Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
ACIDENTE DE VIAÇÃO
VALIDADE DO CONTRATO DE SEGURO
PRIVAÇÃO DO USO DE VEÍCULO
Sumário
I - A sentença absolutória da seguradora demandada não faz caso julgado, quanto a ela, quando no recurso interposto pelos intervenientes se discute a validade do contrato de seguro. II - É válido o contrato de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel celebrado por quem não seja proprietário do veículo cujo risco se segura, independentemente do interesse económico que enforma o disposto no art.º 428.º do Código Comercial, relevando, para este efeito, qualquer relação económica de interesse entre o segurado e o veículo seguro, quer no momento da celebração, quer no do sinistro. III - A responsabilidade coberta no seguro de veículo afere-se pela do condutor responsável civil, figure ou não no contrato como tomador ou beneficiário do seguro. IV - A anulabilidade decorrente de falsas declarações prestadas aquando da celebração do contrato não é oponível aos lesados. V - O montante indemnizatório pela privação do uso do veículo deve ser reduzido quando haja concurso do lesado para o agravamento desse dano, mediante o protelamento da manutenção da situação, muito para além do razoável, por inércia ou outra causa não justificada.
I - RELATÓRIO.
1. “B…, Ldª” instaurou, em 29/11/2005, no Tribunal da Comarca de Murça, acção declarativa emergente de acidente de viação, com forma de processo ordinário, contra “Companhia de Seguros C…, S.A.”, pedindo a condenação da R. a pagar-lhe, a título de danos patrimoniais, a quantia de € 208.319,84, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação até efectivo e integral pagamento.
Invoca para tanto a ocorrência de um acidente de viação, que descreve, em que intervieram o seu veículo tractor pesado, semi-reboque, de matrícula NQ-..-../VI-…., conduzido por D…, e o veículo ligeiro de passageiros de matrícula ..-..-RR, conduzido por E… e propriedade de F…, que, por contrato de seguro, havia transferido para a R. a sua responsabilidade civil por danos causados com o veículo, cuja culpa na produção do acidente atribui à condutora do RR, acidente de que lhe advieram os danos patrimoniais que descrimina, por cujo ressarcimento é responsável a R, por força do contrato de seguro.
2. Contestou a R.por excepção, invocando a nulidade e a anulabilidade do contrato de seguro, porquanto o proprietário do veículo ligeiro não tinha transferido para ela a sua responsabilidade civil por danos causados com o veículo, pois que, tendo celebrado, em 16/1/1999, contrato de seguro com G… relativo ao veículo de matrícula ..-..-DN, esse contrato foi alterado em 30/9/2000, passando a estar segurado o veículo de matrícula ..-..-EE, e, em 27/5/2001, foi objecto de nova alteração, com inclusão nele do veículo interveniente no acidente, vindo a apurar, na sequência da participação do acidente, que o referido G... não era, nem nunca tinha sido, seu proprietário, usufrutuário ou condutor habitual, qualidades detidas pelo proprietário do veículo, sendo falsas as declarações constantes da proposta de seguro, as quais visaram evitar um agravamento do prémio em 40%, decorrente do facto de, aquando do contrato inicial, F…, filho do referido G…, ter 21 anos de idade e possuir carta de condução há menos de dois anos, e por impugnação, designadamente quanto às circunstâncias em que ocorreu o acidente e aos danos peticionados, atribuindo a culpa na produção do acidente ao condutor do veículo da A.
Conclui pela procedência das excepções de nulidade/anulabilidade do contrato de seguro e pela improcedência da acção e, consequentemente, pela sua absolvição do pedido.
3. Respondeu a A. que, depois de impugnar, por desconhecimento, os factos alegados pela R. integradores da invocada nulidade/anulabilidade do contrato de seguro, mas sem deixar de sustentar que, enquanto terceiro, lhe não são oponíveis, deduziu o incidente de intervenção principal provocada do Fundo de Garantia Automóvel, de E… e de “H…, S.A.”, pedindo a condenação solidária dos chamados e da R. no pedido.
4. Admitido, sem oposição da R., o incidente deduzido pela A., na sequência da sua citação, contestaram dois dos intervenientes nos seguintes termos:
a) O Fundo de Garantia Automóvel apresentou defesa por excepção, em que, depois de sustentar a inexistência dos vícios do contrato de seguro invocados pela R., argui a sua ilegitimidade por não ter sido demandado o responsável civil, e por impugnação, concluindo pela sua absolvição da instância e pelo julgamento da acção de acordo com a prova que viesse a ser produzida.
b) “I…, S.A.” (denominação actual de “H…, S.A.”) defende-se igualmente por excepção, invocando a sua ilegitimidade, por não ter qualquer interesse no desfecho da lide, já que apenas financiou, mediante reserva de propriedade, a aquisição do veículo RR por parte de F…, e por impugnação, alegando desconhecer quer os danos peticionados, quer as circunstâncias que rodearam a outorga do contrato de seguro, terminando a pedir a improcedência da acção quanto a si.
5. Deduzido pela A., após convite que lhe foi endereçado pelo Tribunal recorrido, o incidente de intervenção principal provocada de F…, este apresentou contestação na qual, depois de fazer seu o articulado do Fundo de Garantia Automóvel, termina pela sua absolvição do pedido.
6. Foi proferido despacho saneador que, depois de afirmar a validade e regularidade da instância e julgando improcedentes as excepções de ilegitimidade invocadas pelo Fundo de Garantia Automóvel e de “I…, S.A.”, declarou a matéria assente e elaborou base instrutória, que se fixaram com atendimento parcial da reclamação deduzida pela R. seguradora.
7. Instruída a causa, procedeu-se a julgamento com gravação e inspecção judicial ao local, em que a A. reduziu o pedido para € 171.977,64 e, sem que a decisão da matéria de facto tivesse sido objecto de censura, veio a ser proferida sentença cujo dispositivo édo seguinte teor:
a) Declaro a nulidade do contrato de seguro alegado no art. 23º da petição inicial (fls. 5) e referido nos pontos 43) a 50) da matéria de facto provada, supra, e, em consequência, absolvo a R., Companhia de Seguros C…, SA., do pedido;
b) absolvo a chamada I…, SA., do pedido;
c) condeno os chamados Fundo de Garantia Automóvel, E… e F… a pagarem à autora, a título solidário, a quantia total de € 141.677,76 (cento e quarenta e um mil seiscentos e setenta e sete euros e setenta e seis cêntimos), acrescida de juros de mora, contados desde a citação até integral pagamento, à taxa de 4%, sem prejuízo de outras taxas que, eventualmente, venham a vigorar;
d) condeno os chamados E… e F… a pagarem à autora, a título solidário, a quantia total de € 299,28 (duzentos e noventa e nove euros e vinte e oito cêntimos), correspondente à franquia prevista no art. 21º, nº 3, do DL 522/85, de 31 de Dezembro, acrescida de juros de mora, contados desde a citação até integral pagamento, à taxa de 4%, sem prejuízo de outras taxas que, eventualmente, venham a vigorar.
8. Inconformados, apelaram o Fundo de Garantia Automóvel e F… que, nas respectivas alegações, formulam as seguintes conclusões:
O Fundo de Garantia Automóvel:
1ª: Entendeu o Tribunal a quo que o seguro que havia sido celebrado com a C… para o veículo de matrícula ..-..-RR era nulo nos termos do artigo 428º do Código Comercial já que o segurado não tinha qualquer interesse na coisa objecto de seguro.
2ª: Na óptica do Apelante, a decisão do Tribunal peca desde logo por dar acolhimento àquilo que se configura como abuso de direito por parte da R. C… ao invocar a invalidade do contrato com base naqueles factos.
3ª: Como resulta da matéria de facto, o tomador do seguro G…, pai do proprietário e condutor habitual do veículo RR e aqui Réu nestes autos, dirigiu-se a um agente da C…, pretendendo celebrar seguro para o veículo de matrícula RR e ao fazê-lo intitulou-se não o seu proprietário mas sim usufrutuário do mesmo.
4ª: A C… aceita celebrar o seguro em tais condições, mantendo-o ao longo do tempo, nunca suscitando qualquer questão, recebendo os prémios de seguro respectivos.
5ª: Se a questão da propriedade era para a Seguradora tão importante, tão essencial para a celebração do contrato, como é que aceitou o seguro sem sequer se preocupar em verificar quem era afinal o proprietário já que era sua obrigação exigir toda a documentação relativa ao veículo para poder avaliar de forma correcta o risco que assume contratualmente.
6ª: Decorre por isso muito claramente dos autos que a questão da propriedade dos veículos nunca foi ao longo dos anos essencial para a R. C… que aceitou o seguro e as suas sucessivas alterações sem nunca ter colocado o menor entrave - pelo menos até ao momento em que foi chamada à responsabilidade nestes autos, pretendendo eximir-se da mesma, invocando a questão da falta de interesse do tomador do seguro.
7ª: Esta conduta configura um abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprio, e é ainda altamente reprovável por gerar a instabilidade e insegurança jurídicas que se impõem numa matéria tão sensível e tão relevante como é o seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel.
8ª: E mais, se a R. C… considerou o contrato nulo como alega, facto é que também nunca devolveu ao tomador do seguro os prémios que tinham sido afinal indevidamente pagos.
9ª: Por estes motivos, entende o Apelante que ao assim decidir, violou a sentença o disposto no artigo 334º do Código Civil.
10ª: Por outro lado o Tribunal a quo julgou o seguro nulo ao abrigo do disposto no artigo 428º do Código Comercial por considerar que o tomador do seguro não tinha qualquer interesse no objecto do contrato.
11ª: O artigo 7º nº 3 do Código Civil consagra a regra “Lex generalis derogat lex specialis”.
12ª: O vetusto artigo 428º do Código Comercial aplica-se em geral aos contratos de seguro.
13ª: Mas à data do acidente, e mesmo muito antes disso, já vigorava um diploma relativo apenas ao seguro de responsabilidade civil automóvel: o D.L. 522/85.
14ª: Da conjugação dos artigos 1º e 2º desse diploma retira-se que toda a pessoa que possa ser civilmente responsável pela reparação de danos causados por veículos terrestres a motor deve celebrar um seguro que garanta essa mesma responsabilidade, obrigação essa que impende muito especificamente sobre o proprietário do veículo, o usufrutuário, o adquirente ou o seu locatário.
15ª: No entanto, prescreve o artigo 2º nº 2 do D.L. 522/85 de 31.12 que: “Se qualquer outra pessoa celebrar, relativamente ao veículo, contrato de seguro que satisfaça o disposto no presente diploma, fica suprida, enquanto o contrato produzir efeitos, a obrigação das pessoas referidas no número anterior.”
16ª: Daquele preceito resulta muito claramente que o legislador quis introduzir um “entorse” ou excepção à regra geral dos contratos de seguro, permitindo que relativamente ao seguro de responsabilidade civil automóvel fosse permitido a qualquer pessoa celebrá-lo, tendo interesse ou não no objecto do contrato.
17ª: Tal entendimento tem merecido o acolhimento da vasta maioria da doutrina e jurisprudência.
18ª: Entende por isso o Apelante que o Tribunal ao decidir pela nulidade do contrato de seguro nos termos em que o fez, violou o artigo 7º nº 3 do Código Civil, bem como os artigos 1º, 2º e 14º do D.L. 522/85 de 31.12.
19ª: Entendeu o Tribunal a quo que a Autora tinha o direito a ser ressarcida pelo tempo durante o qual o veículo de que era proprietária ficou paralisado, avaliando esse dano em € 134.309,20.
20ª: Entende o Apelante que atendendo à factualidade alegada e dada como provada, tal indemnização é exorbitante e desprovida de qualquer sentido.
21ª: O Apelante concorda que a privação do veículo automóvel é, de per si, gerador de prejuízos passíveis de indemnização.
22ª: O problema é que alegou a Autora que o veículo tractor da sua propriedade tinha ficado completamente destruído, insusceptível de qualquer utilização, o que significava a sua perda total, de onde resultava um prejuízo imediato de € 30.000,00 valor que era o que o veículo tinha à data do acidente (art. 8º da P.I.)
23ª: No entanto, não se coibiu de alegar também que pretendia ser indemnizada pelo período de tempo em que ficou sem a disponibilidade desse veículo tractor, desde a data do acidente - 01 de Junho de 2003 - até à data da interposição da acção em juízo - 30.11.2005, à razão de mais de € 200 por dia.
24ª: De facto, se o veículo ficou destruído, sem possibilidade de reparação, não há uma privação temporária do uso do mesmo… mas sim uma privação definitiva pois afinal nada há para reparar!
25ª: Mas o Tribunal entendeu que não se provou a perda total do veículo e por isso não atribuiu à Autora o direito de ser ressarcida do valor venal do veículo destruído. Mas entendeu que tinha por isso direito ao dano da privação do mesmo.
26ª: Se o Tribunal afinal entendeu que o veículo podia ser reparado, o mesmo só não o foi afinal por inércia da Autora que não ordenou a sua reparação.
27ª: Significa isto que foi a própria conduta negligente da Autora em não ordenar a reparação que permitiu que os prejuízos se avolumassem desmesuradamente.
28ª: Diferente seria se a Autora tivesse alegado e provado que não dispunha de capacidade financeira para o efeito - aí sim, a responsabilidade não seria sua porque a reparação não dependia apenas da sua vontade.
29ª: Mas a realidade é que à razão de € 200 por dia, isso significava que ao longo de um ano civil aquele veículo poderia gerar uma receita não inferior a € 75.000,00, valor mais do que suficiente ou para reparar o veículo tractor ou até para comprar um outro semelhante ao sinistrado com o valor de € 30.000,00, mesmo se levarmos em conta o que a A. gastaria em gasóleo e na sua manutenção.
30ª: Por estes motivos é que o Apelante considera que a indemnização fixada pela paralisação do veículo não é justificada, devida ou proporcional e violou por isso o estatuído nos artigos 483º, 564º, 566º e 570º do Código Civil que se mostram por isso irremediavelmente violados.
31ª: Atento tudo quanto exposto, requer o Apelante que seja revogada a sentença ora em crise e seja substituída por uma outra nos sentidos atrás indicados, só assim se fazendo a mais sã e já costumeira JUSTIÇA F…:
1ª: O Tribunal “a quo” considerou nulo o contrato de seguro relativo ao veículo ..-..-RR por entender, no essencial, que o segurado, pai do aqui Recorrente, não tinha qualquer interesse patrimonial na sua celebração;
2ª: Da matéria considerada provada ressalta que o tomador do seguro, G…, pai do Recorrente, se dirigiu a um agente da Recorrida para celebrar contrato de seguro para o veículo com a matrícula RR - e que se intitulou usufrutuário do mesmo;
3ª: Resulta ainda da mesma decisão que a Recorrida aceitou a celebração do mesmo e que ao longo de vários anos recebeu e fez seus os prémios pela existência de tal contrato;
4ª: O que fez sem cuidar de saber se eram verdadeiras tais condições e sem sequer fazer verificação documental;
5ª: Ora, tais factos significam, desde logo, que a Recorrida não teve por essencial a identidade do conduto habitual do veículo;
6ª: E tal facto também não quer dizer que o tomador do seguro não tivesse interesse na coisa segurada;
7ª: A Recorrida actuou na formação do contrato de seguro, sem sindicar, como lhe competia, e poderia tê-lo feito sem qualquer dificuldade, a identidade do condutor habitual do veículo;
8ª: O que constitui “venire contra facto proprium”;
9ª: A Recorrida não comunicou ao tomador do seguro qualquer invalidade relativa ao mesmo antes sinistro;
10ª: E, de acordo com o disposto no artº 14 da Lei 522/85, de 31.12, à data em vigor, não pode a Recorrida opor ao terceiro lesado vício contratual, que não tinha oposto ao tomador em data anterior ao sinistro;
11ª: Neste particular e uma vez que estamos no âmbito de seguro obrigatório, cujo regime especial consta vertido no mencionado diploma legal, as formas de extinção do contrato celebrado têm, necessariamente, de ocorrer e produzir os efeitos em momento anterior ao sinistro;
12ª: Tanto mais que o seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel teve como objectivo, e como medida de relevante interesse social, a protecção directa e célere dos legítimos interesses e direitos das pessoas lesadas em consequência de acidente de viação, o que postula um seguro em que vigora a máxima amplitude do principio da inoponibilidade das excepções contratuais.
13ª: Ora, a Recorrida só invocou a invalidade do contrato de seguro celebrado em 26.08.2003, ou seja em data posterior ao acidente de viação em apreciação nestes autos;
14ª: Sendo que até essa data o dito contrato produziu os seus efeitos normais, não podendo agora a Recorrida Seguradora prevalecer-se da anulabilidade, que é, segundo a jurisprudência quase unânime, aquela que está consignada no artº 429 do CC, com que apenas invocou após o acidente e depois de lhe ser assacada responsabilidade pelo ressarcimento devido;
15ª: Além de que, por indemonstrado, não resulta da sentença do Tribunal a quo, que as declarações do tomador do seguro, tivessem sido essenciais na celebração do contrato e nas condições do mesmo, e ainda que a seguradora não teria contrato, ou nos termos em que o fez, se conhecesse a verdadeira identidade do condutor habitual;
16ª: O Tribunal a quo ao decidir pela “nulidade” do contrato de seguros nos termos expressos na sentença, desrespeitou o disposto no art. 9º, 342, nº 2 do CC, art. 429 do C. Com. e arts. 1, 2, 8 e 14 do D.L 522/85, de 31.12.
TERMOS EM QUE DEVE SER REVOGADA A SENTENÇA SINDICADA E PROFERIDA DOUTA DECISÃO NOS TERMOS INDICADOS, ASSIM FAZENDO JUSTIÇA.
8. Tendo a R. seguradora apresentado alegações em que suscita, como questões prévias, a eliminação dos factos provados constantes do item 42) da sentença recorrida, por apenas poderem ser provados por documento escrito, que não se mostra junto aos autos, e o caso julgado formado relativamente à sua absolvição do pedido, e sustenta a improcedência das apelações, excepto no que se refere à questão do dano de privação de uso do veículo, colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
II. FUNDAMENTAÇÃO.
1. Na sentença recorrida foram considerados provados os seguintes factos:
a) Constantes da matéria de facto assente:
1) F… nasceu a 29-06-1977 (A);
2) F… encontra-se registado como sendo filho de G… e de J… – cfr. doc. de fls. 110 (B);
3) I…, SA., incorporou, por fusão, H…, SA. – cfr. doc. de fls. 184-200 (C);
4) Por escrito, datado de 30-05-2001, H…, SA., por um lado, e F…, por outro lado, declararam celebrar entre si contrato denominado de “Financiamento para aquisição de bens de consumo duradouros” (D);
5) Do escrito referido em 4), consta que H…, SA., se obriga a financiar a aquisição do veículo de marca AUDI, modelo …, de matrícula ..-..-RR, no valor de 4.800.000$00, e, após tal aquisição, a ceder o gozo respectivo ao R. F…, pelo período de 60 meses, mediante o pagamento por este de uma “renda”, no valor mensal de 49.975$00, acrescido de 10.200$00, a título de despesas do contrato - cfr. doc. de fls. 201-202 (E);
6) Para garantia da devolução pelo R. F… à R. H…, SA., da quantia mencionada em 5), aquele subscreveu uma “livrança”, apondo a sua assinatura no lugar destinado ao “subscritor”, e dando autorização ao seu preenchimento pela R. H…, SA. – cfr. doc. de fls. 203 (F);
7) F… sempre pagou a quantia mensal aludida em 5) - (G);
8) Em Janeiro de 2004, F… liquidou a quantia total em falta - (H);
9) Quando foi integralmente paga a quantia referida em 5, a R. I…, SA., enviou ao R. F… escrito a extinguir os efeitos do documento referido em 4) e 5) - (I);
10) O veículo referenciado em 4) nunca foi utilizado pela R. I…, SA. (J);
11) A R. I…, SA., nunca teve conhecimento que o veículo RR fosse utilizado por terceiros (L);
12) À R. I…, SA., nunca foi pedida qualquer autorização sobre a utilização ou manutenção do RR (M);
b) Resultantes das respostas dadas à base instrutória:
13) No dia 01-06-2003, pelas 18H10, no …, ao km 137,200, no Concelho de Murça, ocorreu um embate, no qual foram intervenientes o veículo ligeiro de passageiros de matrícula ..-..-RR e o veículo tractor pesado/semi-reboque de matrícula NQ-..-../VI-…., conduzidos, respectivamente, por E… e D… (1º);
14) O RR circulava no sentido Vila Real/Bragança (2º);
15) O NQ circulava no sentido Bragança/Vila Real (3º);
16) A condutora do RR, ao descrever uma curva para a esquerda, considerando o seu sentido de marcha, perdeu o controlo do veículo que conduzia (5º);
17) E invadiu a hemi-faixa por onde o NQ circulava, cortando-lhe a linha de circulação (6º);
18) Vindo a embater com a parte da frente e lado direito do veículo por si conduzido na parte frontal esquerda do veículo NQ (7º);
19) Com o embate, o NQ sofreu um despiste para o lado esquerdo, tendo em atenção o seu sentido de marcha, embatendo e transpondo os raylles existentes no local (8º);
20) À data do embate, o estado do tempo era de chuva (9º);
21) O pavimento da faixa e rodagem encontrava-se molhado (10º);
22) No local do embate, atento o sentido de marcha Vila Real/Bragança, a faixa de rodagem do IP descrevia uma curva para a esquerda (13º);
23) Que permitia avistar a faixa de rodagem em toda a sua largura a distância superior a 50 m (14º);
24) D…, na ocasião, conduzia o veículo NQ ao serviço, como trabalhador da A., seguindo as instruções e orientações desta última (17º);
25) O veículo NQ ficou posicionado após o embate tal como se encontra descrito no croquis de fls. 8, elaborado pela entidade policial que tomou conta da ocorrência (25º);
26) O veículo RR ficou posicionado após o embate tal como se encontra descrito no croquis de fls. 8, elaborado pela entidade policial que tomou conta da ocorrência (26º/27º);
27) O tractor de matrícula NQ ficou muito danificado (28º);
28) O valor comercial do NQ era de € 30.000,00 (29º)
29) A galera de matrícula VI-…. sofreu estragos, que se localizam, designadamente, nos faróis, farolins, chapas TO e de matrícula, cavalete e bobine de travão, o que determina a necessidade de substituição e reparação respectivas (30º);
30) Na sua reparação, a A. despendeu a quantia de € 2 997,91 (31º);
31) No transporte da galera para a oficina onde devia ser reparada, em …, e daqui para …, a A. gastou o montante de € 952,00 (32º);
32) Pela substituição de dois pneus da galera, que rebentaram, a A. despendeu a importância de € 1.003,00 (33º);
33) Pela remoção do veículo do local do acidente para …, a A. pagou a quantia de € 1.190,00 (34º);
34) No transporte de madeira para o NQ transportava, do local do embate até às instalações da “K…”, na …, a A. despendeu a importância de € 1.141,40 (35º);
35) Em consequência do embate, a A. perdeu o gasóleo que se encontrava no depósito, no valor de, pelo menos, € 332,93 (36º);
36) O condutor do NQ foi socorrido no Serviço de Urgência do Hospital …, tendo sido pago, pelos serviços prestados, a importância de € 50,60 (37º);
37) A A. dedica-se ao serviço de transporte de mercadorias no País e para o estrangeiro (38º);
38) Tendo-lhe sido atribuída a licença nº …./2002 para transporte rodoviário internacional de mercadorias por conta de outrem, válida desde 14-06-2002 até 14-06-2007 (39º);
39) O NQ estava afecto ao serviço internacional, efectuando transportes de Portugal para o estrangeiro, nomeadamente para países da União Europeia, e destes para Portugal (40º);
40) A paralisação do NQ, em consequência do embate, causa à autora um prejuízo diário, desde a data do embate até 01-07-2004, no montante de € 204,80 (41º);
41) E, a partir de 01-07-2004 até ao momento, no montante diário de € 210,20 (42º);
42) A Companhia de Seguros C…, SA., por um lado, e F…, por outro, declararam, por escrito, assumir a primeira, mediante quantia a pagar pelo segundo, a responsabilidade civil por danos causados a terceiros com o veículo de matrícula ..-..-RR (43º) - factos excluídos pelas razões que constam infra na questão prévia da fundamentação;
43) Aos 16-01-1999, e para ter início nesta data pelo prazo de um ano e seguintes, G… assinou por escrito denominado “Ramo Automóvel Proposta”, pelo qual a Companhia de Seguros C…, SA., por um lado, e aquele, por outro, declararam assumir a primeira, mediante quantia a pagar pelo segundo, a responsabilidade civil por danos causados a terceiros com o veículo de matrícula ..-..-DN (44º);
44) Naquele escrito, na parte reservada à identificação da “qualidade em que propõe o seguro”, consta “usufrutuário” (45º);
45) Na identificação do “condutor habitual” consta a data de nascimento 6-9-52; n.º de carta de condução P-…… e data 7-2-75 (46º);
46) Na parte reservada ao questionário consta, quanto à questão “Segurado no Ramo Automóvel com outros veículos?” a resposta “Sim - Companhia L…” (47º);
47) G… declarou por escrito que “Encontrava o presente risco seguro noutra Seguradora”, identificada como L…, sob a “apólice …..”, não existindo “quaisquer outros débitos por falta de pagamentos de prémios ou fracções” (48º);
48) Em complemento daquele escrito, G… solicitou à R. Companhia de Seguros C…, SA., desconto especial, que lhe foi concedido (49º);
49) Aos 30-09-2000, por escrito, Companhia de Seguros C…, SA., por um lado, e G…, por outro, declararam proceder a nova alteração do escrito aludido em 43), assumindo a primeira, mediante o pagamento de uma quantia pelo segundo, a responsabilidade civil por danos causados a terceiros do veículo de matrícula ..-..-EE, por exclusão do veículo ..-…-DN (50º);
50) Aos 27-05-2001, por escrito, Companhia de Seguros C…, SA., por um lado, e G…, por outro, declararam proceder a nova alteração do escrito aludido em 43, assumindo a primeira, mediante o pagamento de uma quantia pelo segundo, a responsabilidade civil por danos causados a terceiros do veículo de matrícula ..-..-RR, por exclusão do veículo ..-..-EE (51º);
51) Apenas a 27-06-2003 deu entrada na dependência de … da R. Companhia de Seguros C…, SA., a participação do embate subscrita por G… (52º);
52) E só em 01-07-2003, a A. enviou à R. Companhia de Seguros C…, SA., escrito denominado de Participação de Acidente de Viação”, elaborado pela Brigada de Trânsito da GNR (53º);
53) Recebidas tais participações, o R. F… informou a R. Companhia de Seguros C…, SA., que G… nunca conduziu, de forma habitual, os veículos referenciados em 43, 49 e 50 (54º);
54) F… era quem, à data do embate, de forma habitual, conduzia o RR (56º);
55) Bem como foi o condutor habitual dos veículos referenciados em 43) e 49)
(57º);
56) Aos 26-08-2003, a R. Companhia de Seguros C…, SA., remeteu à A. e a G…, um escrito, do qual consta “… Na sequência da averiguação efectuada, concluímos que a apólice em questão deverá ser considerada nula e de nenhum efeito, desde 27-01-01 …” (61º).
Encontra-se ainda provada, por documento, a seguinte factualidade:
57) A A. mostra-se matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Mirandela com o n.º ……… - cfr. fls. 303 e ss. e 374 e ss.;
58) D… foi designado gerente da autora em 20-03-2002 e encontra-se inscrito como tal na Conservatória do Registo Comercial de Mirandela – cfr. fls. 303 e ss. e 374 e ss.;
59) D… é titular da carta de condução n.º P-……-., emitida em 07-02-1975 - cfr. fls. 427;
60) F… é titular da carta de condução n.º P-……-., emitida em 17-08-1995 - cfr. fls. 429;
61) O R. F… mostra-se inscrito, desde 27-01-1997, na Conservatória do Registo Automóvel do Porto, como titular do direito de propriedade sobre o veículo ..-..-DN - cfr. fls. 451;
62) O R. F… mostra-se inscrito, desde 10-11-2000, na Conservatória do Registo Automóvel do Porto, como titular do direito de propriedade sobre o veículo ..-..-EE - cfr. fls. 453;
63) O R. F… mostra-se inscrito, desde 31-07-2001, na Conservatória do Registo Automóvel do Porto, como titular do direito de propriedade sobre o veículo ..-..-RR, encontrando-se, ainda, inscrito, por respeito ao mesmo veículo, o encargo de reserva de propriedade a favor de H…, SA., desde 31-07-2001 – cfr. fls. 323 e 455.
2. Considerando que o objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões das alegações dos recorrentes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso, que neles se apreciam questões e não razões e não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo teor da decisão recorrida, as questões suscitadas nas apelações são as da validade do contrato de seguro e o montante do dano de privação de uso do veículo.
Questões prévias:
Nas alegações que ofereceu a R. seguradora sustenta a eliminação do item 42) dos factos provados da sentença recorrida, com o fundamento de que os mesmos apenas podiam ser tidos como provados por documento, nenhum se mostrando junto aos autos que os comprove.
Adiantando-se da razão que assiste à R., vejamos porquê.
Os factos em causa – (“A Companhia de Seguros C…, S.A.”, por um lado, e F…, por outro, declararam, por escrito, assumir a primeira, mediante quantia a pagar pelo segundo, a responsabilidade civil por danos causados a terceiros com o veículo de matrícula ..-..-RR”) –, resultantes de resposta afirmativa dada ao artº 43º da base instrutória, levam a extrair a conclusão de que entre a seguradora e F… havia sido celebrado um contrato de seguro do ramo automóvel relativo ao veículo em causa.
Exceptuando a alegação da A. no artº 23º da petição inicial - “O proprietário do veículo ligeiro ..-..-RR havia transferido para a ré a sua responsabilidade civil emergente de acidentes de viação, por contrato de seguro titulado pela apólice nº …......, vigente à data do acidente” -, sendo que antes havia atribuído a propriedade do veículo ao referido F…, tais factos não foram alegados por nenhuma outra das partes (incluindo o interveniente F…), e foram abundantemente contrariados pela R. na contestação, pelo que a sua inclusão no acervo dos provados, estava dependente de produção de prova.
Ora, apesar de na motivação da decisão da matéria de facto constar a referência a vários documentos (cfr. fls. 666 e 667), certo é que deles não consta qualquer um que suporte uma resposta afirmativa.
Como decorre do artº 426º do Código Comercial, o contrato de seguro é um negócio jurídico formal, que deve ser reduzido a escrito num instrumento, que constitui a apólice de seguro, o qual deve ser datado, assinada pelo segurador e enunciar o nome ou firma e o domicílio do segurador e do segurado, o objecto seguro e a sua natureza e valor, os riscos contra que se fez o seguro e o período em que vigore, a quantia segurada, o prémio do seguro e, em geral, todas as circunstâncias cujo conhecimento possa interessar o segurador, bem como todas as condições estipuladas pelas partes.
Portanto, no contrato de seguro, a forma não é exigida apenas para prova do negócio, mas sim para que o mesmo se considere existente (ou, pelo menos, válido), ou seja, a apólice é a forma necessária para a própria existência do contrato. Sem apólice não há seguro. Aquela é ao mesmo tempo título constitutivo e documento probatório do contrato de seguro.
Isto significa, que, na falta de apólice, o contrato de seguro é formalmente nulo, ou até inexistente. Preenchida a forma, o contrato existe, produzindo todos os seus efeitos, desde a data da apresentação da proposta.
Efectivamente, o facto de o contrato de seguro ser solene, sendo “ad substantiam” a sua redução a escrito, significa que o negócio jurídico não tem existência legal enquanto não estiver lavrada a apólice ou documento equivalente.
Assim, há que concluir que a existência e validade do contrato de seguro apenas se prova por documento escrito, constituindo a respectiva apólice, ou minuta depois de aceite pela seguradora, documento “ad substantiam” insubstituível por qualquer outro meio de prova.
Analisados os autos constata-se que não consta dos mesmos qualquer apólice ou outro documento (v.g. proposta ou minuta) comprovativo da existência de contrato de seguro em que o interveniente F… figure como tomador e a R. como seguradora, através do qual aquele haja transferido para esta a sua responsabilidade civil por danos causados a terceiros com o veículo de matrícula ..-..-RR, pelo que há que retirar dos factos provados os que deles constam sob o item 42).
Defende ainda a R. seguradora nas respectivas alegações que não tendo a A. recorrido da sentença, quer a título principal, quer a título subordinado, a mesma transitou em julgado quanto a ela.
A questão colocada é, assim, a de saber, na eventualidade da procedência da questão da validade do contrato de seguro, suscitada pelo Fundo de Garantia Automóvel e por F…, em que termos deve operar essa procedência, ou seja, se isso resulta apenas na absolvição dos recorrentes ou implica a condenação da seguradora, que foi absolvida na sentença recorrida, em consequência da declaração de nulidade do contrato de seguro.
Pelos fundamentos aduzidos no acórdão deste Tribunal e Secção de 18/6/2008 (relator Teles de Menezes e Melo), www.dgsi.pt., com os quais se concorda e se acompanham, improcede esta questão prévia.
Dispondo o nº 4 do artº 684º do Código de Processo Civil que “Os efeitos do julgado, na parte não recorrida, não podem ser prejudicados pela decisão do recurso nem pela anulação do processo”, tal norma parece implicar que a situação da seguradora absolvida é inalterável.
Deve, contudo, entender-se que a sentença, tendo sido dela interposto recurso pelo Fundo, não transitou em julgado relativamente à seguradora.
É que a função do Fundo de Garantia Automóvel, prevista no nº 2 do artº 21º do DL 522/85, de 31/12, na redacção dos DL’s 122-A/86, de 30/5, e 130/94, de 19/5, é garantir as indemnizações por morte e lesões corporais, quando o responsável seja desconhecido ou não beneficie de seguro válido ou eficaz, ou for declarada a falência da seguradora - alínea a) -, por lesões materiais, quando o responsável, sendo conhecido, não beneficie de seguro válido ou eficaz - alínea b).
Tal significa que, em primeira linha, a responsabilidade recai sobre a seguradora, apenas nascendo a responsabilidade do Fundo (e do responsável) quando não exista seguradora, o seguro não seja válido ou eficaz, ou a seguradora esteja falida. O que implica que as responsabilidades de ambos, Fundo e seguradora, se excluam uma à outra.
Por isso, apesar de integrarem, processualmente, a posição de réus, a seguradora e o Fundo têm interesses diametralmente opostos, na medida em que a responsabilidade deste só surge quando seja de afastar a responsabilidade da outra.
Daí que o nº 5 do artº 21º do DL 522/85, introduzido pelo DL 130/94, disponha que “Ocorrendo um fundado conflito entre o Fundo e uma seguradora sobre qual deles recai o dever de indemnizar, caberá ao Fundo reparar os danos sofridos pelos lesados, sem prejuízo de vir a ser reembolsado pela seguradora, nos termos previstos no nº 1 do artigo 25º, se sobre esta vier, a final, a impender essa responsabilidade”.
Esta norma retrata o antagonismo subjacente às posições do Fundo e da seguradora que, para afastarem a responsabilidade própria têm de invocar a do outro.
Com efeito, a defesa do Fundo passará, sempre, caso queira afastar integralmente a sua responsabilidade, pela invocação da existência de contrato de seguro válido e eficaz.
Por isso, desde que o Fundo interponha recurso da sentença, invocando a responsabilidade da seguradora que foi absolvida, a sentença absolutória não pode transitar em julgado, porque não pode falar-se de parte não recorrida, não obstante a A. não ter impugnado a decisão, nomeadamente mediante recurso subordinado.
Na verdade, em matéria de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, sendo a filosofia subjacente a de que os lesados nunca podem ficar sem a indemnização a que têm direito, a absolvição de uma seguradora, em casos de culpa do condutor, ou de funcionamento da responsabilidade pelo risco, apenas pode ocorrer quando inexista seguro ou este seja inválido ou ineficaz, ou quando se encontre falida, casos em que entra a responder pela indemnização o Fundo.
Assim, a responsabilidade de um exclui a do outro. O que não pode acontecer é que ambos, nas hipóteses de culpa do lesante, sejam absolvidos.
Havendo que absolver o FGA, se se concluir pela inoponibilidade das excepções invocadas pela seguradora, nomeadamente a nulidade/anulabilidade do contrato de seguro, compete à demandada seguradora satisfazer as indemnizações decorrentes do acidente.
Daí que, tendo o Fundo interposto recurso da sentença que o condenou, por entender que o seguro é válido e eficaz, vindo a decidir-se em conformidade, a seguradora tem de ser condenada, por dever entender-se que a sentença que a absolveu, dadas as razões expostas, não transitou quanto a ela.
Foi por isso, por existir conflito de interesses entre o Fundo e ela, que esta ofereceu contra-alegações ao recurso do Fundo, as quais não teriam sentido se não houvesse possibilidade de vir a ser condenada, nem em casos de co-réus fora do âmbito do seguro de responsabilidade civil automóvel.
Assim, caso proceda a questão suscitada pelo Fundo da validade do contrato de seguro, tal implique a condenação da R. seguradora, argumentos que são igualmente válidos quanto ao interveniente F…, demandado na qualidade de proprietário do veículo, que igualmente interpôs recurso e cuja condenação apenas se justifica na hipótese de o contrato de seguro não ser válido.
Validade do contrato de seguro.
Como resulta do dispositivo da sentença recorrida, foi declarada, ao abrigo do disposto no artº 428º do Código Comercial, a nulidade do contrato de seguro referido nos pontos 43) a 50) da matéria de facto provada e, consequentemente, foi a R. seguradora absolvida do pedido, contra o que se insurgem os recorrentes, que defendem a sua validade.
Colhe-se da fundamentação da sentença recorrida que, para declarar nulo o contrato de seguro, foi considerado que o tomador do seguro não tinha qualquer interesse patrimonial da celebração do contrato.
E para sustentar a sua validade, os recorrentes invocam a figura do abuso do direito, consubstanciado na alegação de que a R. seguradora sempre recebeu os prémios e nunca os devolveu, e a prevalência decorrente da especialidade da Lei do Seguro Obrigatório (DL nº 522/85, de 31/12) em face da lei geral constante do Código Comercial.
Apreciemos, sem deixar de ter presente que a factualidade a considerar é a que foi tida como provada na sentença recorrida, nomeadamente, no que à questão em apreço interessa, a constante dos itens 43) a 55).
Em face dessa factualidade, sabe-se que, através de proposta inicial, datada e com início em 16/1/1999, assinada por G…, dela constando a sua qualidade de usufrutuário do veículo ..-..-DN, a identificação do condutor habitual como tendo a data de nascimento de 6/9/52 e carta de condução com data de 7/2/75, a R. assumiu a responsabilidade civil por danos causados a terceiros com o veículo de matrícula ..-..-DN, tendo feito um desconto especial no prémio, a solicitação do tomador do seguro.
Na sequência de duas alterações, a responsabilidade civil assumida pela R. passou a respeitar ao veículo de matrícula ..-..-EE (em 30/9/2000) e, posteriormente (a partir de 27/5/2001) ao veículo de matrícula ..-..-RR, interveniente no acidente dos autos.
Mais se provou que, na sequência das participações do embate feitas pelo tomador do seguro e pela A., a R. foi informada por F… - proprietário dos veículos -, que o tomador do seguro nunca conduziu, de forma habitual, qualquer dos veículos e que era ele quem, à data do embate, conduzia o RR, bem como havia sido o condutor habitual do DN e do EE.
Importa, perante esta matéria de facto, apurar se o contrato de seguro é nulo ou anulável, por força do disposto nos artºs 428º, § 1º, e 429º do Código Comercial.
Começando por analisar a nulidade do contrato de seguro por falta de interesse do tomador para a sua celebração, podendo o seguro ser contratado por conta própria ou por conta de outrem - corpo do artº 428º do Código Comercial -, dispõe o § primeiro, que “Se aquele por quem ou em nome de quem o seguro é feito não tem interesse na cousa segurada, o seguro é nulo”.
Apesar do disposto neste preceito legal a reputar de nulo o contrato de seguro feito por quem não tem interesse na coisa segurada, a questão não é assim tão líquida.
Como é afirmado no acórdão do STJ de 22/10/2009, www.dgsi.pt., é frequente que, movido por várias razões e não raro industriado por agente da seguradora, o tomador do seguro declare ser proprietário do veículo quando este pertence e é utilizado por outra pessoa, suscitando-se então a questão de saber se nos encontramos perante falsas declarações quanto ao risco, determinantes da anulabilidade do negócio nos termos do artº 429º do Código Comercial, ou de falta de interesse do tomador do seguro, de que resultará a nulidade do contrato, nos termos do citado artº 428º, § 1º.
No seguro contra danos, impõe-se que o tomador do seguro seja titular de um interesse segurável, sendo que o interesse, em geral, será a relação jurídica por força da qual, verificado o sinistro, o tomador deve suportar um prejuízo, podendo a seguradora, ao aceitar o risco, não ter interesse em aspectos subjectivos que a ele respeitem.
Mas, mesmo que assim não suceda, podendo intervir no risco elementos subjectivos que a ela interessem - tal como a propriedade do veículo, cujo titular pode influir, v. g. através da sua idade, no montante do prémio do seguro, o mesmo sucedendo quanto à identidade do seu condutor habitual, sendo o seguro obrigatório automóvel, por natureza, um seguro por conta, já que abrange a responsabilidade civil do tomador do seguro, dos sujeitos da obrigação de segurar e dos legítimos detentores e condutores do veículo (artº 8º, nº 1, do DL 522/85, de 31/12 – Lei do Seguro Obrigatório) –, pode qualquer pessoa celebrá-lo, caso em que, face ao disposto no artº 2º, nº 2 do DL 522/85 (“Se qualquer outra pessoa celebrar, relativamente ao veículo, contrato de seguro que satisfaça o disposto no presente diploma, fica suprida, enquanto o contrato produzir efeitos, a obrigação das pessoas referidas no número anterior”), a obrigação de segurar fica suprida, enquanto o contrato produzir efeitos.
Tal significa que o seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, pode ser celebrado, validamente, por quem não seja o proprietário do veículo cujo risco se segura, independentemente do interesse económico que enforma o disposto no artº 428º do Código Comercial, não podendo, assim, invocar-se a falta de interesse ou a inexistência de um seguro por conta.
Aliás, doutrina e jurisprudência vêm entendendo que o seguro pode ser feito por quem não é dono da coisa mas tem interesse em segurá-la, podendo o segurador não ser o dono da coisa mas a deter por qualquer título que o obrigue a restituí-la.
Relevante, para o efeito, será a existência de uma "relação económica de interesse entre o segurado e o bem exposto ao risco", relação que não se esgota nos institutos de propriedade, usufruto, posse ou mesmo numa relação creditícia, podendo ser qualquer outra que justifique o interesse", sendo que o interesse na coisa segurada não pode deixar de ser aferido também no momento do sinistro e não apenas no momento da celebração do contrato.
Provado, embora, que o tomador do seguro não era proprietário do veículo, mas seu pai [factos provados de 2)], daí não advém necessária e automaticamente a nulidade do contrato cominada no citado artº 428º.
É que, é à parte a quem a invalidade aproveita que compete alegar e provar, nos termos do artº 342º, nº 2, do Código Civil, que ao tomador do seguro não assistia nenhum outro título legítimo que lhe permitisse a celebração do contrato de seguro, pelo que era sobre a R. seguradora que impendia o ónus da alegação e prova dos factos conducentes à alegada nulidade, dado ser esta vício impeditivo e extintivo do direito contra si invocado, sendo certo que não o fez, já que, apesar de vir provado que o condutor habitual do veículo era F…, daí não se pode concluir que o tomador nenhum interesse tinha na coisa segurada.
Acresce que, como se lê no relatório do DL 522/85 “A institucionalização do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel revelou-se uma medida de alcance social inquestionável, que com o decurso do tempo, apenas impõe reforçar e aperfeiçoar, procurando dar uma resposta cabal aos legítimos interesses dos lesados por acidente de viação”.
Por isso, dada a relevância social do regime do seguro obrigatório enquanto meio de protecção directa dos lesados (e não dos segurados) “não é de estranhar que se tenha acolhido com a máxima amplitude o princípio da inoponibilidade das excepções contratuais gerais” ... “Daí que, neste campo do seguro obrigatório, de pouco valha já argumentar com a natureza e efeitos do carácter pessoal do contrato ... sendo certo, de qualquer modo, que a questão de a seguradora assumir o risco emergente de responsabilidade imputável ao condutor em nada colida com a circunstância de o outorgante no contrato de seguro ser qualquer outra pessoa; A responsabilidade coberta no seguro de veículo afere-se pela do condutor responsável civil - artº 5º do DL 522/85 -, figure ou não no contrato com o tomador ou beneficiário do seguro” - cfr., neste sentido, o acórdão do STJ de 31/5/2011, www.dgsi.pt..
Mais se afirma, no mesmo aresto acabado de citar, que aquela relevância social de protecção dos lesados e “socialização do risco”, de expressão cada vez mais evidente - cfr. actual DL 291/2007 de 21/8 - ... erguem-se como valores que bem podem justificar a legitimação do seguro efectuado por terceiros, para além do conceito de “interesse” subjacente ao preceito do Código Comercial (lei geral), não repugnando aceitar a derrogação da norma pelas leis de Seguro Obrigatório, enquanto enformadoras dum regime especial”, que conclui no sentido de que não é pela falta de interesse do tomador do seguro que o contrato em causa é nulo.
Mesmo que assim se não entendesse, sempre se colocaria a questão de saber se tais vícios podem ser oponíveis aos lesados, face à jurisprudência do Tribunal de Justiça da Comunidade Europeia que vem entendendo que, à excepção do caso previsto no artº 2º, nº 1 da segunda directiva (pessoas que se encontrem no veículo causador do sinistro e que tenham conhecimento de que este fora roubado), de interpretação restrita, são inadmissíveis disposições legais ou contratuais que excluam, em determinadas circunstâncias, a prestação da seguradora - cfr. primeiro dos citados arestos do STJ.
Do que se deixa exposto, conclui-se que não é pela falta de interesse do tomador do seguro que o contrato em causa nos autos é nulo, como decidiu a sentença recorrida.
Quanto à pretendida anulabilidade do contrato de seguro, defendida pela R. seguradora na contestação e baseada no facto de o tomador ter prestado falsas declarações, ela não é oponível aos lesados.
Dispõe o artº 429º do Código Comercial:
“Toda a declaração inexacta, assim como toda a reticência de factos ou circunstâncias conhecidas pelo segurado ou por quem fez o seguro, e que teriam podido influir sobre a existência ou condições do contrato tornam o seguro nulo. § único. Se da parte de quem fez as declarações tiver havido má fé o segurador terá direito ao prémio”.
Tem-se entendido, de forma pacífica, que a “nulidade” a que o preceito se reporta configura uma simples anulabilidade – citados arestos do STJ.
Constitui o mesmo preceito um afloramento do erro vício da vontade: o erro que atinja os motivos determinantes da vontade, quando se refira à pessoa do declaratário ou ao objecto do negócio, torna este anulável ... desde que o declaratário conhecesse ou não devesse ignorar a essencialidade, para o declarante, do elemento sobre que incidiu o erro (arts 251º e 247º do Código Civil), sendo certo que o Código Civil então vigente não distinguia entre nulidade e anulabilidade.
Trata-se de uma situação em que a seguradora se decide a perseguir a função económico-social do negócio partindo de um conhecimento erróneo ou de uma previsão enganosa (José Vasques, Contrato de Seguro, pág. 380).
Só que, ainda que se conceda que o tomador do seguro prestou declarações inexactas que foram determinantes para que a seguradora aceitasse contratar nos termos em que o fez, sendo certo que, se conhecesse a realidade concreta, isto é, que o RR pertencia ao interveniente F… e que este era titular de carta de condução há menos de 2 anos e tinha idade inferior a 25 anos, tendo em conta a data da proposta inicial, teria negociado outras condições, designadamente, teria agravado o prémio contratado, ou seja, que o contrato de seguro sofre do vício de anulabilidade, tal vício não pode ser oposto pela seguradora aos lesados no acidente (e, no caso, reflexamente ao F.G.A.).
É o que resulta do artº 14º do DL 522/85, segundo o qual “para além das exclusões ou anulabilidades que sejam estabelecidas no presente diploma, a seguradora apenas pode opor aos seus lesados a cessação do contrato nos termos do nº 1 do artigo anterior, ou a sua resolução ou nulidade, nos termos legais e regulamentares em vigor, desde que anteriores à data do sinistro”.
De acordo com esse preceito legal, no âmbito dos contratos de seguro que tenham por objecto a cobertura de riscos sujeitos ao regime do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, a seguradora só pode invocar perante os lesados (isto é, só pode opor-lhes) as anulabilidades que estejam previstas na lei do seguro obrigatório (à data dos factos, no DL 522/85).
Qualquer outro vício gerador de anulabilidade do contrato, previsto noutro diploma legal ou norma jurídica geral ou especial, não pode ser aposta aos lesados.
Assim, uma vez que as declarações inexactas ou reticentes a que se refere o artº 429º do Código Comercial geram a anulabilidade do contrato e não a sua nulidade, não pode a seguradora prevalecer-se do vício (anulabilidade) contra os lesados no acidente, e, consequentemente, também não pode opor tal vício ao Fundo de Garantia Automóvel, que se encontra sub-rogado nos respectivos direitos.
Procede, portanto, esta questão suscitada pelos apelantes, prejudicado ficando o conhecimento do alegado abuso do direito da R. para invocar a nulidade/anulabilidade do contrato de seguro.
Montante do dano de privação de uso do veículo.
Tendo a A. formulado os pedidos de indemnização de € 80.896, correspondentes ao prejuízo que sofreu com a paralisação do veículo tractor por força do sinistro até 01-07-2004, à razão diária de € 204,80, conforme estabelecido por tabela distribuída pela ANTRAM, resultante de acordo estabelecido entre esta e as Seguradoras (i), e de € 89.755,40, que respeita ao prejuízo que sofreu com a paralisação da viatura acima referida a partir de 01-07-2004 até á data de apresentação da petição inicial em Juízo, posto que, de acordo com a aludida tabela actualizada, o valor diário nela estabelecido é de € 210,20 (j), conhecendo de tais pedidos e considerando a redução do pedido formulada pela A. a fls. 662 e os factos provados de 37) a 41), a sentença recorrida, arbitrou-lhe a indemnização global de € 134.309,20, correspondente aos montantes parcelares de, respectivamente, € 56.115,20 e € 78.194.
O recorrente Fundo de Garantia Automóvel questionou o montante indemnizatório nos termos que constam das conclusões 19ª a 30ª, reputando-a de injustificada, indevida e desproporcional, e, nas alegações que ofereceu, a R. aderiu à posição assumida pelo Fundo, pelo que há que conhecer da questão.
Com interesse para a questão em apreço, importa considerar, para além dos factos que constam como provados em 27), 28) e 37) a 41), que a A. alegou que, em consequência do acidente o tractor NQ ficou destruído, alegação que veio a integrar o artº 28º da base instrutória, que obteve resposta nos termos que constam do item 27) dos factos provados.
Em matéria de obrigação de indemnização rege, como princípio geral, o da reconstituição natural, expresso no artº 562º do Código Civil (diploma a que pertencerão os demais preceitos legais doravante a citar, sem outra indicação de origem), ao estabelecer que «Quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação».
“O fim precípuo da lei nesta matéria é (...) o de prover à directa remoção do dano real à custa do responsável, visto ser esse o meio mais eficaz de garantir o interesse capital da integridade das pessoas, dos bens ou dos direitos sobre estes” (A. Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, 7ª ed., pág. 903).
Só quando a reparação natural não for possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor é que a indemnização é fixada em dinheiro (artº 566º, nº 1), devendo reflectir a diferença entre a situação patrimonial do lesado na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal e a que existiria nessa data, se não fossem os danos (nº 2 do artº 566º).
A obrigação de indemnização abrange todos os danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão, que tiveram como causa adequada o acidente, impendendo sobre o lesante o dever de reparar o prejuízo causado (danos emergentes), bem como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência do evento danoso, incluindo os danos futuros, desde que previsíveis, segundo um juízo de normalidade (lucros cessantes) – artºs 563º e 564º, nºs 1 e 2.
Independentemente da posição que se assuma sobre o dano de privação de uso de veículo, sendo que este colectivo se tem pronunciado, v.g. em acórdão proferido, em 11/11/2010, na apelação nº 2285/05.7TBVCD, apoiando-se na doutrina e jurisprudência nele citado, no sentido de que a privação de uso constitui por si, autonomamente, um dano indemnizável sem necessidade de comprovação de prejuízos concretos, por termos como evidente que constituindo o simples uso de um veículo uma vantagem patrimonial susceptível de avaliação pecuniária, a privação do uso constituirá um dano patrimonial, visto o disposto no artº 1305º, indemnizável por força do disposto nos artºs 483º e 562º e segs., e que mesmo na falta de elementos concretos que permitam quantificá-lo, ou na falta de alegação e prova da impossibilidade de utilizar outro durante o período de privação, não pode deixar de ser ressarcido, com apelo à equidade, ou seja ao prudente arbítrio do julgador, ponderadas as circunstâncias do caso - cfr. artº 566º, nº3, e Ac do STJ de 29/11/2005, CJ/STJ, Tomo III, pág. 151 -, certo é que, no caso dos autos vem provado um prejuízo efectivo da A., porquanto, na sequência do acidente, o tractor de matrícula NQ ficou muito danificado, sendo o seu valor comercial do NQ de € 30.000, e que a A. se dedica ao serviço de transporte de mercadorias no País e para o estrangeiro, sendo detentora da licença nº …./2002 para transporte rodoviário internacional de mercadorias por conta de outrem, válida desde 14-06-2002 até 14-06-2007, e, estando o NQ estava afecto ao serviço internacional, efectuando transportes de Portugal para o estrangeiro, nomeadamente para países da União Europeia, e destes para Portugal, a paralisação do NQ causou-lhe um prejuízo diário, desde a data do embate até 01-07-2004, no montante de € 204,80, e, a partir de 01-07-2004 até ao momento, no montante diário de € 210,20, no montante global de € 189.564, correspondente à soma das parcelas de € 81.100,80 e € 108.463,20, calculados na sentença recorrida do seguinte modo [(período compreendido entre a data do acidente – 1/6/2003 – e 1/7/2004 = 396 dias x € 204,80) + período compreendido entre 1/7/2004 e 20/11/2005 = 516 dias x € 210,20)], sentença que, por força da redução do pedido formulada em audiência pela A., reduziu o pedido indemnizatório em apreço para o montante global de € 134.309,20 (€ 56.115,20 + € 78.194).
Vindo questionado, ainda assim, esse montante indemnizatório, cumprindo decidir se o mesmo é de manter ou, como sustenta o apelante Fundo, no que foi acompanhado pela R., se é de reduzir, entendemos que a razão está do lado do apelante.
A A., que havia alegado que tinha ocorrido a perda total do tractor NQ, mas que apenas logrou provar que o mesmo ficou bastante danificado e que o seu valor comercial era de € 30.000, tinha conhecimento, desde 26-08-2003 (o acidente ocorreu em 1/6/2003), da posição da R. quanto à recusa de a indemnizar [factos provados de 56)], pelo que dispunha, desde essa data de todos os elementos que lhe permitiam instaurar a acção, apenas o tendo feito em 20/11/2005.
Face a esse circunstancialismo, não pode deixar de considerar-se que a A. sabia ou, pelo menos, tinha obrigação de saber que do protelamento da instauração da acção resultava o agravamento dos custos de privação em termos proporcionais ao tempo que em que se dilataria a decisão da questão litigiosa da responsabilidade.
Ora, se é verdade, que não impende sobre o lesado a obrigação de adoptar condutas destinadas à protecção de interesses do lesante ou da sua seguradora, de eliminação ou atenuação do dano, já parece de se lhe exigir, perante os concretos contornos da situação, para cuja ultrapassagem a R. não tinha acção, que “actuasse com a diligência adequada a ver decidida a questão litigiosa” (ac. STJ, de 29/11/2005 – CJ XIII-III-153).
Aconselhavam-no as regras da boa fé, atenta a posição do lesado, que sempre teria de tomar a iniciativa de agir judicialmente, sem que se vislumbre numa actuação mais precoce qualquer desprotecção dos seus interesses, apresentando-se, consequentemente, a sua passividade como irrazoável e contrária ao padrão de uma normalidade interventora a permitir considerar «culposa» a inércia do lesado e defender uma auto-responsabilidade que, sendo actuada pela ponderação das duas condutas e pela consequente repartição do dano global, só logrará atingir o seu significado se o lesado vier a receber uma indemnização nunca superior àquela que receberia caso tivesse contido o dano – cfr., neste sentido, o acórdão do STJ de 9/3/2010, em www.dgsi.pt..
Daí que estejamos numa situação de redução do montante indemnizatório fundada no concurso de facto da lesada para o agravamento do dano de privação do uso, mediante o protelamento da manutenção da situação muito para além do razoável - por pura inércia ou por outra causa para que se não encontra justificação, mas lhe é imputável -, a solicitar a intervenção do regime jurídico previsto no artº 570º, nº 1.
Deve, por via disso, reduzir-se o valor da indemnização para limites razoáveis por referência ao desnecessário e inadequado protelamento da instauração da acção, em repartição do dano global considerado, para cuja contenção a A. se absteve de contribuir, tanto mais que não logrou provar que ocorrer a perda do veículo, que se sabe ter ficado muito danificado, mas cujo valor da reparação se desconhece.
Considera-se que estes factos e que, em termos de normalidade e razoabilidade, é aceitável, no máximo, um prazo que, incluindo o tempo decorrido até à decisão de não proceder à reparação, não excedesse metade do prazo disponível para o exercício do direito de instauração do pleito destinado a pôr fim à situação litigiosa, prazo esse ultrapassado em cerca de um ano, tendo em conta o prazo da prescrição que é de 3 anos, em julgamento equitativo, como justa e equilibrada, na ponderação do montante global em que o dano vem valorado e da intervenção das exigências do princípio geral da boa fé no concurso da culpa do lesado (artºs 570º, nº 1, e 762º), uma indemnização global pelo prejuízo decorrente da paralisação do veículo da A. de € 70.000.
Responsável pelo pagamento da indemnização é, como acima se referiu, a R..
III. DECISÃO.
Pelo exposto, acordam os juízes que constituem esta Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto em julgar procedentes as apelações interpostas pelo Fundo de Garantia Automóvel e por F… e, consequentemente, revogando a sentença recorrida, em condenar a R. seguradora a pagar à A. a quantia de € 77.967,12, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação até integral pagamento, absolvendo os intervenientes do pedido.
*
Custas das apelações, e na 1ª Instância, por A. e R. na proporção do decaimento.
*
Porto, 22/09/2001
António do Amaral Ferreira
Deolinda Maria Fazendas Borges Varão
Evaristo José Freitas Vieira