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INVENTÁRIO
BENS NÃO LICITADOS
PREENCHIMENTO DO QUINHÃO
Sumário
I - Os bens licitados são adjudicados às interessadas licitantes; II - Os bens não licitados são adjudicados a todos os interessados, em compropriedade, na proporção necessária ao integral preenchimento dos quinhões (as interessadas licitantes, na exacta proporção em falta depois de considerados os bens por elas licitados, e os não licitantes, na proporção necessária ao preenchimento do seu quinhão
Texto Integral
Processo nº 2519/06.0TBSTS.P1
Relator: João Ramos Lopes
Adjuntos: Desembargador Henrique Araújo
Desembargador Fernando Samões
Acordam no Tribunal da Relação do Porto.
RELATÓRIO
Recorrente: B….
Tribunal Judicial de Santo Tirso – 1º Juízo Cível.
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Foram os presentes autos de inventário instaurados para partilha da herança aberta por óbito de C… e de D…, que foram casados em primeiras núpcias de ambos e tiveram três filhos – os interessados nos presentes autos, a saber, E…, B… e F….
Realizada a conferência de interessados e efectuadas licitações em parte dos bens do acervo hereditário a partilhar, e depois dos interessados sobre ela se pronunciarem, nos termos do art. 1373º do C.P.C., foi proferido despacho determinativo da forma à partilha, nele se decidindo:
- o acervo hereditário, constituído pela soma do valor dos bens relacionados (valores resultantes das licitações ou das avaliações), seria dividido em três partes iguais, constituindo cada uma delas o quinhão de cada um dos interessados;
- os bens não licitados (verbas 5, 6 e 7 da relação de bens) seriam adjudicados a todos os herdeiros, em partes iguais;
- o preenchimento dos quinhões das interessadas licitantes seria efectuado de acordo com o resultado da licitação e conforme o então determinado, sendo o quinhão do interessado não licitante preenchido com 1/3 dos bens não licitados.
Considerando o despacho determinativo da partilha, foi elaborado mapa informativo no qual se considerou que o valor total dos bens a partilhar ascendia a 729.798,99€, sendo o quinhão de cada um dos interessados de 243.266,33€, pelo que às interessadas licitantes eram adjudicados bens no valor de 312.633,83€ e ao não licitante bens no valor de 104.531,33€.
Notificada de tal mapa informativo, a interessada licitante F…, apresentou nos autos requerimento onde declarou não aceitar a adjudicação em comum de quaisquer outros bens além dos licitados e ainda pretender que a torna que lhe couber lhe seja entregue em dinheiro, requerendo a venda dos bens não licitados, sem prejuízo do que vier a ser deliberado em conferência de interessados, cuja convocação requereu com a finalidade dos interessados deliberarem sobre a adjudicação dos bens não licitados ou sobre a sua venda para preenchimento dos quinhões.
O interessado não licitante E… opôs-se à pretensão da interessada F… e requereu o depósito das tornas.
Determinado o cumprimento do disposto no art. 1378º, nº 1 do C.P.C. e efectuados os depósitos, foi organizado o mapa definitivo da partilha, ao qual não foi deduzida reclamação, sendo proferido sentença homologatória que adjudicou aos interessados os respectivos quinhões (conforme constantes naquele mapa).
Inconformada, recorre a interessada B…, formulando as seguintes conclusões:
I- Num inventário em que dois dos três herdeiros licitaram em bens de valor inferior ao do seu quinhão hereditário, e o terceiro herdeiro não licitou em quaisquer bens, não podem os herdeiros licitantes ser obrigados, contra a sua vontade, a ficar com bens que não tenham licitado e, em consequência, compelidos a pagar tornas.
II- Nesse caso, como não há excesso de bens licitados, deve começar-se por atribui-los aos respectivos licitantes, nos termos da alínea a) do art. 1374 do CPCiv.;
Depois, conforme o disposto na alínea b), deve atribuir-se ao herdeiro não licitante bens da mesma espécie ou natureza que os licitados e, não sendo possível, será em princípio inteirado com bens de natureza diferente que haja na herança, mas nesse caso tem a faculdade de exigir a composição em dinheiro, vendendo-se judicialmente os bens necessários para tal.
E no caso de sobrarem outros bens organizar-se-ão lotes (caso seja possível) e serão repartidos por sorteio entre os interessados, de harmonia com a alínea c) daquele normativo.
III- No caso presente a apelante e a irmã F… licitaram em prédios: um urbano (verba nº 1), um misto, com parte urbana e parte rústica (verba nº 2) e dois rústicos (verbas nºs 3 e 4); os bens não licitados, por sua vez, são um prédio misto, com parte urbana e parte rústica (verba nº 5) e duas participações sociais (verbas nºs. 6 e 7).
Assim, os bens das verbas 1, 2, 3 e 4, licitados, ao contrário da posição da Mmª. Juiz ‘a quo’, são obviamente da mesma espécie e natureza do bem da verba nº 5, não licitado, que é aliás, até, rigorosamente igual na sua composição ao prédio da verba nº 2, licitada.
Daí que nenhuma razão exista para que se não aplique o disposto na primeira parte da alínea b) do art. 1374 do CPC no que se refere ao prédio não licitado, que é obviamente da mesma espécie e natureza dos licitados (problema aliás que ninguém sequer levantara).
IV- Mas mesmo que assim não devesse entender-se, então haveria que adoptar-se o procedimento previsto na parte final daquela alínea b), vendendo-se judicialmente os bens necessários para intervir os quinhões em falta.
V- Porém, no caso presente, a apelante e a outra herdeira licitante, não ficam com os seus quinhões preenchidos apenas com os bens em que licitaram.
VI- Por isso, vendendo-se os bens não licitados, o respectivo produto terá que servir, na medida correspondente, para pagar os valores em falta tanto dessas licitantes, como do herdeiro que em nada licitou.
VII- Daí que se tenha entendido ser avisado requerer a convocação de uma conferência de interessados para deliberar sobre a possibilidade (já que não pode ser imposto às herdeiras licitantes que a aceitem), em face da inexistência de bens que permite formar lotes diferentes, de se estabelecer uma compropriedade entre os três herdeiros sobre os bens não licitados, naturalmente na proporção de que a cada um falte para preencher o respectivo quinhão (como aliás havia indicado o herdeiro não licitante no seu projecto de forma à partilha).
VIII- Esse pedido tem manifesto suporte no disposto nos art. 1353º, 1, c) e 1377º, pelo que foi injustificada a recusa da Mmª. Juiz em convocá-la;
IX- Não podia a Mmª. Juiz ordenar que os bens não licitados fossem adjudicados aos três herdeiros em partes iguais, levando a que as licitantes ainda tivessem que pagar avultadas tornas para ficar com um bem que escolheram não licitar, depois de terem licitado e obtido a adjudicação das anteriores, não sendo aplicável por analogia o disposto no art. 1377º, 4 (que prevê sempre, aliás, ‘o maior equilíbrio dos lotes’), que respeita a créditos litigiosos e bens sem valor, e não a bens valiosos que as partes querem partilhar.
X- Por isso, a única solução correcta e justa, a não se atribuir o prédio ao herdeiro não licitante, será proceder à sua venda nos termos da parte final da alínea b) daquele art. 1374º, inteirando-se depois cada herdeiro com o produto da venda, caso não seja aceite por acordo, em conferência de interessados, o estabelecimento de compropriedade na proporção do que falte para preencher o quinhão de cada um, de modo a que não haja lugar ao pagamento de tornas;
XI- A sentença recorrida violou assim, por erro de interpretação e aplicação, entre outros, os artigos 1374º, b), 1353º, 1, c), 1374º, d) e 1377º, 4 do CPCivil, pelo que deverá ser revogada e substituída por outra que, observando os critérios legais aplicáveis e atrás referidos, determine que o quinhão do herdeiro não licitante seja preenchida com o prédio do verba nº 5, não licitado, que é do mesma espécie e natureza dos licitados, repondo o excesso a que haja lugar, ou, subsidiariamente se assim não for entendido, determine que se proceda à venda desse prédio para com o produto da venda se preenchem os quinhões em falta de todos os interessados, ou, ainda subsidiariamente, se ordene que o prédio não licitado seja adjudicado em compropriedade aos três herdeiros, mas em proporção correspondente aos valores em falta dos seus quinhões, de modo a que não tenham por eles que pagar ou receber tornas.
XII- Deve ainda, e tendo em conta as disposições legais supracitadas, ser convocada a conferência de interessados, oportunamente requerida pela herdeira F… para deliberar nela a possibilidade de acordo no estabelecimento da compropriedade referida, ou sobre a venda dos bens nos termos mencionados.
Contra-alegou o interessado E…, sustentando, para além de defender a improcedência da apelação:
- a inadmissibilidade do recurso, atento o valor do processo (que afirma inferior ao valor da alçada do tribunal de 1ª instância);
- que a apelante suscita questões novas, não colocadas à apreciação do tribunal recorrido, razão pela qual a Relação não pode tomar conhecimento da apelação;
- que as questões agora suscitadas deveriam ter sido deduzidas na conferência de interessados, apresentando-se agora extemporânea a sua invocação;
- que a apelante não recorreu do despacho que indeferiu o agendamento de uma segunda conferência de interessados.
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Objecto do recurso
Analisadas as conclusões da apelação, constata-se que a questão suscitada respeita à forma como devem ser preenchidos os quinhões dos interessados na partilha, considerando que não foram licitadas todas as verbas da relação de bens e que nem todos os interessados licitaram em bens da herança – reconduzindo-se a apelação a apreciar como devem ser preenchidos os quinhões dos interessados (seja do interessado não licitante, seja das interessadas licitantes, atendendo a que os bens por elas licitados não preenchem integralmente os seus respectivos quinhões) e assim:
- se o quinhão do interessado não licitante deve ser preenchido com verba não licitada (um prédio), repondo o excesso a que haja lugar; ou
- se assim não for entendido, se se deve proceder à venda da referida verba para com o respectivo produto se preencherem os quinhões em falta de todos os interessados; ou,
- se o prédio não licitado deve ser adjudicado aos três herdeiros em compropriedade, em proporção correspondente aos valores em falta dos seus quinhões, de modo a que não haja lugar ao pagamento/recebimento de tornas;
- se para tanto dever ser convocada conferência de interessados para nela ser deliberada a possibilidade de acordo no estabelecimento da compropriedade ou sobre a venda dos bens.
Para lá destas questões, interessa ainda apreciar, considerando as alegações do recorrido (i) da recorribilidade da decisão, atendendo ao valor do processo, (ii) da possibilidade da Relação conhecer das questões suscitadas (ou seja, se as questões suscitadas pela apelante constituem questões novas), (iii) da extemporaneidade da invocação das questões suscitadas e, (iiii) da impossibilidade de se determinar a realização de segunda conferência de interessados, uma vez que não foi interposto recurso do despacho que a indeferiu.
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Colhidos os vistos, cumpre decidir.
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FUNDAMENTAÇÃO
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Fundamentação de facto
Importa considerar os seguintes pressupostos factuais:
1º- Foram relacionados, no presente inventário, os seguintes bens:
- Verba 1 – um prédio urbano destinado a indústria de confecções,
- Verba 2- um prédio misto, composto de casa destinada a habitação, de rés-do-chão, junto com terreno rústico,
- Verba 3 – um prédio rústico,
- Verba 4 – um prédio rústico,
- Verba 5 – um prédio misto, composto por uma morada de duas casas destinadas a habitação, com horta e junto cortinha de lavradio (avaliado em 311.100,00€),
- Verba 6 – uma quota na sociedade G…, Ldª, no valor nominal de 1.496,39€,
- Verba 7 – uma quota na sociedade G…, Ldª, no valor nominal de 997,60€,
- Verba 8 – uma moto serra, uma moto enxada e pulverizador, uma balança, um limpador, um esmagador, um grupo moto-bomba Bernard, um machado hidráulico, dois grupos electro-bombas, a que foi atribuído o valor de 50,00€;
2º- Em conferência de interessados realizada em 25/11/2008, foi determinada a avaliação das verbas 1 a 5, tendo o Sr. Perito encontrado os seguintes valores:
- verba 1 – o valor de 174.000,00€,
- verba 2 – o valor de 187.200,00€,
- verba 3 – o valor de 3.520,00€,
- verba 4 – o valor de 50.800,00€,
- verba 5 – o valor de 311.100,00€;
3º- Na conferência de interessados a que se procedeu em 26/05/2009, em que estiveram presentes ou representados os três interessados, não acordando estes na divisão dos bens relacionados, procedeu-se a licitações com o seguinte resultado:
- as verbas 1 a 4 e 8 foram licitadas em conjunto, e para lhes ficarem a pertencer em partes iguais, pelas interessadas B… e F…, pelos valores de, respectivamente, 174.500,00€, 187.500,00€, 3.550,00€, 50.850,00€ e 55,00€,
- as restantes verbas não foram objecto de qualquer licitação;
4º- Proferido despacho determinativo da forma à partilha e organizado mapa informativo, a interessada F… apresentou requerimento onde declarou não aceitar a adjudicação em comum de quaisquer outros bens além dos licitados e ainda pretender que a torna que lhe couber lhe seja entregue em dinheiro, requerendo a venda dos bens não licitados, sem prejuízo do que vier a ser deliberado em conferência de interessados, cuja convocação requereu com a finalidade dos interessados deliberarem sobre a adjudicação dos bens não licitados ou sobre a sua venda para preenchimento dos quinhões;
5º- O interessado não licitante E… opôs-se à pretensão da interessada F… e requereu o depósito das tornas;
6º- A Srª Juiz fez recair sobre tais requerimentos o seguinte despacho:
‘Os requerimentos subscritos pelos ilustres mandatários constituem procedimento anómalo, já que anteriormente ao despacho determinativo da forma à partilha haviam manifestados as suas posições as quais não vieram a ser acolhidas pelo Tribunal. No entanto sempre se dirá que a final sempre poderão interpor recurso do despacho determinativo da forma à partilha. (…) Uma vez que pelo interessado E… foi reclamado o pagamento das tornas que lhe são devidas, cumpra-se o disposto no art. 1378º, nº 1 do C.P.C.’.
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Fundamentação de direito
A primeira questão a apreciar respeita à admissibilidade do recurso – questão expressamente suscitada pelo interessado E… nas suas contra-alegações, invocando que ao presente processo foi atribuído e fixado o valor de 3.500,00€.
A interposição de recurso constitui o principal instrumento de impugnação de decisões judiciais (cfr. art. 676º, nº 1 do C.P.C.), visando a intervenção de tribunal de categoria hierarquicamente superior, com a finalidade de obter a sua anulação, por erro de procedimento ou de julgamento, ou a sua substituição por outra[1].
A admissibilidade dos recursos constitui um dos reflexos do direito constitucionalmente consagrado de acesso aos tribunais, pois que a reapreciação da decisão por um órgão jurisdicional hierarquicamente superior se confere maiores garantias de acerto na solução do conflito que o processo tem por finalidade alcançar[2].
Todavia, o direito de acesso aos tribunais não integra, necessariamente, o direito ao recurso ou o duplo grau de jurisdição, podendo o legislador ordinário (e vedada que lhe está a possibilidade de proceder, em bloco, à supressão do duplo grau de jurisdição), ampliar ou restringir os recursos civis’, designadamente através dos pressupostos de admissibilidade[3].
A possibilidade de interposição de um determinado recurso fica dependente da verificação de determinados pressupostos – desde logo os atinentes ao valor do processo e da sucumbência (art. 678º, nº 1 do C.P.C.).
O primeiro pressuposto concernente à admissibilidade do recurso de uma decisão consiste, pois, no valor da causa – e tal ocorre também nos processos de inventário, pois que o regime dos recursos, à parte algumas especialidades (art. 1396º do CPC), é o mesmo que nos processos em geral, pelo que a possibilidade de recorrer fica condicionada ao valor do inventário, só sendo admissível recurso ordinário nas causas de valor superior à alçada do tribunal de que se recorre, desde que a decisão impugnada seja desfavorável para o recorrente também em valor superior a metade da alçada desse tribunal (art. 678º, nº 1 do CPC).
Enquanto nas causas em geral o valor processual (art. 305º, nº 1 e 2 do CPC – diverso do valor para efeitos tributários, como decorre do art. 305º, nº 3 do CPC) se considera fixado no momento em que a acção é proposta, excepto quando haja reconvenção ou intervenção principal, no processo de inventário ele deve coincidir com o valor dos bens a partilhar (art. 311º, nº 3 do CPC), que só a sequência do processo permitirá apurar, pois o mecanismo do processo (avaliações, licitações, etc.) está justamente orientado no sentido da sua valorização rigorosa, pressuposto necessário da igualação dos lotes e repartição equitativa do património hereditário[4].
Desta forma (ver também o preceituado no art. 308º, nº 3 do CPC – redacção anterior às alterações introduzidas no diploma pelo DL 34/2008, de 26/02), nos inventários, o valor inicialmente proposto será corrigido logo que o processo forneça os elementos necessários, sendo certo que, para efeitos de recurso, tal valor é o que no momento da sua interposição resultar do processo para os bens a partilhar, não sendo forçoso proferir qualquer despacho para o corrigir, mercê da sequência do processo (sendo o seu valor definitivo o que resulta do mapa de partilha)[5].
Considerando o valor do acervo hereditário a partilhar resultante das avaliações e das licitações ocorridas nos autos, conclui-se que o valor processual do inventário ascende (como decorre do mapa de partilha) a 729.798,99€, valor muito superior ao da alçada do tribunal recorrido (art. 24º, nº 1 da L.O.F.T.J., aprovado pela Lei 3/99, de 13/01, com a redacção introduzida pelo Decreto Lei 323/2001, de 17/12, donde resulta que em matéria cível a alçada dos tribunais de 1ª instância é de 3.740,98€)[6].
Fácil, pois, concluir pela admissibilidade do presente recurso.
Sustenta o apelado que são suscitadas pela apelante no recurso questões novas, não colocadas à apreciação do tribunal recorrido, razão pela qual não pode esta Relação tomar conhecimento da apelação, argumentando ainda que tais questões deveriam ter sido deduzidas na conferência de interessados, apresentando-se agora extemporânea a sua invocação.
Os recursos ordinários visam permitir que um tribunal hierarquicamente superior proceda à reponderação da decisão recorrida, o que tem directo reflexo na delimitação das questões que lhe podem ser dirigidas. O ponto de partida do recurso é sempre uma decisão que recaiu sobre determinada(s) questão(ões), visando-se com ele apreciar da manutenção, alteração ou revogação daquela.
Sendo um meio de impugnação de uma decisão judicial, o recurso apenas pode incidir, em regra, sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas pelo tribunal recorrido, não podendo o tribunal ad quem confrontar-se com questões novas[7].
Os recursos constituem mecanismos destinados a reapreciar decisões proferidas e não a analisar questões novas, salvo quando estas sejam de conhecimento oficioso e o processo contenha os elementos imprescindíveis, pois que a diversidade de graus de jurisdição determina, em regra, que os tribunais superiores sejam apenas confrontados com questões que as partes suscitaram e discutiram nos momentos próprios, tendo o tribunal recorrido tomado posição sobre elas[8] – não se destinando os recursos a provocar decisões sobre questões não submetidas ao contraditório e à decisão do tribunal recorrido (salvas questões de oficioso conhecimento).
Tal regra justifica-se quer em atenção ao princípio da preclusão, quer para impedir seja desprezada a finalidade dos recursos (art. 676º, nº 1 do C.P.C.), quer para não possibilitar a supressão de graus de jurisdição.
Pode concluir-se, assim, que os recursos se destinam a sindicar as decisões impugnadas, de onde decorre que a pronúncia do tribunal ‘ad quem’ se deve circunscrever às questões que daquelas foram objecto, estando-lhe vedado apreciar quaisquer outras, salvo as de conhecimento oficioso[9].
As questões novas suscitadas em recurso são imagem inversa do vício da omissão de pronúncia (art. 668º, nº 1, d), 1ª parte, do C.P.C.) – na omissão de pronúncia, o tribunal deixa de pronunciar-se sobre questão que, porque submetida pelas partes à sua apreciação, lhe cumpria apreciar e decidir; nas questões novas, a parte submete a um tribunal de recurso questão que ao tribunal recorrido não cumpria conhecer, porque não lhe foi colocada.
Tal não ocorre, porém, no caso dos autos.
No despacho determinativo da forma à partilha (que só pode ser impugnado na apelação interposta da sentença da partilha – art. 1373º, nº 3 do C.P.C.) deve o juiz resolver todas as questões que até ao momento ainda o não tenham sido e que seja necessário decidir para a organização do mapa da partilha (art. 1373º, nº 2 do C.P.C.), tenham sido elas suscitadas pelos interessados ou não, pois que o juiz deve solucionar oficiosamente todas as questões relevantes e pertinentes à organização da partilha[10].
A repartição dos bens do acervo hereditário pelos herdeiros é uma das questões a solucionar no despacho determinativo da partilha – apurado o quinhão de cada um dos interessados, devem os bens da herança ser repartidos entre eles, assim se preenchendo os respectivos quinhões. O modo como os quinhões dos interessados hão-de ser preenchidos – ou, noutra perspectiva, o destino do acervo hereditário – há-de ser objecto do despacho determinativo da partilha, quer os interessados se tenham pronunciado sobre a questão ou não.
No caso dos autos, os interessados, no momento estabelecido no art. 1373º, nº 1 do C.P.C., pronunciaram-se sobre a forma à partilha e também, expressamente, sobre o preenchimento dos quinhões, sendo que no despacho determinativo da forma à partilha se decidiu sobre essa questão.
A questão central da presente apelação respeita precisamente ao preenchimento dos quinhões dos três interessados na partilha.
Não se trata, pois, de questão nova, mas antes de questão expressamente apreciada pelo tribunal recorrido no despacho determinativo da forma à partilha – e, diga-se, de questão que ao tribunal recorrido cumpria então decidir.
Daqui resulta também que se não verifica qualquer extemporaneidade na invocação, na presente apelação, das questões relativas ao preenchimento dos quinhões dos interessados.
Certo que na conferência de interessados estes podem acordar na composição dos respectivos quinhões (art. 1353º, nº 1 do C.P.C.) e, caso tal acordo seja obtido, a questão do preenchimento dos quinhões ficará resolvida nos termos acordados. Todavia, não sendo obtido tal acordo, abre-se licitação entre os interessados (art. 1363º, nº 1 do C.P.C.), sendo certo que não existe obrigatoriedade de licitação em todos os bens do acervo hereditário, assumindo particular e especial relevância a decisão sobre o preenchimento dos quinhões dos interessados a proferir no despacho determinativo da partilha no caso do interesse dos licitantes não ter por objecto todos os bens relacionados.
No caso dos autos, os interessados não acordaram, em conferência, na composição dos respectivos quinhões, tendo-se realizado licitações que não abrangeram a totalidade dos bens relacionados. Impunha-se, pois, que o despacho determinativo da forma à partilha se ocupasse da questão do preenchimento dos quinhões, sendo certo que o ali decidido só poderia ser impugnado pelos interessados em recurso da sentença homologatória da partilha.
Conclui-se, assim, que as questões suscitadas pela apelante a propósito do preenchimento dos quinhões dos interessados nem são novas nem a sua invocação se apresenta como extemporânea.
A questão nuclear da presente apelação respeita ao preenchimento dos quinhões dos três interessados na partilha, pois que não é posta em causa a determinação dos quinhões hereditários de cada um deles (a cada um deles cabe um terço do acervo hereditário constituído pelos bens que constituíam o património dos seus pais).
O despacho determinativo da forma à partilha decidiu adjudicar a todos os herdeiros, em partes iguais, os bens não licitados (verbas 5, 6 e 7 da relação de bens), determinando que o preenchimento dos quinhões das interessadas licitantes seria efectuado de acordo com o resultado da licitação, sendo o quinhão do interessado não licitante preenchido com 1/3 dos bens não licitados.
Contra o assim determinado se insurge a apelante, defendendo que o quinhão do interessado não licitante seja preenchido com o prédio da verba nº 5 da relação de bens (não licitado), da mesma espécie e natureza dos licitados, repondo o excesso a que haja lugar ou, subsidiariamente, que se proceda à venda do referido prédio para com o respectivo produto se preencherem os quinhões em falta de todos os interessados ou ainda, subsidiariamente, que o referido imóvel não licitado seja adjudicado em compropriedade aos herdeiros, em proporção correspondente aos valores em falta dos respectivos quinhões, de modo a que nenhum tenha de pagar ou receber tornas.
Em rigor, a questão suscitada respeita aos bens relacionados não objecto de licitação, ou seja, aos bens das verbas 5, 6 e 7 da relação de bens, pois quanto aos restantes se conformam os interessados com o decidido (ou seja, com a sua adjudicação às interessadas neles licitantes).
A Sr.ª Juíza a quo começou por enfatizar no despacho determinativo da forma à partilha ser essencial verificar, face ao disposto no art. 1374º, a) e b) do C.P.C., se os bens não licitados são da mesma espécie e natureza dos bens licitados, concluindo depois terem sido licitados bens imóveis de natureza rústica e não licitado imóvel que constitui o único prédio urbano do acervo hereditário a partilhar, ou seja, que o referido bem, sendo da mesma espécie, é de natureza diferente dos licitados (além de referir também que as verbas não licitadas respeitantes às verbas 6 e 7 são de espécie e natureza diferente das licitadas).
Prossegue depois a Sr.ª Juíza mencionando que o princípio subjacente ao preceito (art. 1374º do C.P.C.) é o de fazer participar todos os interessados nos proveitos da herança – mesmo aqueles que sejam dotados de menor poder económico ou meios financeiros para a licitação no acervo hereditário – proporcionando-lhes o acesso à formação em espécie dos respectivos quinhões, sejam bens valiosos e de venda fácil ou bens de valor duvidoso (citando, a propósito, Lopes Cardoso, Partilhas Judiciais, 3ª edição, II Vol., p. 442) – e tal é expendido após argumentar que o interessado não licitante, sendo inteirado no seu quinhão com bens de diferente natureza (ainda que da mesma espécie), poderá neutralizar tal preenchimento com a exigência da composição da respectiva quota em dinheiro, a obter com a venda judicial dos aludidos bens (sendo certo que não fazendo tal exigência, o preenchimento do quinhão do não licitante operar-se-á com tais bens).
Expõe depois a Sr.ª Juíza que o preenchimento do quinhão do interessado não licitante não poderá ter lugar com os bens não licitados sempre que daí resulte uma atribuição excedente do valor do referido quinhão, pois o objectivo igualitário da norma não pode violar a vontade hipotética do não licitante (se não licitou foi por ter pretendido não adquirir bens que iriam exceder o seu quinhão, com a consequente obrigação de pagamento de tornas), pelo que aplicando-se o preceito em tais casos e com tal amplitude, ocasionar-se-ia um efeito perverso, transformando-se o interessado em devedor, desprotegendo-o, razão pela qual sustenta a inadmissibilidade do preenchimento do quinhão do interessado não licitante com verbas não licitadas quando dele resultar o extravasamento do valor da sua parte na herança.
Concluiu, por fim, a Sr.ª Juíza que a solução, em tais casos, consiste ‘no único caminho residual que corresponde ao escopo da partilha’ que é o de ‘fazer quinhoar todos e cada um no bom e no mau e se realiza com a atribuição do bem a todos os interessados em comum e na proporção das suas quotas, em analogia com o que se prescreve na parte final da al.ª d) do art. 1374’.
Não se questiona que os bens não licitados que constituem as verbas 6 e 7 da relação de bens são de espécie e natureza diferente dos bens licitados – aqueles são quotas em sociedade comercial, estes são bens imóveis e bens móveis.
Porém, não se concorda já com o decidido no que respeita ao bem que constitui a verba número 5 da relação de bens – bem que é relacionado como prédio misto, composto por uma morada de duas casas destinadas a habitação, com horta e junto cortinha de lavradio.
Este bem – um prédio urbano – além de ter natureza idêntica aos das verbas 1 a 4 da relação (também bens imóveis) é da mesma espécie do bem relacionado sobre a verba 2 (um prédio composto de casa destinada a habitação, de rés-do-chão, junto com terreno rústico) – para os efeitos do preceito em causa, a natureza dos bens liga-se à ideia de género e deriva da sua insercebilidade nas categorias referidas nas disposições dos artigos 1345º e 1346º do C.P.C., enquanto o conceito de espécie deriva de factores que os identificam como pertencentes ontologicamente ao grupo de características comuns essenciais segundo os hábitos da sociedade[11].
Afigura-se incontroverso que quer o bem licitado relacionado sob a verba número 2, quer o bem não licitado relacionado sob a verba número 5, são imóveis urbanos – partilham não só da mesma natureza como são ainda semelhantes em espécie, considerando o critério acima referido, pois ambos têm características que permitem afirmar que a sua finalidade primordial é a habitação.
Tal constatação implica desde logo a inaplicabilidade da segunda parte da alínea b) do art. 1374º do C.P.C. – se existirem bens da mesma espécie e natureza dos bens licitados, proceder-se à sua atribuição aos interessados não licitantes (primeira parte do preceito) e só se tal não for possível é que se aplica a segunda parte do normativo: inteiramento dos interessados não licitantes com outros bens da herança (princípio igualitário que visa fazer participar cada um dos interessados em tudo quanto constitui o acervo do património indiviso), e se estes forem de natureza diferente da dos licitados poderão exigir a composição em dinheiro, através da venda dos necessários para obter a devida quantia.
Uma vez que no caso se verificam os pressupostos de facto necessários à aplicação da primeira parte da alínea b) do art. 1374º do C.P.C., afastada está a possibilidade de o interessado não licitante ver o seu quinhão preenchido com dinheiro, obtido através da venda do bem (possibilidade esta que a lei faz depender de requerimento do próprio interessado não licitante – sendo o não licitante inteirado com bens de natureza diferente, e embora tal preenchimento seja válido, poderá ele obstar a tal preenchimento exigindo a composição da sua quota em dinheiro).
Porém, da aplicação da primeira parte da alínea b) do art. 1374º do C.P.C. em ordem ao preenchimento do quinhão do interessado não licitante não poderá resultar, como a este propósito bem se assinala na decisão recorrida, uma atribuição excedente do valor do referido quinhão. Na verdade, o ‘objectivo «igualitário» da norma não pode violar a vontade hipotética do não licitante, pois que se este não concorreu às licitações foi porque, pelo menos – sem prejuízo de outros motivos – não quis contrair dívidas com tornas originadas pelo excesso da respectiva quota’, pelo que ao provocar ‘a mesma consequência que o não licitante quis evitar, a aplicação do preceito com tal amplitude conduziria à produção de um efeito preverso, na perspectiva do fim prosseguido pela lei, ao transformar aquele interessado em devedor, desprotegendo-o economicamente perante os restantes, apenas para o inteirar no seu direito com bens cujo valor no inventário, poderá, as mais das vezes, ser incerto ou, pelo menos, duvidoso, ao ponto de não ter despertado a vontade dos licitantes’[12]. Se assim não fosse e se o não licitante pudesse ver a sua quota preenchida com mais bens do que os necessários, ‘mal se compreenderia que o mecanismo previsto para a correcção do excesso de bens licitados no art. 1377º do C.P.C., seja pelo pagamento das tornas reclamadas pelos respectivos credores, seja pelo reposicionamento das verbas a mais nos moldes explicitados nos nº 2 a 4 daquele artigo, não tivesse contemplado, da mesma forma, o excesso de bens atribuídos aos não licitantes, nos termos da alínea b) do art. 1374’[13], além de se afigurar incongruente que a lei permitisse a esse não licitante ‘exigir a venda quando não fosse inteirado com bens de natureza diferente dos licitados, e não já quando, apesar do preenchimento do respectivo quinhão se ter efectuado com bens da mesma espécie e natureza dos licitados, estes mesmos superassem o valor desse seu quinhão’[14].
Mas se o quinhão do interessado não licitante não pode ser preenchido com as verbas não licitadas, por tal implicar que o seu quinhão seja excedido, nem se verificam os pressupostos necessários para se aplicar a segunda parte da alínea b) do art. 1374º do C.P.C. (seja pela impossibilidade do quinhão deste ser validamente preenchido com o bem não licitado, seja porque na herança existem bens de natureza e espécie idênticas aos licitados), a solução há-de resultar dos princípios que dominam o inventário, não repugnando ‘que, por determinação judicial, se estabeleça compropriedade entre os interessados, designadamente no caso de não ser possível doutra forma obter-se a composição dos quinhões’ – conseguindo-se de tal forma não só respeitar ao máximo a vontade dos interessados livremente manifestada na licitação, como obter a igualação da partilha operada através da atribuição de bens da mesma espécie e natureza a todos os interessados[15].
No fundo, a solução é a do caminho residual que corresponde ao escopo da partilha – fazer quinhoar todos os interessados no bom e no mau, que se realiza com a atribuição do bem não licitado a todos os interessados em comum e proporcionalmente, em analogia com o prescrito na parte final da alínea d) do art. 1374º do C.P.C.[16].
Todavia, esta proporcionalidade na comunhão não resulta da quota que cada um dos interessados tem na herança, mas antes pela consideração da parte que a cada interessado falta preencher na respectiva quota (e aqui, neste particular aspecto, reside a nossa discordância com a decisão recorrida).
Na verdade, não pode deixar de tutelar-se a válida e procedente escolha que as interessadas licitantes efectuaram na escolha dos bens que hão entrar a preencher, ainda que parcialmente, a sua quota no acervo patrimonial a partilhar. Por outro lado, dessa licitação assim efectuada também se conclui a sua vontade de não contrair dívidas com tornas originadas pelo excesso de preenchimento da sua quota – e tal vontade não pode deixar de ser acatada, tal qual a do interessado que não licitou.
A solução que acolhemos, visando prevenir o efeito perverso de transformar o interessado não licitante em devedor de tornas, evita também que perversidade idêntica se verifique na esfera jurídica das interessadas licitantes, conseguindo alcançar a finalidade última e primordial do processo – a justa partilha dos bens que constituem o património hereditário.
Se em face da ausência do acordo dos interessados na composição dos respectivos quinhões (acordo a que alude o art. 1353º, nº 1 do C.P.C.) e do resultado das licitações (a que se procedeu nos termos do art. 1363º do C.P.C.), os interessados licitantes vêem os seus respectivos quinhões parcialmente preenchidos com a adjudicação dos bens que licitaram e o interessado não licitante tem o seu quinhão totalmente por preencher, e constatando-se a existência no acervo a partilhar de bens da mesma natureza e espécie dos licitados, deve então proceder-se ao preenchimento de tais quinhões com a adjudicação de tais bens não licitados em compropriedade, por forma a que a sua distribuição preencha a medida de cada um dos quinhões dos interessados, mas tão só na proporção e medida necessárias ao preenchimento do respectivo quinhão – e de tal forma, evitando-se que qualquer interessado se torne devedor de tornas, conseguir-se-á que todos eles vejam os seus quinhões compostos com bens da herança.
Não se objecte contra esta solução com o argumento de que a compropriedade não pode ser decidida pelo juiz, à revelia do expresso consentimento dos interessados.
Enquanto a acção de divisão de coisa comum visa dividir bens certos que estão em compropriedade, o inventário visa a partilha de uma generalidade de bens entre os interessados, sendo certo que uma das formas de partilhar é, justamente, a atribuição em comum aos interessados de algumas ou de todas as verbas descritas (art. 1371º, nº 3 do C.P.C.[17] – veja-se que no caso dos autos, a apelante e a interessada F… licitaram nas mesmas verbas, para lhes serem adjudicadas em comum e partes iguais).
Considerar que apenas com o acordo dos interessados poderia decidir-se pela adjudicação de bens em compropriedade, é solução que lei repele na hipótese prevista no art. 1377º, nº 4 do C.P.C.. Aliás, tal entendimento obstaria à partilha em casos como o que constitui a hipótese desta apelação – casos em que parte dos interessados licitam em bens que não preenchem integralmente os respectivos quinhões e o valor dos bens não licitados (da mesma espécie e natureza dos licitados) excedem a(s) quota(s) do(s) interessado(s) não licitante(s). Em casos tais, verificar-se-ia um juridicamente inadmissível e intolerável impasse – não poderia operar a primeira parte da alínea b) do art. 1374º do C.P.C. (precisamente porque o quinhão do interessado não licitante seria preenchido em excesso e este não pode ser transformado em devedor de tornas), não operaria a segunda parte da mesma alínea (desde logo porque nem sequer seria válido o preenchimento do quinhão do interessado com o referido bem – além de que a hipótese de venda prevista na lei também não quadra aos casos em que na herança existem bens de natureza e espécie idênticas aos licitados) e não poderia, sem o acordo dos interessados, adjudicar-se o bem em compropriedade. Estando vedado o non liquet ao tribunal, a solução para pôr termo à comunhão hereditária – para isso foi instaurado o processo – só pode conseguir-se desde que, por determinação judicial, se estabeleça, relativamente aos bens não licitados, a compropriedade entre os interessados, pois nenhuma outra forma é possível para a composição dos respectivos quinhões[18].
Face a tudo o que vem de dizer-se, pode concluir-se que:
- não procede a pretensão recursória no sentido de que o quinhão do interessado não licitante seja preenchido com o prédio da verba nº 5, não licitada, com a consequente obrigação deste interessado pagar tornas;
- não procede a pretensão recursória no sentido de se determinar a venda do imóvel relacionado sob a verba número 5 para que, com o produto da venda, se preencham os quinhões dos interessados com dinheiro;
- procede já a pretensão recursória na parte em que se defende dever o prédio não licitado ser adjudicado em compropriedade a todos os interessados em proporção correspondente aos valores necessários ao integral preenchimento dos quinhões (as interessadas licitantes, na exacta proporção em falta depois de considerados os bens por elas licitados e a elas adjudicados; o não licitante, na proporção necessária ao preenchimento do seu quinhão).
Considerando o decidido, prejudicada fica a questão suscitada pela apelante quanto à necessidade de convocar conferência de interessados com a finalidade dos interessados deliberarem da possibilidade de acordo no estabelecimento da compropriedade ou até da possibilidade da venda dos bens.
Em conclusão, a procedência da apelação implica se revogue a sentença homologatória da partilha a fim de ser corrigida a respectiva forma, na parte respeitante ao preenchimento dos quinhões dos interessados, em conformidade com o acima exposto, ou seja:
- como decidido já na primeira instância, os bens licitados são adjudicados às interessas licitantes;
- os bens não licitados (e nesta parte e medida incide a revogação da decisão da primeira instância) são adjudicados a todos os interessados, em compropriedade, na proporção necessária ao integral preenchimento dos quinhões (as interessadas licitantes, na exacta proporção em falta depois de considerados os bens por elas licitados; o não licitante, na proporção necessária ao preenchimento do seu quinhão).
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DECISÃO
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Pelo exposto, acordam os Juízes desta secção cível em revogar a sentença homologatória da partilha a fim de ser corrigido o despacho determinativo do modo de organizar a partilha, na parte relativa ao preenchimento dos quinhões dos interessados, em conformidade com o acima exposto.
Recorrente e recorrido suportarão as custas do recurso na proporção de 2/3 para a primeira e 1/3 para o segundo.
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Porto, 27/09/2011
João Manuel Araújo Ramos Lopes
Henrique Luís de Brito Araújo
Fernando Augusto Samões
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[1] Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Novo Regime, 2ª edição revista e actualizada, p. 19
[2] Autor e obra citados, p. 20.
[3] Autor e obra citados, pp. 20 e 21.
[4] Lopes Cardoso, Partilhas Judiciais, Volume III, 4ª edição, pp. 216 e 217.
[5] Lopes Cardoso, obra citada, pp. 218 e 219.
[6] De notar que a modificação decorrente dos valores das alçadas, levada a cabo no art. 5º do DL 303/2007, de 24/08, não se aplica aos processos pendentes à data da sua entrada em vigor (art. 11º, nº 1 do DL 303/2007, de 24/08), como é o caso dos autos.
[7] Abrantes Geraldes, Recursos …, p. 94.
[8] Autor, obra e local citados.
[9] Ac. S.T.J. de 20 de Maio de 2009 (relatado pelo Exmº Sr. Conselheiro Sousa Grandão), no sítio www.dgsi.pt.
[10] Lopes Cardoso, Partilhas Judiciais, 4ª edição, Volume II, p. 340.
[11] Rabindranath Capelo de Sousa, Lições de Direito das Sucessões, Volume II, 2ª edição (reimpressão), p. 253 (nota 983).
[12] Cfr. Ac. de Coimbra de 8/04/2008 (relatado pelo Exmº Sr. Desembargador Freitas Neto), no sítio www.dgsi.pt/jtrc – acórdão cujas passagens a decisão recorrida se limitou a transcrever sem citar. No mesmo sentido (ou seja, que ao não licitante seja adjudicada verba cujo valor exceda o seu quinhão, tornando-o devedor de tornas), cfr. o Ac. STJ de 18/11/1997 (relatado pelo Exmº Sr. Conselheiro Sousa Inês), cujo sumário está publicado no sítio www.dgsi.pt/jstj.
[13] Continua a seguir-se o Ac. R. Coimbra citado na nota anterior (que nesta passagem cita do Ac. STJ de 18/11/1997.
[14] Cfr., mais uma vez, o citado Ac. R. Coimbra.
[15] Lopes Cardoso, obra citada, pp. 466 a 468.
[16] Cfr. o citado Ac. R. Coimbra.
[17] Lopes Cardoso, obra citada, p. 430.
[18] Lopes Cardoso, obra citada, pp. 430 a 432 e 466 e 467.