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PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
DOAÇÃO
INOFICIOSIDADE
REDUÇÃO
COLAÇÃO
USUCAPIÃO
Sumário
I. Na revista interposta do acórdão da Relação que decidiu a apelação, não podem, em regra, os recorrentes levantar as questões de ineptidão da petição inicial e da ilegitimidade de uma das partes, questões essas que já haviam sido julgadas improcedentes na 1ª instância e na apelação, por força do disposto no art. 722º, nº 1 do Cód. de Proc. Civil. II. Os institutos da colação e da redução de doação por inoficiosidade têm natureza, pressupostos e consequência diversas. Assim, tendo sido doado todo o património de um indivíduo, em vida deste a um filho, pode uma segunda filha, reconhecida judicialmente após a morte daquele, pedir apenas a redução da doação para respeitar a sua legítima, sem que o instituto da colação tenha de ser aqui equacionado. III. Tendo a referida filha apenas sido reconhecida judicialmente como tal, após a morte do progenitor doador, não se pode completar o decurso do prazo de usucapião dos bens doados a favor dos donatários ou dos seus sucessores, antes de decorridos seis meses após a aquela filha poder exercer os seus direitos sucessórios em relação ao pai, ou seja, antes de decorridos os referidos seis meses após a mencionada filiação estar registada.
Texto Integral
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
AA propôs a presente acção com processo ordinário, no 4º Juízo do Tribunal da Comarca da Maia, contra BB e mulher CC e, ainda, contra DD, pedindo:
a) Que seja declarada a existência do direito da Autora à herança aberta por óbito de seu pai EE, bem como a restituição dos bens que integram o acervo da doação;
b) Que os Réus sejam condenados a reconhecerem à Autora o seu direito, que aqui pretende ver apreciado, e a restituírem à massa da herança os bens que lhes tenham advindo por sucessão do inventariado EE, por forma a salvaguardar a sua legítima.
Alega, para tanto, em síntese, o seguinte:
- É filha do EE, por ter sido judicialmente reconhecida a paternidade, através de sentença transitada em julgado.
- Intentado inventário para partilha dos bens da herança aberta por óbito do seu pai, veio o Réu BB, ali cabeça-de-casal, declarar que inexistem bens para partilhar.
- Ora, por escritura outorgada em 17/08/1962, o referido EE e mulher FF, igualmente falecida, doaram ao único filho nascido do seu casamento, GG, falecido pai dos réus BB e DD, os bens que aí constam, devendo haver restituição destes bens à referida herança, porquanto a aludida doação ofende a legítima da autora.
- Os réus não podem invocar a aquisição do direito de propriedade sobre os bens em causa por usucapião, dada a ausência do decurso do respectivo prazo (de usucapião).
Regularmente citados, os Réus apresentaram contestação e deduziram reconvenção alegando, em resumo, a ineptidão da petição inicial e referindo que nunca tinham ouvido falar da autora até terem sido citados para a acção de investigação da paternidade.
Confirmam a existência da doação, alegando que a mesma foi efectuada no pressuposto da existência de um único filho do casal e de cada um dos doadores.
Após a doação, o donatário entrou na posse imediata dos bens doados e actuou sobre eles na convicção de serem sua exclusiva propriedade, posse assim exercida e mantida que se transmitiu para os réus, por óbito do donatário, tendo estes registado tais bens em seu nome e mantido a posse de tais bens, titulada, de boa fé, pacífica, continuada e publicamente, portando-se como os verdadeiros donos dos bens, ignorando lesar o direito alheio.
Posse que, assim exercida e mantida, há mais de 60 anos, lhes faculta a aquisição do direito de propriedade plena por usucapião, o que pedem através da reconvenção deduzida.
A autora replicou rebatendo a excepção dilatória alegada e impugnando a matéria da reconvenção.
A seguir, veio a autora requerer a intervenção principal provocada de HH, viúva do referido GG e mãe dos réus BB e DD, alegando, em resumo, que tendo esta sido casada no regime de comunhão geral de bens com o GG, pai dos mesmo réus e como tal tendo sido beneficiária da doação de que o falecido EE fez ao referido filho GG, tinha aquela interesse na decisão do presente litígio.
Admitida a intervenção provocada e citada a chamada, veio esta contestar, nos termos semelhantes aos dos demais réus, formulando idêntico pedido reconvencional, e, ainda, alegando a sua ilegitimidade.
No saneador foi julgada improcedente a ineptidão alegada pelos réus, e a ilegitimidade alegada pela chamada e foram admitidos os pedidos reconvencionais.
Ainda no saneador, foi conhecido o mérito da causa, no sentido da procedência do pedido da autora e da improcedência do pedido reconvencional.
Desta decisão apelaram os réus e a chamada, tendo na Relação do Porto sido julgada improcedente a apelação.
Mais uma vez inconformados, vieram os mesmos apelantes interpor a presente revista, tendo nas suas alegações formulado conclusões que por falta de concisão não serão aqui transcritas.
Respondeu a recorrida, defendendo a manutenção do decidido.
Corridos os vistos legais, urge apreciar e decidir.
Como é sabido – arts. 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do Cód. de Proc. Civil, a que pertencerão todas as disposições a citar sem indicação de origem -, o âmbito dos recursos é delimitado pelo teor das conclusões dos recorrentes.
Das conclusões dos aqui recorrentes se vê que os mesmos, para conhecer neste recurso, levantam as questões seguintes: a) A petição inicial é inepta, nos termos do art. 193º, nº 2 al. a)? b) A chamada HH é parte ilegítima na presente acção ? c) O acórdão recorrido na sua alínea a), pronunciou-se sobre factos que os recorrentes não suscitaram e não se pronunciou sobre a questão da usucapião, como deviam, pelo que é nulo? d) O mesmo acórdão recorrido ao negar a verificação da usucapião, violou o trânsito em julgado decorrente do despacho proferido no inventário em que se remeteu as partes para os meios comuns e no qual se admite a usucapião? e) Tendo em conta que na data em que o falecido EE doou todo o seu património ao seu filho GG, este era o seu único e universal herdeiro, o donatário e seus herdeiros não têm de conferir a doação? f) Os recorrentes adquiriram por usucapião os bens objecto da doação efectuada pelo falecido EE?
Os factos que as instâncias deram como provados são os seguintes: A) EE faleceu, em 26/05/1991, no estado de viúvo de FF. B) Os referidos EE e FF eram casados em primeiras núpcias de ambos e sob o regime da comunhão geral de bens e tiveram um filho, GG, falecido em 13/01/1981. C) O referido GG era casado com a Chamada HH, sob o regime da comunhão geral de bens, e deste casamento nasceram os Réus BB e DD. D) A Autora AA intentou acção de investigação de paternidade, que correu termos sob o nº 3405/92 no 6º Juízo Cível, 1ª Secção, do Tribunal Cível da Comarca do Porto, tendo sido proferido Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, em 25/06/1998, que reconheceu a paternidade de EE relativamente à Autora. E) O referido reconhecimento da paternidade foi averbado no assento de nascimento da Autora em 12/11/98. F) Em 27/01/99, a Autora requereu inventário para partilha dos bens da herança aberta por óbito de EE, processo que corre os seus termos neste 4º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca da Maia, sob o nº 67/99. G) Nesse inventário foi nomeado cabeça-de-casal o aqui Réu BB, tendo este sido citado para os termos do referido inventário em 22/02/99. H) As Rés CC e DD tiveram igualmente intervenção no referido inventário, tendo sido citadas para os termos do mesmo em 11/05/99. I) No dia 17/08/1962, foi outorgada no Cartório Notarial da Maia uma escritura pública de doação, em que compareceram, como Primeiros Outorgantes, EE e mulher FF e, como Segundo Outorgante, GG, solteiro, filho dos primeiros.
Declararam os Primeiros Outorgantes que fazem doação ao Segundo Outorgante dos seguintes prédios:
1) Umas casas de habitação, parte térreas e parte sobradas, com cozinha, quintal ou cortinha, a lavradio e mais pertenças, sitas no lugar de Monforte, freguesia de Folgosa, prédio inscrito no art. 97º, da matriz urbana, de que é nove décimos, e no art. 61º, da matriz rústica, de que é dois terços, descrito na Conservatória do Registo Predial respectiva como parte dos nºs 24.423 e 24.425, no Livro B-71, no valor matricial corrigido de 6.552$00 e no declarado de 15.000$00;
2) Um terreno a lavradio, denominado “Casal …”, sito no lugar de Monforte, freguesia de Folgosa, inscrito no art. 58º, da matriz rústica, e descrito na Conservatória do Registo Predial respectiva sob o nº 24.424, no Livro B-71, no valor matricial corrigido de 1.830$00 e no declarado de 3.000$00;
3) Um terreno onde se acham construídos um alpendre, coberto e cortes de gado, sito no lugar de Monforte, freguesia de Folgosa, inscrito no art. 97º, da matriz urbana, de que é um décimo, e descrito na Conservatória do Registo Predial respectiva sob o nº 7.658, no Livro B-20, no valor matricial corrigido de 120$00 e no declarado de 1.000$00;
4) Um terreno a lavradio, sito no lugar de Fonte Fria, no Campo da Lagoa, freguesia de Folgosa, inscrito no art. 52º, da matriz rústica, e descrito na Conservatória do Registo Predial respectiva sob o nº 27.767, no Livro B-85, no valor matricial corrigido de 1.220$00 e no declarado de 2.000$00;
5) Um terreno a lavradio, sito no lugar de Fonte Fria, freguesia de Folgosa, inscrito no art. 53º, da matriz rústica, e descrito na Conservatória do Registo Predial respectiva sob o nº 27.768, no Livro B-85, no valor matricial corrigido de 8.820$00 e no declarado de 12.000$00;
6) Campo da Lagoa, a lavradio, sito no lugar de Monforte, freguesia de Folgosa, inscrito no art. 55º, da matriz rústica, e descrito na Conservatória do Registo Predial respectiva sob o nº 20.417, no Livro B-66, no valor matricial corrigido de 10.830$00 e no declarado de 15.000$00;
7) A sorte da Bouça da Lagoa, a lavradio, prédio sito no lugar de Monforte, freguesia de Folgosa, inscrito no art. 59º, da matriz rústica, e descrito na Conservatória do Registo Predial respectiva sob o nº 7.659, no Livro B-20 no valor matricial corrigido de 1.830$00 e no declarado de 3.000$00;
8) Bouça da Fonte Fria, a lavradio, prédio sito no lugar da Fonte Fria, freguesia de Folgosa, inscrito no art. 89º, da matriz rústica, e descrito na Conservatória do Registo Predial respectiva sob o nº 20.420, no Livro B-66, no valor matricial corrigido de 780$00 e no declarado de 1.500$00;
9) Leira do Outeiro do Moinho ou da Camposa, prédio sito nos limites dos lugares de Fonte Fria e Camposa, freguesia de Folgosa, inscrito no art. 582º, da matriz rústica, e descrito na Conservatória do Registo Predial respectiva sob o nº 20.421, no Livro B-66, no valor matricial corrigido de 660$00 e no declarado de 1.500$00;
10) Campo da Lagoa, a lavradio, prédio sito no lugar de Fonte Fria, freguesia de Folgosa, inscrito no art. 54º, da matriz rústica, e descrito na Conservatória do Registo Predial respectiva sob o nº 20.413, no Livro B-66, no valor matricial corrigido de 25.560$00 e no declarado de 35.000$00;
11) Leira da Fonte Fria, prédio sito no lugar de Fonte Fria ou Santa Cristina, freguesia de Folgosa, inscrito no art. 89º, da matriz rústica, de que é metade, e descrito na Conservatória do Registo Predial respectiva sob o nº 7.220, no Livro B-19, no valor matricial corrigido de 290$00 e no declarado de 1.000$00;
12) Campo de Liceiras, a lavradio, sito no lugar de Liceiras, freguesia de Ermesinde, concelho de Valongo, inscrito no art. 43º, da matriz rústica, e descrito na Conservatória do Registo Predial respectiva sob o nº 20.223, no Livro B-53, no valor matricial corrigido de 3.240$00 e no declarado de 5.000$00.
Declararam ainda os Primeiros Outorgantes que a doação é feita, porém, com as seguintes reservas e cláusulas:
Primeira – Os doadores reservam para si o usufruto dos prédios doados, vagando metade desse usufruto à morte de qualquer dos doadores;
Segunda – Os doadores ficam com o direito de cortar, arrancar e dispôr, conforme entenderem, de todas as árvores que existam ou venham a existir no prédio atrás descrito sob a verba número nove;
Terceira – O donatário fica obrigado a pagar o funeral do doador que falecer em último lugar, o qual será em todo igual ao que for feito ao primeiro que falecer;
Quarta – A doação é feita pelas forças das quotas disponíveis dos doadores, quanto a metade do seu valor, sendo feita, exclusivamente, por conta da legítima do donatário quanto à outra metade do seu valor.
Declarou o Segundo Outorgante que aceita esta doação, nos termos expostos (doc. de fls. 85 a 94). J) Correu termos na 1ª Secção do 6º Juízo Cível da Comarca do Porto um processo de inventário, com o nº 233/81, para partilha dos bens da herança aberta por óbito do referido GG, falecido em 13/01/81, no qual foi cabeça-de-casal HH. L) No referido processo de inventário foi elaborada a descrição de bens que consta de fls. 124 a 133 dos presentes autos, cujo teor aqui é dado como reproduzido. M) Nesta descrição de bens estão incluídos alguns dos bens que foram objecto da escritura de doação referida em I), apesar de estarem, alguns deles, identificados de maneira diferente. Assim:
- Os prédios identificados em I) sob os nºs 1) e 2) foram relacionados em conjunto na verba nº 20 da descrição de bens, sendo a matriz rústica actual o nº 11;
- O prédio identificado em I) sob o nº 3 está inscrito actualmente na matriz rústica sob os arts. 495º e 11º;
- O prédio identificado em I) sob o nº 4 está inscrito actualmente na matriz rústica sob o art. 10º (verba nº 19 da descrição de bens);
- O prédio identificado em I) sob o nº 5 está inscrito actualmente na matriz rústica sob o art. 30º (verba nº 21 da descrição de bens;
- O prédio identificado em I) sob o nº 6 está inscrito actualmente na matriz rústica sob o art. 30º (verba nº 21 da descrição de bens);
- O prédio identificado em I) sob o nº 7 está inscrito actualmente na matriz rústica sob o art. 30º (verba nº 21 da descrição de bens);
- O prédio identificado em I) sob o nº 8 corresponde ao prédio descrito na verba nº 23 da descrição de bens;
- O prédio identificado em I) sob o nº 9 corresponde ao prédio descrito na verba nº 24 da descrição de bens;
- O prédio identificado em I) sob o nº 10 está inscrito actualmente na matriz rústica sob o art. 30º (verba nº 21 da descrição de bens);
- O prédio identificado em I) sob o nº 11 está incluído na verba nº 23 da descrição de bens;
- O prédio identificado em I) sob o nº 12 está inscrito actualmente na matriz rústica sob o art. 43º (verba nº 25 da descrição de bens).
Ainda com interesse para a decisão do objecto da revista ainda vamos considerar os factos alegados nos artigos 15º, 16º e 17º da petição inicial e que foram confessados expressamente nos artigo 13º da contestação dos réus e, tacitamente, pela chamada interveniente.
Têm aqueles a redacção seguinte:
N) Por despacho proferido no inventário referido na al. F), foi considerado que “os bens doados, por ofenderem a legítima da requerente, estão sujeitos a colação e, por via disso, sujeitos a redução por inoficiosidade, por inexistência de outros bens que permitam igualar a legítima da requerente e demais herdeiros”;
O) Mais entendeu o respectivo julgador que “ do alegado pelo requerente resulta ser a excepção da usucapião como facto extintivo do direito da requerente à partilha questão prejudicial à presente acção, de cuja decisão depende a procedência ou a improcedência desta “;
P) No mesmo despacho foi entendido que “ a apreciação de tal questão exige mais larga, variada e cuidada indagação do que a sumária instrução do inventário, atenta a sua complexidade”, tendo considerado ainda serem “os meios comuns os próprios para decidir de tal questão, atenta a prova que se afigura como de necessária produção”.
Vejamos agora cada uma das concretas questões acima elencadas como objecto deste recurso.
a) A primeira questão versa a ineptidão da petição inicial.
Não pode aqui ser conhecida desta questão por versando matéria processual e tendo sido decidida no sentido da sua improcedência nas duas instâncias, não poder ser objecto deste recurso de revista.
Com efeito, o art. 26º do LOFTJ – Lei nº 3/99 de 13/01 – estabelece a regra de que o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) apenas conhece de questões direito e não de facto.
Tal como ensina o Conselheiro F. Amâncio Ferreira – no seu Manual dos Recursos em Processo Civil, 6ª ed., pág. 236 e segs. -, aquele Tribunal não controla a matéria de facto nem revoga por erro no seu apuramento; compete-lhe antes fiscalizar a aplicação do direito aos factos seleccionados pelos tribunais de primeira e segunda instâncias ( arts. 722º, nº 2, 729º, nºs. 1 e 2 e 755º, nº 2 ) Daí dizer-se que o STJ é um tribunal de revista e não um tribunal de 3ª instância ( art. 210º, nº 5 da CRP ).
Tal como resulta do disposto no art. 722º, nº 1 no recurso de revista, o recorrente pode alegar, além da violação da lei substantiva, a violação da lei de processo, quando desta for admissível recurso, nos termos do nº 2 do art. 754º, de modo a interpor do mesmo acórdão um único recurso.
Daqui resulta que como fundamento do recurso de revista, além da violação de lei substantiva, apenas se pode alegar a violação da lei processual, quando desta fosse admissível recurso de agravo – no caso de não haver também violação de lei substantiva.
E a admissão de recurso de agravo para o STJ apenas está permitido, pelo citado nº 2 do art. 754º, aos casos de se tratar de acórdão sobre recurso da primeira instância – como é o caso dos autos – e haver decisão em oposição com aquele acórdão proferida pelo STJ ou por qualquer Relação, no âmbito da mesma legislação, e não ter havido fixação pelo STJ jurisprudência, nos termos dos arts. 732º-A e 732º-B, com ele conforme.
Também ainda é permitido recurso de agravo nas situações especiais fixadas no nº 3 do mesmo art. 754º que não estão aqui em causa.
Ora nenhuma desta excepções à regra da inadmissibilidade de recurso se verifica no caso em apreço e nem tal verificação foi alegada, salvo a alegação de existência de jurisprudência contrária de tribunais superiores sobre a decisão da matéria substantiva, jurisprudência essa que convidados os recorrentes a provarem a existência, relativamente às questões processuais, não o fizeram.
Daqui resulta que se não pode conhecer desta questão.
b) Nesta segunda questão, pretendem os recorrentes que se declare
a chamada parte ilegítima nesta acção.
Também aqui se verificam os obstáculos legais acabados de referir para que este Supremo Tribunal possa conhecer desta questão processual, pelo que a mesma não será aqui conhecida.
b) Nesta terceira questão, defendem os recorrentes a nulidade do acórdão recorrido por se ter pronunciado sobre factos que os recorrentes não suscitaram e por terem omitido conhecer da questão da usucapião de que deveria conhecer.
Trata-se aqui da nulidade prevista na l. d) do nº 1 do art. 668º que consiste na sanção para a obrigação processual prevista no art. 660º, nº 2 que impõe ao julgador conhecer na sentença de todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, salvo aquelas cuja decisão tenha ficado prejudicada pela decisão dada a outras. Também naquela disposição está prevista a obrigação do julgador de não poder conhecer de questões que lhe não sejam suscitadas pelas partes, salvo daquelas que a lei lhe impuser o conhecimento oficioso.
Podemos, desde já, dizer que se não verifica aquela causa de nulidade do acórdão em causa e temos até dificuldade em entender o raciocínio dos recorrentes.
Com efeito, a alegada falta de conhecimento da questão da usucapião é contrariada pelos próprios recorrentes na formulação a questão da al. d), pois se o acórdão recorrido decidiu não se verificar a usucapião, é porque conheceu da mesma verificação e por isso, obviamente, não omitiu a sua apreciação, mas apenas decidiu que se não verificavam os seus pressupostos no caso em apreço.
E, efectivamente, o acórdão em causa, confirmou a decisão da 1ª instância na totalidade e com a remessa para os fundamentos daquela decisão, ao abrigo do disposto no nº 5 do art. 713º, e tinha a sentença de 1ª instância julgado não se verificar no caso os pressupostos da usucapião – cfr. fls. 228 e segs., onde se concluiu que não decorreu o prazo legal para a usucapião se verificar em face da suspensão legal do seu decurso e da interrupção verificada.
Daqui se vê que se tem de concluir que o acórdão recorrido não omitiu a decisão em apreço, decidindo-a nos termos do art. 713º, nº 5 já mencionados.
Por outro lado, quando os recorrentes referem que o acórdão na sua al. a) conheceu de factos que os recorrentes não haviam suscitados devem querer dizer conheceu de questão não suscitada pelos recorrentes, pois só esta hipótese é que fundamenta a alegada nulidade.
Ora na referida al. a) do acórdão recorrido apenas se diz. “os factos que o tribunal considerou para proferir decisão, não foram impugnados em sede de recurso, pelo que se terão de considerar como definitivamente assentes – art. 712º do CPC”.
Tendo em conta que os recorrentes na apelação não impugnaram a decisão da matéria de facto, podia a Relação, nos termos do art. 713º, nº 6, remeter para aqueles, sem obrigação de especificar os mesmos, desde que não visse motivo oficioso para alterar aquela decisão, como foi o caso.
Daí que se não vislumbra aqui qualquer motivo de nulidade.
c) Nesta quarta questão, pretendem os recorrentes que o acórdão recorrido violou o trânsito em julgado ao considerar não verificada a usucapião quando no inventário que a aqui autora requereu havia sido considerado no despacho que remeteu as partes para os meios comuns, se admitir a verificação daquela usucapião.
Versando esta questão matéria processual, já compete ao Supremo o seu conhecimento, por estar enquadrado na excepção do nº 3 do art. 754º, com referência ao nº 2 do art. 678º - ter por fundamento a violação do caso julgado.
Também aqui se vê facilmente que os recorrentes não têm razão na sua pretensão.
Esta questão da violação do caso julgado fora rejeitada implicitamente na sentença de 1ª instância e muito bem, como iremos ver.
Nos termos do art. 494º, al. i), o caso julgado constitui uma excepção dilatória ao conhecimento do direito do autor.
E segundo os arts. 497º e 498º, o caso julgado verifica-se quando se repete uma causa, estando a acção anterior, já julgada com trânsito em julgado. A repetição da causa verifica-se quando se propõe uma acção com os mesmos sujeitos, pedido e causa de pedir idêntica a outra já proposta e decidida.
Ora da decisão proferida no inventário foi apenas decidido que a questão da aquisição pelos réus da propriedade dos bens doados pelo de cujus por força do instituto da usucapião requeria que se procedesse a uma indagação que excedia os meios sumários próprios do processo de inventário, pelo que as partes teriam de recorrer aos meios comuns para decidir tal questão.
Dai que se não tenha aí decidido se se verifica ou não os concretos pressupostos de que depende, no caso concreto, a procedência da pretensão dos aqui réus de que teriam adquirido por usucapião os meios bens doados pelo de cujus, antes remeteu para outra acção – que é a presente acção - a mesma decisão.
Desta forma se não pode dizer que no referido inventário tenha sido decidido proceder a mesma usucapião, pelo que não foi ali decidido nesse sentido, antes foi remetido para os meios comuns a verificação concreta do mesmo instituto, como dissemos já.
Desta forma, na presente acção poderia ser decidido se se verificaria os pressupostos daquele instituto sem violar nada do que foi decidido naquele inventário.
Soçobra, desta forma, este fundamento do recurso.
d) Nesta quarta questão defendem os recorrentes que tendo a doação sido feita a favor do então único e universal herdeiros do doador, não tinha este ou seus sucessores de conferir aqueles bens.
Também aqui os recorrentes nenhuma razão têm na pretensão.
A alegação de que o referido donatário GG ou seus sucessores têm ou não de conferir os bens doados é inócuo para a solução do problema aqui em causa que se traduz na necessidade de redução da doação por inoficiosidade.
Com efeito, o instituto da colação previsto nos art.s 2104º e segs. do Cód. de Proc. Civil, traduz-se na restituição que, para efeitos de igualação da partilha, os descendentes que queiram entrar na sucessão do ascendente devem fazer à massa da herança, dos bens ou valores que lhes foram doados por este.
E tal como ensina o prof. F. Pereira Coelho, in Direitos das Sucessões, Coimbra 1992, pág. 289, a colação distingue-se da redução por inoficiosidade, regulada nos arts. 2168º e segs. do mesmo código.
Enquanto só as doações feitas aos descendentes estão sujeitas a colação, verificados os seus requisitos, a redução por inoficiosidade aplica-se a quaisquer liberalidades do autor da herança, feitas em vida ou por morte, a herdeiros legitimários – que podem não ser descendentes - ou a estranhos. A redução não visa a igualação da partilha entre os herdeiros legitimários, mas antes a defesa da integridade da legítima, pelo que se verifica a necessidade da redução da doação, nos termos do artigo 2168º do Cód. Civil, nada relevando aqui a questão da necessidade ou da desnecessidade de colação.
Desta forma a necessidade de colação é estranha à decisão da pretensão da autora e, por isso, irrelevante para a decisão deste recurso.
Soçobra assim, mais este fundamento da revista.
e) Finalmente, resta conhecer da questão de os recorrentes terem ou não adquirido por usucapião a propriedade dos bens doados pelos de cujus.
Também aqui os recorrentes não têm razão tal como doutamente expressou a sentença de 1ª instância.
E bastaria a remissão para aquela para fazer improceder este fundamento da revista, ao abrigo do disposto no art. 713º, nº 5, tal como fez o douto acórdão em recurso.
Porém, sem a pretensão de dizer nada de novo, iremos sinteticamente conhecer daquela questão.
O art. 2075º do Cód. Civil trata da acção de petição de herança como é o caso dos autos, estipulando o seu nº 2 que a mesma pode ser intentada a todo o tempo, sem prejuízo da aplicação das regras da usucapião relativamente a cada uma das coisas possuídas e, ainda, do disposto no art. 2059º do mesmo código que não está aqui em causa.
Os réus alegam como meio de defesa ao direito da autora de petição da herança do pai daquela, a aquisição por parte daqueles réus dos bens que aquele de cujus doou ao seu filho, irmão da autora e pai dos réus.
Para o efeito, os réus alegaram a posse por si e pelo falecido pai donatário, por mais de sessenta anos.
As partes e as instância estão de acordo em que a doação pelo de cujus Hilário de todos os seus bens ao filho GG em 1961 ofende a legítima da autora, também filha daquele EE – apesar de ter sido reconhecida apenas por sentença de 1998 - , como é óbvio – cfr. arts. 2156º e segs. do Cód. Civil.
O art. 1292º do Cód. Civil estipula que são aplicáveis à usucapião, com as necessárias adaptações, as disposições relativas à suspensão e interrupção da prescrição, bem como o preceituado nos arts. 300º, 302º, 303º e 305º.
Ora o art. 322º do Cód. Civil prescreve que a prescrição de direitos da herança ou contra ela não se completa antes de decorridos seis meses depois de haver pessoa por quem ou contra quem os direitos possam ser invocados.
Ora, tendo na sequência da acção de investigação de paternidade sido a autora reconhecida como filha do de cujus EE, sido registada aquela paternidade em 13-11-98, só então podiam aqueles direitos referentes à herança serem exercidos ou só então contra a autora poderiam ser exercidos, por só então ser legalmente a autora reconhecida como filha do EE e como tal herdeira legitimária daquele. E antes de decorridos seis meses foram os réus citados para os termos do inventário que aquela autora requereu para partilha dos bens do mesmo EE.
Desta forma, interrompeu-se o prazo de prescrição – aplicável ao prazo de usucapião -, nos termos do art. 323º do Cód. Civil, antes de ter terminado a suspensão do decurso do prazo de usucapião.
Improcede, desta forma este fundamento do recurso e com ele toda a revista.
Pelo exposto, nega-se a revista, confirmando-se o douto acórdão recorrido.
Custas pelos recorrentes.