NULIDADE DE ACÓRDÃO
ERRO DE JULGAMENTO
ABANDONO DE TRABALHO
PRESUNÇÃO DE ABANDONO
ÓNUS DA PROVA
Sumário

I - A arguição de nulidades da sentença ou dos acórdãos da Relação (por força do art. 716.º, do CPC), deve ser feita expressa e separadamente no requerimento de interposição do recurso, e não nas respectivas alegações, sob pena de se considerarem extemporâneas e delas se não conhecer.

II - O entendimento do recorrente de que os factos provados são inidóneos para conduzir à decisão recorrida configura um eventual erro de julgamento e não nulidade de acórdão.

III - São dois os requisitos do abandono do trabalho: (i) um elemento objectivo constituído pela ausência do trabalhador ao serviço, isto é, a não comparência no local e tempo de trabalho a que estava obrigado, não comparência essa voluntária e injustificada; (ii) um elemento subjectivo constituído pela intenção de não retomar o trabalho, ou seja, a intenção de não comparência definitiva no local de trabalho.

IV - Para beneficiar da presunção legal de abandono do trabalho a entidade patronal tem apenas de alegar e provar que o trabalhador faltou ao serviço durante 15 dias úteis seguidos sem apresentar justificação, competindo ao trabalhador provar que comunicou à entidade patronal o motivo da ausência.

V - Para ilidir a presunção de abandono do trabalho, ao trabalhador não basta provar os factos que determinaram a sua ausência: é ainda necessário que alegue e prove que, no caso concreto, agiu com a necessária diligência, própria de uma pessoa normal, medianamente prudente, avisado e cuidadoso e que só por razões que lhe não são imputáveis, foi impedido de cumprir aquele seu dever de comunicar o motivo da ausência.

Texto Integral

Acordam, na secção social, do Supremo Tribunal de Justiça:


I - "AA", residente na Rua Cláudio Nunes, ...., ...., em Lisboa, instaurou a presente acção com processo comum contra Empresa-A, SA, com sede na Rua 1º Maio, nºs ...-..., em Lisboa, pedindo que seja declarado ilícito e de nenhum efeito o despedimento efectuado pela ré e que esta seja condenada a reintegrá-lo ou a indemnizá-lo (no caso de opção) e, ainda, a pagar-lhe as retribuições vencidas e vincendas desde 30 dias antes da propositura da presente acção até final e os montantes relativos a férias, subsídios de férias e de Natal e proporcionais que indica e, bem assim, juros de mora sobre as quantias reclamadas, desde a citação, à taxa legal, até efectivo e integral pagamento.
Contestada, saneada e instruída a causa, foi proferida sentença que, julgando parcialmente procedente a acção, condenou a ré a pagar ao autor a quantia de € 1693,25, acrescida de juros de mora, desde a citação e até integral pagamento. Quanto ao mais pedido – declaração da ilicitude do despedimento e suas consequências – a ré foi absolvida.
O autor apelou desta parte da sentença, mas o Tribunal da Relação, embora concedendo parcial provimento ao recurso em sede de impugnação da matéria de facto, acabou por confirmar, ainda que por razões diversas, a decisão recorrida.

De novo inconformado, o autor vem pedir revista desse acórdão.
No acto de interposição de recurso, requereu que o julgamento do mesmo fosse “ampliado para prevenir a ocorrência de decisões …. em manifesta oposição, sobre a mesma matéria de direito, indicando nas respectivas alegações quais os acórdãos em que funda[va] tal previsibilidade” (artº 732º-A e 732º-B do CPC).
O julgamento ampliado foi indeferido por despacho do Exmº Senhor Presidente do Supremo Tribunal de Justiça (a fls 408).
Eis (em forma mais concentrada) as conclusões da alegação da revista:
1ª) - No acórdão recorrido foi alterada a matéria de facto, concretamente a redacção do ponto nº 19, que passou a referir que o recorrente tinha estado presente em 25 de Fevereiro de 2002 na consulta do Dr. BB e que tinha tido uma reunião com o director da Estação da Pontinha, Eng.º CC, ao qual, referindo-se à sua situação, pediu uma licença sem vencimento ou férias, até a mesma estar solucionada, o que lhe foi recusado.
2ª) - A alteração da matéria de facto confirma que o recorrente deu conhecimento à recorrida de que estava, por via do seu estado de saúde, impedido de trabalhar.
3ª) - E justifica o impedimento do autor em exercer as suas funções de motorista de serviço público;
4ª) - O estado de saúde do autor era do conhecimento da ré,
5ª) - O que, aliás, resulta da matéria de facto dada como provada;
6ª) - Na sua fundamentação, o acórdão recorrido entendeu que o recorrente não ilidiu a presunção plasmada no art° 40°-2 da LCCT, ou seja,
7ª) - Não logrou fazer prova do impedimento de retomar o trabalho em função da sua doença,
8ª) – Ónus que lhe cabia, em função da inversão do mesmo nesta sede.
9ª) - Ora se, na fundamentação, se reconhece que a recorrida tem conhecimento dos factos que levaram ao impedimento do recorrente - e tal resulta da matéria de facto provada - não podia o acórdão recorrido confirmar a decisão recorrida, alicerçada em que o recorrente não fizera prova do seu impedimento;
10ª) - Assim, é manifesta a contradição entre a fundamentação e a decisão, contradição determinante da nulidade do acórdão (alínea c) do n° 1 do art° 668º do CPC);
11ª) - Mostra-se violado, a contrario, o art° 40°-1-2-3 da LCCT, aprovada pelo DL nº 64-A/89, de 27/02, e, consequentemente, violado o art° 12°-c) com os efeitos estabelecidos no art° 13°, ambos do mesmo diploma;
12ª) - Mais: segundo o acórdão recorrido o recorrente não ilidiu a presunção estabelecida no nº 2 do citado art° 40° ( nº 3 do mesmo dispositivo);
13ª) - Acontece que o recorrente não tinha que ilidir tal presunção;
14ª) – Com efeito, da alteração ao ponto nº 19 dos factos provados resulta o conhecimento da recorrida relativamente ao impedimento prolongado - por doença - do recorrente;
15ª) - Da conjugação daquele ponto com os pontos nºs 7 a 18, 20 e 21, dados como provados, dúvidas não existem quanto ao conhecimento da recorrida relativamente àquele impedimento, deles resultando igualmente, pelo menos tacitamente, o motivo da ausência do recorrente;
16ª) – Conforme entendimento do acórdão da Relação de Coimbra de 11.05.995, in BMJ, 447°, página 577, “[o] impedimento prolongado (por motivo de doença) do trabalhador, conhecido da entidade paternal, é incompatível com a figura do abandono de lugar”;
17ª) – Por seu turno, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13.12.1995, in QL, 7°-116 (e in CJ/STJ, 1995, 3° - 306), entende que “[o] número 2 do art° 40 da LCCT não exige que a comunicação do motivo da ausência do trabalhador ao serviço haja de revestir a forma escrita: essa comunicação pode realizar-se por forma expressa ou tácita podendo, assim, deduzir-se de factos que, com toda a probabilidade a revelem”;
18ª) - Como resulta dos arestos antecedentemente referidos, o impedimento prolongado por doença do trabalhador não é compatível com a figura do abandono do lugar; por outro lado, não é necessária a forma escrita para a comunicação do motivo da ausência do trabalhador, podendo esta realizar-se por factos donde expressa ou tacitamente possa deduzir-se com toda a probabilidade o motivo da ausência do trabalhador;
19ª) - Nestes casos não há inversão do ónus da prova; por isso, não há que falar em ilisão da presunção estabelecida no nº 2 do artº 40º;
20ª) - Por último, vem o acórdão recorrido dizer que não conhece da nulidade da sentença da primeira instância com fundamento em que a mesma é extemporânea porque não foi interposta no requerimento de interposição de recurso;
21ª) - Também aqui não tem razão o tribunal recorrido;
22ª) - O recorrente deu cumprimento ao disposto no art° 77°-1 do CPT;
23ª) - Atendendo ao que exige o art° 81°-1 do CPT – que o requerimento de interposição do recurso contenha a alegação do recorrente – o recorrente, como questão prévia às suas alegações, arguiu a nulidade da sentença de primeira instância com fundamento na violação do disposto no artº 668º-1-d), in fine, do CPC;
24ª) – Deu, assim, cumprimento ao disposto no art° 77°-1 do CPT, ou seja, o recorrente arguiu a nulidade, expressa e separadamente, no requerimento de interposição de recurso;
25ª) - Mostra-se assim, violado o referido dispositivo impendendo sobre o Tribunal a quo o conhecimento da nulidade invocada pelo recorrente.

Não houve contra-alegações.
A Exmª Procuradora-Geral Adjunta, no seu douto parecer, pronuncia-se no sentido de ser negada a revista.

II - Questões
A – Se o acórdão recorrido é nulo;
B – Se há erro de julgamento: a nível processual e quanto ao fundo.

III – Factos
3.1 - A 1ª instância deu como provada a seguinte matéria de facto:
1. O autor foi admitido no dia 6/05/96 pela ré, para, sob as suas ordens, direcção e no interesse daquela, executar as funções de motorista de serviço público;
2. Incumbia-lhe a condução de veículos pesados de passageiros, em regime de agente único, vendendo bilhetes de tarifa de bordo e fiscalizando os demais títulos de transporte dos passageiros, em itinerários e carreiras, previamente estabelecidos pela ré, no seu interesse e sob as suas ordens e direcção;
3. O autor, no dia 30/04/99, foi integrado nos quadros da ré;
4. O autor auferia a retribuição mensal base de 608,54 euros, acrescida de, pelo menos, subsídio de agente único, no montante de 115,88 euros, e de diuturnidades, de 28,14 euros;
5. O autor é filiado no Sindicato dos Trabalhadores dos Transportes Rodoviários e Afins – SITRA, sendo o associado n° 16654;
6. O autor praticava um horário de trabalho de 40 horas semanais, divididos por cinco dias por semana, em regime de turnos rotativos, com descanso semanal e complementar, igualmente em regime rotativo;
7. Foi diagnosticado ao autor um tumor ósseo na omoplata direita;
8. O autor foi intervencionado cirurgicamente no dia 27/09/01 na Clínica da Cruz Vermelha Portuguesa, tendo tido alta hospitalar em 28/09/01; e
9. Tendo sido efectuada a marcação da data do respectivo acompanhamento médico, a partir de 6/11/01;
10. O autor, no pós-operatório, esteve de baixa até dia 12/02/02;
11. O autor teve alta no dia 12/02/02;
12. Começou a trabalhar no dia 16/02/02, por indicação da ré;
13. O autor tem estatuto de trabalhador-estudante e, por motivo de exames, esteve de licença nos dias 14 e 15 do mesmo mês de Fevereiro de 2002;
14. No dia 16/02/02 o autor apresentou-se na Estação da Pontinha da ré para trabalhar;
15. No dia 17/02/02 o autor esteve de folga;
16. No dia 18/02/02 o autor apresentou-se ao trabalho;
17. Foi comunicado ao autor que lhe iria ser ministrada reciclagem de condução;
18. No dia 19/02/02 o autor foi trabalhar;
19. O autor dirigiu-se ao Director da Estação da Pontinha para expor a sua situação (redacção alterada pela Relação);
20. No dia 20/03/02, o autor recebeu uma comunicação da ré, na qual lhe é comunicado que rescindem o CIT que ligava autor e ré, por abandono de trabalho, com efeito a partir da recepção da referida comunicação;
21. A ré tinha conhecimento de algumas deslocações do autor ao médico;
22. A ré descontou faltas dadas como injustificadas nos recibos de Março e Abril;
23. O autor, à data da rescisão do contrato de trabalho, auferia, pelo menos, a quantia de 752,51 euros, a título de, pelo menos, remuneração base mensal, diuturnidades e subsídio de agente único mensal.
24. No dia 15/02/02 o autor esteve de licença de exame escolar ao abrigo da Lei do Trabalhador Estudante;
25. No dia 16/02/02 o autor esteve a trabalhar;
26. O autor faltou ao trabalho durante 16 dias úteis seguidos, sem apresentar qualquer justificação;
27. A ré, através de carta registada com aviso de recepção remetida no dia 18/03/02, rescindiu o contrato de trabalho por abandono de trabalho;
28. O autor recebeu da ré tal comunicação no dia 20/03/02.

3.2 - O Tribunal da Relação alterou a decisão sobre a matéria de facto - concretamente, alterou a redacção do ponto nº 19 e aditou o ponto nº 29 - nos seguintes termos:
19. “Em data não apurada, estando já o autor a faltar há vários dias sem justificação, o autor falou com o Eng° CC, Director da Estação da Pontinha e pediu-lhe para gozar férias ou para meter uma licença sem vencimento, a fim de cobrir as faltas injustificadas, o que aquele recusou com a alegação de que o prazo para pedir a licença sem vencimento já estava há muito expirado e que as férias não se destina[va]m a cobrir faltas injustificadas.
29. No dia 25 de Fevereiro de 2002, o autor esteve presente na consulta do Dr BB.

IV - Apreciando
4.1 –A questão da nulidade do acórdão
Sustenta o recorrente que é nulo, porque, resultando da nova redacção do ponto nº 19 da matéria de facto que o recorrente/autor fez saber à ré que estava impedido de trabalhar, por via do seu estado de saúde, o que, aliás, decorria já doutros pontos da matéria de facto, a decisão recorrida, confirmatória da sentença da 1ª instância, estava em oposição com a fundamentação, incorrendo, por isso, no vício previsto no artº 668º-1-c) do CPC.
Acontece que o vício apontado não se identifica com a invocada nulidade – oposição entre a fundamentação e a decisão (nulidade que se verifica quando os fundamentos invocados pelo julgador deveriam conduzir logicamente a resultado oposto ao expresso na decisão) - mas sim com um eventual erro de julgamento (de que se conhecerá mais à frente). Na verdade, o que o recorrente impugna é a leitura jurídica que o acórdão recorrido faz dos factos provados, os quais, segundo ele (recorrente), são inidóneos para conduzir à conclusão (decisão) a que aquele chegou, vício que, traduzindo-se num erro de interpretação e de aplicação da lei, não constitui motivo de nulidade (alínea c) do nº 1 do artº 668º do CPC), antes deve ser qualificado como erro de julgamento.
Assim, nesta parte (quanto à arguida nulidade), não se pode dar razão ao recorrente.

4.2 – Erro de julgamento
4.2.1 – Sustenta o autor/recorrente que o acórdão recorrido violou o disposto no artº 77º-1 (onde se preceitua que “a arguição de nulidades da sentença é feita expressa e separadamente no requerimento de interposição de recurso”) e o artº 81º-1 do CPT/99 (segundo o qual “o requerimento de interposição de recurso deve conter a alegação do recorrente, além da identificação da decisão recorrida, especificando, se for caso disso, a parte dela a que o recurso se restringe”), ao não conhecer da nulidade da sentença da 1ª instância com fundamento na sua extemporaneidade, por não ter sido arguida no requerimento de interposição de recurso.
Compulsando os autos, verifica-se que o autor, em “requerimento” dirigido ao juiz de direito do Tribunal de Trabalho de Lisboa (2º Juízo) diz o seguinte:
«….notificado da douta sentença de fls 192 a 199, dos autos, e, não se conformando com o seu teor, quer em sede de matéria de facto, quer em sede de matéria de direito, no que concerne à impugnação do despedimento, e restrito a este matéria, vem da mesma interpor recurso que é de apelação, a subir imediatamente nos próprios autos, o que faz apresentando as suas alegações:”
Seguem-se as alegações, estas dirigidas aos juízes desembargadores da secção social do Tribunal da Relação de Lisboa, onde depois de definir o objecto do recurso, apresenta como questão prévia a da nulidade da sentença.
Como se refere no acórdão recorrido, “a jurisprudência tirada ao tempo em que vigorava a anterior versão do Código do Processo do Trabalho, já vinha entendendo que o n° 1 do art. 72° deste Código, ao dizer, que a arguição de nulidade da sentença devia ser feita no requerimento de interposição do recurso, consagrava uma regra peculiar de arguição de nulidade da sentença em processo laboral.
Argumentava-se que, certamente, por razões de economia e celeridade processuais, a arguição do vício da nulidade da sentença, no requerimento de interposição do recurso, tinha por objectivo permitir que, antes da subida do recurso ao tribunal superior, o tribunal a quo pudesse sanar esse vício.
Assim, concluía-se, que o tribunal superior não devia conhecer da nulidade ou nulidades da sentença, que não tivessem sido arguidas no requerimento de interposição do recurso, mas somente nas respectivas alegações, ainda que alguma dessa jurisprudência se reportasse ao recurso de revista para o Supremo, em que o requerimento de interposição de recurso é apresentado em separado das alegações e até em momento anterior.
Esta orientação jurisprudencial veio a ter expresso acolhimento no novo diploma processual, pelo que se tem de aceitar agora, sem controvérsia, que a arguição de nulidade da sentença, para poder ser apreciada pelo tribunal superior, carece de ser arguida no requerimento de interposição do recurso [….] (Acs. da RC de 26.11.98, BMJ nº 481, pág. 554 e de 24.03.99, BMJ nº 491, pág. 340 e os Acs. do STJ de 14.04.99, AD, 456º, pág. 1628, da RP 07.06.99, CJ, Ano XXIV, T. III, pág. 256, do STJ de 08.03.00, AD, 470º, pág. 286, desta Relação de 22.03.00, BMJ nº 495, 355 e mais recentemente os Acs. do STJ de 22.05.02, disponível em sumário na Internet - www.dgsi.pt - de 04.06.03, CJ/STJ, Ano XI, T. II, pág. 273, de 20.01.04 e de 27.01.05, ambos disponíveis em sumário na Internet - www.dgsi.pt)».
Considerando que, no caso vertente, o recorrente não arguira a nulidade da sentença no requerimento de interposição do recurso, mas apenas nas alegações, a Relação não tomou conhecimento do invocado vício.
A fundamentação do acórdão recorrido, que atrás transcrevemos, está na linha do entendimento expresso na jurisprudência deste Supremo (secção social), pelo que, nesta parte, nos dispensamos de outras considerações.
Limitamo-nos a acrescentar que, embora o artº 81º refira que o requerimento de interposição de recurso deve conter a (ser acompanhado da) alegação do recorrente, os dois “actos” não se confundem.
Os artigos 687º-1 e 690º do CPC marcam a diferença.
Segundo aquele preceito, os “recursos interpõem-se por meio de requerimento, dirigido ao tribunal que proferiu a decisão recorrida e no qual se indique a espécie de recurso interposto e, nos casos previstos nos nºs 2, 4 e 6 do artigo 678º e na parte final do nº 2 do artigo 754º, o respectivo fundamento”.
Na alegação – conforme estabelece o nº 1 do artº 690º - o recorrente procura sustentar a razão por que pede a alteração ou anulação da decisão.
Embora o “requerimento” não tenha um significado técnico preciso, a verdade é que a lei o distingue de outros actos, como os articulados (artº 151º) e as alegações de recurso (citado artº 690º).
Enquanto o requerimento de interposição de recurso se traduz numa declaração da parte de que pretende impugnar a decisão contra si proferida, a alegação de recurso – o acto que agora nos interessa - é a minuta, o escrito em que as partes “expõem e demonstram ou atacam os fundamentos do recurso” (artº 698º) (2) .
Em suma, não obstante a redacção do artº 81º do CPT, o requerimento de interposição de recurso e as respectivas alegações não se confundem. Eles continuam a ser distintos – pelo seu objecto e pelos destinatários. O primeiro dirige-se ao tribunal que proferiu a decisão impugnada (tribunal a quo), o segundo, ao tribunal que vai conhecer da impugnação (tribunal ad quem).
De qualquer forma, sempre se dirá que o vício invocado tem a ver com a qualificação dos factos dados como provados – área em que o juiz não está sujeito às alegações das partes (artº 664º, 1ª parte, do CPC) – e não com um verdadeiro excesso de pronúncia (nulidade da sentença). Acresce que o acórdão recorrido pronunciou-se sobre essa qualificação jurídica, rejeitando-a.
Assim, improcedem, nesta parte, as conclusões do recorrente.

4.2.2 – Sustenta, ainda a recorrente que o acórdão recorrido violou o disposto nos artºs 40º e a alínea c) – não precisando o recorrente se do nº 1 ou do nº 3 - do artº 12º do mesmo diploma.
Uma vez que os factos se reportam a Fevereiro e Março de 2002, tem aqui aplicação o regime pré-vigente ao Código de Trabalho (aprovado pela Lei nº 99/2003, de 27 de Agosto, e que, apenas, entrou em vigor em 1 de Dezembro de 2003 – artº 8º-1 e 3º-1 da lei preambular).
Dispõe o citado artº 40º:
«1 – Considera-se abandono do trabalho a ausência do trabalhador ao serviço acompanhado de factos que com toda a probabilidade revelem a intenção de o não retomar.
2 – Presume-se abandono do trabalho a ausência do trabalhador ao serviço, durante, pelo menos, quinze dias úteis seguidos, sem que a empregadora tenha recebido comunicação do motivo da ausência.
3 – A presunção estabelecida no número anterior pode ser ilidida pelo trabalhador mediante prova da ocorrência de motivo de força maior impeditivo da comunicação da ausência.
4 – O abandono do trabalho vale como rescisão do contrato e constitui o trabalhador na obrigação de indemnizar a entidade patronal de acordo com o estabelecido no artigo anterior.
5 – A cessação do contrato só é invocável pela entidade empregadora após comunicação registada, com aviso de recepção, para a última morada conhecida do trabalhador».
O nºs 1, 2 e 3 do citado artº 12º versam sobre a ilicitude do despedimento e a nulidade do respectivo processo.
Argumenta o recorrente que, com a alteração da redacção do ponto nº 19 da matéria de facto e bem assim com base noutros factos dados como provados, está demonstrado que o recorrente “deu conhecimento à recorrida de que estava, por via do seu estado de saúde, impedido de trabalhar” e que, “por via desse facto chegou a pedir licença sem vencimento”. Por outro lado, sendo o seu estado de saúde do conhecimento da recorrida, não funcionava a presunção prevista no nº 2 do artº 40º da LCCT, ficando também afastada a aplicação do nº 3 do mesmo preceito.

Concorda-se com o que a este propósito se diz no acórdão recorrido que, por isso, se transcreve, nessa parte:
«Nos termos do art. 3º, n º 2, do Regime Jurídico de Cessação do Contrato Individual de Trabalho aprovado pelo Decreto-Lei nº 64-A/89, de 27 de Fevereiro (RJCCIT, também designado por LCCT) o contrato de trabalho pode cessar por:
a) Caducidade;
b) Revogação por acordo das partes;
c) Despedimento promovido pela entidade empregadora;
d) Rescisão com ou sem justa causa por iniciativa do trabalhador;
e) Rescisão por qualquer das partes durante o período experimental;
f) Extinção do posto de trabalho por causa objectiva de ordem estrutural, tecnológica ou conjuntural relativa à empresa.
Cada uma destas causas de cessação do contrato de trabalho vem regulamentada em capítulos separados do mesmo diploma.
No caso em apreço a relação laboral cessou por abandono do trabalho – pontos 20., 27. e 28. da matéria de facto - que é uma das formas de cessação do contrato de trabalho por iniciativa do trabalhador, que está prevista no art. 40º do RJCCIT do capítulo VI e não, como erroneamente se analisou na sentença recorrida, por despedimento promovido pela entidade patronal, com invocação de justa causa, prevista no capítulo IV – arts. 9º a 15º, inclusive, do RJCCIT.
Como o apelante faltou ao trabalho durante 16 dias úteis seguidos, sem apresentar qualquer justificação, a apelada através de carta registada com aviso de recepção remetida no dia 18 de Março de 2002 e recebida pelo apelante no dia 20 de Março de 2002, rescindiu o contrato de trabalho por abandono de trabalho.
A questão que se coloca é a de saber se, no caso, se verificam os necessários requisitos.
Seguindo as orientações [da] jurisprudência que se pronunciavam pela necessidade de introdução no sistema de uma norma que … considerasse como despedimento imputável ao trabalhador faltoso a sua ausência prolongada ao serviço, sempre que tal se manifestasse por sinais [in]equívocos de que ele abandonara o seu posto de trabalho, o art. 40º do RJCCIT veio estabelecer a presunção de que faltar ao trabalho, por quinze dias úteis seguidos, sem que o empregador receba qualquer comunicação explicativa dos motivos da ausência, é havido por abandono do trabalho e que este vale como rescisão do contrato – nºs 2 e 4.
Explicitando o sentido da inovação, o legislador aduziu que a falta de previsão dessa situação no domínio da lei anterior tem dado lugar, injustificadamente, à instauração de processo disciplinar para despedimento, invertendo o ónus da prova que deve recair sobre quem toma a decisão de fazer cessar o contrato de trabalho (preâmbulo do Decreto-Lei nº 64-A/89).
Tratou-se assim, de eliminar uma fonte de perturbação para a empresa que, para além de se ver na situação de incerteza quanto às causas da ausência do trabalhador e quanto ao termo dessa ausência, ainda tinha o ónus de instaurar um processo disciplinar para o despedir, por faltas, cabendo-lhe aí, fazer a prova dos factos, que afinal eram da responsabilidade do mesmo trabalhador.
O abandono do trabalho foi, agora, considerado rescisão (tácita) do contrato, da responsabilidade do trabalhador ausente, com a obrigação de indemnizar o empregador, sempre que essa ausência seja acompanhada de factos que com toda a probabilidade revelem a intenção de o mesmo não retomar o serviço. Trata-se, deste modo, de admitir como facto extintivo do vínculo laboral uma conduta omissiva do trabalhador, quando as circunstâncias indiciem uma probabilidade séria de ele ter assumido essa conduta com a intenção de não voltar ao serviço. É o caso de o empregador ser apanhado numa situação de total ignorância acerca do que se estará a passar com o trabalhador, do qual sabe, apenas, que não aparece ao serviço e não dá notícias. Então a lei presume, agora, que ele abandonou o emprego, presunção, como é óbvio, juris tantum.
São dois os requisito do abandono de lugar:
(a) o elemento objectivo constituído pela ausência do trabalhador ao serviço, isto é, a não comparência no local e tempo de trabalho a que estava obrigado, não comparência essa voluntária e injustificada;
(b) o elemento subjectivo constituído pela intenção de não retomar o trabalho, ou seja, a intenção de não comparência definitiva no local de trabalho.
Naturalmente nem toda a ausência ao serviço integrará o suporte fáctico essencial à verificação do abandono pois o elemento objectivo há-de traduzir-se num incumprimento voluntário e injustificado do contrato.
Mas não basta esta ausência injustificada e voluntária ao serviço pois é preciso que a ela se ligue um elemento subjectivo - intenção de ruptura do contrato embora não expressa nem comunicada à entidade patronal, isto é, o trabalhador há-de estar a faltar injustificadamente ao serviço e há-de ter a intenção de não o retomar com carácter definitivo embora nada comunique à entidade patronal.
Caímos na figura do abandono se o trabalhador nada diz mas tem a intenção de romper o vínculo e então falta ao serviço voluntária e injustificadamente.
Por isso, sendo o animus extintivo um momento interior ou psíquico ou subjectivo ele terá de captar-se através de algo que o revele ou exteriorize ou como se refere no nº 1 do art. 40º do RJCCIT ele há-de depreender-se de factos que com toda a probabilidade revelem a intenção de não retomar o serviço ou seja de rescindir o contrato.
Conforme resulta do nº 2 do art. 40º esta vontade rescisória é presumida se o trabalhador falta 15 dias úteis seguidos sem dar razões para a sua ausência ao serviço, presunção que pode ser afastada pelo trabalhador mediante a prova da ocorrência de motivo de força maior impeditivo da comunicação de ausência – nº 3.
Assim e, em princípio, o ónus da prova dos requisitos do abandono de lugar caberia ao empregador - nº 1 do art. 342º Cód. Civil. No entanto, e tendo em conta as naturais dificuldades da prova daqueles elementos, designadamente ser a ausência acompanhada de factos que, com toda a probabilidade, revelem a intenção de não retomar o trabalho, a lei estabeleceu a presunção referida no nº 2 do citado art. 40º. Face a esta presunção invertem-se as regras do ónus da prova estabelecidas no art. 342º Cód. Civil, dado o que se dispõe no nº 1 do art. 344º do mesmo diploma.
Deste modo, se a ausência do trabalhador ao serviço se prolongar durante pelo menos 15 dias úteis seguidos, sem que o empregador receba comunicação do motivo da ausência, presume-se a intenção de o trabalhador de não retomar o serviço.
E, nos termos do nº 1 do art. 350º do Cód. Civil, quem tem a seu favor uma presunção legal escusa de provar o facto que a ela conduz.
Para beneficiar da presunção legal de abandono do trabalho a entidade patronal tem de alegar e provar somente que o trabalhador faltou ao serviço durante 15 dias úteis seguidos sem apresentar justificação, sendo ao trabalhador que compete provar que comunicou à entidade patronal[o motivo da ausência]…
No caso dos autos está provado que o apelante faltou ao trabalho durante 16 dias úteis seguidos – mais concretamente entre 20 de Fevereiro e 14 de Março de 2002 - sem apresentar qualquer justificação (ponto 26. da matéria de facto), pelo que o abandono do lugar se presume.
Mas o apelante podia ilidir a referida presunção, alegando e provando a ocorrência de motivo de força maior que o impediu de comunicar aquela ausência, motivo (…) esse que tem a ver com a ideia de inevitabilidade e irresistibilidade (Ac. do STJ de 18.04.01, AD 482, 252).
A propósito da ilisão dessa presunção, escreveu-se no Ac. do STJ de 16.05.00 (CJ/STJ, Ano VIII, T. II, pág. 261):
“Mas, essa presunção pode ser ilidida pelo trabalhador mediante prova da ocorrência de motivo de força maior impeditivo da comunicação da ausência (nº 3 do art. 40º), sendo, assim, admitido ao trabalhador provar que não teve intenção de abandonar o serviço. Mas, para esse efeito terá de alegar e provar a ocorrência de motivo de força maior impeditivo da comunicação da ausência”.
Para este efeito não basta que o trabalhador prove os factos que determinaram a sua ausência para que a presunção se possa considerar ilidida, sendo preciso que alegue e prove que, no caso concreto, agiu com a necessária diligência, própria de uma pessoa normal, medianamente prudente, avisado e cuidadoso (Cfr. arts. 487º nº 2, e 799º, nº 2 C. Civil) e que só por razões que lhe não são imputáveis, foi impedido de cumprir aquele seu dever de comunicar o motivo da ausência.
Analisada a matéria de facto provada, verifica-se que o apelante não provou – nem sequer alegou - a ocorrência de motivo de força maior impeditivo da comunicação da ausência, contentando-se, na petição inicial, em articular factos tendentes a demonstrar que a apelada tinha conhecimento das razões que determinaram a sua ausência (alegados problemas de saúde com frequentes deslocações ao médico), o que também não provou.
Conclui-se, pois, que o apelante não ilidiu a presunção contida no art. 40º, nº 2, do RJCCIT.
Se o trabalhador faltar durante 15 - ou mais - dias úteis seguidos sem comunicar à sua entidade patronal o motivo da sua ausência e não demonstrar que, de todo, esteve impossibilitado de fazer aquela comunicação, concretiza-se o abandono, [que] vale como rescisão do contrato, o qual, segundo o nº 4 do art. 40º do RJCCIT, tem o valor de uma declaração tácita de rescisão do contrato por parte do trabalhador e é invocável após a comunicação a que alude o nº 5 do art. 40º do RJCCIT que, no caso, foi feita (ponto 27- da matéria de facto).»

Concorda-se com a fundamentação do acórdão recorrido e a conclusão a que chegou.
Contrariamente ao que o recorrente afirma, da matéria de facto provada, nos presentes autos (com as alterações introduzidas pela Relação) não resulta que a ré tenha tido conhecimento da doença do autor no período em causa (ou sequer que ele tenha estado doente nesse período) e muito menos que tenha havido comunicação da ausência (expressa ou tácita) à entidade empregadora.
A presença em consulta médica, assim tão singelamente afirmada (ponto nº 29 da matéria de facto), não pode significar, de per si, a existência de doença.
Além disso, o médico, ainda que fosse da empresa, não integra a cadeia hierárquica da mesma, de onde se pudesse presumir o conhecimento pelo empregador.
Por outro lado, a conversa tida com o Engenheiro CC, Director da Estação da Pontinha (ponto nº 19), não aflorou qualquer doença, sendo esta até incompatível com a proposta de férias ou licença sem vencimento para cobrir faltas injustificadas. Melhor se compreenderia que tais faltas fossem cobertas pela situação de doença porventura existente.
Assim sendo, também, aqui, não podemos dar razão ao recorrente.

V – Decidindo
Nestes termos, acordam em negar a revista e em confirmar o acórdão recorrido.
Custas pelo recorrente, sem esquecer que litiga com apoio judiciário.

Lisboa, 5 de Julho de 2007
Maria Laura Leonardo (Relator)
Sousa Peixoto
Sousa Grandão
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(1) Nº 171/06; Relª Mª Laura C.S. Maia (Leonardo); Adjºs: Conselheiros Sousa Peixoto e Sousa Grandão.
(2) A. dos Reis, Comentário, II, pg 111.