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IMPUGNAÇÃO PAULIANA
CADUCIDADE
CONTAGEM DE PRAZO
Sumário
I – O prazo de cinco anos, durante o qual é possível ao credor impugnar o acto celebrado em seu prejuízo, conta-se sempre a partir da data da sua celebração .
II – Mesmo que o acto impugnado esteja sujeito a registo, o prazo de cinco anos da caducidade da pauliana conta-se a partir da celebração do acto e não da sua inscrição no registo .
Texto Integral
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça :
No Tribunal Judicial de Guimarães, na execução ordinária em que é exequente AA e executado BB, foi penhorado o seguinte imóvel :
“ Prédio de dois andares, com cortes, barras, alpendre, eira e eido, sito no lugar de Paço de Cima, da freguesia de Brito, concelho de Guimarães, inscrito na matriz urbana sob o art. 204 e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº ....../....... “.
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À penhora desse imóvel veio CC, em representação das suas filhas menores, DD e EE, deduzir os presentes embargos de terceiro, pedindo seja reconhecida a propriedade das embargantes sobre o mencionado prédio .
Fundamentaram a sua pretensão no facto de terem adquirido o referido imóvel em 3-10-95, por doação, o terem registado em seu nome e ocuparem-no desde aquela data, dele fazendo a sua habitação, zelando pela respectiva conservação, pagando as respectivas rendas e impostos, colhendo os seus frutos, sem oposição de ninguém, com conhecimento de todos, sem interrupções, sendo que da mesma forma o fizeram os anteriores possuidores, entre eles o embargado .
O embargado AA contestou, arguindo a nulidade da doação, por simulação, e a ineficácia do acto da mesma doação, por impugnação pauliana .
Houve réplica, onde as embargantes invocam a caducidade do direito de dedução da impugnação pauliana e pedem a improcedência da simulação e da impugnação pauliana .
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No despacho saneador, o Ex.mo Juiz decidiu :
- Julgar procedente a excepção peremptória da caducidade, relativamente ao direito de impugnação pauliana, invocado pelo embargado AA, na sua contestação dos embargos de terceiro , relativamente à mencionada doação de 3-10-95;
- Relegar o conhecimento da excepção da simulação para a sentença final .
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Do despacho saneador, na parte em que julgou caduco o direito de impugnação pauliana, foi interposto recurso pelo embargado AA, que foi recebido como apelação, para subir a final (fls 140) .
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Realizado o julgamento e apurados os factos, foi proferida sentença que julgou procedentes os embargos de terceiro e, consequentemente, declarou reconhecida a titularidade, pelas embargantes, do direito de propriedade sobre o imóvel penhorado, pelo que foi ordenado o levantamento da respectiva penhora .
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O recurso da sentença final ficou deserto, por falta de alegações, mas a Relação de Guimarães, através do seu Acordão de 8-2-07, conheceu do recurso de apelação do despacho saneador, considerando correcta a decisão de julgar verificada a excepção peremptória da caducidade relativamente ao direito de impugnação pauliana da doação, pelo que negou provimento a esse recurso e confirmou a decisão recorrida .
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Recorreu o embargado, sendo o recurso recebido na Relação como sendo de agravo, mas mandado seguir neste Supremo como revista, após correcção da distribuição, por ser a espécie que lhe cabe, nos termos dos arts 692, nº2 e 721, nº1, do C.P.C.
O recorrente conclui :
1- Não se mostra registada a aquisição do prédio a favor das donatárias, DD e EE.
2 – Tendo sido efectuado o registo da penhora sobre o mesmo prédio antes de ser efectuado o registo da aquisição pelas donatárias, não se verifica qualquer obstáculo à eficácia da penhora
3 – Por tal motivo, a contagem do prazo de caducidade da impugnação pauliana deste acto sujeito a registo ( doação ) só deve iniciar-se com este.
4 – Razão porque ainda não caducou o prazo para arguir a impugnação pauliana, relativamente à invocada doação .
5 – Além disso, o recorrente alegou que só tinha tomado conhecimento da doação através da notificação dos embargos .
6 - Também por esta razão o prazo para arguir a impugnação pauliana só deverá iniciar-se com o conhecimento do acto a impugnar .
7 – Considera violados os arts 616 e 618 do C.C.
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As embargantes contra-alegaram em defesa do julgado .
Corridos os vistos, cumpre decidir .
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Remete-se para os factos que foram considerados provados no Acordão recorrido, de que se destacam os seguintes :
1- No dia 10 de Março de 1995, por escritura pública, BB doou às suas filhas, DD e EE o prédio urbano atrás identificado no relatório, tendo CC, com quem o doador era então casado, dado o seu consentimento a essa doação .
2 – Desde 4-10-02, encontra-se inscrita na Conservatória do Registo Predial de Guimarães uma penhora sobre o indicado prédio .
3 –AA veio arguir a impugnação pauliana da aludida doação, no articulado da contestação dos presentes embargos de terceiro, apresentado em 17-6-03.
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A questão a decidir consiste em saber a partir de que momento se deve iniciar a contagem do prazo para a arguição da impugnação pauliana da doação.
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O recorrente sustenta que, nos actos sujeitos a registo, o prazo para arguir a impugnação pauliana só caduca decorridos que sejam cinco anos, contados sobre a data da realização do mesmo registo, e que no caso do registo não ser efectuado, a caducidade só opera decorridos que sejam cinco anos sobre a data do conhecimento que do acto impugnável tenha quem exerce o mesmo direito .
A Relação, confirmando a decisão da 1ª instância, julgou que o direito de impugnação caduca ao fim da cinco anos, contados da data do acto impugnável .
Ora, a razão está com o Acórdão recorrido . Com efeito, o art. 618 do C.C. estabelece que o direito de impugnação pauliana caduca ao fim da cinco anos, contados da data do acto impugnável .
Atentos os prejuízos que a impugnação pauliana causa aos credores do adquirente e considerada mesmo a relativa severidade do seu regime em face dos próprios adquirentes, a impugnabilidade do acto caduca decorrido o prazo de cinco anos .
A relativa extensão deste prazo, quando comparada com o prazo de um ano, aplicável à anulação do acto com base em erro, dolo ou coacção, é compensada com a circunstância da sua contagem se fazer a partir da data do acto impugnável .
Outra era a solução fixada no art. 1045 do C.C. de Seabra, onde se estabelecia o prazo de um ano .
Tal prazo contava-se, não da data do acto, mas do momento da verificação judicial da insolvência do devedor, o que podia permitir que se tornasse muito prolongada a situação de incerteza em torno do acto impugnável .
A questão da contagem do prazo “a partir do acto” ou do “conhecimentodo acto” foi levantada na doutrina, no domínio do Código Civil de 1867 e nos trabalhos preparatórios do actual art. 618 do C.C.( Vaz Serra, Responsabilidade Patrimonial, Bol. 75-344) .
Vingou a tese da contagem do prazo a partir do acto impugnável, inspirada nas legislações estrangeiras, então vigentes na Alemanha, Suiça, Itália e Grécia, onde se fixava o prazo de cinco anos a partir do acto impugnável, independentemente dos credores poderem ignorar o respectivo acto .
O conhecimento dos credores acerca da realização do acto e da verificação dos requisitos legais da impugnação, como factores de que ficasse dependente o início da contagem do prazo para a impugnação pauliana, apresenta-se como incompatível com a desejável segurança jurídica ( Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. I, 4ª ed., pág. 636 ; Almeida Costa, Direito das Obrigações, 5ºed., pág. 733) .
De resto, não é normal que os credores ignorem por mais de cinco anos que o devedor praticou um acto em prejuízo deles, pois o prazo de cinco anos é um prazo razoável para se adquirir tal conhecimento .
Mesmo que o acto impugnado esteja sujeito a registo, o prazo de cinco anos de caducidade da pauliana conta-se a partir da celebração do acto e não da sua inscrição no registo ( Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. II, 5ª ed. pág. 461, nota 1, citando no mesmo sentido o Ac. da Relação do Porto de 29-4-86, publicado Col. Jur., XI, 2º, 205).
O registo do acto, mesmo quando exigível, não interfere com o referido efeito do início da contagem do prazo.
Isto porque não está em causa a validade do acto, que se mantém, já que ele não padece de qualquer vício interior que obste à sua validade e o seu sacrifício só releva na medida do interesse do credor impugnante ( art. 616, nº1, do C.C.) .
Assim, tendo a escritura de doação sido celebrada em 10 de Junho de 1995 e tendo a contestação com a invocação da impugnação pauliana desse negócio sido apresentada em 17 de Junho de 2003, é manifesto que caducou o direito de impugnação pauliana da mesma doação, por terem decorrido muito mais de cinco anos desde a prática do acto impugnável .
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Termos em que negam a revista.
Custas pelo recorrente .