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DIVÓRCIO LITIGIOSO
CULPA
ÓNUS DE ALEGAÇÃO
ÓNUS DA PROVA
Sumário
Só é causa de divórcio a violação culposa dos deveres conjugais, ao cônjuge autor, nas acções de divórcio com fundamento na violação dos preditos deveres, cabendo alegar e provar a culpa do cônjuge demandado (artº 342º nº 1 e 1779º nº1 do CC).
Texto Integral
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
I. a) A 01-05-22 (cfr. carimbo aposto a fls. 1 e art. 267º nº 1 do CPC), AA intentou acção, com processo especial, de divórcio litigioso, contra sua mulher BB, impetrando, por sustentada violação grave e reiterada dos deveres conjugais de fidelidade, respeito e coabitação, por banda da demandada, repousante no que fls. 1 a 14 evidenciam, aquela comprometendo irremediavelmente a possibilidade de vida em comum, o decreto da dissolução, por divórcio, do seu casamento celebrado a 82-06-24, com declaração da requerida-mulher, como única e exclusiva culpada, bem como a condenação da ré a pagar-lhe indemnização, por danos não patrimoniais, causados pela dissolução do casamento, em "quantum" não inferior a Esc. 2.500.000$00.
b) Frustrada designada tentativa de conciliação, a ré, para tanto notificada, não contestou a acção.
c) Elaborado despacho saneador tabelar, seleccionada a matéria de facto considerada assente e organizada a base instrutória, após designação da data para a efectivação da audiência de discussão e julgamento, ao silêncio se tendo remetido o autor, BB, a 04-01-22, requereu que o divórcio fosse decretado "com fundamento na separação de facto por três anos consecutivos (alínea a) do art. 1781º do C.C.) ou na separação de facto por um ano, dado que o divórcio foi requerido pelo Autor sem oposição da Ré, nos termos da citada alínea b) do art. 1781º do Código Civil."
d) Observado o demais legal, veio a ser proferida sentença decretando o divórcio entre o autor e a ré, declarando-se esta exclusiva culpada, e, não se tendo fixado qualquer indemnização ao demandante, determinou-se que os efeitos do divórcio se retrotraíssem à data em que cessou a coabitação entre os cônjuges, fixando-se essa data em 01-01-31.
e) Com o sentenciado se não tendo conformado, apelou a ré, sem êxito, já que o TRL, por acórdão de 06-10-26, como ressalta de fls. 351 a 369, julgou improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida.
f) Ainda irresignada, é do predito acórdão que BB traz revista, rematando a sua alegação com as seguintes
CONCLUSÕES:
1 - Recorrente e Recorrido casaram em 24.07.1982, havendo dois filhos nascidos na constância do casamento e estando o exercício do poder paternal regulado;
2 - Ficou provado no processo que a Recorrente foi vitima da violência doméstica por parte do Recorrido, havendo várias queixas crime contra o Recorrido;
3 - Conforme depoimento de testemunhas do Recorrido que se encontram gravados na 5ª cassete, o Recorrido agrediu fisicamente, por várias vezes, a Recorrente e injuriou-a, chamando-lhe: puta, filha da puta; cabra e vaca;
4 - É o próprio Recorrido que confessa nos art.s 29º e 30º da Contestação da Providência cautelar de Alimentos Provisórios, no processo anexo ao Divórcio com o nº 326-C/2001 e que é o Doc. 1, junto com as alegações do Recurso de Agravo, de 3 de Junho de 2004; que o próprio Recorrido se descontrolava "tendo mesmo (a Recorrente) apresentado diversas queixas crime por alegadas agressões que ainda se encontram em fase de inquérito. "E no art. 31º da mesma Contestação (cfr. Doc. 1 das mencionadas alegações do recurso, de 3.6.2004), diz:
"Tudo isto se passou numa aldeia, em que toda a gente se conhece e tudo se comenta.";
5 - Na resposta ao quesito 23º da Base Instrutória ficou provado apenas que a Recorrente foi viver com os dois filhos para a localidade da Freixieira, perto da Malveira e, ainda, com o esclarecimento que tal ocorreu em data não apurada do mês de Janeiro de 2001 porque o Recorrido correu com a Recorrente da casa de morada de família para fora, não querendo viver com a Recorrente;
6 - Só assim se compreende que o Recorrido tenha levado peças de mobiliário, electrodomésticos e roupas, como ficou provado; E,
7 - Ficou provado no quesito 25º da Base Instrutória que "o Autor levou-lhe ainda alguns outros electrodomésticos" ; Ora,
8 - E quando a Recorrente se encheu de coragem e regressou a casa de morada de família, contra a vontade do Recorrido, este Recorrido abandonou o lar conjugal e é a Recorrente quem reside actualmente no lar conjugal; Assim,
9 - Também ficou provado o abandono do lar conjugal por parte do Recorrido;
10 - Na audiência de Julgamento todas as testemunhas do Recorrente disseram que estavam de relações cortadas com a Recorrente e não falavam com a mesma Recorrente e o Tribunal não atendeu a este facto relevante, dando como verdadeiros os seus depoimentos;
11 - Ao contrário do que ficou provado, o Recorrido não é pessoa sensível nem educada porque praticava a violência doméstica, batendo na Recorrente e chama-lhe puta, filha da puta, cabra e vaca;
12 - Como já referido, a Recorrente era vítima da violência doméstica, como ficou provado no processo, sendo o Recorrido o único culpado do divórcio, violando o art. 1672º do C.C.;
13 - A Recorrente não contestou a acção de divórcio por culpa do seu mandatário forense, à data da contestação; Mas
14 - A Recorrente fez, em 29 de Janeiro de 2004, a fl. 106, um requerimento em que requereu, com a concordância do Recorrido, porque não contestou esse requerimento que estavam separados de facto, há mais de três anos consecutivos, isto é, desde 15 de Janeiro de 2001, e que fosse decretado o divórcio, nos termos das alíneas a) e b) do art. 1781º do C.C.;
15 - O referido requerimento foi de 29 de Janeiro de 2004 e o Julgamento correu em 30 de Abril de 2004, conforme se pode verificar, a fls. 124 do processo;
16 - Conforme Jurisprudência seguida duma sentença do Tribunal de Círculo de Portalegre, a fls. 194 a 196, a culpa não é relevante, tendo tão somente que se verificar a constatação da ruptura; Os Cônjuges Recorrido e Recorrente há muito tempo que cessaram a vida em comum, encontrando-se separados de facto - a Recorrente na casa de morada de família e o Recorrido numa casa na Quinta da Marquesa, ...-...-...-...-2510-744 Gaeiras, estando separados de leito, mesa e habitação e há da parte de ambos a intenção de não restabelecer a vida em comum, verificando-se, assim, que o casamento entre Recorrido e Recorrente há muito que fracassou; Efectivamente,
17 - Conforme diz Antunes Varela in "Direito de família" "Petrony, 1993, pág. 448, o divórcio pode fundar-se numa conduta culposa de um ou de ambos os cônjuges, ou, independentemente da existência de culpa, no processo do casamento, na cessação de affectio maritalis - situação esta que está prevista no art. 1781º do C.C.";
18 - Do casamento, celebrado em 24.07.1982 e na constância desse casamento, há dois filhos menores que vivem com a mãe, ora Recorrente, na casa de morada de família e está regulado o exercício do poder paternal;
19 - O Tribunal não se pronunciou, nem o acórdão recorrido, do requerimento em que se requereu, com a concordância do Recorrido, o decretamento do divórcio com fundamento nas alíneas a) e b) do art. 1781º do C.C.;
20 - Provadas que foram as injúrias praticadas pelo Recorrido em que chamou puta, filha da puta, cabra e vaca à Recorrente e em que ficou provada a violência doméstica em que o Recorrido bateu na Recorrente, existindo vários processos crimes, não restam dúvidas que o Recorrido é o único culpado do divórcio; Além disso,
21 - Também ficou provado o abandono do lar conjugal, por parte do Recorrido e que só por si, também é causa de divórcio;
22 - O Recorrido foi o único culpado do divórcio;
23 - Face ao exposto o acórdão recorrido é nulo por ter violado as alíneas c) e d) do nº 1 do art. 668º do C.P.C. e os art.s 1781º e 1787º ambos do Código Civil, devendo ser revogado e substituído por outro que decrete o divórcio entre Recorrente e Recorrida, nos termos das alíneas a) e b) do art. 1781º do C.C., considerando o Recorrido o único culpado.
g) Não foi contra-alegada a revista.
h) Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
II. Eis como se configura a materialidade fáctica dada como assente no acórdão impugnado, doravante tão só denominado por "decisão":
a) Autor e Ré casaram um com o outro em 24/6/82.
b) Na constância do matrimónio nasceram dois filhos: CC e DD, nascidos, respectivamente, a 1/6/97 e 5/12/2000.
c) A mesma foi vista, por diversas vezes, com um homem, de nome EE.
d) A Ré disse ao Autor, no início do mês de Janeiro (2001), que pretendia ir viver com outro homem.
e) Ainda no mês de Janeiro, encontrou-se com o tal EE.
f) A Ré foi vista com o EE na localidade de Atouguia da Baleia, em data não apurada, mas anterior à sua saída da residência do casal.
g) Nos dias em que o Autor estava ausente, era visto, próximo da residência do casal, um veículo de marca Mercedes.
h) O veículo pertencia ao indivíduo chamado EE.
i) Em data não apurada do mês de Janeiro de 2001, a Ré foi viver, com os dois filhos, para a localidade de Freixieira, perto da Malveira.
j) O Autor, acedendo a um pedido da Ré, mandou entregar-lhe diversas peças de mobiliário, electrodomésticos e roupas.
l) Levou-lhe ainda alguns outros pequenos electrodomésticos.
m) O Autor é pessoa sensível e educada.
n) O mesmo sentiu-se ultrajado, humilhado, enganado publicamente e desrespeitado.
o) A seguir à saída da Ré da residência do casal, e durante vários meses, o Autor teve dificuldades em trabalhar e em enfrentar as pessoas na rua.
p) A partir de Fevereiro/Março de 2001, e durante cerca de um ano, foi acompanhado por psicóloga, sua familiar.
q) Devido ao estado emocional em que ficou depois de a Ré ter saído de casa, o Autor teve dificuldades em conduzir.
r) Por causa disso, o Autor contratou uma pessoa para conduzir.
s) O mesmo dedica-se à venda ambulante, ausentando-se para Sines, pelo período de segunda a quinta-feira, na primeira semana de cada mês.
III. Antes de se passar à enunciação da factualidade que como definitivamente fixada se tem, certo sendo que as conclusões da alegação do recorrente delimitam o âmbito do recurso (art.s 684º nº 3 e 690º nº 1 do CPC), dir-se-à, liminarmente, visto o teor das conclusões 2ª a 12ª e 20ª a 21ª da alegação da revista:
Não se está, é líquido, ante caso excepcional previsto no art. 722º nº 2 do CPC, nem cabida é a aplicação do nº 3 de tal artigo de lei.
Não podendo, consequentemente, ser alterada a decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto art. 26º da Lei nº 3/99, de 13 de Janeiro, e art. 729º nºs 1 e 2 do CPC), a supracitada factualidade é a relatada em II., a qual, por manifestamente despiciendo isso ser, se não reescreve.
IV . 1. Das arguidas nulidades da "decisão":
a) No tocante à vazada na al. c) do nº 1 do art. 668º do CPC, preceito aplicável por mor do disposto no art. 731º nº 1 do mesmo Corpo de Leis.
Só acontece tal nulidade, à colação chamando as palavras de Alberto dos Reis, in "Código de Processo Civil Anotado", vol. V. pág. 141, quando a construção da "sentença é viciosa, por os fundamentos invocados pelo juiz conduzirem, logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto", quando, enfim, há um vício real no raciocínio do julgador, não simples "lapsus calami".
É esse vício gerador de nulidade que não se antolha, patentemente.
O divórcio litigioso, sim, na hipótese vertente, foi decretado, por, sem o aludido vício de raciocínio, face à factualidade apurada e ao disposto nos art.s 1672º e 1779º do CC outra, com acerto, não poder ser a solução, entendeu o julgador que houve por acontecida grave e culposa violação dos deveres conjugais de respeito e de coabitação, por parte de BB, "comprometedora da manutenção da relação conjugal."
Se com acerto, ou não, nos moldes noticiados se decidiu, é questão outra.
Há que não confundir nulidade da decisão com erro de julgamento!...
b) Da arguida omissão de pronúncia (conclusão 19ª da alegação) - art. 668º nº 1 d) - 1ª parte - do CPC:
Estamos ante nulidade que resulta da infracção do dever consignado no 1º período do nº 2 do art. 660º do CPC.
O TRL, ao contrário do afirmado pela ré, deixou explicitado, por forma pródiga, adite-se, o porquê de, "in casu", ser defeso decretar o divórcio com fundamento no vertido nas als. a) e b) do art. 1781º do CC (cfr. fls. 368).
Mais não é preciso dizer em prol da evidenciação do demérito, ainda, da arguição da nulidade da "decisão" em apreço.
Prosseguindo:
2. a) Pelos fundamentos da "decisão" constantes, a fls. 368, que, "in totum", sufragamos, para os mesmos remetendo, ao abrigo do art. 713º nº 5 do CPC, por via do art. 726º do mesmo Código aplicável, falece a pretensão recursória de revogação da "decisão" e da sua substituição por acórdão "que decrete o divórcio entre Recorrente e Recorrida, nos termos das alíneas a) e b) do art. 1781º do C.C.".
b) Culpa única, exclusiva, do autor na dissolução do casamento, no divórcio (conclusão 22ª da alegação)?
A ré, evidentemente, só tal afirma, porque "quer" como provada toda uma panóplia de factos que quedam indemonstrados e nem alegados, no momento, para tanto, processualmente azado, foram!...
Só que, reafirma-se, é inalterável, por este Tribunal, a decisão quanto à matéria de facto.
c) Da bondade do ditado divórcio litigioso com culpa exclusiva da ré:
1. Considerações Preliminares:
Os cônjuges estão reciprocamente vinculados pelos deveres de respeito, fidelidade, coabitação, cooperação e assistência (artigo 1672º do CC).
O dever (conjugal) de coabitação compreende a obrigação dos cônjuges viverem em comum, sob o mesmo tecto e, sobretudo, o chamado débito conjugal (relações sexuais) - cfr. A. Varela, in "Direito da Família", 2ª Edição, 1987, pág. 328, e Abel Delgado, in "Direito da Família", 2ª Edição, 1987, pág. 328, e Abel Delgado, in "O Divórcio", 2ª Edição, 1994, pág. 73.
O dever (conjugal) de respeito, ao mesmo tempo negativo e positivo, envolve a obrigação de cada um dos cônjuges não praticar actos que ofendam a integridade física ou moral do outro, a honra do outro, a "honra em geral e aquela honra especial ligada ao casamento" (Abel Delgado, in obra citada, págs. 60 e 61) - cfr. Acs. STJ, de 10-10-06 e 22-02-07, docs. nºs SJ200610100027366 s SJ200702220043847, respectivamente, disponíveis, in www.dgsi.pt/jstj.
Só a violação culposa de algum desses deveres, comprometedora da possibilidade da vida em comum, pela sua gravidade ou reiteração, constitui fundamento para o divórcio (art.s 1672º e 1779º do CC).
Considera-se comprometida a possibilidade de vida em comum, consoante recordada em Ac. deste Tribunal, de 20-01-04 (doc. nº SJ200406290022026, disponível in www.dgsi.pt/jstj.), quando a convivência se torna intolerável, de tal modo, para o cônjuge ofendido, que não é razoável exigir-lhe a continuação do matrimónio.
É ao cônjuge autor ( ou R. reconvinte) que incumbe alegar e provar a culpa do cônjuge requerido nas acções de divórcio ou de separação de pessoas e bens, com fundamento em violação dos deveres conjugais (art.s 342º nº 1 e 1779º nº 1 do CC) -cfr. Assento de 26-01-94, do STJ, hoje com o valor que o art. 17º nº 2 do DL nº 329-A/95, de 12 de Dezembro, assinalada, referido Ac. de 10-10-06, entre muitos outros, bem como: Antunes Varela, in "Direito da Família", 1º Volume, 5ª Edição-Revista, actualizada e completada -1999-, págs. 495 a 497, Francisco Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, in "Curso de Direito da Família", 2ª Edição, 2001, págs. 617 e segs. do vol. I, e Carlos Matias, in "Da culpa e da inexigibilidade de vida em comum no divórcio", Temas de Direito da Família (Coimbra, 1986, págs. 75 e segs.
Culpabilidade, na ligação de Pessoa Jorge, é "a qualidade ou conjunto de qualidades do acto que permitem formular, a respeito dele, um juízo ético-jurídico de reprovação ou censura (...)", não se confinando à simples verificação da vontade de praticar o acto ilícito, pois tem de atender também à motivação do agente; só à luz desta será possível emitir algum juízo de valor ético-jurídico" (in "Ensaio Sobre os Pressupostos da Responsabilidade Civil", págs. 315 e 319).
Quanto à culpa do cônjuge na acção de divórcio, escreveu Miguel Teixeira de Sousa, in "O Regime Jurídico do Divórcio", Almedina, 1991, págs. 57 e 58:
"Dado que o dolo e a negligência, como elementos da ilicitude da conduta, absorvem a relação psicológica do agente com essa conduta, para a culpa fica reservada uma apreciação normativa ou valorativa sobre a atitude ou motivação interior do agente (...).
A culpa decorre de um juízo de censurabilidade sobre a conduta do cônjuge, em cuja formulação devem ser consideradas as condições que justificam que lhe seja dirigida essa censura. A censurabilidade da conduta é uma apreciação do desvalor que resulta do reconhecimento de que o cônjuge, nas circunstâncias concretas em que actuou, poderia ter conformado a sua conduta de molde a assegurar a satisfação do dever conjugal cujo cumprimento lhe era exigível nesses mesmos condicionalismos.
A censurabilidade do comportamento do cônjuge é um juízo feito pelo tribunal sobre a atitude ou motivação desse cônjuge, segundo o que pode ser deduzido dos factos provados (...).
Na formulação desse juízo de censurabilidade o tribunal, tal como na graduação da culpa de cada um dos cônjuges, deve utilizar regras de experiência e critérios sociais".
"Agir com culpa significa actuar em termos de a conduta do agente merecer a reprovação ou censura do direito. E a conduta do lesante é reprovável, quando, pela capacidade sua e em face das circunstâncias concretas da situação, se concluir que ele podia e devia ter agido de outro modo" (Antunes Varela, "Das Obrigações em Geral", 7ª Edição, Almedina, vol. I, págs. 554 e 555).
Esta solução normativa - a identificação da culpa do demandado como um elemento constitutivo do direito do autor-, não é, mesmo, uma especificidade do direito ao divórcio com fundamento em violação de dever(es) conjugal (ais).
Efectivamente:
Surge-nos no domínio da responsabilidade civil por actos ilícitos (art. 487º nº 1 do CC).
A regra é, consequentemente, mesmo fora do domínio do divórcio litigioso filiado no predito, a de que incumbe ao titular do direito violado a prova da culpa do lesante, por ser elemento constitutivo daquele, o que, outrossim, note-se, sucede nas hipóteses em que, a favor do lesado, existe uma presunção de culpa do lesante (cfr. art. 799º nº 1 do CC).
A enunciada solução não faz, urge tal não obliterar, incidir sobre o cônjuge autor um encargo probatório demasiadamente gravoso, indúbio como é que não terá aquele de trazer ao processo mais do que "dados ou circunstâncias que permitam ao juiz, de acordo com as regras da experiência, formar uma convicção positiva sobre a culpa do cônjuge réu na violação dos deveres conjugais invocada" (Francisco Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, in obra citada, pág. 622).
2. Em retorno à hipótese vertente:
a) Quanto à, na "decisão", afirmada violação do dever de coabitação, comprometedora da relação conjugal, "evidenciando o propósito de ruptura não só da comunhão de habitação, mas sobretudo de vida", na qual também se alicerçou o demérito da apelação:
Antes de mais:
Como destacado no já nomeado Ac. de 10-10-06, outro não sendo o entendimento de Miguel Teixeira de Sousa (cfr. obra citada, pág. 66), "não é possível constatar a existência de uma regra de experiência social que permita a ilação (presunção) de que a violação objectiva do dever de coabitação é culposa."
Pois bem.
Do provado - cfr. II c) a i) -, não é possível formular um juízo de censura da sua conduta - saída do lar conjugal -, já que não estão provadas as circunstâncias concretas que levaram a ré a aquela assumir, tal inviabilizando, claramente, a atribuição da culpa.
Os factos apurados, por seu turno, são seguramente insuficientes para, mesmo através do recurso às regras de experiência, se poder concluir que a ré agiu culposamente quando deixou o lar conjugal.
Note-se que não está provado que BB foi viver, com os dois filhos, para a localidade de Freixieira, perto da Malveira, na companhia do "EE" ou de qualquer outro homem, ou para, assim agindo, na constância do casamento com AA, sem que este pela sua conduta a tal tivesse dado azo, manter "trato carnal" com outrem, que não o marido.
Destarte, ponderado o dilucidado em 1. que antecede, tendo, volta a afirmar-se, o autor o ónus da prova da culpa do cônjuge infractor do dever conjugal de coabitação, no âmbito e para os efeitos do nº 1 do art. 1779º do CC, com menos acerto aconteceu o decreto de divórcio litigioso assente na violação de tal dever conjugal, pela ré.
b) O referido em II c), e) a h), ao contrário do defendido na "decisão", não se mostra violador do dever de respeito devido ao autor.
O ser a ré vista com um homem, de nome EE, por diversas vezes, embora, o ter-se encontrado com ele, em Janeiro de 2001, em circunstâncias não apuradas, não viola qualquer dever conjugal, desconhecida que é, frise-se, qualquer relação porventura existente entre a demandada e tal homem, maxime que este fosse aquele com quem disse ao autor, no início de Janeiro de 2001, que pretendia ir viver - cfr., neste sentido, v.g., Ac. STJ, de 06-06-00, proferido nos autos de revista registados sob o nº 364/00.
c) Ao proceder pela forma descrita em II. d), sim, como considerado na "decisão", a ré violou, culposa e gravemente, o dever conjugal de respectivo, comprometendo a possibilidade de vida em comum.
Na verdade:
Ao dizer a AA, no início de Janeiro de 2001, ainda com aquele coabitando, que pretendia ir viver com outro homem, praticou acto integrador de ilicitude, consubstanciada na violação de dever de respeito moral do autor, ofendendo a integridade moral do marido, a especial honra ligada ao casamento do seu cônjuge, acto esse também integrador de culpa, na medida em que, como afirmado no Ac, deste Tribunal, de 20-04-99 (revista nº 180/99-1ª, in "Sumários de Acórdãos Cíveis" - Edição Anual de 1999-Gabinete dos Juízes Assessores, pág. 131), a demandada agiu "sem qualquer justificação plausível, quando lhe era exigível outra conduta não lesiva da dignidade do seu cônjuge", pessoa sensível e educada que se sentiu como já descrito - vide II. m) a r).
Ofensa grave que compromete a "manutenção da relação conjugal".
Foi esta a ilação extraída pelo tribunal "a quo" da matéria de facto fixada, questão que, como pertinentemente recordado no Ac. do STJ de 20-04-99 (revista nº 461/98), "...envolve um verdadeiro juízo de valor, porque é mais a apreciação da situação fáctica do que a correcta interpretação de qualquer regra jurídica que interessa à aplicação da lei - cfr. Prof. Antunes Varela, Rev. Leg. Jur. 122, 221.
Tratando-se de um juízo de valor não pode ser censurada a Relação, a quem cabe a última palavra, por o STJ, como tribunal de revista, "fora dos casos previstos na lei", apenas conhecer de matéria de direito (art. 29º da Lei nº 38/87, de 23 de Dezembro e art. 26º da actual Lei nº 3/99, de 13 de Janeiro, que aprovou a Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais)."
Provimento, pelo nesta alínea exposto, não merece o recurso, atenta, volta a afirmar-se, a provada violação, pela ré, do dever conjugal de respeito, supracitada, violação essa grave e culposa, comprometedora da possibilidade de vida em comum, única culpada do divórcio sendo a demandada.
À guisa de nota final, como se escreveu no Ac. do STJ, de 16 de Março de 1978, in BMJ nº 275-236: "...manter um casal destroçado, onde não existe amor e respeito mútuo, em que não há qualquer esperança numa possível recuperação, não é evidentemente aconselhável, sendo preferível libertar os cônjuges de uma situação de completa ruptura e abrir-lhes novos caminhos à sua vida, em que eles, se for caso disso, possam concretizar, de uma maneira mais estável e dignificante, os seus anseios matrimoniais".
V. CONCLUSÃO:
Pelos fundamentos dissecados, nega-se a revista, confirmando-se a "decisão".
Custas pela recorrente (art. 446º nºs 1 e 2 do CPC).
Lisboa, 28 de Junho de 2007
Pereira da Silva
Rodrigues dos Santos
Oliveira Rocha ( dispensei o visto).
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(1) Foi expurgado da matéria de facto que "A Ré manteve uma relação extraconjugal com outro homem" por se entender que constitui matéria conclusiva.