SERVIDÃO PREDIAL
ÁGUAS
Sumário

Atento o título da sua constituição, conclui-se que a autora adquiriu um direito de servidão da referida água, que lhe permite aproveitá-la para regar/limar o prédio sito ou denominado …, nos moldes que a mesma alegou e provou (não se reconhecendo, porém, o direito que a mesma invocou de lavar a roupa na mesma água ou de a utilizar para quaisquer outros fins)”.

Texto Integral

Apelação nº77/10.0TBCDR.P1

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

B… intentou, em 17-3-2010, no Tribunal Judicial de Castro Daire, acção declarativa, na forma sumária, contra C… e mulher.
Pede a condenação dos R.R.:
- a reconhecerem o direito de propriedade da A. sobre os prédios identificados nos artigos 1.°, 8.° e 14.° da petição inicial, assim como sobre a água da poça referida no artigo 6.°, nos termos alegados no artigo 7.°, bem como o direito de passagem da autora através da nesga de terra sita a norte daquela poça, desde a sua habitação à poça e demais terrenos sua propriedade, e ainda o direito de lavar roupa na água da dita poça e estender roupa a corar na referida nesga de terra;
- a retirarem os ferros semi-enterrados que colocaram na estrema norte daquela nesga de terra, assim como a rede de arame que prenderam aos mesmos, no prazo de 10 dias a contar do trânsito em julgado da sentença, sob pena de serem condenados a pagar à autora, a título de sanção pecuniária compulsória, a quantia de € 50,00 por cada dia de atraso;
- a absterem-se de impedir a A. de exercer os direitos supra referidos, sob pena de, por cada violação desses direitos, serem condenados a pagar àquela uma indemnização de montante não inferior a € 1.000,00, nos termos do artigo 829º-A do Código Civil;
- a pagarem à A. a quantia de € 1.000,00, a título de compensação por danos não patrimoniais.
Alega que é dona e legítima possuidora de um prédio urbano sito no …, em cujo subsolo existe uma nascente de água que é represada numa poça situada a poente do mesmo, e ainda de vários prédios rústicos no mesmo lugar, em virtude do que “é também herdeira na referida água represada na dita poça”; e que a poucos metros desta poça existe uma nesga de terreno que integrou aquele primeiro prédio e que a autora e seus antecessores utilizavam para aceder à poça e para estender peças de roupa a corar, há mais de 50 anos, continuamente, à vista de toda a gente, sem oposição, convictos de exercerem um direito próprio; em 2009 os réus colocaram ferros e uma rede no limite norte daquela nesga de terra, que impedem A. de passar pela mesma.
Na contestação os R.R. impugnam aqueles factos e alegam que a nesga de terreno referida pela autora se integra num prédio de que são proprietários.
Proferido o despacho saneador, com elaboração da base instrutória, realizou-se o julgamento. Após o que foi proferida sentença que, julgando a acção parcialmente procedente, condenou os R.R. a reconhecerem:
a) o direito de propriedade da autora sobre os prédios identificados nos pontos 1., 2. e 4. da matéria de facto provada;
b) o direito de servidão da autora relativamente à água da poça referida nos pontos 5., 20. e 22., para regar a parcela de terreno referida em 2., entre o dia 24 de Junho (S. João) e o dia 29 de Setembro (S. Miguel) e para limar na restante parte do ano.
E absolveu os R.R. dos restantes pedidos formulados.
Inconformada, a A. interpôs recurso.
Conclui:
- da prova produzida nos autos não resulta que os RR. ou seus familiares sejam donos do terreno onde a poça em questão nos autos foi construída, assim como da nesga de terreno sita a norte da mesma, com cerca de 2 m de largura por 5 m de comprimento;
- resulta claramente da prova produzida, e designadamente das passagens supra referidas, que essa faixa de terreno sita a norte da poça era para onde os herdeiros da respectiva água aí represada atiravam com a terra resultante da limpeza da poça, nunca tendo tal terreno sido cultivado ou tido qualquer outro aproveitamento fosse por quem quer que fosse;
- resulta igualmente de forma clara de todos os depoimentos produzidos que os RR. ou seus familiares nunca realizaram qualquer acto de posse sobre esse terreno sito ao lado da poça, fosse cultivando-o, nele colocando árvores, ou qualquer outra forma de exercer posse, a não ser agora com a colocação dos ditos ferros e rede;
- resulta igualmente dos depoimentos produzidos e supra referidos, sendo algumas testemunhas também “…"/donas da água aí represada, que as pessoas com direito àquela água se consideram donas do terreno, da poça e do referido espaço junto à mesma para onde atiravam a terra resultante da limpeza da poça;
- resulta igualmente dos referidos depoimentos produzidos que ao longo dos anos, desde há mais de 40 e 50 anos que a A. e seus familiares passavam directamente da sua casa, sita imediatamente a seguir à poça, a nascente desta, através desse terreno sito a norte da poça, a fim de acederem à poça;
- resulta igualmente dos depoimentos produzidos que a A. é proprietária do prédio urbano sito a nascente da poça, assim como da construção feita logo a seguir à poça, sobre o terreno onde se encontra a mina através da qual corre a água que é represada na poça em questão;
- tendo em conta a prova produzida, devia a resposta aos quesitos 1, 2 e 3 ter sido positiva;
- e tendo em conta o depoimento da testemunha D…, familiar da A., cujo depoimento se mostrou isento, a resposta ao quesito 8 devia ter sido integralmente positiva, assim como devia a resposta ao quesito 12 referir ter existido antes da colocação dos ferros e rede pelos RR. naquela nesga de terreno um trilho em terra batida ao longo do mesmo em cerca de 30 a 40 cms de largura, nessa medida devendo ter sido dado resposta positiva ao quesito 16;
- de igual modo, atentos os diversos depoimentos supra referidos produzidos sobre o desnível dos terrenos em causa e a constatação no local pelo tribunal, devia a resposta ao quesito14 ter sido integralmente positiva, assim como a resposta ao quesito 15;
- e conforme resulta da prova produzida e designadamente dos depoimentos supra referidos, terá a resposta ao quesito 24 de ser negativa, uma vez que nenhuma prova produzida, a não ser declarações conclusivas das testemunhas dos RR, foi no sentido de que os RR. ou seus familiares sejam os possuidores do terreno da poça e faixa de terreno sita a norte da mesma;
- em conformidade, devia a A. ter sido considerada contitular da água represada na poça em questão, e não só beneficiária de um direito de servidão sobre a mesma;
- e deveria, igualmente, ser reconhecido o direito à A. de compropriedade do terreno da poça e a nesga de terreno sita a norte da mesma, enquanto contitular do direito à água represada na mesma;
- devendo, consequentemente, enquanto comproprietária, ser-lhe reconhecido o direito de passar sobre o referido espaço sito a norte da poça;
- não sendo de se entender assim, em termos de direito de propriedade sobre a água e sobre o terreno da poça e faixa contígua a norte, sempre teria então de se reconhecer o direito de passagem de pé da A. sobre a faixa de terreno em causa para aceder de sua casa à poça, constituído por usucapião ao longo dos últimos 20, 40 e mais anos;
- uma vez que, salvo sempre diferente opinião em contrário, estamos convictos que foi provada a prática ao longo dos anos da referida passagem, assim como deverá ser dado como provado o uso daquele pequeno espaço de terra pela A. e seus antepassados para nele colocar algumas peças de roupa a corar depois de lavadas na água da poça;
- aliás, mesmo que nada disso fosse provado a favor da A., porque quanto a nós, repete-se, não foi provado que os RR. ou seus familiares fossem donos e legítimos possuidores do referido terreno junto à poça por onde a A. passava, não têm estes qualquer legitimidade para impedir a partir de agora tal passagem, razão pela qual teriam, ainda assim de ser condenados a retirar os ditos ferros e a não impedir essa passagem da A.;
- e, nessa medida, devem os pedidos formulados pela A. ser julgados procedentes, condenando-se os RR. nos mesmos, isto é: reconhecer o direito da A. em passar directamente desde o seu prédio urbano até à poça através da referida nesga de terreno pertença à poça, assim como de lavar na mesma e estender roupa no dito terreno da poça, bem assim condenados a tirarem em prazo os ferros e rede que semi-enterraram na estrema desse terreno com o terreno vizinho a norte, sob pena de não o fazendo serem condenados a pagar à A. a título de sanção pecuniária compulsória a quantia de 50,00 € por cada dia de atraso na retirada dos mesmos, bem como a absterem-se de por qualquer outro meio impedir a A. de exercer esses direitos sob pena de, por cada violação, serem condenados numa indemnização a favor da A. em quantia não inferior a mil euros.
Houve contra-alegações, concluindo os R.R. pela manutenção da sentença.
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Factos julgados provados:
1. A autora é dona e legítima possuidora de um prédio urbano sito no lugar e freguesia …, concelho de Castro Daire, inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo n.º8, constituída por um prédio em propriedade total sem andares ou divisões, a confrontar de norte com E…, sul com F…, nascente com G… e do poente com H…, com uma área coberta declarada de 40 m2 (alínea A));
2. A autora é dona e legítima possuidora de um prédio rústico sito ou denominado ao …, no referido …, inscrito na respectiva matriz rústica daquela freguesia … com o artigo matricial n.º435, a confrontar de norte com I… e outros, sul com J…, nascente com K… e poente com caminho, com a área declarada de 80 m2, e descrito na Conservatória do Registo Predial de Castro Daire em seu favor com o n.º346/20091023 (alínea B));
3. Parcela de terreno esta que há cerca de dois anos adquiriu a L…, através de contrato meramente verbal e que no passado dia 05/11/2009 foi formalizado em escritura pública realizada na Conservatória do Registo Predial de Castro Daire/… (alínea c));
4. Encontra-se inscrita na respectiva matriz rústica daquela freguesia … com o artigo matricial n.º440, um prédio rústico sito no mesmo lugar, composto de cultura de sequeiro, a confrontar de norte com M…, sul com N…, nascente com K… e poente com N…, a favor de J… (alínea D));
5. A nascente de água é represada no terreno sito imediatamente a poente a uma dependência coberta (artigo 3.º);
6. Sendo consumida pelos proprietários das diversas parcelas de terrenos situadas imediatamente a poente da dita poça, de forma partilhada no período do verão (entre 24 de Junho e 29 de Setembro) e sem ser partilhada (de pilhagem) na restante parte do ano (artigo 4.º);
7. Há muitos anos, J… declarou vender e a autora comprar, verbalmente, a parcela de terreno descrita em 4., andando desde então, de forma continuada e ininterrupta, a plantar hortas e semear legumes, regando e colhendo os seus frutos (artigo 5.º);
8. À frente de toda a gente, sem oposição de quem quer que seja, convicta de exercer um direito próprio correspondente e sem prejudicar terceiros (artigo 6.º);
9. O que acontece, por si e seus antepossuidores, há mais de 10, 20 e 30 anos (artigo 7.º);
10. E utilizam a água referida em 3. por si e antepossuidores, há mais de 50 anos para regarem a parcela de terreno referida em 2. (artigo 8.º);
11. Entre o dia 24 de Junho (S. João) e o dia 29 de Setembro (S. Miguel) (artigo 9.°);
12. Podendo utiliza-la para limar na restante parte do ano (artigo 10.º);
13. A autora acedia à poça, a pé, por um tracto de terreno que se situa do lado norte da dita poça (artigo 12.º);
14. Com dois metros de largura e cinco de comprimento (artigo 13.º);
15. Que nunca foi cultivado (artigo 14.º);
16. E que foi usado pela autora, à frente de toda a gente, como acesso a pé, para aceder à dita poça (artigo 15.º);
17. A ré, no Verão de 2009, espetou no limite norte do terreno referido em 13. diversos ferros, ligados entre si por rede, impedindo a autora de ali passar (artigo 17.º);
18. E de aceder as demais parcelas de terreno sitas a poente-sul (da poça) (artigo 18.º);
19. Obrigando-a a percorrer centenas de metros até chegar à poça (artigo 19º);
20. A poça tem uma forma rectangular, é composta por pedra e terra batida, tem uma altura de l,5 metros e 3 de largura por 8 de comprimento e é alimentada pela água vinda da mina (artigo 22º);
21. A mina é composta por pedra e terra batida, com 1,60 metros de altura por 0,60 metros de largura, sita a nascente e prolonga-se por vários metros de extensão (artigo 23.º);
22. A poça, a mina, os ferros e a rede referida em 17. integram e delimitam a parcela de terreno que os réus vêm aproveitando (artigo 24.º).
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Questões a decidir:
- alteração da decisão de facto;
- ilações subsequentes.
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Pretende a recorrente a alteração da decisão de facto relativamente aos pontos 1., 2., 3., 8., 12., 14., 15., 16., e 24. da base instrutória.
São do seguinte teor: “Na parcela de terreno referida em A) existe uma outra dependência coberta e logradouro?” – 1.; “E no seu subsolo uma nascente de água?” – 2.; “Que o atravessa vindo a ser represada no terreno sito imediatamente a poente dessa dependência coberta?” – 3.; “E utilizam a água referida em 1) a 3) da Base Instrutória (BI), por si e anteposuidores, há mais de 50 anos para regarem a parcela de terreno referido em B), lavarem a roupa e colocarem-na nesse lugar a corar, colher água para consumo doméstico, para a rega e para os animais?” – 8.; “A parcela de terreno onde se situa a poça integrou outrora aquela outra descrita em A), de onde foi desafectada, por familiares e seus antepossuidores, e de e para onde aqueles acediam a pé por um trilho em terra batida, com meio metro de largura, e por entre um tracto de terreno que se situa no lado norte da dita poça?” – 12; “Nunca foi cultivado e sempre esteve separado da parcela de terreno com que confina a norte por um muro de pedra solta aí existente e a poente (da poça) pelo rego de rega e carreiro?” – 14; “E sempre foi usado pela A. e seus familiares, à frente de toda a gente, de forma continuada e ininterrupta, durante mais de 10, 20, 30, 40 e 50 anos, como acesso de pé, todos os dias do ano, para aceder à dita poça assim como à parcela de terreno descrita em D) a poucos metros de distância?” – 15; “Mostrando-se calcado ao longo de meio metro de largura desde o seu limite mais a nascente, junto à parcela de terreno descrita em A), onde se encontra uma abertura de passagem, até ao limite mais a poente a chegar ao rego de rega e à dita poça?” – 16; “A poça, mina, os ferros e a rede referida em l7 da BI integram e delimitam a parcela de terreno que os RR. vêm aproveitando?” – 24.
Aos pontos 1. e 2. foi dada a resposta “não provado”. Ao ponto 3. foi dada a resposta “provado apenas que a nascente de água é represada no terreno sito mediatamente a poente de uma dependência coberta”. Ao ponto 8.: “provado apenas que utilizam a água referida no artigo 3.°, por si e antepossuidores, há mais de 50 anos para regarem a parcela de terreno referida em B)”. Ao ponto 12: “provado apenas que a autora acedia à poça, a pé, por um tracto de terreno que se situa do lado norte da dita poça”. Ao ponto 14.: “provado apenas que nunca foi cultivado”. Ao 15.: “provado apenas que foi usado pela autora, à frente de toda a gente, como acesso a pé, para aceder à dita poça”. “Ao ponto 16.: “não provado”. E ao ponto 24.: “provado”.
Entende a recorrente que as respostas aos pontos 1., 2. e 3. deveriam ter sido positivas; ao ponto 8. deveria ter sido dada uma resposta integralmente positiva; ao ponto 12. deveria responder-se igualmente que “…a autora acedia à poça desde o seu prédio urbano, a pé, por um trilho em terra batida…”; ao ponto 14. deveria ter sido dada uma resposta integralmente positiva; ao ponto 15 deveria ter sido dada uma resposta mais ampla, designadamente, que desde há mais de 20 e 30 anos que a A. passava por aquele caminho; a resposta ao ponto 16 deveria ter sido no sentido de ter existido um trilho de terreno calcado, com cerca de 30 a 40 cm da largura, neste momento já não visível em virtude da não passagem desde que os RR. espetaram os ferros com rede a impedir a passagem, no Verão de 2009, conforme resposta ao quesito 17; e ao ponto 24 deveria ter sido negativa. O que resultará da prova testemunhal produzida e da inspecção judicial realizada.
A A, indicou como testemunhas O…, D… e P….
A O… conhece a poça em causa como “…”, avós dos R.R.; não sabe donde vem a mina; sabe que a água da poça vai para os campos dos “…”, não sabendo como é partilhada; não sabe se havia passagem da casa da A. para a poça, nem se recorda de alguém lavar roupa na poça; não sabe de quem é o terreno da poça; e que a A. pode ir à poça pelo caminho.
O D…, irmão da A., refere que a mina “fura por baixo dos anexos”; que a água é dos “…”; descia do prédio da A. para um terreno ao lado da poça; não sabe de quem é o terreno da poça, nem o terreno ao lado: “acha que pertence ao terreno da poça, será dos herdeiros”; as pessoas punham roupa a secar no terreno; havia um carreiro que dava acesso da casa à poça; o terreno ao lado da poça nunca foi cultivado.
E o P…, sobrinho da A., por sua vez, refere que “a tia tem água da poça”; passava da casa da A. directamente para a poça; não sabe de quem é o terreno da poça, nem o que está junto; e que este nunca foi cultivado.
Os R.R., por sua vez, indicaram as seguintes testemunhas: Q…, S…, T…, U…, V… e W….
A Q…, mãe da R., refere que a poça se situa em terreno dela, que foi dos seus pais, chamando-se a sua mãe X…; não existe qualquer caminho no terreno junto à poça; que este nunca foi cultivado, sendo ali que os “…” colocam lixo da poça.
O S…, sendo um dos consortes da água da poça, refere que a poça se situa “em terreno da D. Q…”; não existe caminho no terreno junto: “a A. pode lá passar, mas não é caminho”; aquele terreno não é cultivado.
A T… refere igualmente que “a poça está no terreno da tia Y…”; o terreno ao lado “era para os herdeiros deitarem lixo da poça”; não existe caminho no terreno.
A U…, que também tem direito a água da poça, refere que “a poça está em terreno da Q…; não há caminho no terreno junto, embora tenha vista a A. passar lá; e que aquele terreno é para deitar lixo da poça.
O V…, cujo sogro é um dos consortes da água da poça, refere que a mesma se situa em “terreno da D. Q…”; não há caminho no terreno junto, que não é cultivado, sendo aí que é deitado lixo da poça; acrescentando que o seu sogro “tem direito na água, não no terreno”.
Por último, o W…, que vendeu um prédio à A., confirmou, essencialmente, o que as restantes testemunhas disseram.
Relativamente à inspecção realizada, consignou-se em acta que: “Do lado norte da poça existe um espaço de terreno, com cerca de 5 metros de comprimento por 2 metros de largura”; “Actualmente não existe nenhum trilho de terra batida naquele espaço de terreno”; “Existem ferros ligados por uma rede no acesso a esse espaço de terreno, a partir do prédio referido em A)”; “A nascente da poça existe uma construção coberta”; “A água é represada no terreno a poente da construção coberta, formando uma poça”; “A poça tem a forma rectangular, é composta por pedra e terra batida, tem uma altura de 1,5 metros e 3 metros de largura e 5 metros comprimento”; “A abertura da mina tem 1,60 metros de altura por 0,60 de largura, sita a nascente da poça”; “Existe um carreiro que se inicia a sul da poça e segue no sentido sul-norte, junto à estrema nascente do prédio”.
Ora, e conjugando criticamente toda esta prova, adiantámos que concordámos com as respostas dadas aos pontos em causa, já que correspondem à convicção que, daqui, conseguimos formar. Até porque não dispomos do mesmo manancial de elementos do tribunal recorrido, sendo que o resultado da inspecção, que transcrevemos, nunca nos dá a verdadeira ideia com que aquele tribunal ficou do que viu no local.
Assim, da prova produzida, e relativamente aos pontos 1., 2. e 3., não é possível ir além das respostas dadas, designadamente, que a água nasce no subsolo do prédio da A..
O mesmo se diga relativamente às respostas aos pontos 8 e 12. Não custando admitir, sobretudo, atentas as regras da experiência, que a A. também pudesse lavar roupa na água da poça e pô-la a “corar” no terreno junto, e ir buscar água à mesma. Não se vê, todavia, que ligação possa existir entre esse uso, quer do terreno, quer da água da poça, com a utilização da água para rega da parcela de terreno referida em B).
O que acaba de ser dito justifica as respostas dadas aos pontos 14, 15 e 16 da base instrutória. Escrevendo-se, a propósito, na fundamentação da decisão de facto: “Não obstante, nenhuma testemunha esclareceu há quanto tempo e com que frequência a autora (e seus familiares) acedia por aquele tracto de terreno (artigo 15.º) nem afirmou, com segurança, que no local existia um muro de pedra (artigo 14.º), sendo, porém, todas unânimes ao referir que a parcela em apreço nunca foi cultivada, o que, no presente, foi percepcionado na inspecção ao local e se constata nas fotografias juntas aos autos. Ao invés, na inspecção judicial não se verificou que esse terreno se encontrasse calcado (artigo 16.º)”. Com o que se concorda.
Relativamente à resposta ao ponto 24, remeteu-se na decisão de facto para a fundamentação da resposta ao ponto 12. E, de facto, para além de as testemunhas indicadas pelos R.R. referirem que a poça em causa é conhecida por “poça …”, nome dos antecessores da R. mulher, disseram, ainda, que a mesma se situa “em terreno da D. Q…”.
Pelo que se mantêm as respostas dadas aos pontos em causa da base instrutória.
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Mantendo-se a decisão de facto, terá igualmente de se manter a decisão de direito proferida. O que, verdadeiramente, nem vem posto em causa.
Na verdade, e atentando-se na primeira parte do pedido formulado, consiste o mesmo na condenação dos R.R. “a reconhecer o direito de propriedade da A. sobre os prédios supra identificados, assim como sobre a água da referida poça nos termos alegados, bem como o direito de passagem da A. através da nesga de terra sita a norte daquela poça, desde a sua habitação à poça e demais terrenos sua propriedade e supra identificados, e ainda o direito desta lavar roupa na água da dita poça e estender roupa a corar na referida nesga de terra”.
Relativamente ao direito de propriedade da A. sobre o prédio urbano inscrito na respectiva matriz sob o art.8º, e sobre os prédios rústicos inscritos também na respectiva matriz sob os art.s 435º e 440º, o mesmo foi declarado e os R.R. condenados a reconhecê-lo na sentença proferida.
Quanto ao direito sobre a água da poça, e não obstante a A. pedir que se reconhecesse tratar-se de um direito de propriedade, os R.R. foram condenados a reconhecer “o direito de servidão da autora relativamente à água da poça referida nos pontos 5., 20. e 22., para regar a parcela de terreno referida em 2., entre o dia 24 de Junho (S. João) e o dia 29 de Setembro (S. Miguel) e para limar na restante parte do ano”.
Escreveu-se, a propósito, na respectiva fundamentação: “o direito de propriedade traduz um direito pleno e, em princípio, ilimitado sobre a água, envolvendo a possibilidade do mais amplo aproveitamento, ao serviço de qualquer fim, de todas as utilidades que a água pode prestar. Ao invés, o direito de servidão apenas possibilita o aproveitamento da água na estrita medida das necessidades do prédio dominante. Com efeito, a servidão constitui um direito real de gozo sobre coisa alheia conferindo ao seu titular poderes para fruir e utilizar a coisa, extraindo dela benefícios e limitando, em consequência, o gozo do proprietário da coisa na medida em que inibe este titular de praticar actos que possam prejudicar o exercício daquele direito, em benefício do titular do direito de servidão.
Nesta medida, a servidão implica uma relação de dependência entre dois prédios: de um lado o dominante, em cujo proveito ela se estabelece; do outro o serviente, onerado com o encargo em que ela se traduz (cfr artigo 1543.º do Código Civil). O direito de servidão há-de ter, assim, uma relação económica com o prédio dominante, pois a servidão só será predial quando o prédio seja instrumento necessário para o exercício da servidão.
A autora alegou e demonstrou que utiliza a água proveniente da mina e represada na poça existentes no prédio dos réus para regar o prédio sito ou denominado …, no referido …, inscrito na matriz rústica com o artigo matricial nº435 da freguesia …, entre o dia 24 de Junho (S. João) e o dia 29 de Setembro (S. Miguel), podendo utiliza-la para limar na restante parte do ano (o mesmo não sucedendo relativamente à alegação de que utiliza aquela água para lavar roupa, para consumo doméstico ou para a dar a animais).
O modo como a autora (os seus antecessores e os restantes proprietários dos prédios existentes nas imediações da mina e da poça) utiliza a água traduz-se no aproveitamento da mesma em função das necessidades do seu prédio e não uma livre fruição e disposição da mesma, sem qualquer limitação.
Atento o título da sua constituição, conclui-se que a autora adquiriu um direito de servidão da referida água, que lhe permite aproveitá-la para regar/limar o prédio sito ou denominado …, nos moldes que a mesma alegou e provou (não se reconhecendo, porém, o direito que a mesma invocou de lavar a roupa na mesma água ou de a utilizar para quaisquer outros fins)”.
Com o que se concorda. Até porque a A. não alegou factos donde se possa concluir tratar-se de um direito de propriedade sobre a água.
Relativamente à parte restante do pedido – direito de passagem através da nesga de terra sita a norte da poça, direito a lavar roupa na poça e a estendê-la a corar na referida nesga de terra – não se vê qual o fundamento de tal pretensão. E isto mesmo que se entendesse que a A. era titular de um direito de propriedade sobre a água da poça e fosse alterada a decisão de facto nos termos pretendidos.
Na verdade, e desde logo, sempre o direito da A. incidiria, e incide – tal como o dos demais consortes da água - apenas sobre a água da poça, e nada mais. Não incluindo, portanto, o terreno, quer onde a água está represada, quer envolvente. Sem prejuízo, naturalmente, do direito a fazer as obras necessárias ao armazenamento e condução da água, quer como titular de um direito de propriedade, quer de um direito de servidão sobre a água.
Por outro lado, quer a pretendida passagem pela referida “nesga” de terra sita a norte da poça, quer o alegado direito de aí colocar roupa a “corar”, careceriam de fundamento. Quer por a A. não ter demonstrado ser titular de um direito de propriedade sobre tal parcela de terreno. Quer por se tratar de actos insusceptíveis de integrar o conceito de servidão previsto no art.1543º do C.Civil: “Servidão predial é o encargo imposto num prédio em proveito exclusivo de outro prédio pertencente a dono diferente; diz-se serviente o prédio sujeito à servidão e dominante o que dela beneficia”.
Antes, o que resulta dos autos é que a A., por comodidade, acedia do seu prédio directamente à poça em causa, já que ficava ali junto e encurtava caminho. Evitando, assim, percorrer o caminho que todos os demais consortes da água faziam para aceder à poça.
O recurso não merece, assim, provimento.
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Acorda-se, em face do exposto, em julgar a apelação improcedente, confirmando-se a decisão proferida.
Custas pela recorrente.

Porto, 29-09-2011
Abílio Sá Gonçalves Costa
António Augusto Carvalho
Anabela Figueiredo Luna de Carvalho