REINCIDÊNCIA
PRESSUPOSTOS
PLURIOCASIONALIDADE
FACTOS PROVADOS
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
CULPA
PREVENÇÃO GERAL
PREVENÇÃO ESPECIAL
IN DUBIO PRO REO
Sumário

I - Como é jurisprudência dominante, a reincidência não opera como mero efeito automático das anteriores condenações, não sendo suficiente erigir a história delitual do arguido em pressuposto automático da agravação (Acs. do STJ de 20-09-1995, Proc. n.º 48167, de 12-03-1998, BMJ 474.º/492, de 15-12-1998, CJSTJ 1998, tomo 3, pág. 241, de 27-09-2000, BMJ 499.º/132, de 15-03-2006, Proc. n.º 119/06 - 3.ª, de 12-07-2006, Proc. n.º 1933/06 - 3.ª, e de 24-01-2007, Proc. n.º 4455/06 - 3.ª).
II - De acordo com o art. 75.º do CP, com a redacção conferida pelo DL 48/95, de 15-03, são pressupostos formais desta agravante:
- a prática, por si só ou sob qualquer forma de comparticipação, de crime doloso;
- a punição com pena de prisão efectiva superior a 6 meses;
- a condenação anterior transitada em julgado em pena de prisão efectiva superior a 6 meses por outro crime doloso;
- um lapso de tempo não superior a 5 anos entre a prática do crime anterior e a do seguinte.
III - Para além dos citados pressupostos formais, acresce um pressuposto substantivo ou material, conforme prescreve a parte final do n.º 1 do citado preceito: a punição na forma agravada só terá lugar «se, de acordo com as circunstâncias do caso, o agente for de censurar por a condenação ou as condenações anteriores não lhe terem servido de suficiente advertência contra o crime».
IV - Segundo Maia Gonçalves (Código Penal Anotado, 16.ª edição, págs. 268-269), exige-se expressamente, para que a reincidência funcione, a verificação de que a condenação ou condenações anteriores não constituíram suficiente advertência contra o crime, tratando-se manifestamente de uma prevenção especial. Faz-se assim a exigência da concreta verificação do funcionamento desta qualificativa, o que implica indagação da correspondente matéria de facto.
V - Para Cavaleiro Ferreira (Lições de Direito Penal, Parte Geral, II, Verbo, 1989, págs. 151-152), a fundamentação da agravação está na falta de eficácia da pena aplicada pelo primeiro crime, sendo a nova condenação o indício relevante da falta de efectiva adesão do delinquente às injunções da lei.
VI - Retomando esta ideia, Germano Marques da Silva (Direito Penal Português, Parte Geral, III, pág. 154) adianta que tal indício não vale por si só, sendo necessário que, de acordo com as circunstâncias do caso, o agente seja de censurar por a condenação anterior não lhe ter servido de suficiente motivação para não praticar novos crimes.
VII - Ainda segundo Cavaleiro Ferreira, ibidem, a alteração da pena aplicável não é imposta por lei, mas terá lugar se as circunstâncias do caso concreto revelarem, na apreciação do tribunal, que a condenação anterior não constituiu suficiente prevenção contra o crime. Acrescenta que a reincidência denuncia a insuficiência da prevenção contra o crime da condenação anterior.
VIII - Como expendia Eduardo Correia (Direito Criminal, II, pág. 162), para além ou em vez da propensão criminosa, a que a declaração de habitualidade também atende, há sempre, assim, que considerar o desrespeito pela advertência contida na condenação.
IX - A este propósito, Figueiredo Dias (Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, pág. 268) afirma: «É no desrespeito ou desatenção do agente por esta advertência que o legislador vê fundamento para uma maior censura e portanto para uma culpa agravada relativa ao facto cometido pelo reincidente. É nele, por conseguinte, que reside o lídimo pressuposto material – no sentido de «substancial», mas também no sentido de pressuposto de funcionamento “não automático” – da reincidência».
X - Impõe-se, por isso, para demonstração desta qualificativa, uma específica comprovação factual, uma enunciação de factos concretos dos quais se possa retirar a ilação de que a recidiva se explica por o arguido não ter sentido e interiorizado a admonição contra o crime, veiculada pela anterior condenação e que conduz à falência desta no que respeita ao desiderato dissuasor.
XI - A agravação da pena assenta, essencialmente, numa maior disposição para o crime, num maior grau de culpa, decorrente da circunstância de, apesar de ter sido condenado em prisão efectiva, insistir em delinquir, donde resulta um maior grau de censura, por aquela não ter constituído suficiente advertência, não se ter revelado eficaz na prevenção da reincidência. E só através da análise do caso concreto, do seu específico enquadramento, de uma avaliação judicial concreta das circunstâncias, se poderá concluir estarmos perante um caso de culpa agravada, devendo o arguido ser censurado por a condenação anterior não lhe ter servido de suficiente advertência contra o crime, ou, antes, uma situação em que inexiste fundamento para a agravação da pena, por se tratar de simples pluriocasionalidade.
XII - No condicionalismo da parte final do n.º 1 do art. 75.º do CP encontra-se espelhada a essência da reincidência, sendo, precisamente, face à necessária análise casuística, que se distinguirá o reincidente do multiocasional. A pluriocasionalidade verifica-se quando a reiteração na prática do crime seja devida a causas meramente fortuitas ou exclusivamente exógenas, que não se radicam na personalidade do agente, em que não se está perante a formação paulatina do hábito enraizada na personalidade, tratando-se antes de repetição, de renovação da actividade criminosa, meramente ocasional, acidental, esporádica, em que as circunstâncias do novo crime não são susceptíveis de revelar maior culpabilidade, em que desaparece a indiciação de especial perigosidade, normalmente resultante da reiteração dum crime.
XIII - Assim, se no acórdão recorrido, na fundamentação de facto, inexiste a mínima referência factual que substancie o elemento material da reincidência, quedando-se os factos provados por conterem apenas referências às condenações anteriores, será de desconsiderar tal qualificativa, com naturais reflexos ao nível da medida da pena, pois o limite mínimo da pena aplicável é alterado.
XIV - A suspensão da execução da pena depende da verificação cumulativa de dois pressupostos: que a medida desta não seja superior a 3 anos (pressuposto formal) e que o tribunal, atendendo à personalidade do agente e às circunstâncias do facto, conclua por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do agente, ou seja, que a simples censura do facto e a ameaça da pena bastarão para afastar o delinquente da criminalidade (pressuposto material).
XV - Não são considerações de culpa que interferem nesta abordagem, mas apenas razões ligadas às finalidades preventivas da punição, sejam as de prevenção geral positiva ou de integração, sejam as de prevenção especial de socialização, estas acentuadamente tidas em conta no instituto em questão, desde que satisfeitas as exigências de prevenção geral, ligadas à necessidade de correspondência às expectativas da comunidade na manutenção da validade das normas violadas. É pelas exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico que se limita, mas por elas se limita sempre, o valor da socialização em liberdade que ilumina o instituto.
XVI - Para sua aplicação, no âmbito de um poder-dever, o julgador deve ter a esperança fundada de que a socialização em liberdade possa ser lograda, correndo-se um risco calculado sobre a manutenção do agente em liberdade.
XVII - A aplicação do instituto nada tem a ver com o princípio in dubio pro reo, o que significa que em caso de dúvida sobre o carácter favorável da prognose não tem de funcionar desde logo a suspensão. A medida será aplicada na perspectiva de que o arguido assumirá uma vida futura ordenada e conforme à lei e demonstrará merecer a confiança nele depositada, impendendo sobre ele a ameaça da concretização do facto consumado com o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença se sobrevier revogação, nos termos do art. 56.º do CP. Como esclarece Figueiredo Dias, havendo razões sérias para duvidar da capacidade do agente de não repetir crimes, se for deixado em liberdade, o juízo de prognose deve ser desfavorável e a suspensão negada.

Texto Integral

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

No processo comum colectivo nº 130/05.2PAVNF do 2º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Vila Nova de Famalicão foi submetido a julgamento o arguido AA, solteiro, nascido a 22/05/1967, filho de BB e de CC, natural de São Tomé e Príncipe, residente no Largo de S. Marçal, nº ... Esmeriz, Vila Nova de Famalicão.
Por deliberação do Colectivo foi decidido:
a) condenar o arguido pela autoria, em concurso real, de dois crimes de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo art. 25º, al. a), do D.L. 15/93, nas penas de, cada, 1 ano e 8 meses de prisão, e de um crime continuado ( art. 30º, nº 2, do C.P.), de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art. 3º, nº 1, do D.L.2/98, na pena de 5 meses de prisão, e em cúmulo, na pena única de dois anos e dez meses de prisão;
b) julgar incluído nesse crime continuado o crime pelo qual o arguido foi julgado no processo referido em 2. 1. 25, que passará a ser punido pela acima fixada, nos termos do art. 79º, do C.P.;
c) condenar o arguido pela autoria de infracção contra-ordenacional, p. e p. pelo art.117º, nº 1 e 7, do Código da Estrada, na coima de 300 euros;
d) declarar perdida a favor do Estado a droga apreendida, bem como as quantias monetárias e veículos mencionados, ordenando-se a destruição da primeira.

Inconformado, o arguido interpôs recurso, apresentando a motivação de fls. 478 a 487, que remata com as seguintes conclusões (transcrição):
1- Vem o presente recurso interposto do douto Acórdão, que condenou o arguido ora recorrente, AA em cumulo na pena única de 2 anos 10 meses de prisão pela prática de dois crimes de tráfico de menor gravidade p. e. p. no art. 25 al) a do DL15/93 nas penas de cada de 1 ano e 8 meses de prisão e de um crime continuado de condução sem habilitação legal p.e.p. no art. 3° nº1 do DL 2/98 na pena de 5 meses de prisão.
2- A questão basilar que se coloca no presente recurso é a seguinte: saber se a conduta do arguido integrada na previsão normativa do art. 25 do citado diploma legal - Tráfico de menor Gravidade - e - Condução sem Habilitação legal -, não deve ter a pena a sua execução suspensa.
3- Salvo o devido respeito por melhor opinião, a pena de 2 anos e 10 meses de prisão aplicada ao ora arguido surge desproporcionada, excessiva desconforme com a ilicitude dos factos da culpa revelada.
4- Com efeito, pela droga que foi apreendida ao arguido, pelo seu estado de toxicodependência à data dos factos, pelo facto de nada ter sido encontrado quando foi efectuada a busca á residência do arguido, a pena de prisão efectiva é sem duvida e com o devido respeito exagerada.
5- Pelo exposto, os factos praticados pelo recorrente devem pois, ser aplicada uma suspensão da pena efectiva de prisão, por ser esta a mais adequada.
6- As finalidades das penas visam a protecção dos bens e valores jurídicos e a reintegração do agente delituoso na sociedade, sendo, portanto, necessário um ajustado equilíbrio entre eles.
7- Ponderados todos estes factores, face ao enquadramento jurídico - penal da conduta do recorrente, afiguram-se preenchidos os pressupostos legais para que seja decretada a suspensão da pena.
Pede que seja dado provimento ao recurso, revogando-se a douta decisão recorrida com as legais consequências.

A fls. 495 foi proferido despacho a admitir o recurso e determinaram-se diligências para transcrição do registo da prova, o que no caso, atento o objecto do recurso, de todo em todo se não justificava.
O Magistrado do Ministério Público na 1ª instância produziu a resposta de fls.504 a 506, defendendo a manutenção do decidido.
Neste Tribunal a Exma. Procuradora-Geral Adjunta apôs visto.
Colhidos os vistos e realizado o julgamento, cumpre apreciar.

Referindo-se embora ao excesso e exagero da pena de prisão, a pretensão última do recorrente é a suspensão da execução da pena de prisão que lhe foi imposta.

Vejamos o que ficou assente.

Matéria de Facto Provada

Da audiência de julgamento e dos elementos probatórios constantes dos autos resultaram provados os seguintes factos:
1. No dia 12 de Março de 2005, cerca das 18:00 horas, foi o arguido encontrado por agentes da Polícia de Segurança Pública desta cidade no interior de uma casa abandonada, sita na Rua D. Sancho I nesta cidade de Vila Nova de Famalicão, para onde se deslocara algumas horas antes de bicicleta.
2. Logo que se apercebeu da entrada no edifício dos agentes policiais, o arguido arremessou para o solo uma embalagem em plástico que tinha consigo e que continha 8 embalagens, também em plástico, 7 delas contendo heroína em pó no peso líquido de 1,671 gramas e a restante contendo cocaína em pó no peso líquido de 0,016 gramas.
3. Para além do exposto, o arguido tinha ainda consigo as quantias de € 30,00 em notas e de € 11,51 em moedas, um telemóvel de marca " Samsung ", modelo" SGH " com um cartão da operadora" Vodafone " inserido a que corresponde o n° .., sendo que a primeira das referidas quantias em dinheiro se encontrava no interior de uma das meias que trazia calçadas.
4. No dia 23 de Junho de 2006 foi o mesmo surpreendido junto do "Café ....", sito em Meães, neste concelho, quando ali passava na condução já de um outro ciclomotor, também de sua propriedade, desta feita da marca" Yamaha ", modelo" Target Sports Edition ", de 49,9 cc, de cores preta e vermelha, sem qualquer matrícula aposta e tendo na sua posse o seguinte.
5. Uma embalagem branca contendo 6 pacotes de heroína em pó no peso líquido de 0,925 gramas e que se encontravam dentro da meia que trazia calçada no pé direito;
6. Uma bolsa preta contendo a quantia global de € 49,89 em dinheiro, dividida em 4 notas de € 10,00, 1 nota de € 5,00 e o restante em moedas;
7. Dois telemóveis, um da marca"Siemens", modelo C 55, contendo no seu interior um cartão da operadora"Optimus", com o número 93 8631400 e outro da marca" Nokia ", modelo 8310, com o número 91 3537204;
8. Seis tiras de papel com a inscrição manuscrita do número de telemóvel acima indicado 93 8631400;
9. Três cartões de carregamentos de telemóveis, sendo dois deles referentes aos cartões acima indicados e um outro referente ao número 96 8198618 da operadora" TMN ";
10. Um papel da operadora" Optimus " com a inscrição do número acima indicado e com a anotação manuscrita dos números ... e ...;
11.Um cartão da operadora "Vodafone" contendo inscrito o número ...;
12. Oito recortes de papel contendo inscrições manuscritas de diversos números de telemóveis, de telefones fixos e de nomes.
13. As citadas tiras de papel contendo a inscrição manuscrita de um dos seus números de telemóvel serviam para o arguido entregar aos indivíduos que lhe compravam ou que lhe pretendessem comprar produtos estupefacientes, a fim de facilitar o seu contacto, a consequente encomenda das doses pretendidas e o agendamento das data, horas e locais dos encontros que efectuava com esse objectivo.
14. O arguido havia adquirido em circunstâncias e a indivíduos não determinados com precisão e detinha os referidos produtos estupefacientes, nas datas acima indicadas, com vista à sua venda a terceiros consumidores, por um preço superior ao da sua aquisição e com vista a auferir o lucro correspondente.
15. Sendo que, as quantias monetárias que lhe foram apreendidas provinham de anteriores vendas que o mesmo vinha efectuando e só por força das descritas intervenções policiais não concretizou a venda dos produtos que lhe veio a ser apreendida.
16. Acresce ainda que o arguido adquiriu os acima identificados ciclomotores e a referida bicicleta com dinheiro que obteve com a venda de produtos estupefacientes e utilizava os mesmos para facilitar a sua deslocação e consequentemente a concretização de tal actividade.
17. Sendo que, pelo menos durante o período temporal compreendido entre Abril de 2006 até ao citado dia 23 de Junho desse mesmo ano, o arguido fez-se deslocar várias vezes na condução dos ciclomotores de marca Malagutti (modelo Centro (ZJM36/T), matrícula VNF, de cor clara), e Yamaha (infra referido) pela via pública, quer nas localidades de Esmeriz e Meães, quer mesmo no interior desta cidade de Vila Nova de Famalicão, sem que fosse titular de qualquer habilitação legal para o efeito, o que sucedeu, nomeadamente, nesta última data em que conduziu o ciclomotor da marca" Yamaha " apreendido nos autos pela via pública junto do " Café ... " sito em Meães, neste concelho e sem que o mesmo tivesse aposta a respectiva matrícula.
18. Agindo da forma descrita, tinha o arguido a vontade livre e a perfeita consciência: quer de que adquiria, vendia e detinha para venda lucrativa a terceiros consumidores produtos estupefacientes, concretamente Heroína e Cocaína, cuja aquisição, venda e detenção são proibidas; quer de que conduzia os citados ciclomotores pela via pública sem ser titular de qualquer habilitação legal para esse efeito; quer ainda de que, no citado dia 23 de Junho de 2006, circulava com o acima indicado ciclomotor sem que o mesmo tivesse aposta a respectiva matrícula, bem sabendo que a mesma obrigatória para tal circulação.
19. Para além do que, bem sabia também o arguido que as condutas que protagonizou eram proibidas e punidas por Lei.
20. O arguido tinha aliás sido libertado condicionalmente em 21.08.2002 após ter cumprido cerca de 5 anos e oito meses de prisão referentes ás penas de 6 anos e de 8 meses de prisão em que foi condenado, respectivamente, no âmbito do Processo Comum Colectivo n° 433/99.3 TSVNF (ex 433/99 e antigo 144/97.4 do Tribunal de Circulo de Santo Tirso) que correu termos no 1 ° Juízo Criminal desta Comarca e no Processo Comum Singular n° 651/00.3 TSVNF (ex 471/2000) que correu termos no 2° Juízo Criminal também desta Comarca.
21. Com efeito, o arguido foi condenado, no primeiro dos aludidos processos, na citada pena de 6 anos de prisão pela prática, como autor material e em concurso real de infracções, em 16.08.1996 e em 11.12.1996, respectivamente, de dois crimes de uso e detenção de arma proibida, p. e p. pelo disposto no art° 275°, n° 2 do Código Penal e de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo disposto no art° 21º, n° 1 da Lei n° 15/93 de 22.01.
22. Já no segundo de tais processos foi o arguido condenado na mencionada pena de 8 meses de prisão pela prática, como autor material, de um crime de falsidade de testemunho, p. e p. pelo disposto no art° 360°, nºs. 1 e 3 do Código Penal.
23. O arguido esteve preso preventivamente à ordem do citado Processo Comum Colectivo n° 433/99.3 TSVNF desde 12.12.1996.
24. Depois disso passou a cumprir sucessivamente as ditas penas, de forma ininterrupta (à excepção do período temporal compreendido entre 07.04.1997 e 05.06.1997 em que cumpriu 60 dias de prisão à ordem do Processo Comum Singular n° 52/96 do 2° Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Vila Verde), até ao citado dia 21.08.2002, data em que foi colocado em liberdade condicional, tendo-lhe sido concedida a liberdade definitiva depois em 11.10.2003.
25. Entretanto o arguido voltou a ser julgado e sentenciado, com trânsito em julgado, no Processo Comum Singular, nº 307/06.3PAVNF, por crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. no art. 3°, nº 1, do D.L. nº 2/98, praticado na condução do veículo VNF, pelas 3 horas e 25 minutos do dia 17.5.2006.
Relatório Social
26. O arguido tem o 6° ano de escolaridade.
27. Foi, em criança, vítima de paralisia que lhe afectou o membro inferior direito, condicionando desde então a sua capacidade de locomoção.
28. O arguido continua a residir junto da família natural, actualmente constituída pelo pai (com 78 anos), mãe (72 anos) e um irmão.
29. Habita num anexo, junto à casa dos pais, sem as mínimas condições de habitabilidade porque assim tem possibilidade de total liberdade de entrada e saída da habitação.
30. O arguido beneficia de um limitado apoio dos pais e circunscrito às questões alimentares, não possuindo qualquer rendimento profissional fixo.
31. O arguido não desenvolve actividade profissional ou ocupacional há vários anos, não tem perspectivas de obter qualquer colocação ou ocupação, nem revela motivação suficiente para promover alteração a este nível.

Factos Não Provados
1. Desde meados do mês de Fevereiro de 2005 e até ao dia 23 de Junho de 2006 o arguido, quase diariamente, procedeu à venda a terceiros consumidores que para esse efeito expressamente o procuravam de substâncias estupefacientes, designadamente de Heroína e de Cocaína, produtos que previamente obtinha em circunstâncias e de indivíduos não identificados.
2. Tais vendas ocorreram inicialmente numa casa abandonada então sita na Rua D. Sancho I nesta cidade de Vila Nova de Famalicão para onde o arguido se deslocava, depois de ser contactado telefonicamente pelos consumidores que lhe pretendiam adquirir as referidas substâncias e fazendo-se transportar na bicicleta apreendida nos autos.
3. Após tal intervenção policial, o arguido passou então a exercer a sua actividade de venda dos citados produtos estupefacientes quer junto da Estrada Nacional n° 204, quer em vários pontos da freguesia de Esmeriz, quer mesmo em várias zonas desta cidade de Vila Nova de Famalicão, para onde se deslocava, na condução de um ciclomotor de sua propriedade, de marca" Malaguti ", modelo" Centro ( ZJM36/T ), matricula VNF e de cor clara, sempre que era contactado pelos toxicodependentes que lhe adquiriam tais substâncias.
4. A partir de Maio de 2006 o arguido começou então a desenvolver a dita actividade na sua residência sita no Largo de S. Marçal, n° ..., Esmeriz, Vila Nova de Famalicão, local onde se passaram a dirigir então os toxicodependentes que lhe adquiriam as citadas substâncias estupefacientes.
5. Para além do que, os acima referidos recortes de papel contendo diversos nomes e números de telemóvel e de telefone fixo constituíam a agenda do arguido e era, nomeadamente, através deles que o mesmo contactava os seus clientes.
6. Nas datas referidas em 2.1. o arguido havia adquirido em quantidades superiores às que lhe foram apreendidas.

Apreciando.

Antes de avançarmos há que ter em conta o ocorrido com a qualificação do crime de tráfico de estupefacientes.
Na acusação deduzida o Mº Pº imputou ao arguido, para além da prática da contra- ordenação e do crime de condução intitulada, o cometimento de «um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. nos termos do disposto no art. 21º, nº 1, com referência às Tabelas I-A e I-B anexas, do Decreto – Lei nº 15/93 de 22.01 pelo qual deverá ser punido como reincidente, nos termos do disposto nos arts. 75º e 76º do Código Penal».
Da acta de fls 472/3, antes de se consignar a leitura do acórdão, consta despacho onde se diz que da matéria da acusação e da produção da prova feita no decurso da presente audiência de julgamento, resulta a imputação ao arguido da prática de dois crimes p. e p. pelo art. 25º, al. a) do D.L.15/93, e não de um crime p. e p. pelo art.21º, nº 1 do D.L. 15/93.
Verificando-se uma alteração da qualificação dos factos imputados ao arguido, foi a mesma comunicada nos termos do n º 1 do art. 358º do C. P. Penal, nada sendo requerido e prescindindo o arguido do prazo para apresentação de defesa.
No relatório do acórdão, sob a designação de «Alteração da qualificação» dá-se nota de se ter procedido a tal requalificação e que em vez de um único crime de condução sem carta estava-se perante um crime continuado.

Da reincidência

Na fundamentação, ao enumerar os factos provados, apenas se referem as condenações anteriores, nada se referindo sobre o exposto na acusação: «As citadas condenações e o cumprimento das ditas penas de prisão não constituíram suficiente advertência, nem lograram afastar o arguido da prática dos factos por que se encontra agora acusado e que consubstanciam o crime de tráfico de estupefacientes que lhe é imputado».
Apenas na fundamentação de direito, ao versar a medida concreta da pena, alude-se de forma perfunctória à imputação de reincidência, reproduzindo-se então ipsis verbis o que constava da acusação, concluindo que a moldura das penas a aplicar terá em conta a previsão do art. 76º do C. Penal.
Por último, no dispositivo, não há a mínima alusão a reincidência.

Como é jurisprudência dominante, a circunstância qualificativa da reincidência não opera como mero efeito automático das anteriores condenações, não sendo suficiente erigir a história delitual do arguido em pressuposto automático da agravação - acs STJ de 20-09-1995, processo nº 48167, de 12-03-1998, BMJ 474,492, de 15-12-1998, CJSTJ1998, T3, 241, de 27-09-2000, BMJ 499,132, de 15-03-2006, processo nº 119/06-3ª, de 12-07-2006, processo nº 1933/06-3ª, de 24-01-2007, processo nº 4455/06-3ª.
De acordo com o artigo 75º do Código Penal, actualmente com a redacção conferida pela 3ª alteração do C. Penal pelo D.L. 48/95, de 15/03, são pressupostos formais da agravante:
- a prática, por si só ou sob qualquer forma de comparticipação, de crime doloso;
- punição com pena de prisão efectiva superior a 6 meses;
- condenação anterior transitada em julgado em pena de prisão efectiva superior a 6 meses por outro crime doloso;
- lapso de tempo não superior a 5 anos entre a prática do crime anterior e a do seguinte.
Com a versão de 1995 foi eliminada dos pressupostos da reincidência a exigência do cumprimento, total ou parcial, da prisão aplicada na sentença anterior, ou seja, para efeito da reincidência não importa que a pena não tenha sido cumprida por efeito da prescrição da mesma, de amnistia, perdão genérico ou indulto.
A partir de 1 de Outubro de 1995 basta a mera condenação.
Para além dos citados pressupostos formais, acresce um pressuposto substantivo ou material, conforme a parte final do nº 1 do citado preceito.
A punição na forma agravada só terá lugar «se, de acordo com as circunstâncias do caso, o agente for de censurar por a condenação ou as condenações anteriores não lhe terem servido de suficiente advertência contra o crime».
Com o C. Penal de 1982 incluiu-se na reincidência a sucessão de crimes, circunstâncias qualificativas previstas nos artigos 35º e 37º do C. Penal de 1886, equiparando-se as duas figuras, abandonando-se a exigência da prática de crimes da mesma natureza para configuração da reincidência, cessando a distinção entre a reincidência específica, própria ou homótropa e a genérica, imprópria ou polítropa.
Como assinalava Victor Sá Pereira, ao comentar o Código Penal de 1982, Livros Horizonte, p. 126, o instituto passava a funcionar sob condição, como decorria da parte final do nº 1.
Segundo Maia Gonçalves, Código Penal Anotado, 16ª edição, p. 268/9, exige-se expressamente, para que a reincidência funcione, a verificação de que a condenação ou condenações anteriores não constituíram suficiente advertência contra o crime, tratando-se manifestamente de uma prevenção especial. Faz-se assim a exigência da concreta verificação do funcionamento desta qualificativa, o que implica indagação da correspondente matéria de facto.
O Prof. Cavaleiro Ferreira, Lições de Direito Penal, Parte Geral, II, Verbo, 1989, p. 151/2, refere que a fundamentação da agravação está na falta de eficácia da pena aplicada pelo primeiro crime e que a nova condenação é o indício relevante da falta de efectiva adesão do delinquente às injunções da lei.
Retomando esta ideia, Germano Marques da Silva, Direito Penal Português, Parte Geral, III, p. 154, adianta que tal indício não vale por si só, sendo necessário que, de acordo com as circunstâncias do caso, o agente seja de censurar por a condenação anterior não lhe ter servido de suficiente motivação para não praticar novos crimes.
Ainda segundo Cavaleiro Ferreira, loc. cit., a alteração da pena aplicável não é imposta por lei, mas terá lugar se as circunstâncias do caso concreto revelarem, na apreciação do tribunal, que a condenação anterior não constituiu suficiente prevenção contra o crime.
Acrescenta que a reincidência denuncia a insuficiência da prevenção contra o crime da condenação anterior.
Como expendia Eduardo Correia, Direito Criminal, II, pág. 162, para além ou em vez da propensão criminosa, a que a declaração de habitualidade também atende, há sempre, assim, que considerar o desrespeito pela advertência contida na condenação.
Diz o Prof. Figueiredo Dias, Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, p. 268 : «É no desrespeito ou desatenção do agente por esta advertência que o legislador vê fundamento para uma maior censura e portanto para uma culpa agravada relativa ao facto cometido pelo reincidente. É nele, por conseguinte, que reside o lídimo pressuposto material - no sentido de “substancial”, mas também no sentido de pressuposto de funcionamento “não automático” - da reincidência».
Como se refere no ac. STJ, de 24-05-1995, processo 47732-3ª, in Leal-Henriques - Simas Santos, Código Penal, 1º vol., p. 607: «1.O elemento fundamental do instituto da reincidência é o desrespeito, por parte do delinquente, da solene advertência contida na sentença anterior; 2.Por isso é exigido, para que seja dada por existente, a verificação concreta, com respeito pelo princípio do contraditório, de que a condenação ou condenações anteriores não constituíram suficiente prevenção contra o crime».
Como tem sido entendido, é de rejeitar uma concepção puramente fáctica da reincidência, que a faça resultar imediatamente da verificação de certos pressupostos formais, sendo necessária uma específica comprovação factual e uma avaliação judicial concreta e de exigir ponderação em concreto sobre a verificação ou não verificação do referido pressuposto material, exactamente o de funcionamento não automático, com vista à demonstração de que as condenações anteriores não tiveram a suficiente força de dissuasão para afastar o arguido do crime.
Como se referia no acórdão do STJ de 04-10-1989, CJ1989, T4, p.11: «Para verificação da reincidência é essencial a existência de averiguação, em matéria de facto, com respeito pelo contraditório, que demonstre que as condenações anteriores não constituíram suficiente prevenção para não continuar a delinquir», havendo, por outro lado, que estabelecer uma relação entre a falta do efeito da condenação anterior e a prática do novo crime – Vejam-se ainda os acórdãos do STJ, de 10-10-1990, proc.41213, de 19-12-1990, proc. 41235-3ª- AJ 13/14, de 09-07-1992, proc. 42872, de 15-09-1994, proc. 46835-3ª, de 29-03-1995, proc. 47813-3ª, de 03-07-1997, CJSTJ1997, T2, 258, de 04-03-04, proc. 456/04-5ª, de 12-01-2006, proc. 4133/05-5ª, de15-03-06, proc. 119/06-3ª, de 23-03-06, proc. 779/06-5ª, de 25-05-06, proc. 1616/06-5ª, de 22-06-06, proc. 1790/06-5ª, de 12-07-06, proc. 1933/06-3ª, de 22-11-06, proc. 3182/06-3ª, de 09-05-2007, proc. 1139/07-3ª.
Daí a necessidade de uma específica comprovação factual, de enunciar os factos concretos dos quais se possa retirar a ilação de que a recidiva se explica por o arguido não ter sentido e interiorizado a admonição contra o crime, veiculada pela anterior condenação, e que conduz à falência desta no que respeita ao desiderato dissuasor.
A agravação da pena assenta, essencialmente, numa maior disposição para o crime, num maior grau de culpa, decorrente da circunstância de, apesar de ter sido condenado em prisão efectiva, insistir em delinquir, donde resulta um maior grau de censura, por aquela não ter constituído suficiente advertência, não se ter revelado eficaz na prevenção da … reincidência.
Para Sá Pereira, loc. cit., a averiguação do efeito da condenação ou condenações anteriores tem a ver com a problemática da capacidade do agente para ser influenciado pelas penas - cfr. artigo 20º, nº 3 , do C. Penal.
Só através da análise do caso concreto, do seu específico enquadramento, de uma avaliação judicial concreta das circunstâncias, poder-se-á concluir estarmos perante um caso de culpa agravada, devendo o arguido ser censurado por a condenação anterior não lhe ter servido de suficiente advertência contra o crime, ou antes inexistindo fundamento para a agravação da pena, por se estar face a simples pluriocasionalidade.
No condicionalismo da parte final do nº 1 do art. 75ºencontra-se espelhada a essência da reincidência, sendo exactamente face à necessária análise casuística, que se distinguirá o reincidente do multi-ocasional.
A pluriocasionalidade verifica-se quando a reiteração na prática do crime seja devida a causas meramente fortuitas ou exclusivamente exógenas, que não se radicam na personalidade do agente, na sua culpa, em que não se está perante a formação paulatina do hábito enraizado na personalidade, tratando-se antes de repetição, de renovação da actividade criminosa, meramente ocasional, acidental, esporádica, em que as circunstâncias do novo crime não são susceptíveis de revelar maior culpabilidade, em que desaparece a indiciação de especial perigosidade, normalmente resultante da reiteração dum crime.
A pluriocasionalidade fica atestada, certificada, face à mera constatação da «sucessão» de crimes.
Com tanto não se basta a reincidência, cuja certificação está dependente de apreciação e decisão judicial.
No acórdão recorrido, na fundamentação de facto, sobre o que constava da acusação nada se referiu e não existe a mínima referência factual, que substancie o elemento material da reincidência, quedando-se os factos provados por conterem apenas referências às condenações anteriores – pontos 20 a 25.
Pelo exposto, e considerando que o vertido na acusação é uma mera declaração tabelar, com os dizeres da lei, sem albergar qualquer facto, será de desconsiderar a qualificativa no que respeita aos dois crimes de tráfico de menor gravidade, o que terá reflexos ao nível da medida da pena, pois o limite mínimo da pena aplicável passa de 16 meses para 1 ano de prisão.

Tendo em conta os parâmetros versados na 1ª instância, cuja consideração é de manter, e atendendo aos critérios e factores a que o artigo 71º do C. Penal manda atender para a determinação concreta da pena, reduz-se a medida da pena para 16 meses de prisão, no que respeita ao primeiro desses crimes (factos de 12 de Março de 2005, estando em causa heroína e cocaína) mantendo-se a mesma proporção do acórdão recorrido e para 15 meses de prisão quanto ao segundo (factos de 23 de Junho de 2006) atendendo a que a quantidade de heroína era de apenas 0,925 gramas.
Esta alteração conduz naturalmente a uma nova formulação do cúmulo jurídico, estando-se perante uma moldura abstracta para o efeito compreendida entre o mínimo de 16 meses de prisão e o máximo de 36 meses de prisão.
Há que atender aos factos no seu conjunto, com a prática de dois crimes de tráfico de menor gravidade no espaço de quinze meses e da prática continuada de crimes de condução sem habilitação, chegando o arguido a ser condenado por uma dessas condutas, conexionando tais factos entre si e em conjugação com os praticados anteriormente, ressaltando o cometimento em momentos diversos de crimes da mesma natureza, como ocorre com a condução intitulada e o tráfico de menor gravidade, que conduziram preteritamente a condenações e a cumprimento de penas de prisão, o que revela de modo evidente o desrespeito pelas normas.
Considerando todos os factos praticados pelo arguido e a sua íntima conexão, bem como a personalidade revelada por aqueles factos, entende-se ser de fixar a pena única em dois anos e cinco meses de prisão.

Suspensão da execução da pena de prisão

O recorrente pretende a suspensão da execução da pena em que foi condenado.
No que toca aos pressupostos da suspensão da execução da pena de prisão, estabelece-se no nº 1 do artigo 50º do Código Penal, na redacção da 3ª alteração ( Decreto-Lei nº 48/95, de 15-03): «O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 3 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição».
A suspensão da execução da pena depende da verificação cumulativa de dois pressupostos: um formal, material o outro.
Pressuposto formal de aplicação da suspensão da prisão é que a medida desta não seja superior a 3 anos.
Pressuposto material de aplicação do instituto é que o tribunal, atendendo à personalidade do agente e às circunstâncias do facto, conclua por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do agente: que a simples censura do facto e a ameaça da pena bastarão para afastar o delinquente da criminalidade.
Como ensina Jescheck, citado pelo acórdão deste Supremo Tribunal de 30-06-1993, in BMJ 428, 353, «…A suspensão da pena funciona como um instituto em que se une o juízo de desvalor ético-social contido na sentença penal com o apelo, fortalecido pela ameaça de executar no futuro a pena, à vontade do condenado em se reintegrar na sociedade».
Como expende Figueiredo Dias, Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, p. 344, apesar da conclusão por um prognóstico favorável - à luz de considerações exclusivas de prevenção especial de socialização - a suspensão da execução da prisão não deverá ser decretada se a ela se opuserem as necessidades de reprovação e prevenção do crime.
Não são considerações de culpa que interferem nesta abordagem, mas apenas razões ligadas às finalidades preventivas da punição, sejam as de prevenção geral positiva ou de integração, sejam as de prevenção especial de socialização, estas acentuadamente tidas em conta no instituto em questão, desde que satisfeitas as exigências de prevenção geral, ligadas à necessidade de correspondência às expectativas da comunidade na manutenção da validade das normas violadas.
É pelas exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico que se limita, mas por elas se limita sempre, o valor da socialização em liberdade que ilumina o instituto.
Para sua aplicação, no âmbito de um poder – dever, o julgador deve ter a esperança fundada de que a socialização em liberdade possa ser lograda, correndo-se um risco, fundado e calculado, sobre a manutenção do agente em liberdade.
A aplicação do instituto nada tem a ver com o princípio in dubio pro reo, o que significa que em caso de dúvida sobre o carácter favorável da prognose não tem de funcionar desde logo a suspensão.
A medida será aplicada na perspectiva de que o arguido assumirá uma vida futura ordenada e conforme à lei e que demonstrará merecer a confiança nele depositada, impendendo sobre ele a ameaça da concretização do facto consumado com o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença se sobrevier revogação, nos termos do art. 56º do C. Penal.
Como esclarece o citado Professor, havendo razões sérias para duvidar da capacidade do agente de não repetir crimes, se for deixado em liberdade, o juízo de prognose deve ser desfavorável e a suspensão negada.
A este propósito refere Jescheck, ibidem, que o tribunal deve estar disposto a assumir um risco prudente; mas, se existem sérias dúvidas sobre a capacidade do condenado para compreender a oportunidade de ressocialização que se oferece, a prognose deve ser negativa, o que supõe, de facto, um in dubio contra reo.

Volvendo ao caso concreto.
In casu é indubitável a verificação do pressuposto formal atenta a pena aplicada.
Já não é tão líquida a ocorrência do pressuposto material, nada fazendo concluir que o arguido esteja disposto a aproveitar oportunidade que lhe venha a ser concedida para se reintegrar socialmente.
A situação do arguido é complicada, atendendo ao seu percurso desde 8 de Abril de 1995, quando então com 17 anos de idade, consome estupefacientes, conduta então integradora de crime por que vem a ser condenado em pena de multa, que por não ser paga, conduz a que mais tarde venha a cumprir a correspondente prisão subsidiária.
Em Agosto e Dezembro de 1996, contando 19 anos, comete dois crimes de detenção de arma proibida e um de tráfico de estupefacientes, por que vem a ser condenado na pena única de 6 anos de prisão.
Por condutas de 30-09-1998 e 01-03-2000 (encontrando-se preso) vem a ser condenado por falso testemunho na pena de 8 meses de prisão.
Entre 12-12-1996 e 21-08-2002 o arguido esteve preso, cumprindo as penas de prisão aplicadas nos dois processos, e de permeio, a prisão subsidiária de 60 dias pelo crime de consumo.
Em 21-08-2002 é colocado em liberdade condicional, sendo concedida a definitiva em 11-10-2003.
Encontrando-se em liberdade há cerca de dois anos e meio, comete em 12-03-2005, um dos crimes de tráfico de menor gravidade por que é condenado no presente processo.
Cerca de 15 meses após comete crime idêntico e entre Abril e 23 de Junho conduz sem se mostrar devidamente habilitado, conduta por que é condenado nestes autos pelo crime p.e p. pelo artigo 3º, nº 1, da Lei 2/98, de 2 de Janeiro.
Entretanto fora condenado por condução intitulada verificada em 17 de Maio de 2006.
Desta história de vida na sua intercepção com os tribunais retira-se a conclusão de alguma propensão por parte do arguido para a prática de infracções, com reiteração nos campos específicos do tráfico de drogas e de condução sem habilitação legal, significantes da não interiorização e mesmo de desconsideração pelos valores aceites pela sociedade e de desrespeito pelas solenes advertências consubstanciadas nas precedentes condenações e mesmo o cumprimento das penas referidas não lograram afastar o arguido da criminalidade, já que as ignorou passados dois anos e meio após a libertação.
Nesta análise é de ter igualmente em consideração que o arguido, com o 6º ano de escolaridade, não desenvolve qualquer actividade profissional ou ocupacional há vários anos, não tendo perspectivas de obter qualquer colocação ou ocupação, e o que é mais, não revelando sequer motivação suficiente para promover alteração a este nível.
O arguido beneficia de um limitado apoio dos pais, septuagenários, perto de quem vive num anexo, mas circunscrito ao nível alimentar, não possuindo qualquer rendimento fixo.
Na conclusão 4ª refere-se o recorrente à sua situação de toxicodependência, mas a verdade é que dos factos provados nada consta a esse respeito.
Num quadro como o presente não é possível fazer um juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento futuro do arguido, já que se não vê como defender e esperar-se que o recorrente tenha capacidade para não sucumbir, que tome a devida nota de uma mera ameaça de pena, por forma a conduzir-se de acordo com os padrões estabelecidos, não cometendo novos crimes.
Por outro lado, são elevadas as necessidades de prevenção geral face aos crimes de tráfico de estupefacientes, mesmo que de menor gravidade.
Por todo o exposto, entende-se não ter lugar a suspensão da execução da prisão.

Pelo exposto, acorda-se em:
a) face à desconsideração da qualificativa de reincidência, fixar as penas parcelares respeitantes aos crimes de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo art. 25º, alínea a) do D.L.15/93, em 16 e em 15 meses de prisão e, em cúmulo jurídico com a pena de 5 meses de prisão cominada pelo crime continuado de condução ilegal, fixar a pena única de 2 anos e 5 meses de prisão;
b) negar provimento ao recurso, no que respeita à pretensão de suspensão da execução da pena.
Custas pelo arguido, com taxa de justiça, nos termos dos artigos 513º, nº 1 do CPP, 74º, 87º, nº 1, alínea a) e 89º, do CCJ, que se fixa em 5 UC.
Foi observado o disposto no artigo 94º, nº 2 do CPP.

Lisboa, 12 de Setembro de 2007
Raul Borges (relator)
Soreto de Barros
Armindo Monteiro
Oliveira Mendes