CONFLITO DE COMPETÊNCIA
COMPETÊNCIA TERRITORIAL
INQUÉRITO
BUSCA
APREENSÃO
JUÍZ DE INSTRUÇÃO
AUTORIZAÇÃO
EXECUÇÃO
CARTA PRECATÓRIA
Sumário


I - A competência territorial para a realização do inquérito pertence ao MP que exercer funções no local em que o crime tiver sido cometido – art. 264.°, n.º 1, do CPP.
II - A competência territorial do juiz de instrução para praticar ou autorizar a prática, durante o inquérito, de actos da competência material e funcional do juiz (arts. 268.° e 269.° do CPP) define-se pelos critérios que determinam a competência territorial para a realização do inquérito – art. 79.º, n.º 1, da LOFTJ (Lei 3/99, de 13-01).
III - A competência dos tribunais de instrução criminal para intervir «fora da sua área territorial de competência» só se verifica quando «o interesse ou urgência da investigação o justifique» - art. 79.º, n.º 2, da referida lei.
IV - Assim, a autorização ou a determinação para que se proceda a apreensões de correspondência ou à intercepção de comunicações, designadamente de correio electrónico ou outras de formas de transmissão de dados por via telemática (arts. 269.°, n.º 1, als. b) e c), e 190.° do CPP), compete ao juiz de instrução que, nas circunstâncias, for o competente para praticar os actos jurisdicionais relativos ao inquérito em que a diligência se revele necessária.
V - Por outro lado, quando haja que praticar actos fora dos limites da competência territorial da autoridade que proferir uma ordem, a comunicação entre autoridades judiciárias para a prática do acto assume a forma de carta precatória – art. 111.°, n.° 2, al. b), do CPP.
VI - Deste modo, a autorização de busca e apreensão e a emissão do correspondente mandado deve ser da competência do juiz de instrução que for territorialmente competente no lugar onde corre o inquérito em que se verifica a necessidade da prática do acto (Tribunal A); quando esta deva ter lugar fora dos limites da competência territorial da autoridade que proferir a ordem, deve ser solicitada, por carta precatória, à autoridade judiciária que detiver competência na respectiva área.
VII - No caso dos autos, a autorização deve ser concedida, se disso for caso, pela autoridade que detém competência material, funcional e territorial (Tribunal A), e a prática do acto – que não corresponde a qualquer das hipóteses previstas no n.º 3 do art. 177.º do CPP, obrigatoriamente presididos pelo juiz – deve ser solicitada à autoridade territorialmente competente [não são referidas circunstâncias que permitam a extensão da competência prevista no art. 79.°, n.° 2, da Lei 3/99, de 13-01].
VIII - De todo o modo, e porque à execução da diligência de busca e apreensão deverá, sempre que possível, presidir a autoridade que a autorizou, a ocorrer tal circunstância, competirá ao juiz de instrução do tribunal deprecado (Tribunal B) cumprir tal tarefa.

Texto Integral


Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça:

1. No processo de inquérito nº 192/05.2TASTS, a cargo do Ministério Público de Santo Tirso, relativo à investigação de crime de falsidade informática, p. no artigo 4º da Lei nº 109/91, de 17 de Agosto, foi requeria ao juiz de instrução autorização para a realização de uma diligência de busca e apreensão, a ser efectuada nas instalações da “M...C..., Telecomunicações, SA”, na comarca de Oeiras.
O juiz de instrução, deferindo a promoção, determinou que se «proceda à apreensão dos elementos referidos a fls. 90, apreensão a efectuar na sequência da busca à M...C..., Telecomunicações, SA», em Barcarena, diligência que deprecou «ao abrigo do artigo 111º, nº 3, alínea b), do Código de Processo Penal».

2. Recebido o pedido na comarca de Oeiras, o juiz de instrução não cumpriu a carta precatória, que interpretou no sentido de lhe ser solicitada a «emissão de mandados de busca e apreensão», justificando a recusa por lhe «parecer evidente» que «a menos que se trate de ouvir testemunhas, ou vendas em processos de natureza executiva (execuções anteriores à reforma processual operada pelo DL nº 38/2003, de 8 de Março), não faz sentido que um juiz determine que outro faça seu um despacho que não é seu, decidindo, sem decidir, porque já estava decidido, numa espécie de assinar de cruz, o que sucederia in casu se fosse o juiz de instrução criminal de Oeiras a assinar os mandatos para a realização de buscas, porquanto teria que produzir, anteriormente à realização de tal acto, um despacho fundamentando a realização de tal diligência, nada o obrigando a fazer seu um despacho de natureza probatória com o qual não tem sequer que concordar».
Concluiu, pois, «que o tribunal de instrução criminal é funcionalmente competente para, em processo de inquérito que corre seus termos na área da sua jurisdição, deprecar uma busca que tenha sido promovida, emitindo os correspondentes mandados, ainda que tais diligências sejam a realizar em área de outra comarca, não podendo indeferir tais diligências com fundamento em incompetência territorial».
«Para além do que supra se referiu, na situação de que cuidamos estamos perante um processo de inquérito, ou seja estamos perante uma fase processual onde se investiga a prática de crimes e dos seus agentes, que como é sabido é de competência exclusiva do Mº. Pº, enquanto titular da acção penal, é este magistrado que detém o domínio do inquérito coadjuvado pelos órgãos de policia criminal, sendo por isso da sua competência em colaboração com aqueles órgãos a coordenação de meios com vista ao cumprimento das promoções que profere nos autos de inquérito e que vê deferi das por despacho judicial»
Determinou, em consequência, a remessa da precatória ao tribunal deprecante sem o respectivo cumprimento, porquanto a emissão dos correspondentes mandados seria da competência do JIC de Santo Tirso, e a execução competiria ao Mº Pº.

3. Devolvido o expediente a Santo Tirso, o juiz de instrução, invocando que «encontrando-se em causa uma busca a realizar no âmbito do art.º 179.º do Código de Processo Penal, a mesma terá de ser presidida por magistrado judicial, não tendo o Juiz de Instrução Criminal de Santo Tirso competência para presidir à mesma, em virtude da localização geográfica do respectivo espaço, sendo de fazer recurso, pois, do mecanismo da carta precatória, nos termos do art.º 111.º, n.º 3, al.ª b), do Código de Processo Penal; ainda que se entendesse que a busca em apreço poderia ser realizada pela entidade policial, a competência para emitir os respectivos mandados e para se consignar que não haveria lugar à presidência respectiva por magistrado judicial sempre seria do tribunal territorialmente competente, mais uma vez sendo de lançar mão do expediente da carta precatória».
«Ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 32.º, 111.º, n.º 43, al.ª b) e 179.º, todos do Código de Processo Penal», o juiz de Santo Tirso, julgou «a Instrução Criminal de Santo Tirso territorialmente incompetente para a emissão de mandados de busca às instalações da M...C... Telecomunicações, SA, sita na Rua Mário Castelhano, nº..., 2749-502 Barcarena», declarando «territorialmente competente para tal efeito a Instrução Criminal de Oeiras».

4. Foi requerida a resolução do conflito assim instalado.
Notificadas as autoridades em conflito, respondeu apenas o juiz de Oeiras, sustentando a sua posição.
Neste Supremo Tribunal, o Exmº Procurador-Geral em desenvolvida e fundamentada opinião pronunciou-se no sentido da competência do juiz de instrução criminal de Santo Tirso para autorizar uma busca (e apreensão), junto de um operador de telecomunicações, de dados e tráfego e de conteúdo.

5. Colhidos os vistos, o processo foi à conferência, cumprindo decidir.

6. A competência territorial para a realização do inquérito pertence ao Ministério Público que exercer funções no local em que o crime tiver sido cometido – artigo 264º, nº 1 do Código de Processo Penal.
A competência territorial do juiz de instrução para praticar ou autorizar a prática durante o inquérito de actos da competência material e funcional do juiz (artigos 268º e 269º do CPP), define-se pelos critérios que determinam a competência territorial para a realização do inquérito – artigo 79º, nº 1 da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais (Lei nº 2/99, de 13 de Janeiro).
A competência dos tribunais de instrução criminal para intervir «fora da sua área territorial de competência» só actuará quando «o interesse ou urgência da investigação o justifique» - artigo 79º, nº 2 da Lei 3/99.
A autorização ou a determinação para que se proceda a apreensões de correspondência ou à intercepção de comunicações, designadamente correio electrónico ou outras formas de transmissão de dados por via telemática (artigo 269º, nº 1, alíneas b) e c) e 190º do CPP) compete, assim, ao juiz de instrução que, nas circunstâncias, for o competente para praticar os actos jurisdicionais relativos ao inquérito em que a diligência se revele necessária.
Por outro lado, quando haja que praticar actos fora dos limites da competência territorial da autoridade que proferir uma ordem, a comunicação entre autoridades judiciárias para a prática do acto assume a forma de carta precatória – artigo 111º, nº 2, alínea b) do CPP.
Deste modo, a autorização de busca e apreensão e a emissão do correspondente mandado deve ser da competência do juiz de instrução que for territorialmente competente no lugar onde corre o inquérito em que se verifica a necessidade da prática do acto, ou seja, no caso, o juiz de instrução de Santo Tirso.
A prática de acto que deva ter lugar fora dos limites da competência territorial da autoridade que proferir a ordem, deve ser solicitada, por carta precatória, à autoridade judiciária que detiver competência na respectiva área.
Deste modo, a autorização deve ser concedida, se disso for caso, pela autoridade que detém competência material, funcional e territorial (Santo Tirso), e a prática do acto será solicitada à autoridade territorialmente competente, dado que não estão referidas circunstâncias que tivessem possibilitado a extensão da competência prevista no artigo 79º, nº 2 da Lei nº 3/99, de 13 de Janeiro.
Como refere o Exmº Procurador-Geral, «a busca e apreensão a efectuar junto dos operadores de telecomunicações depende de ordem ou autorização do juiz de instrução».
«A competência funcional para a decretar é a do juiz de instrução do processo, no caso, de Santo Tirso, e não, por regra, a qualquer outro com jurisdição noutra área territorial».
«É certo que as buscas deverão ser, sempre que possível, presididas pela autoridade que as autorizou - art.º 174.°, 3 do Cód. Proc. Penal. Contudo, só nos casos previstos no n.º 3 do art.º 177.º é que terão que ser obrigatoriamente presididas pelo juiz».
«O mesmo sucede relativamente às apreensões. Competindo ao JIC a ordem ou autorização de apreensão de correspondência (e similares, com idêntica tutela), só se impõe a sua presidência do correspondente acto, desde que aquele seja operada em escritório de advogado, consultório médico ou estabelecimento bancário».
«Assim, não sendo actos a que obrigatoriamente tenha que presidir, mas tão só autorizar ou ordenar, não vemos em que medida é que fica afectado na sua competência funcional pelo facto daqueles terem que ser praticados noutra área territorial».
«Não se trata, pois, de competência para cumprir carta precatória, mas sim de competência para autorizar uma busca (e apreensão), junto de um operador de telecomunicações, de dados e tráfego e de conteúdo».
«E esta terá que ser efectuada pelo JIC com competência funcional para tal, ou seja, o de Santo Tirso».
«Já a questão relativa à execução destes meios de obtenção de prova, que deverá ser presidida sempre que possível pela autoridade que a autorizou, competirá, se for caso disso, ao Ex.mo JIC de Oeiras».

7. Nestes termos, decide-se o conflito, considerando competente para autorizar a busca e a apreensão e emitir o correspondente mandado o juiz e instrução criminal de Santo Tirso.

Lisboa, 11 de Julho de 2007


Henriques Gaspar (relator)
Soreto de Barros
Santos Monteiro