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MANDADO DE DETENÇÃO EUROPEU
PRAZOS PARA A DECISÃO DEFINITIVA
RECUSA FACULTATIVA
DIREITOS DE DEFESA
Sumário
1- Os prazos do art. 26.º da Lei n.º 65/2003, de 23/8 para a decisão definitiva não são prazos peremptórios que impliquem necessariamente a caducidade da execução do mandado, no caso de não serem cumpridos. 2 - São prazos que procuram conciliar a celeridade com a necessidade de garantir os direitos fundamentais do procurado (liberdade e defesa), mas podem ser prorrogados por 30 dias por força de várias circunstâncias, nomeadamente, de interposição de recurso, informando-se a autoridade judiciária da emissão. 3 - No caso de circunstâncias excepcionais que impossibilitem o cumprimento dos prazos, a lei prevê que a Procuradoria-Geral da República informe a EUROJUST do facto e das suas razões. 4 - Se o atraso foi devido à necessidade de efectuar diligências que foram motivadas pela própria defesa do procurado, com vista ao completo esclarecimento da situação, nomeadamente para verificação de causa de recusa facultativa configurada na alínea b) do n.º 1 do art. 12.º e o procurado não foi beliscado nos seus direitos fundamentais, dando-se até o caso de se encontrar em liberdade, apenas sujeito a TIR e à obrigação de apresentações periódicas, então pode dizer-se que foram devidamente conciliadas aquelas duas vertentes do mandado de detenção europeu, não havendo razão para deixar de executar o mandado. 5 - Os direitos de defesa relativos ao processo que deu origem à emissão do mandado (como os relativos à existência ou não da infracção) são exercidos nesse processo e não no âmbito do mandado de detenção europeu.* * Sumário elaborado pelo relator
Texto Integral
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça
I. 1. Em cumprimento de Mandado de Detenção Europeu, com a referência E ..., difundido pelo juiz de instrução do Julgado de Instrução Num. 5, de Sevilha, através do Sistema de Informações Shengen (SIS), para efeito de procedimento criminal, no âmbito das Diligências Prévias n.º 6581/05 – 3, por haver indícios de autoria do crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido nos termos dos arts. 368.º a 370.º do Código Penal espanhol com uma pena até 13 (treze) anos e 6 (seis) meses de prisão, foi detido pela Polícia Judiciária, em 2/1/2007, na localidade de Paio Pires- Seixal -, o cidadão nacional AA, identificado nos autos.
Concretamente eram imputados ao detido os factos de, como titular da empresa portuguesa “P... C... & Filho – Transportes e Serviços, L.da”, ter proporcionado veículos de carga e ter alugado bens imóveis que foram utilizados posteriormente para ocultação e preparação de droga. Sendo a empresa que gere proprietária do tractor 90-27-V, reboque C-57457, este foi utilizado para a recepção e transporte de material igual ao empregado na embalagem e camuflagem do estupefaciente apreendido até ao momento, para a recepção e transporte de material igual ao empregado na embalagem e camuflagem do estupefaciente apreendido, desde a empresa V..., na localidade de Badajoz, até Alcalá de Guadaira, de destino a que não chegou por haver sido avisada que havia um dispositivo policial em redor do polígono industrial La Red de Alcalá de Guadaira.
2. Apresentado ao Tribunal da Relação de Lisboa, foi o detido ouvido no dia 4/1/2007, nos termos do art. 18.º da Lei n.º 65/2003, de 23/8, tendo-se oposto à execução do mandado e declarado não prescindir do benefício da especialidade.
No final, foi validada a detenção, mas o detido foi restituído à liberdade, por se ter entendido que, estando embora indiciado um crime de tráfico de estupefacientes, mas tendo o detido um modo de vida definido, seria bastante à satisfação das exigências cautelares a sujeição às obrigações decorrentes do termo de identidade e residência (TIR) e à obrigação de apresentação periódica às autoridades policiais.
Foi ainda concedido prazo para dedução de oposição e foram solicitadas informações ao processo com o NUIPC 200/06. OJELSB, a correr termos pela Polícia Judiciária, com o intuito de se apurar exactamente se os factos objecto de tal processo eram coincidentes com os que determinaram a emissão de Mandado de Detenção Europeu.
3. A oposição assentou no facto alegado de o MDE não ter por objecto uma verdadeira infracção, pois os factos imputados ao procurado não só não constituíam qualquer crime, como não foram por si praticados.
Para além disso, foi alegado que o MDE não continha a descrição das circunstâncias em que teria sido praticada a conduta alegadamente infractora, nem o momento ou o lugar em que teria ocorrido (alínea e), do n.º 1, do art. 3.º da referida Lei n.º 65/2003).
E sustentou-se que devia ser recusada a execução do MDE, ao abrigo da alínea b) do n.º 1, do art. 12.º da mesma Lei, por correr um processo – o já referido em 2. , pelos mesmos factos mencionados no MDE, no âmbito do qual o procurado já havia prestado declarações à Polícia Judiciária.
O procurado limitou-se, segundo alegou, a mandar efectuar o transporte para que tinha sido contratado, através da bolsa de transportadores existente na Internet, pela empresa espanhola Bacotrans.
Juntou prova documental e requereu a audição de testemunhas, que foram inquiridas.
4. No final destas diligências, foi proferido acórdão, em 3 de Maio passado, em que foi decidido deferir a execução do MDE, para efeito de procedimento criminal, no âmbito das diligências prévias n.º 6581/05 – 3, pela autoria do crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelos arts. 368.º a 370.º do Código Penal espanhol, ordenando-se a passagem de mandados de detenção contra o procurado AA, após trânsito em julgado da decisão, para que fosse acautelada a subsequente entrega à autoridade judiciária que emitiu o MDE.
5. Desta decisão recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça o referido AA, concluindo: O mandado de detenção europeu de que o requerido é objecto nãoa traduz a concretização objectiva de factos circunstanciados que lhe possam ser imputados. O MDE não diz que veículos de carga foram proporcionados, nem diz que bens imóveis (nem onde, nem quando) foram arrendados, nem igualmente diz em que circunstâncias de modo, momento e lugar, ou conduta dolosa do requerido contribuía para qualquer facto delituoso. Nem é claro o MDE quanto ao momento, lugar e grau de participação do requerido na infracção. O requerido, enquanto gerente de uma empresa de transportes, executa, desde o escritório, os serviços que, no estrangeiro, lhe são solicitados, sem qualquer intervenção no transporte ou sequer o mínimo contacto com a mercadoria transportada. Ao requerido nem sequer é imputada qualquer intervenção no transporte ocorrido em 24/3/2007. Nem mesmo é apontada qualquer ilicitude em relação ao material transportado (papel para impressão). Os factos imputados ao requerido, em si mesmos, não constituem qualquer crime.
O douto acórdão recorrido fez errada interpretação e aplicação do disposto na alínea e) do n.º 1, do art. 3.º da Lei 65/2003.
E igualmente deverá ser recusado o cumprimento do mandato, dado que se encontram excedidos os prazos dos n.ºs 2 e 3 do art. 26.º da Lei 65/2003.
6. Respondeu o Ministério Público junto do tribunal “a quo”, defendendo o não provimento do recurso.
II. 7. A situação de facto relevante é a que já foi descrita em 1.
8. Como se vê pelo teor da motivação de recurso, as questões postas são exactamente as mesmas que foram objecto da oposição ao pedido de entrega e que foram analisadas na decisão sub judicio. Apenas acresce agora o motivo do excesso do prazo, que não foi alegado na Relação.
Por conseguinte, as questões são:
- Não cumprimento do disposto na alínea e) do n.º 1, do art. 3.º da Lei n.º 65/2003;
- O procurado, enquanto gerente da empresa de transportes não tem interferência no transporte de mercadorias, nem contacto com estas;
- Não é apontada qualquer ilicitude em relação ao material transportado, nem ao comportamento do procurado.
- Excesso dos prazos do art. 26.º 8.1. Antes de mais, comecemos pela questão do excesso dos prazos previstos para a decisão definitiva, visto que se trata de questão prévia.
Com efeito, determina o n.º 2 do art. 26.º que a decisão definitiva sobre a execução do mandado deve ser tomada no prazo de 60 dias após a detenção da pessoa procurada e o n.º 3, que, quando o mandado de detenção não puder ser executado naquele prazo, nomeadamente por ter sido interposto recurso da decisão proferida, a autoridade judiciária da emissão será informada do facto e das suas razões, podendo os prazos ser prorrogados por mais 30 dias.
Ora, acontece que o prazo de 60 dias foi excedido, sem que se tivesse informado a autoridade judiciária competente, para que eventualmente pudesse ser prorrogado tal prazo por mais 30 dias.
Só no nonagésimo dia após a detenção é que o Ministério Público promoveu que fosse informada a PGR e a Eurojust, nos termos do n.º 5 daquele preceito, segundo o qual “Sempre que, devido a circunstâncias excepcionais, não for possível cumprir os prazos fixados (…) a Procuradoria-Geral da República informará a Eurojust do facto e suas razões.
E, no dia 5/4/2007, o Sr. Juiz Relator, deferindo o promovido, mandou informar a PGR, inquirindo posteriormente as testemunhas e vindo o acórdão recorrido a ser proferido no referido dia 3 de Maio de 2007.
Ora, o processo relativo ao MDE, na opinião abalizada de ANABELA MIRANDA RODRIGUES (RPCC, Ano 13, n.º 1, p. 27 e segs.) tem como um dos aspectos mais importantes “o que diz respeito à simplificação do processo de entrega, com vista à aceleração do processo, ligado à sua judiciarização. O que tudo contribui para melhorar significativamente a posição jurídica da pessoa que é objecto do mandado, em relação ao tradicional processo de extradição.”
E, mais adiante, sustenta a mesma Autora: “À protecção da posição jurídica da pessoa procurada que esta judiciarização significa, acrescenta-se, além disso, a que é assegurada através da garantia de direitos conferidos à pessoa quando for detida (…)” E: “A judiciarização total do processo, entretanto, não assegura, por si só, a celeridade e a eficácia da execução. Esta alteração das coisas é ainda acompanhada pela fixação de regras quanto a prazos para a decisão e para a entrega da pessoa (…) Torna-se evidente que, quanto m ais rápido for o processo de extradição, mais depressa estará em condições de exercer os seus direitos de defesa quanto à imputação criminosa e de eventualmente ser libertada”
Por outro lado, como resultado da simplificação do processo e do princípio da confiança mútua entre países que fazem parte de um mesmo espaço europeu, no qual se tende também para a livre circulação das decisões judiciárias, sendo que o mandado de detenção europeu se configura como uma dessas decisões, as relações que se estabelecem são entre o país da emissão e o país da execução, sem que a este compita mais do que dar execução ao mandado, desde que cumpridas regras e princípios indispensáveis.
Ora, no que aos prazos do art. 26.º se refere, deve dizer-se que estes prazos, tal como estão configurados na lei, não têm natureza peremptória. A própria lei admite (n.º 3 do art. citado) que o prazo de 60 dias estabelecido para ser proferida decisão definitiva pode ser prorrogado por mais 30 dias, nomeadamente por ter sido interposto recurso, devendo informar-se a autoridade judiciária da emissão. E o n.º 5 do preceito vai mais longe, prevendo que, sempre que, devido a circunstâncias excepcionais, não for possível cumprir os prazos fixados, a Procuradoria-Geral da República informará a EUROJUST do facto e suas razões.
O que se pretende, portanto, é assegurar a celeridade da providência em consonância com a garantia dos direitos do procurado, nomeadamente os direitos de defesa.
Mas precisamente por isso, se por força de recurso interposto ou por qualquer circunstância mais fora do comum e sem menosprezo dos direitos fundamentais à liberdade e à defesa, não for possível cumprir aqueles prazos, não se segue daí que o mandado de detenção europeu já não possa ser executado. E tanto assim é, que o n.º 5 do citado art. 26.º prevê, como se disse, a existência de circunstâncias excepcionais que possam impossibilitar o cumprimento dos prazos, bastando que a PGR informe a EUROJUST do facto e das suas razões.
No caso sub judice, há até razões a considerar que contrariam a pretensão do recorrente:
As diligências que foram empreendidas foram motivadas pela própria defesa dele e foram levadas a cabo para o completo esclarecimento da situação, nomeadamente para verificação de causa de recusa facultativa configurada na alínea b) do n.º 1 do art. 12.º;
O recorrente não foi beliscado nos seus direitos fundamentais, antes pelo contrário, pois, por um lado, procurou salvaguardar-se a hipótese de pendência de processo pelos mesmos factos em Portugal e, por outro, o recorrente encontra-se em liberdade, apenas sujeito a TIR e à obrigação de apresentações periódicas.
Por conseguinte, a necessidade de celeridade, conjugada com as garantias de defesa e de liberdade do recorrente foram conciliadas, de forma a extrair-se delas o máximo proveito possível, segundo um princípio de optimização dentro das implicações conflituais que uma e outra reclamam nas suas específicas imposições.
É certo que se deixou ultrapassar o prazo de 60 dias, sem que se tivesse informado a autoridade judiciária da emissão, mas esse lapso não poderia ter por efeito a “caducidade” do mandado, tendo em vista que tal prescrição se destina a dar conhecimento àquela entidade das razões da demora, de forma a haver um controle, desde logo, por parte dela, dos dois princípios basilares já focados, que são a celeridade e as garantias de defesa do procurado.
Assim, a ultrapassagem dos referidos prazos não pode deixar de ser havida como justificada, não tendo, por isso, quaisquer efeitos, nomeadamente de caducidade, sobre a execução do mandado de detenção europeu.
8.2. Nas restantes questões, não podemos deixar de acompanhar a decisão da Relação de Lisboa.
Assim, no tocante, em primeiro lugar, à existência de causa de recusa facultativa, não ocorre de todo a que foi invocada: existência de processo pendente em Portugal sobre os mesmos factos.
Na verdade, ficou demonstrado através das diligências empreendidas, que deram como resultado a remessa pela Polícia Judiciária e junção aos autos de documentos perfeitamente esclarecedores a esse nível.
Com efeito, o processo NUIPC 200/06.0JFSLB, no âmbito do qual o recorrente foi ouvido e que foi arquivado, não tinha o mesmo objecto do mandado de detenção europeu. Com efeito, enquanto que naquele se averiguava o crime de tráfico de estupefacientes praticado em Portugal e do qual era apontado como um dos autores o recorrente, o mandado de detenção europeu é para procedimento criminal por crime de idêntico teor, mas ocorrido em território espanhol. Não se verifica, pois, a citada causa de recusa facultativa, pelo que improcede a alegação do recorrente.
8.3. Quanto ao cumprimento da alínea e) do n.º 1 do art. 3.º da lei n.º 65/2003, também não podemos deixar de dar razão à decisão recorrida.
Com efeito, a descrição dos factos foi feita no mandado, como consta acima, do 2.º parágrafo do n.º 1.
Não obstante poder ser mais pormenorizada tal descrição, a verdade é que a infracção foi identificada (tráfico de estupefacientes); o agente foi precisamente identificado; a conduta típica foi caracterizada – o facto de o recorrente ter proporcionado veículos de carga e alugado bens imóveis que foram posteriormente utilizados para ocultar e preparar droga e a utilização de uma tractora com reboque que foi também utilizada para a recepção e transporte de material igual ao empregado na embalagem e camuflagem de estupefaciente que tinha sido apreendido até ao momento; as circunstâncias temporais foram referidas com a precisão possível (até ao momento – e este não pode deixar de se reportar ao momento do próprio mandado); o local dos factos, pelo menos de parte deles, foi precisado: desde a empresa V..., na localidade de Badajoz, até Alcalá de Guadaira.
Por conseguinte, também aqui claudica a objecção do recorrente.
8.4. Quanto ao mais alegado – não haver ilicitude em relação ao material transportado e o recorrente não ter tido qualquer interferência no transporte ocorrido em 24//07, nem costumar ter qualquer intervenção nos transportes ou o mínimo contacto com as mercadorias transportadas -, trata-se de matéria que não deve ser apreciada pela entidade de execução, sendo como é matéria de defesa, que é mais adequado exercitar no âmbito do próprio processo existente no país da emissão.
Assim tem decidido, com efeito, de modo unânime este STJ, podendo ver-se a título de exemplo o acórdão de 13/1/2005, Proc. n.º 71/05, da 5.ª Secção.
À autoridade judiciária do país da execução compete apenas verificar se o mandado contém as informações constantes do art. 3.º e ver se ocorre qualquer causa de recusa obrigatória (art. 11.º) ou facultativa (art. 12.º).
Esta limitação é uma decorrência dos princípios mais atrás enumerados, que se baseiam na recíproca confiança, na aceitação do direito dos países membros da Comunidade Europeia como sendo permeado pelos valores fundamentais de que comungam todos os Estados dessa Comunidade, na criação de um espaço comum europeu em matéria de justiça, em que as decisões judiciais dos Estados membros circulem livremente.
Ora, no caso, todos os requisitos do art. 3.º se encontram cumpridos e não ocorrem, como se disse, causas de recusa, quer de carácter obrigatório, quer facultativo.
Deste modo, nada há a apontar à decisão recorrida.
III. 9. Nestes termos, acordam em conferência no Supremo Tribunal de Justiça em negar provimento ao recurso interposto por AA, confirmando-se integralmente a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente com 7 UCs. de taxa de justiça.