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EDP
ENERGIA ELÉCTRICA
CONTRATO DE FORNECIMENTO
FACTURA
PAGAMENTO
PRESCRIÇÃO EXTINTIVA
INÍCIO DA PRESCRIÇÃO
Sumário
I - A prescrição a que se refere o n.º 1 do art. 10.º da Lei n.º 23/96, de 26-07, tem natureza extintiva. II - A prescrição do direito de exigir o pagamento do preço respeitante ao fornecimento de energia eléctrica, referida naquele indicado normativo, reporta-se ao prazo limite conferido ao prestador do serviço, para proceder ao envio ao respectivo utente da competente factura. III - No caso de tal facturação não ser recepcionada no decurso do indicado prazo, o utente goza da faculdade de invocar a prescrição extintiva do crédito do prestador. IV - Em caso de atempado envio da referida factura, inicia-se, a partir do incumprimento do pagamento da mesma constante, o decurso do prazo quinquenal a que alude a al. g) do art. 310.º do CC.
Texto Integral
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
I – Em tribunal arbitral, cuja constituição foi requerida pela Empresa-A, S A, esta veio peticionar a condenação da Ré Empresa-B, S A no pagamento da quantia global de € 40.396,43, acrescida de juros vincendos, à taxa contratualizada, desde 12/07/2005 até integral pagamento, quantitativo este correspondente:
- € 38.486,60, respeitante a consumos de energia de Abril a Julho de 2004;
- € 1.367,99, relativos aos juros de mora incidentes sobre as facturas em dívida respeitantes a tais consumos, calculados até 12/07/2005;
- € 504,44, correspondentes aos juros de mora respeitantes aos pagamentos, com atraso, das facturas relativas a consumos de Dezembro de 2003 a Março de 2004; e
- € 37,40, relativos a despesas bancárias decorrentes da devolução de cheques referentes àqueles indicados pagamentos atrasados, uma vez que, tendo sido celebrado em 12/07/2003, um contrato de fornecimento de energia eléctrica entre Empresa-A, S A e a Empresa-C, Ldª (outorgantes estes que vieram a ser substituídos pelos ora intervenientes na presente lide), aquela indicada Ré não procedeu ao pagamento dos quantitativos que ora vêm peticionados, tendo resultado infrutíferos os contactos escritos havidos entre os seus respectivos mandatários judiciais, para a celebração de um acordo de pagamento faseado.
Na contestação que apresentou, a demandada alegou a excepção da prescrição decorrente do n.º 1 do art. 10º da Lei n.º 23/96, de 26/07 e impugnou os quantitativos peticionados não correspondentes aos consumos, bem como a falsidade da ocorrência dos contactos, para a efectivação do pagamento do quantitativo em dívida, que a A invocou.
Na resposta que apresentou, esta última veio sustentar que o fornecimento em causa, uma vez que inserido na média tensão, se encontra englobado na excepção do n.º 3 do art. 10º da Lei n.º 23/96, para além de que, mesmo a tal se não considerar, o pagamento foi tempestivamente exigido, porque facturado no prazo de 6 meses a contar do respectivo fornecimento.
No Acórdão proferido pelo Tribunal Arbitral foi julgada procedente a excepção da prescrição extintiva invocada pela demandada e esta absolvida do pedido.
Tendo a A apelado, a Relação de Lisboa confirmou a decisão impugnada.
Vem, agora, a A pedir revista deste último Acórdão, tendo, nas conclusões apresentadas na respectiva minuta, que circunscrevem e limitam o objecto do recurso – arts. 684º, n.º 3 e 690º, n.º 1 do CPC e Anotado do Prof. Alberto dos Reis, vol. V, pág. 375 e 480 -, consubstanciado a sua divergência relativamente ao decidido nos seguintes pontos:
- alteração da matéria de facto;
- conceito de alta tensão para efeitos da Lei n.º 23/96; e
- natureza da prescrição constante do art. 10º, n.º 1 daquela indicada Lei.
Não foram apresentadas contra alegações.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
II – Como se referiu no antecedente relatório, e dado que a recorrente vem requerer que se proceda à alteração da matéria de facto que a Relação considerou como assente, há que proceder, desde já, à apreciação de tal impugnação, pelos efeitos que a mesma pode acarretar na factualidade que vem apurada da 2ª instância.
Assim, a A vem alegar, que, com base na prova documental apresentada, na confissão feita e na posição adoptada pela recorrida no seu articulado, tendo em consideração o preceituado nos arts. 38º, 490º e 567º do CPC, deveria ter sido dada como provada a totalidade da dívida peticionada, e não, apenas, como o foi, a referente aos consumos energéticos, situação esta igualmente aplicável à proposta de acordo para pagamento apresentada pela Ré, e que consta da carta da recorrente, junta como doc. 16, a qual não foi objecto de impugnação especificada, situações estas conducentes, portanto, à ampliação da matéria de facto, nos termos dos arts. 490º, n.º 2 e 722º, n.º 2 da codificação nomeada.
Temos, pois, que os quantitativos pecuniários questionados pela recorrente, por haverem sido desconsiderados como créditos de que fosse titular, correspondem ao pela mesma alegado nos arts. 7º, 8º e 9º do seu requerimento inicial.
Assim, e quanto ao último, reportando-se o mesmo ao montante liquidado dos juros de mora à taxa contratual, relativos aos consumos de Abril a Julho de 2004, para além da sua procedência estar, única e exclusivamente, ligado à procedência do pedido de que é acessório, o mesmo traduz-se num simples cálculo aritmético, pelo que, nunca, por tal motivo, deveria constar da matéria de facto a apurar pelo tribunal – - arts. 511º, n.º 1 e 513º do CPC.
E, quanto aos restantes, respeitantes os mesmos que se mostram ao montante dos juros de mora relativos a alegados pagamentos de consumos efectuados pela Ré com atraso, bem como a despesas bancárias com cheques relacionados com tais atrasos, se bem se atentar no articulado de contestação, constata-se que os mesmos foram objecto de impugnação – vide arts. 1º e 8º de fls. 76 e 77 -, pelo que, consequentemente, não se vislumbra, como, perante tal circunstancialismo, seja susceptível de aplicação, como pretende a recorrente, o preceituado no art. 358º, n.º 1 do CC, quanto à relevância da força probatória da confissão judicial.
Por seu turno, e no que respeita às afirmações inseridas no doc. de fls. 62 e 63, emitido pela recorrente, e relativas a um eventual contacto escrito havido entre aquela e o mandatário judicial da Ré, contacto esse que se destinava à efectivação do pagamento da dívida, para além de não constar dos autos qualquer documento da recorrida em tal sentido, igualmente tal conteúdo foi por parte desta última expressamente impugnado na contestação – art. 9º -, não podendo, assim, do teor daquele aludido documento de fls. 62, extrair-se o sentido que ora vem pretendido pela recorrente – art. 376º, n.º 2 do CC.
III – Mostra-se, portanto, assente, a seguinte matéria de facto, com o aditamento, nos termos dos arts. 659º, n.º 3, 713º, n.º 2 e 726º do CPC, da factualidade que se entendeu por relevante para o conhecimento do objecto da presente revista :
“Em 12/07/2003, foi celebrado um contrato de fornecimento de energia eléctrica entre Empresa-A, SA e a Empresa-C, Ldª (outorgantes que vieram a ser substituídos pela ora A – empresa do grupo EDP, constituída no serviço liberalizado de energia eléctrica – e pela Ré).
O fornecimento de energia eléctrica às instalações da Ré, situadas em Tarouca, teve início em 01/12/2003.
A Ré não efectuou o pagamento dos fornecimentos de energia eléctrica, cujo consumo realizou, no valor de € 38.486,60, correspondentes às seguintes facturas:
- factura n.º 404040800000027, emitida em 2004/08/03 e com data limite de pagamento de 2004/09/02, relativa aos consumos do mês de Abril de 2004, no valor de € 9.478,64;
- factura n.º 404040800000028, emitida em 2004/08/04 e com data limite de pagamento de 2004/09/03, relativa as consumos do mês de Maio de 2004, no valor de € 9.043,29;
- factura n.º 404040800000033, emitida em 2004/08/04 e com data limite de pagamento de 2004/09/03, relativa aos consumos do mês de Junho de 2004, no valor de € 10.277,93; e
- factura n.º 404040800000045, emitida em 2004/08/05 e com data limite de pagamento de 2004/09/06, relativa aos consumos do mês de Julho de 2004, no valor de € 9.686,74.
As facturas apresentadas pela EDP Energia devem ser pagas no prazo de 30 dias contados a partir da data da sua emissão através de transferência bancária para a conta da EDP Energia com o NIB........ ou outra que a EDP Energia indicar – n.º 1 da Cláusula Quatro do contrato.
Considera-se data de pagamento aquela em que o Banco credita o valor da factura na conta da EDP Energia – n.º 2 da Cláusula Quatro do contrato. No caso de o pagamento ser efectuado fora do prazo, a EDP Energia tem direito a cobrar juros de mora ao cliente, os quais serão debitados com a(s) factura(s) emitida(s) após a data do vencimento e corresponderão a um montante igual à aplicação, ao valor devido, da taxa EURIBOR a um mês que vigorar na data do
vencimento, acrescida de dois pontos percentuais – n.º 3 do anexo 1 ao contrato celebrado, onde se inserem as condições gerais do mesmo. “
IV – Vem a recorrente sustentar, que, tendo os fornecimentos de energia eléctrica em média e alta tensão as mesmas características, o mesmo regime tarifário e sendo os mesmos os seus utentes típicos, tal similitude afasta-os dos utentes dos fornecimentos em baixa tensão, pelo que, por tal motivo, e de acordo com o espírito da lei, serão aqueles os destinatários da delimitação negativa prevista no n.º 3 do art. 10º da Lei n.º 23/96, donde resulta, portanto, ser aplicável aos créditos por fornecimentos, aos mesmos, de energia eléctrica, o prazo do art. 310º, al. g) do CC, prazo este que se mostra ainda não ter decorrido.
Com efeito, no invocado normativo da Lei n.º 23/96, de 26/07, estatui-se:
3 – O disposto no presente artigo não se aplica ao fornecimento de energia eléctrica em alta tensão.
Ora, para além do emprego pelo legislador, de forma expressa e taxativa, da denominação alta tensão, por outro lado, as denominações técnicas correlacionadas com o fornecimento de energia eléctrica, vigentes à data da publicação daquele nomeado diploma, apontam em sentido diverso do alegado pela recorrente, no que directamente concerne ao englobamento no referido regime jurídico dos fornecimentos em média tensão, já que nos autos não vem posto em crise enquadrar-se no âmbito desta qualificação, o fornecimento efectuado à Ré.
Na verdade, cerca de um ano antes da publicação da Lei n.º 23/96, havia sido estabelecido, através do DL n.º 184/95, de 27/07, o regime jurídico relativo ao exercício da actividade de distribuição de energia eléctrica, em que, nas várias alíneas que integram o seu art. 2º, se definiam os limites mínimos e máximos para o enquadramento da qualificação da potência da tensão respeitante à referida distribuição, como enquadrável no domínio da alta tensão (AT) – al. a) -, baixa tensão (BT) – al. b) – e média tensão (MT) – al. f) -, definição essa que se manteve nos arts. 3º do Despacho ERSE n.º 18413 – A/2001, de 01/09, do Despacho ERSE n.º 18993 - - A/2005, de 31/08, e do Despacho ERSE n.º 5255 - A/2006, de 30/12.
Ora, não podendo ser desconhecido do órgão legislativo a quem coube a elaboração da citada Lei – arts. 164º, al. d) e 169º, n.º 3, hoje art. 161º, al. c) e 166º, n.º 3, da CRP -, o indicado conteúdo do diploma regulamentador da distribuição de energia eléctrica em todo o território nacional, a posição que vem sustentada pela recorrente mostra-se violadora do estatuído no art. 9º, n.ºs 2 e 3, parte final, do CC, já, que, para além do referido, também o acolhimento da mesma seria incompatível com a total omissão do legislador quanto á expressa referência relativa ao alargamento da sua aplicabilidade aos fornecimentos em média tensão, como, igualmente, e por outro lado, seria absolutamente incompreensível a continuada permanência das diversas modalidades de distribuição de energia eléctrica, reiteradamente consagrada, inclusive no mercado liberalizado do momento presente, quando, então, e de acordo com a tese da A, seria manifesta a contradição interpretativa do indicado normativo da Lei n.º 23/96, por si propugnada, com outros diplomas em plena vigência, relativos à regulamentação seguida pelos distribuidores de energia eléctrica, no que respeita à natureza da potência fornecida.
Assim, e como já se escreveu no Acórdão deste Supremo de 28/11/2000 (relator Garcia Marques), em face da proximidade das datas de publicação dos citados diplomas de 27/07/1995 e da Lei n.º 23/96, de 26/07, em cuja normação se inscreve a norma a interpretar – o n.º 3 do art. 10º - é lógica a suposição de que a tipologia tripartida acabada de definir não podia ser desconhecida pelo legislador da Lei de 1996, razão por que, ao falar em “alta tensão” no referido n.º 3 do art. 10º, a Lei n.º 23/96 estaria, muito provavelmente, a dar ao conceito o sentido que lhe foi atribuído pelas normas do diploma de 27/07/1995.
Não pode, portanto, e perante o explanado, extrapolar-se para a aplicabilidade do conteúdo do n.º 3 do art. 10º da Lei n.º 23/96 ao fornecimento de energia eléctrica, em modalidade diversa daquela, que, no mesmo normativo, se mostra expressamente enunciada.
V – Nas conclusões apresentadas, a recorrente vem, também, pugnar pela natureza presuntiva da prescrição referida no n.º 1 do art. 10º da Lei n.º 23/96, ou, quando assim se não entenda, e a mesma se considere, então, de natureza extintiva, que, na situação em apreço, a recorrida renunciou à sua invocação, ou a mesma foi interrompida, em virtude da proposta de acordo de pagamento por aquela apresentada, para além de que, a considerar-se a prescrição em causa com aquela última indicada natureza, existiria contradição entre a data do seu início constante da Lei n.º 23/96 e a prevista no art. 306º, n.º 1 do CC.
Assim, naquele normativo da Lei n.º 23/96 a que alude a A estatui-se, que o direito de exigir o pagamento do preço do serviço prestado prescreve no prazo de seis meses após a sua prestação.
Com efeito, traduzindo-se a prescrição presuntiva numa simples presunção do cumprimento, no que respeita ao pagamento accionado, e não na extinção da obrigação em causa – art. 312º do CC -, a mesma reveste natureza excepcional, não tendo, portanto, aplicação fora dos casos expressamente indicados por normas específicas que a prevejam, e, que, no domínio daquela codificação substantiva civil, se confinam, quanto ao seu respectivo âmbito material, às situações concretamente contempladas nos seus arts. 316º e 317º – vide anotação do Prof. Calvão da Silva in RLJ 132º/153 e Teoria Geral do Prof. Pais de Vasconcelos, pág. 758 e 759.
Todavia, não se inserindo os créditos respeitantes ao fornecimento de energia eléctrica nas situações abrangidas por aqueles últimos indicados normativos substantivos civis, nem decorrendo, quer do preceito antecedentemente transcrito da Lei n.º 23/96, quer do restante conteúdo deste último diploma, qualquer referência à natureza presuntiva da prescrição em causa, do princípio decorrente do já citado n.º 3 do art. 9º do CC, ter-se-á de concluir pela natureza extintiva ou comum de tal prescrição, nomeadamente, porque, e para além do mais, nenhum elemento adjuvante da definição da natureza da referida prescrição se pode extrair, por inexistência de norma a tal atinente, quer do Regulamento de Relações Comerciais de 2001 – - Despacho ERSE n.º 18413-A/2001, de 01/09 -, quer do Regulamento de Relações Comerciais de 2005 – Despacho ERSE n.º 18993-A/2005, de 31/08 -, actualmente em vigor.
Por outro lado, destinando-se a prescrição presuntiva a salvaguardar o obrigado que pagou, de ser compelido a um novo pagamento do mesmo crédito, em consequência deste se reportar a bens cujo recibo não é comummente guardado pelo devedor, tal objectivo mostra-se claramente afastado relativamente ao consumidor de energia eléctrica, já que, da competente factura, que, como decorre da matéria de facto enunciada no antecedente item III, no caso de ter lugar o seu pagamento, assume a função de documento de quitação, consta, expressamente, que deve ser conservada – fls. 52 a 55 -, o que colide com a apontada razão de ser da referida prescrição.
Inexistindo, portanto, norma específica a impor a prescrição dos créditos provenientes do consumo de energia eléctrica no âmbito das prescrições presuntivas, impõe-se, assim, e em caso de dúvida acerca da natureza da prescrição, a regra do seu enquadramento no domínio da prescrição extintiva ou liberatória – vide pág. 152 da anotação citada do Prof. Calvão da Silva.
Todavia, e dado que o prazo prescricional estabelecido no citado n.º 1 do art. 10º da Lei n.º 23/96 – seis meses após a prestação do fornecimento de energia -, é substancialmente mais reduzido do que os prazos referidos na codificação substantiva civil para a prescrição comum, nomeadamente quanto ao indicado no seu art. 310º, al. g) para as prestações de natureza periódica, há que analisar se aquele indicado prazo especial derroga o âmbito de aplicabilidade deste último normativo nomeado, no que directamente respeita ao pagamento das prestações respeitantes aos serviços públicos essenciais, isto, sobretudo, tendo em linha de consideração, que a prescrição, como efeito jurídico da inércia prolongada do titular do direito quanto ao seu exercício, constitui uma excepção ao princípio geral do pontual cumprimento dos contratos pelas partes nos mesmos intervenientes, princípio este que deve presidir à celebração de um qualquer contrato – arts. 406º, n.º 1 e 762º, n.º 1 do CC.
Assim, e atendendo a que o meio de defesa do devedor consubstanciado na prescrição se aplica fundamentalmente aos direitos de crédito – vide Teoria Geral do Prof. Pais de Vasconcelos, pág. 755 -, há que proceder à interpretação do conteúdo do já antecedentemente citado n.º 1 do art. 10º da Lei n.º 23/96 - “o direito de exigir o pagamento do preço do serviço prestado prescreve no prazo de seis meses após a sua prestação ” -, no que se refere à compatibilização da data do início daquela indicada prescrição, com o princípio geral constante do n.º 1 do art. 306º do CC, que a reporta ao momento temporal em que o direito do credor possa ser exercido, uma vez que, se, por um lado, o pagamento dos consumos de energia eléctrica, no comum das situações respeitantes a períodos mensais, pode ter lugar até ao termo de um prazo acrescido, normalmente também mensal, fixado na respectiva factura, já, por outro lado, a prescrição constante do normativo transcrito inicia-se com o termo da prestação do serviço em causa e não a partir do termo daquele prazo limite.
E, se é certo, que nenhum elemento adjuvante quanto à forma de compatibilização daquelas duas distintas datas estabelecidas para o início dos referidos prazos prescricionais pode extrair-se dos Regulamentos de Relações Comerciais antecedentemente referenciados, nomeadamente no capítulo relativo ao pagamento dos fornecimentos de energia eléctrica prestados, já, por outro lado, algo se pode extrair recorrendo ao conteúdo da regulamentação aplicável ao serviço de telecomunicações de uso público, constante do DL n.º 381-A/97, de 30/12, uma vez que, constituindo o serviço de telefone, até à data da publicação da Lei n.º 5/2004, de 10/02, conjuntamente com os de fornecimento de água, energia eléctrica e gás, os serviços públicos essenciais, objecto exclusivo da regulamentação específica constante da Lei n.º 23/96, nada impede, mas sim antes impõe, que, em obediência ao princípio da unidade de regulamentação daqueles apontados serviços, que o legislador pretendeu submeter a um disciplina jurídica unitária, haja lugar ao recurso à analogia, para a integração da aludida omissão existente no domínio do fornecimento de energia eléctrica – art. 10º, n.ºs 1 e 2 do CC.
Ora, decorrendo do art. 9º da Lei n.º 23/96 a obrigatoriedade de envio, pelo prestador ao utente, de factura detalhada relativa aos serviços prestados, naquele aludido DL n.º 381-A/97, e relativamente à protecção dos utentes, estatuiu-se no seu:
Artº. 9º
4 – O direito de exigir o pagamento do preço do serviço prestado prescreve no prazo de seis meses após a sua prestação. 5 – Para os efeitos do número anterior, tem-se por exigido o pagamento com a apresentação de cada factura.
enquanto que, por outro lado, e na parte atinente ao preço a satisfazer pelos mesmos, dispõe-se, igualmente, no aludido diploma, e no seu:
Artº 16º
2 – O direito de exigir o pagamento do preço do serviço prestado prescreve no prazo de seis meses após a sua prestação.
3 – Para efeitos do número anterior considera-se exigido o pagamento com a apresentação de cada factura.
Perante os normativos transcritos, ter-se-á de concluir, que a prescrição em causa no n.º 1 do art. 10º da Lei n.º 23/96 prende-se, directa e exclusivamente, com o período temporal conferido ao prestador licenciado para proceder à apresentação ao respectivo utente da factura respeitante aos serviços prestados, em virtude desta se constituir como elemento interruptivo da prescrição respeitante ao exercício do direito à cobrança dos mesmos – art. 323º, n.º 1 do CC.
Com efeito, o entendimento de que o prazo prescricional de seis meses após a prestação dos serviços, fixado na Lei n.º 23/96, se reporta ao termo do prazo para o pagamento daqueles pelos utentes, para além de colidir com o expressamente estatuído para uma dos serviços abrangidos no referido diploma regulamentador das suas bases gerais, o que convenhamos seria de todo em todo aberrante, por criar disparidades onde foi intenção do órgão legislativo próprio a sua igualitarização – art. 1º daquela Lei -, também, segundo parece, não pode colher aceitação por outros motivos.
Assim, e desde logo, ficava automaticamente excluída a exigibilidade dos eventuais créditos do fornecedor de energia eléctrica, relativamente aos pagamentos efectuados no âmbito dos Acordos de Pagamento Fixo Mensal (conta certa), atendendo a que o seu apuramento apenas é objecto de facturação anual.
Por outro lado, também haverá a ter em linha de consideração, que, estando em causa a prescrição de direitos de crédito, e em obediência ao preceituado no art. 9º, n.º 3, parte final, do CC, caso fosse intenção do legislador a aplicação do n.º 1 do art. 10º da Lei n.º 23/96 ao crédito correspondente ao preço do serviço prestado, não teria sido empregue a expressão “o direito de exigir o pagamento do preço do serviço prestado prescreve”, mas sim “o direito ao preço do serviço prestado prescreve” – vide O Direito 133º/IV, pág. 809 e Tratado do Prof. Menezes Cordeiro, I, tomo IV/205.
E, atendendo, por seu turno, a que o prazo prescricional das prestações periódicas se mostra legalmente fixado em cinco anos - art. 310º do CC -, aquela apontada interpretação redutora do referido prazo, seria manifestamente incongruente com o princípio da unidade do sistema jurídico – art. 9º, n.º 1 do CC -, nomeadamente pela aplicação de um prazo apenas compaginável, quanto à sua aplicação, no domínio das prescrições presuntivas e não das extintivas – art. 316º do CC.
Assim, e se não sofre dúvidas, que, à Lei n.º 23/96, de 26/07, se seguiu a publicação da Lei n.º 24/96, de 31/07 – Lei de Defesa do Consumidor -, de tal proximidade no tempo destes dois diplomas, não pode, segundo se crê, extrapolar-se para a existência, em todas e quaisquer circunstâncias e sem qualquer referência expressa, de uma onda de protecção extensiva, dirigida indiscriminadamente a todos e quaisquer beneficiários dos referidos serviços públicos essenciais.
Na verdade, e se é certo, que a consideração daquele reduzido prazo prescricional de seis meses constitui factor altamente contributivo para obviar ao sobreendividamento dos consumidores, que, dessa forma, em prazo curto, assegurariam, com certeza e segurança, a dispensa da obrigação de solver as suas dívidas provenientes dos consumos de energia eléctrica, a tal conclusão há, porém, a objectar, que, enquanto a Lei de Defesa do Consumidor se destina a proteger os consumidores em sentido estrito – art. 2º, n.º 1 -, ou seja, aqueles que destinam o bem adquirido ao seu uso privado, pessoal, familiar ou doméstico, a qual, todavia, e apesar de tudo, nada enuncia, directamente ou por remissão, quanto aos serviços públicos essenciais, já, por outro lado, a Lei n.º 23/96 tem um maior leque de abrangência quanto à sua aplicação, já que visa a protecção não só daqueles consumidores, como também das pessoas colectivas a quem o prestador do serviço se obriga a prestá-lo, as quais, para efeitos do referido diploma, se englobam na qualidade de utentes dos serviços públicos essenciais no mesmo contemplados – art. 1º, n.º 3 -, pelo que, estando em causa situações com destinatários distintos, e em que os objectivos que poderiam estar na base da protecção dos consumidores individuais se mostrariam já, e de todo em todo, absolutamente alheios aos dos agentes integrados no mundo empresarial, nunca poderia, então, haver lugar, sob pena da criação de uma total e absoluta desigualdade, à configuração da existência de uma regulamentação análoga, relativamente a ambas aquelas categorias de utilizadores dos referidos serviços.
Temos, portanto, que, apenas no caso da factura correspondente aos serviços prestados não ser enviada ao utente no prazo de seis meses posteriores à sua prestação, é que, então, tem lugar a prescrição extintiva quanto à cobrança dos mesmos, já que, em caso do atempado envio de tal documento, constitutivo da interpelação do devedor para o cumprimento da prestação devida - citado n.º 1 do art. 323º do CC -, só, então, e com o seu não pagamento, se inicia o prazo comum de prescrição quinquenal das obrigações periódicas, referido na al. g) do art. 310º da mesma codificação.
Na situação reportada nos autos, constata-se que o prazo mais longo entre o período a que se refere a facturação e o envio da factura respeitante aos consumos da mesma constantes ascende a quatro meses, pelo que, consequentemente, se inverifica a ocorrência da excepção peremptória da prescrição de tais créditos, invocada pela Ré, créditos estes, que, em conformidade com o clausulado, vencem juros à taxa mensal da EURIBOR à data do vencimento de cada uma das facturas em dívida, acrescida de dois pontos percentuais.
VI – Assim, e como corolário do explanado, pode concluir-se:
- a prescrição a que se refere o n.º 1 do art. 10º da Lei n.º 23/96, de 26/07, tem natureza extintiva;
- a prescrição do direito de exigir o pagamento do preço respeitante ao fornecimento de energia eléctrica, referida naquele indicado normativo,
reporta-se ao prazo limite conferido ao prestador do serviço, para proceder ao envio ao respectivo utente da competente factura;
- no caso de tal facturação não ser recepcionada no decurso do indicado prazo, o utente goza da faculdade de invocar a prescrição extintiva do crédito do prestador;
- em caso de atempado envio da referida factura, inicia-se, a partir do incumprimento do pagamento da mesma constante, o decurso do prazo quinquenal a que alude a al. g) do art. 310º do CC.
VII – Perante o que vem de expor-se, acorda-se em conceder, em parte, a revista requerida, e, em consequência, revogando-se o Acórdão da Relação, condena-- se a Ré Empresa-B, SA a pagar à A a quantia de € 38.486,60 – trinta e oito mil quatrocentos e oitenta e seis euros e sessenta cêntimos – acrescida de juros de mora, calculados pela forma e à taxa clausulada, antecedentemente indicadas na parte final do item V.
Custas pelas partes, em todas as instâncias, na proporção dos respectivos vencimentos e decaimentos.
Lisboa, 24 de Maio de 2007
Sousa Leite (Relator)
Salreta Pereira
João Camilo