A é associada do SIFAP - Sindicato Nacional dos Profissionais de Farmácia e Paramédicos desde 16 de Maio de 2000.
IV – As instâncias entenderam que a A. não tinha direito às diferenças retributivas reclamadas e que não estava demonstrada a justa causa da rescisão que levara a efeito (sendo que o acórdão recorrido defendeu ainda que, em qualquer caso, teria caducado o direito à rescisão) e daí que tenham julgado improcedente a acção, com a absolvição da R. do pedido.
A A. impugna, na revista, a bondade de tais decisões, retomando, no essencial, a posição que vinha defendendo, inclusive, na apelação.
E sabido que o objecto dos recursos é delimitado pelas respectivas conclusões, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso (art.ºs 684º, n.º 3 e 690º, n.º 1 do CPC), está em causa na revista:
- Saber se, por força das respectivas portarias de extensão, ao contrato de trabalho que vigorou entre a Autora e a Ré é ou não aplicável a CCT celebrado entre a APAC e o SIFAC (ambos então com outras designações), publicado no BTE, 1ª Série, nº 10, de 15/5/1980, e, em caso afirmativo, se assiste à Autora o direito a receber as diferenças retributivas que peticionou.
- Saber se procede ou não a justa causa invocada pela Autora para a resolução do contrato de trabalho operada por sua iniciativa e se ocorreu ou não a caducidade do respectivo direito.
Conhecendo:
Quanto à 1ª questão:
Como bem referiu o acórdão recorrido, na esteira da sentença, as PE invocadas pela A. (publicadas nos BTE nºs 16/95, de 29/4; 5/96, de 8/2; 8/99, de 28.2; 3/2000, de 22/1, 5/2002, de 8.2 e 14/2003, de 15/4), todas de conteúdo idêntico, estabelecem nos nºs 2 dos seus artigos 1º que “as condições de trabalho constantes das alterações dos contratos colectivos de trabalho celebrados entre APAC- (1) (…) e a FETESE(2) (…) são estendidas no território do continente, às relações de trabalho entre entidades patronais que prossigam as actividades económicas incluídas na CAE Rev. 2, pp 8512 e 8513 (consultórios médicos, policlínicas, medicina dentária e odontologia), e trabalhadores ao seu serviço, da mesma profissão ou profissão análoga, filiados ou não nas associações sindicais signatárias”.
Sendo que o DL n.º 182/93, de 14.05, que estabeleceu a Classificação Portuguesa de Actividades Económicas (abreviadamente designada por CAE – Rev. 2), prevê no seu Anexo, na “Secção N – Saúde a acção social” e no que aqui interessa:
Para a referida Classe 8512: “Actividades de prática clínica em ambulatório”.
E para a Classe 8513: “Actividades de medicina dentária e odontologia”.
As instâncias entenderam que, tendo-se provado apenas, no caso dos autos, que a Ré prossegue a actividade de “colheitas”, actividade esta que não se equipara a uma actividade de prática clínica em ambulatório, há que concluir que a actividade desenvolvida pela Ré não está abrangida pela extensão da CCT celebrada entre a APAC (Associação Portuguesa de Análises Clínicas) e o SIFAP, publicado no BTE, nº 10, de 15.3.80.
Contra esse entendimento se insurge a A., sustentando, em síntese, que a actividade desenvolvida pela Ré se insere na actividade de saúde humana, incluída na dita CAE, Rev. 2, Secção V – concretamente na referida classe 8512.
Vista a questão, entendemos, com as instâncias, posição também perfilhada pela Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta neste Supremo, que a factualidade apurada não permite concluir que a actividade prosseguida pela R. se insere no âmbito das actividades de prática clínica em ambulatório (nem na de medicina dentária e odontologia).
Com efeito, no aspecto em apreço apenas ficou provado que a R. prossegue a actividade de “colheitas” e que não efectua análises clínicas (facto 13).
Ora, como bem se acentua no douto acórdão recorrido, esta actividade da R., única que ficou provada, não pode equiparar-se a uma actividade de prática clínica em ambulatório (nem à actividade de medicina dentária ou odontologia) e daí que não seja aplicável à relação laboral que vigorou entre as partes, por via das referidas PE, o CCT invocado pela Recorrente para fundamentar o direito às diferenças salariais que peticionou. (ou qualquer outro CCT objecto da aludida extensão).
Sendo que cabia à A., por se tratar de factos constitutivos do seu invocado direito, o ónus, não cumprido, de alegar e provar factos demonstrativos de que a actividade prosseguida pela Ré se inseria no âmbito das referidas actividades – art.º 342º, nº 1 do Código Civil.
Diga-se que, na petição inicial, a A., ora recorrente, nem sequer cuidou de alegar quaisquer elementos de facto relativos à actividade concretamente desenvolvida pela Ré.
Improcede, pois, a revista, nesta parte.
Quanto à 2ª questão.
As instâncias entenderam que os factos provados eram insuficientes para integrarem a justa causa de rescisão, tendo o acórdão recorrido defendido também que, em qualquer caso, teria caducado o direito à rescisão.
A A. impugna a bondade de tais decisões, defendendo a verificação da justa causa, com fundamento no não pagamento pela R. da retribuição de 14 dias de Março de 2004 (deixando, pois, cair os demais fundamentos da rescisão que, assim, estão fora do objecto da revista), e a não caducidade da rescisão.
Invoca, em síntese, que, ao caso não é aplicável o prazo de caducidade previsto no art.º 442º, n.º 1 do CT, e que, tendo entrado de baixa por doença, o pagamento da retribuição em causa não devia ser satisfeito no local de trabalho, mas no seu domicílio, nos termos do art.º 774º do CC, sendo também que a R. não a avisou que a retribuição se encontrava à sua disposição no local de trabalho.
Vejamos:
Segundo o art.º 441º, nº 1, do Código do Trabalho, “ocorrendo justa causa, pode o trabalhador fazer cessar imediatamente o contrato” (3).
E, no que aqui interessa, o n.º 2 desse art.º indica, exemplificativamente, comportamentos do empregador que integram fundamento dessa justa causa de resolução ou rescisão pelo trabalhador, entre os quais se encontra a “falta culposa de pagamento pontual da retribuição” – alínea a) (4).
E o seu nº 4, preceitua que “a justa causa é apreciada nos termos do n.º 2 do artigo 396º, com as necessárias adaptações”, ou seja, que deve atender-se, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do trabalhador, ao carácter das relações entre as partes e às demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes.
E é de continuar a entender – como acontecia, perante disposições paralelas, no aspecto em causa, no domínio da LCCT, aprovada pela DL n.º 64-A/89, de 27.02 – que, para o preenchimento valorativo da cláusula geral ínsita no nº 1 do artigo 441º do Código do Trabalho, não basta a simples verificação material de qualquer dos comportamentos descritos no n.º 2, sendo ainda necessário que desses comportamentos resultem efeitos de tal modo graves, em si mesmos ou nas suas consequências, que determinem a impossibilidade da manutenção da relação de trabalho, ou seja, que tornem inexigível ao trabalhador a continuação da prestação da sua actividade em beneficio da entidade patronal (cfr. Albino Mendes Baptista, “Notas Sobre a Cessação do Contrato de Trabalho por iniciativa do trabalhador no novo Código do Trabalho” em “A Reforma do Código do Trabalho”, Coimbra Editora, pág. 537 e acórdãos do STJ de 28.5.2003, processo nº 3708/03, e de 10.11.2004, processo nº 2946/03, 4ª secção).
No caso dos autos, a A. comunicou a rescisão do contrato de trabalho à R. por carta datada de 21 de Junho de 2004, junta a fls. 16 e 17, recebida pela R. no dia seguinte, segundo esta o refere na sua carta de resposta, de fls. 18 e 19.
A A. fundamentou essa rescisão, a que atribuiu efeitos imediatos, em fundamentos diversos, sendo que agora está apenas em causa o da “falta culposa do pagamento da sua retribuição referente aos primeiros 14 dias do passado mês de Março” – de 2004, portanto – “anteriores à sua baixa médica iniciada a 15 de Março” (ver fls. 16).
E, a esse respeito, vem provado, com interesse:
- Em 21.6.2004 (data da carta de rescisão), a A. ainda não tinha recebido a retribuição relativa no mês de Março;
- Algum tempo antes de 15.3.2004, o gerente da R., BB, retirou à A. as chaves da porta da clínica que há muito lhe estavam confiadas;
- A A. entrou de baixa por doença no dia 15.3.2004
- A remuneração da A. relativa aos dias de trabalho por si prestados em Março de 2004 esteve ao seu dispor a partir do último dia útil desse mês, no local de trabalho, como era habitual, não tendo a A. reclamado o seu pagamento nem solicitado lhe fosse remetido por correio.
De tal factualidade resulta que o lugar de pagamento da retribuição à A. era o do seu local do trabalho, ou seja a Clínica de Santa Rita, na Cova da Piedade, de harmonia, aliás, com a regra supletiva quer do n.º 1 do art.º 92º da LCT (5), em vigor à data da celebração do contrato de trabalho, quer do n.º 1 do art.º 268º do actual Código do Trabalho (6) .
Esse, pois, o lugar do pagamento em vigor, por força do princípio especial constante do aludido preceito, que afastava a regra constante do art.º 774º do CC, segundo o qual “se a obrigação tiver por objecto certa quantia em dinheiro, deve a prestação ser efectuada no lugar do domicílio que o credor tiver ao tempo do cumprimento”.
Só após cessado o contrato de trabalho é que passava a valer a regra supletiva desse art.º 774º, como tem sido entendido na jurisprudência (7).
Acontece que, no caso, o contrato de trabalho encontrava-se em vigor, não tendo cessado, quando se venceu a retribuição relativa aos 14 dias de Março de 2004 que o A. trabalhou, já que entrou de baixa por doença a partir do dia 15 desse mês, tendo cessado, por isso, na falta de outra previsão normativa, a obrigação de a R. lhe pagar a retribuição durante tal situação (veja-se o art.º 230º, n.º 2, a) do CT (8) .
Assim, mantendo-se como lugar do pagamento o local de trabalho, cabia à A., por si ou interposta pessoa, para o efeito mandatada, reclamar o pagamento da retribuição, nesse lugar (9) – ou, admite-se, pedir à R. que lhe remetesse o respectivo montante para local que indicasse (v.g. o seu domicílio) –, sob pena de se estar perante uma situação de mora a si imputável (mora do credor), nos termos do art.º 813º CC (10) e 269º, n.º 4 do CT (11) .
Não tinha a R. empregadora, pelo menos por sua iniciativa, que mandar pagar a retribuição em lugar diverso do local de trabalho, designadamente, no domicílio da A. ou remetê-la para aí e nem sequer que a avisar que a retribuição se encontrava à sua disposição no local de trabalho, estando, como se estava, perante uma obrigação com prazo certo e com lugar de pagamento no local de trabalho.
Podemos concluir, assim, face aos factos apurados, que não houve mora da R.(devedora), mas mora da A.(credora), situação que não preenche, pois, a previsão da referida al. a) do n.º 2 do art.º 441º do CT.
E, assim sendo, não pode reconhecer-se à A. a justa causa da resolução ou rescisão do contrato de trabalho que operou, nem o direito à indemnização prevista no art.º 443º do CT.
E é também de reconhecer, como fizeram as instâncias, o direito da R. a haver da A., nos termos conjugados dos art.ºs 446º a 448º do CT, a indemnização correspondente à falta de aviso prévio, indemnização que lhe descontou na retribuição.
A revista improcede, portanto, também, nesta parte, sem necessidade de apreciar a questão da caducidade ou não do direito de rescisão.
V – Assim, acorda-se em negar a revista, confirmando-se o douto acórdão recorrido.
Custas totais da acção, incluindo, portanto, as da presente revista, a cargo da A..
Lisboa, 18 de Abril de 2007
Mário Pereira (Relator)
Maria Laura Leonardo
Sousa Peixoto
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(1) - Associação Portuguesa dos Analistas Clínicos.
(2) - E outras associações sindicais, entre as quais o ora denominado SIFAP.
(3) - De igual teor era o n.º 1 do art.º 34º da LCCT, aprovada pelo DL n.º 64-A/89, de 27.02.
(4) - À semelhança do disposto na al. a) do n.º 1 do art.º 35º da LCCT.
(5) - Segundo esse n.º 1, “a retribuição deve ser satisfeita no lugar onde o trabalhador presta a sua actividade, salvo se outro for acordado”.
(6) - Preceito segundo o qual “sem prejuízo do disposto no número 4 do artigo anterior” – número que aqui não interessa – “a retribuição deve ser satisfeita no lugar onde o trabalhador presta a sua actividade, salvo se outro for acordado”.
(7) - Nesse sentido, vejam-se, por exemplo, os acórdãos do STJ de 4.3.1982, no BMJ, 325º-456, e da RL de 11.4.1983, na CJ., 1983, 2º- 197, e de 2.2.2000, CJ, 2000, 1º- 168, e BTE, 2ª, n.ºs 1-2-3/2002, pág. 465.
(8) - Dispõe-se aí: “2. Sem prejuízo de outras previsões legais, determinam a perda de retribuição as seguintes faltas ainda que justificadas: a) Por motivo de doença, desde que o trabalhador beneficie de um regime de segurança social de protecção na doença”.
(9) - Sendo que a remuneração em causa esteve ao dispor da A. a partir do último dia útil desse mês (Março de 2004), no local de trabalho.
(10) - Preceitua este art.º: ”O credor incorre em mora quando, sem motivo justificado, não aceita a prestação que lhe é oferecida nos termos legais ou não pratica os actos necessários ao cumprimento da obrigação” (o sublinhado é nosso).
(11) - Dispõe esse n.º 4, em concretização da regra geral do n.º 2 do art.º 804º do CC: ”o empregador fica constituído em mora se o trabalhador, por facto que não lhe for imputável, não puder dispor do montante da retribuição na data do vencimento”.