HABEAS CORPUS
PRAZO DE PRISÃO PREVENTIVA
RECURSO INTERLOCUTÓRIO
CONSTITUCIONALIDADE
Sumário

I- O artigo 31º nº 1 da Constituição da República Portuguesa, inserido no Capítulo I (Direitos, liberdades e garantias pessoais) do Título II (Direitos, liberdades e garantias) da Parte I (Direitos e deveres fundamentais), determina que: Haverá habeas corpus contra o abuso de poder, por virtude de prisão ou detenção ilegal, a requerer perante o tribunal competente.
II- O habeas corpus é uma providência excepcional, para ser utilizada em casos de anomalias gritantes na privação de liberdade de qualquer pessoa decorrente de abuso de poder ou de erro grosseiro, por serem ofensas à lei ou grosseiramente contra a lei.
III- O habeas corpus em virtude de prisão ilegal é regulado no artigo 222º do Código de Processo Penal, e deve fundar-se em ilegalidade da prisão proveniente de ter sido efectuada ou ordenada por entidade incompetente; ser motivada por facto pelo qual a lei a não permite; ou manter-se para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial. (alíneas a) b) e c) do nº 2)
IV- As normas processuais penais referentes à privação de liberdade, que fixam e elevam os prazos de duração máxima da prisão preventiva traduzem a ponderação entre dois direitos fundamentais – o direito à liberdade, e o direito à segurança - constitucionalmente consagrados, sendo por conseguinte normas de garantia constitucional, ou parafraseando Henkel, normas de direito constitucional aplicado.
V- Por serem normas de natureza pública, de interesse e ordem pública, que contendem com direitos fundamentais, valem pelo que declaram, e não pela interpretação restritiva que delas se faça, sob pena de abrogação dos direitos à liberdade e à segurança.
VI- Não é do âmbito do objecto do habeas corpus, formular juízos de constitucionalidade ou inconstitucionalidade na interpretação dessas normas processuais penais, mas aplicá-las nos precisos termos em que o legislador as consagrou.
VII- O artigo 215º nº 5 do Código de Processo Penal, ao estabelecer, com referência aos prazos de duração máxima da prisão preventiva sem que tenha havido condenação em 1ª instância ou sem que tenha havido condenação com trânsito em julgado (Os prazos referidos nas alíneas c) e d) do nº 1, bem como os correspondentemente referidos nos nºs 2 e 3,): “são acrescentados de seis meses se tiver havido recurso para o Tribunal Constitucional ou se o processo penal tiver sido suspenso para julgamento em outro tribunal de questão prejudicial”, não exclui a sua aplicação quando tiver havido recursos interlocutórios interpostos pelo requerente do habeas corpus, nem distingue se os mesmos já foram ou não decididos, e se protelaram ou não a instância, nem a fase do processo em que se inseriram.
VIII- Por isso, é manifestamente infundado, o pedido de habeas corpus, em que o requerente invoca ser “materialmente inconstitucional, por violação, designadamente, do disposto nos arts. 27°. 28°. Nº 2 e 18°, nº 2 da CRP, a norrma do artº 215º n 5 do Código de Processo Penal. na redacção da Lei nº 48/2007 de 29 de Agosto, interpretada no sentido de que todo e qualquer recurso Interposto para ao Tribunal Constitucional - interlocutório ou da decisão final - no decorrer de um processo crime à ordem do qual se encontra(m) arguido(s) em situação de prisão preventiva determina NECESSARIAMENTE UM ACRÉSCIMO DE SEIS MESES aos prazos referidos nas alíneas c) e d) do nº 1. bem como aos correspondentemente referidos nos nº 2 e 3 daquela norma processual penal, mesmo que tal recurso não tenha, efectivamente, determinado a suspensão e/ou, sequer, o retardamento de tal processo”, e, se verifica que a prisão questionada foi ordenada por entidade competente, por facto que a lei permite, mantendo-se dentro do prazo fixado pela lei.

Texto Integral




Habeas corpus

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça
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No Processo nº 547/04.0JDLSB da 3ª VARA CRIMINAL DE LISBOA - 1• SECÇÃO, o arguido AA, melhor identificado nos autos, preso preventivamente no Estabelecimento Prisional de Lisboa, veio peticionar, através da sua Exma Mandatária, a presente providência de HABEAS CORPUS ao abrigo do disposto nos arts. 31° da Constituição da República Portuguesa e 222° do Código de Processo Penal, admissível ao abrigo do disposto no nº 2 do art. 219º do mesmo diploma legal, na redacção decorrente da Lei n° 4812007 de 29 de Agosto, como consta da petição dirigida ao Exmo Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, assim fundamentando:

1° - O ora Requerente foi inicialmente detido e constituído arguido, em 17 de Janeiro de 2005, no âmbito do processo nº 547/04.0JDLSB, então em fase de inquérito.
2° - Submetido a primeiro interrogatório judicial, foi-lhe aplicada a mais gravosa das medidas de coacção, A PRISÃO PREVENTIVA, em 18 de Janeiro de 2005,
3º - Situação em que se mantém ininterruptamente, desde então e até à presente data.
4° - Durante a fase de inquérito foi reconhecida e declarada, a fls., a EXCEPCIONAL COMPLEXIDADE dos presentes autos - aliás. indiscutível.
5° - Encerrada a fase de inquérito, foi deduzida acusação pública, e nesta imputada ao arguido, ora Requerente, a prática de um crime de fundação e chefia de associação criminosa, p. e p. pelo art. 299°, n° 1 e 3 do Código Penal, três crimes de burla Qualificada, p. e p. pelos arts. 217°, n° 1 e 218°, nº 2, alíneas a) e b), um crime de falsificação, p. e p. pelos arts. 256°, nº 1, alínea a), b) e 3 e um crime de receptação, p e p. pelo art. 231°, todos do aludido diploma legal.
6° - Não se conformando com tal acusação, requereu o arguido a abertura de instrução, vindo a ser proferido, em 2 de Maio de 2006, o despacho de pronúncia de fls. 15.988 e seguintes,
7° - Despacho este em que o Requerente é despronunciado do crime de fundação e chefia de associação criminosa, sendo pronunciado pelo CRIME DE ADESÃO À ASSOCIACÃO CRIMINOSA, p. e p. pelo art. 299º 2 do Código Penal, mantendo-se, no restante. a douta acusação pública.
8° - O processo segue então para a fase de julgamento, sendo distribuído à 1ª Secção da 3º Vara Criminal de Lisboa.
9° - A audiência de julgamento tem inicio em 1 de Fevereiro de 2007, decorrendo, desde essa data, em sessões ininterruptas ( cerca de 3 sessões semanais ).
10° - Não se encontrando ainda prevista data para o seu encerramento (designadamente por se encontrar prova da acusação por produzir).
11º - Não foi, pois, proferida ainda, nos autos em referência decisão em primeira Instância.
12° - Assim sendo, ENCONTRAM-SE JÁ ESGOTADOS OS PRAZOS MÁXIMOS DA PRISÃO PREVENTIVA, de acordo com o disposto no art. 215° do Código de Processo Penal, na redacção que lhe foi dada pela lei nº 48/2007 de 29 de Agosto, devendo o arguido, ora Requerente. ser restituído, de imediato. à liberdade - o que se requer.
Com efeito
13° - O art. 215º do Código de Processo Penal estabelece os prazos máximos do duração da prisão preventiva.
14° - No seu n° 1. estipula-se o regime-regra, aplicável ao comum dos processos criminais,
15° - No nº 2, alargam-se os prazos ali estabelecidos, em função da natureza do crime em causa nos autos,
16° - No n° 3 daquele normativo fixam-se os prazo máximos daquela medida de coacção, atendendo não apenas à natureza do crime imputado ao arguido, como ainda à especial complexidade do autos, devido, nomeadamente, ao número de arguidos ou de ofendidos ou ao carácter altamente organizado do crime.
17° - Considerando a natureza dos crimes imputados aos arguidos, nomeadamente ao Requerente - crimes estes que vêm previstos no catálogo do n° 2 do referido art 215º - bem como a declarada (e manifesta) excepcional complexidade dos autos, dúvidas não há que serão estes últimos os prazos pelos quais se há de aferir da legalidade da manutenção do arguido, ora Requerente, em situação de prisão preventiva.
Ora
18° - Tais prazos, nos termos do nº 1 e n° 3 do art. 215º do Código de Processo Penal, não podiam ultrapassar os 12 meses, sem que tivesse sido deduzida acusação, os 16 meses, sem que tivesse sido proferida decisão instrutória e 3 ANOS SEM QUE TIVESSE HAVIDO CONDENACÃO EM PRIMEIRA INST ÃNCIA.
19° - Este último, que importa agora considerar, foi SIGNIFICATIVAMENTE REDUZIDO com a entrada em vigor, no passado dia 15 de Setembro, da Lei n° 48/2007 de 29 de Agosto, que veio alterar a redacção daquelas normas legais, não excedendo agora os 2 ANOS E SEIS MESES.
20° - Sendo esta norma de aplicação imediata, tendo natureza substantiva (ou material), mesmo se inserida em lei processual, por colidir ( restringindo-o ) com o DIREITO FUNDAMENTAL que é A LIBERDADE ( cfr. art- 27° da CRP ) e sendo, também, manifestamente maia favorável ao arguido, é indiscutível que a mesma, atento o Principio da Aplicação da Lei Mais Favorável é, in casu, a aplicar.
Assim
21° - Encontrando-se o arguido, ora Requerente, em situação de prisão preventiva desde 18 de Janeiro de 2005,à ordem de um processo em que vem pronunciado por um dos crimes do catálogo do nº 2 do art. 215°, tendo o processo sido declarado de excepcional complexidade, decorrendo ainda a audiência de julgamento em primeira instância, onde não foi proferida, até ao momento, decisão final, esgotou-se o prazo da prisão preventiva em 18 de Julho de 2007,
22° - Pelo que, com a entrada em vigor, em 15 de Setembro de 2007, da lei nº 48/2007, deveria o arguido, ora Requerente, ter sido de Imediato e nos termos do disposto no art 217°, n° 1 do Código de Processo Penal, restituído à liberdade.
Na verdade
23° - Não existe qualquer outro processo à ordem do qual o arguido, ora Requerente, deva permanecer em prisão preventiva.
Porém
24° - Tal não aconteceu.
25° - E não aconteceu por, no entender da Ilustre Magistrada Presidente do Tribunal Colectivo que procede ao julgamento dos presentes autos (cfr. despacho de fls. dos autos) "lendo sido interpostos nos presentes autos dois recursos para o Tribunal Constitucional ( v. proc. 6008/06.5 já incorporado nestes autos e constituindo seu apenso, com os procs. 950/2006, da 2ª secção do tribunal Constitucional e 650/07 da 3ª Secção daquele mesmo Tribunal) e tratando-se este processo já judicialmente declarado em sede de inquérito como de especial complexidade, é ao caso aplicável o disposto no artº 215º nº 1, alínea c), 3 e 4 do Código de Processo Penal” – artº 215º, nº alínea c), nº 3 e 5 da actual redacção daquele diploma legal.
26° - Trata-se, salvo o devido respeito por tal entendimento, de uma interpretação e aplicação LITERAL. ACRITICA e acima de tudo, INCONSTITUCIONAL dos aludidos preceitos legais, nomeadamente do disposto no n° 4 do arte 2150 do Código de Processo Penal, na sua anterior redacção, actual nº 5 do mesmo art. 215°.
2'7º - É certo que, a dada altura, o Requerente, no exercício do seu direito de defesa, aliás constitucionalmente consagrado, recorreu para o Tribunal Constitucional.
De facto
28° - Como acima se refere, em 6° deste articulado, não se conformando com a acusação que lhe foi notificada, requereu o arguido AA, em tempo, a abertura de instrução.
29° - No seu requerimento de abertura de instrução suscitou diversas questões, de direito e de facto.
30° - Designadamente, arguiu a invalidade de um despacho, proferido em sede de inquérito pelo Digno Magistrado do Ministério Público titular do processo ao abrigo do disposto na Lei nº 5/2002 de 11 de Janeiro (Lei da Criminalidade Económica), determinante da Quebra do sigilo bancário, por, no entender do Requerente, o mesmo não se encontrar devidamente (minimamente) fundamentado, de direito ou de facto.
31° - Reconhecendo embora a falta de fundamentação do aludido despacho, entendeu o Juiz de Instrução Criminal, em sede de decisão instrutória, que tal invalidade, não constando do rol das nulidades dos arts. 119° e 1200 do Código de Processo Penal. teria de ser classificada como uma mera irregularidade, a qual, nos termos do disposto no n 1, parte final, do art. 123° do mesmo diploma legal, deveria ter sido arguida pelo Requerente nos três dias seguintes à notificação da acusação, e não - como o Requerente havia feito - no prazo previsto na alínea c) do nº3 do art. 1200 daquele Código (prazo da abertura de instrução ).
32º - Repare-se que tal despacho fora proferido no âmbito de um processo dito “monstruoso” isto é. um processo ao qual havia sido reconhecida especial complexidade, deduzindo o Ministério Público, no encerramento da fase de inquérito, ao longo de 477 páginas e 2.912 artigos, acusação contra 57 arguidos, imputando-lhes, entre outros, crime de fundação e chefia de associação criminosa, burla qualificada, falsificação de documentos. etc., ali identificando mais de um •• centena de alegados lesados e arrolando 215 testemunhas de acusação, comportando tal processo, à data da acusação, 40 volumes a titulo de autos principais ( mais de 13.000 páginas) e ainda cerca de duas centenas (200!) de apensos, entre processos crimes, documentação bancária, autos de busca e apreensão, transcrições de escutas telefónicas, etc., etc., etc.
33° - Não se conformando com tal decisão, recorreu o arguido para o Tribunal da Relação de Lisboa, onde em sede de autos de recurso nº 6008/2006 da 5- Secção, a mesma veio a ser mantida, pelos Exmos. Srs. Juizes Desembargadores.
34° - Ainda (e sempre) inconformado com aquela decisão, interpôs então Recurso para o Tribunal Constitucional, solicitando fosse apreciada, designadamente, a constitucionalidade da norma do artigo 123°, nº 1 do Código de Processo Penal.
35° - Na sequência deste recurso, que correu no Tribunal Constitucional sob nº 950/06, veio a ser proferido o Acórdião nº 4212007, o qual, CONCEDENDO ( parcial) PROVIMENTO AO RECURSO, julgou " Inconstitucional, por violação do art 32°, nº 1 da Constituição, a norma do artigo 123° do Código de Processo Penal, interpretada no sentido de consagrar o prazo de três dias para arguir irregularidades, contados da notificação da acusação em processos de especial complexidade e grande dimensão, sem atender à natureza da irregularidade e à objectiva inexigibilidade da respectiva arguição " ( sic. do Acórdão mencionado ), revogando, assim, a decisão recorrida ( do Tribunal da Relação de Lisboa ) no tocante a tal decisão de inconstltucionalidade.
36° - O Tribunal da Relação de Lisboa vem então reformar a decisão recorrida, decidindo, por Acórdão de 8 de Maio de 2007 que" sendo exíguo o prazo de 3 dias do art. 123º do CPP, mas tendo decorrido o prazo geral de 10 dias. que no caso concreto pelas razões referidas, se refuta de suficiente para a arguição respectiva, atenta a simplicidade consideram-se sanadas as irregularidades
37° - Por entender, nomeadamente, que esta decisão não dava cumprimento ao doutamente decidido pelo Tribunal Constitucional, recorreu, novamente, o ora Requerente, a esta Alta Instância, suscitando ali a questão da violação de caso julgado constitucional, correndo tais autos de recurso sob n 650/07 daquele Tribunal.
Porém
38° - Tal recurso foi indeferido, sendo objecto de decisão sumária, proferida nos termos e ao abrigo do disposto no art. 78°-A da Lei do Tribunal Constitucional (redacção da Lei nº 13-N98 de 26 de Fevereiro),
39° - Sendo a questão suscitada pelo Recorrente definitivamente julgada - e indeferida - após reclamação para a conferência, nos termos do Acórdão n° 441/2007daquele Tribunal que, por economia de meios, aqui se dá por reproduzido.
Assim
40° - A data da entrada em vigor. a 15 de Setembro de 2007, da lei nº 48/2007 de 29 de Agosto, não se encontrava pendente qualquer recurso no Tribunal Constitucional - cujas DECISÕES HÁ MUITO HAVIAM TRANSITADO EM JULGADO.
41° - AMBOS OS RECURSOS FORAM INTERLOCUTÓRIOS E NÃO INTERPOSTOS DA DECISÃO FINAL - inexistente, aliás, até ao momento.
Acresce Que
42 - NENHUM DOS RECURSOS INTERPOSTOS PELO ARGUIDO, ORA REQUERENTE, SUSPENDEU, INTERROMPEU OU SEQUER PROTELOU, EM MOMENTO ALGUM, OS TERMOS DO PROCESSO.
43° - EM MOMENTO ALGUM E POR MOTIVO ALGUM O PRESENTE PROCESSO SE ENCONTROU SUSPENSO,
44° - Tendo a audiência de julgamento decorrido de forma contínua, ininterrupta, em sessões de audiência que tiveram início no dia 1 de Fevereiro de 2007 e continuação nos subsequentes dias 6, 7, 8. 13. 14, 15, 21, 22, 27. 28 do mesmo mês, 1, 6,7,8,13,14,16,20,21,23,27,28,30 de Março, 10, 11, 12,26 de Abril, 2, 8, 9,10, 15,16,17.22,23,24,29,31 de Maio, 5,6,12,19,20,21,26,27, 28 de Junho, 3, 4. 5, 10, 11, 12, 24 e 25 de Julho, 20 de Agosto er até à presente data, 11, 12, 13, 19 e 25 de Setembro ( cfr) actas da audiência de julgamento de fls. dos autos),
46° - Nenhum dos RECURSOS INTERLOCUTÓRIOS interpostos, no âmbito deste processo, pelo Requerente, designadamente para o Tribunal Constitucional, teve por consequência o protelamento. retardamento ou atraso do mesmo, não existindo, assim, RAZÃO para acrescentar ao prazo da prisão preventiva estabelecido no nº 3 do art. 215º do Código de Processo Penal ( por referência à alínea c) do nº 1 do mesmo art. 2150 ) os seis meses a que alude o actual nº 5 daquela norma legal ( n 4, na anterior redacção ).
Com efeito
47° - Salvo o devido respeito por diferente opinião. as normas do Código de Processo Penal não podem deixar de ser interpretadas e aplicadas conjugadamente entre si,
48° - Como não podem, fundamentalmente, deixar de ser interpretadas e aplicadas em conjugação ( e em conformidade ) com a Constituição.
49° - Nomeadamente quando se tratam de normas que, pese embora inseridas num código de processo, são normas substantivas, normas de conteúdo material,
50° - Como, indiscutivelmente, é o caso das normas que regem os pressupostos de aplicação e os prazos de duração da mais gravosa das medidas de coacção - a prisão preventiva.
51° - São normas que, nas palavras de Américo A. Taipa de Carvalho (in Sucessão de leis Penais, 28 Edição Revista, Coimbra Editora. pago 261 ), dizem directamente respeito aos direitos e garantias de defesa do arguido ou que afectam directa. incisiva e gravemente o DIREITO FUNDAMENTAL DA LIBERDADE.
Na verdade
52° - Sendo a liberdade um direito fundamental constitucionalmente consagrado (cfr. art. 27°. Nº 1 da CRP ), s6 poderá ser restringido em termos compatíveis com a Constituição,
53° - Designadamente com o disposto no nº 2 do art. 18° e nº 2 do art. 28° daquele diploma legal.
De facto
54° - Se a regra é a LIBERDADE e a prisão, como consequência de uma pena transitada em julgado, uma excepção,
55° - Já A PRISÃO PREVENTIVA é a EXCEPCÃO ÀQUELA EXCEPCÃO,
56° - Devendo a sua aplicação e manutenção revestir-se de especiais cautelas.
57° - Não podendo, nunca por nunca, violar o PRINCíPIO DA PROPORCIONALIOADE em qualquer das suas vertentes ( necessidade, adequação e proporcionalidade em sentido estrito - cfr. art. 18°, nº 2 da CRP ).
Assim
58° Nunca perdendo de vista estes preceitos do nosso Diploma Fundamental, terá o julgador de procurar a ratio daquelas normas processuais penais - a sua razão de ser - razão esta que não poderá deixar de ser material, nunca meramente formal.
59° - o julgador tem, assim, ao aplicar as normas respeitantes à prisão preventiva que ver para além do seu teor literal, questionando ( e questionando-se) sobre a razão subjacente a tais preceitos.
60º - Se se justifica que, verificados os pressupostos dos arts. 191°, 19r, 193°,204º e 202º do Código de Processo Penal. um arguido possa ser submetido à prisão preventiva,
61° - Se se justifica que, não existindo alteração de tais pressupostos, aquela medida de coacção possa ser mantida por um período de tempo determinado ( arts. 213° e 215° do mesmo diploma ),
62° - Se se justifica até que, atenta a natureza do crime ou a complexidade do processo, tal prazo possa ser prolongado ( cfr. art. 215°, n° 2 e n° 3 do CPP ),
63° - Se se justifica mesmo que, se 08 termos do processo estiveram suspensos, a aguardar decisão de questão prévia, pendente noutro tribunal, a prisão preventiva possa ser prorrogada por (até, diríamos ) seis meses ( cfr. art. 215°, n° 5, in fine do CPP ),
64° - Não se vê como possa ser justificação para acrescentar à prisão preventiva seis meses de duração, o simples facto de o arguido, no exercício, aliás, de um direito, também ele, reconhecido pela Constituição ( cfr. art. 32°, nº 1 da CRP ) ter interposto um RECURSO INTERLOCUTÓRIO, para o Tribunal Constitucional ou para qualquer outra instância, quando tal recurso em nada afecta o normal andamento do processo, e se encontra, há muito, decidido e transitado em julgado.
65° ~ E menos se compreende como possa um recurso - um acta judicial, portanto, apresentado por um dos arguidos, constituir suficiente razão para prolongar. por mais seis meses. Os prazos da prisão preventiva a que, no âmbito do mesmo processo, se encontram submetidos outros co-arguidos, absolutamente alheios a tal acto judicial.
Com efeito
66° - A razão de ser da norma do art. 215°, n° 5, primeira parte ( na actual redacção ) não pode deixar de ser uma, e uma só: evitar a utilização abusiva. por parte de arguidos em situação de prísão preventiva, de expedientes dilatórios, com o intuito de, protelando o andamento do processo, conseguir esgotar os prazos- limites daquela medida de coacção. reportados a cada fase processual
67° - No presente caso, não só não foi abusivo 0(8) Recurso(s) para o Tribunal Constitucional, como, repete-se, em consequência do(s} mesmo(s), não sofreu o processo qualquer retardamento.
Assim
68°- Afigura-se materialmente inconstitucional, por violação, designadamente, do disposto nos arts. 27°. 28°. Nº 2 e 18°, nº 2 da CRP, a norrma do artº 215º n 5 do Código de Processo Penal. na redacção da Lei nº 48/2007 de 29 de Agosto, interpretada no sentido de que todo e qualquer recurso Interposto para ao Tribunal Constitucional - interlocutório ou da decisão final - no decorrer de um processo crime ã ordem do qual se encontra(m) arguido(s) em situação de prisão preventiva determina NECESSARIAMENTE UM ACRÉSCIMO DE SEIS MESES aos prazos referidos nas alíneas c) e d) do nº 1. bem como aos correspondentemente referidos nos nº 2 e 3 daquela norma processual penal, mesmo que tal recurso não tenha, efectivamente, determinado a suspensão e/ou, sequer, o retardamento de tal processo - inconstitucionalidade que aqui. e para todos os efeitos, expressamente se deixa arguida.
69° - Terminaríamos, de novo, com América A. Taipa de Carvalho ( in obra citada). dizendo que a raison d'État não pode, jamais, sobrepor-se ao Estado da Razão, isto é, ao Estado de Direito Democrático, convertendo a razão Instrumental ( do Estado) em razão final.
Nestes termos, e nos melhores de direito aplicáveis, deverá ser concedida ao Requerente a providência de habeas corpus e restituído ° mesmo, de imediato. à liberdade. como se afigura de elementar JUSTiÇA
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Foi prestada a informação a que alude o artigo 223º nº 1 do Código de Processo Penal, e dela consta:
Vem o arguido AA apresentar pedido de Habeas Corpus com vista à sua imediata restituição à liberdade, alegando, em síntese, para tal que, encontrando-se em prisão preventiva desde 18 de Janeiro de 2005, se mostram presentemente e por força da nova redacção ao art. 215° do Código de Processo Penal, introduzida pela entrada em vigor da Lei 48/2007, de 29 de Agosto, ultrapassados os prazos daquela medida coactiva ali fixados. -----
Pugna o arguido pela tese de que o prazo que lhe será aplicável se reduz agora a 2 anos e 6 meses de prisão e não se estende a 3 anos, como se defendeu no nosso despacho proferido em 12/9/2007, pese embora reconheça a interposição de dois recursos para o Tribunal Constitucional, como melhor discrimina na petição em apreço e se refere naquele outro despacho. -----
Por razões de economia e celeridade processual eximimo-nos ora de repetir o que se expôs sobre a questão sub iudice naquele despacho, para o qual remetemos e cuja certidão acompanhará o presente apenso, confirmando, por exacto, o que alega o arguido nos seus pontos 1 a 9, 11, acrescentando, de outra parte, ainda que neste momento e quanto ao decurso do julgamento apenas faltam inquirir 16 testemunhas de um total de 389.-----
A divergência entre a posição do Tribunal e a da defesa do arguido cinge-se à interpretação a dar ao disposto no nº 215°, n° 5 (antigo n° 4), do Código de Processo Penal, sendo que em nosso entender não tem esta última qualquer bondade, nem acolhimento no texto da Lei nem da própria Constituição da República Portuguesa. -----
Na verdade, salvo melhor JUIZO, o que o legislador pretendeu com a consagração deste art. 2150 foi que o prazo de prisão preventiva fosse contado sempre desde o seu início, mas não podendo nunca ultrapassar certos limites acumulados reportados a 4 fases processuais, a saber: -----
i) a dedução da acusação; -----
ii) a prolação de decisão instrutória, quando tenha havido instrução; ----¬
iii) a condenação em 1 a instância, e -----
iv) o trânsito em julgado da condenação. -----
A este primeiro critério acrescentou depois o legislador uma diferenciação de prazos consoante esteja em causa certo tipo de crimes, pena de prisão máxima superior a 8 anos ou casos de terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada (n° 2 do citado artigo). E depois ainda outro quando relativamente aos crimes referidos naquele segundo critério o procedimento se revelar de especial complexidade e um quarto consagrado agora no n° 5 e que é reprodução do antigo n° 4, onde se prescreve que: "Os prazos referidos nas alíneas c) e d) do n° 1, bem como os correspondentemente referidos nos nºs 2 e 3, são acrescentados de seis meses se tiver havido recurso para o Tribunal Constitucional ou se o processo penal tiver sido suspenso para julgamento em outro tribunal de questão prejudicial". -----
Por conseguinte, neste último critério o legislador apenas deu especificamente relevância a duas fases processuais, mais concretamente, às supra elencadas sobre iii) e iv), e fê-lo pela potencialidade de acréscimo de actos processuais e (consequentemente) de retardamento da marcha ou desfecho do processo, quando alcançada fase processual com certa relevância. -----
A situação mais comum e que parece não gerar qualquer polémica é a de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional na fase processual a que se refere a alínea d) do n° 1 do art. 215°, ou seja, quando o recurso é interposto após decisão condenatória proferida em 1 a instância, caso em que o recurso para o Tribunal Constitucional assume natureza não extraordinária e impede o trânsito em julgado da decisão condenatória, podendo conduzir à reformulação da decisão recorrida e mesmo à reformulação total do caso (v. Ac. TC n° 1166/99 de 20/11/1996, e 524/97, de 14/7/1997). E, é precisamente nesta decorrência e por esta potencialidade que tem de retardar o trânsito em julgado da decisão condenatória proferida por um Tribunal Judicial, que há lugar ao supra referido acréscimo de 6 meses no prazo máximo da prisão preventiva. -----
E quanto à segunda situação, a saber, a da interposição de recurso para o Tribunal Constitucional na fase processual a que se refere a alínea c) do art. 215°, n° 1, do Código de Processo Penal, ou seja, como sucede no caso (tendo em conta os dois recursos interpostos no Apenso J destes autos - proc. 6008/06.5 do Tribunal da Relação de Lisboa, com os procs. 950/2006, da 2a secção do Tribunal Constitucional e 650/07 da 3a secção daquele mesmo Tribunal), na fase de julgamento e até à condenação em primeira instância? -----
Para tais recursos interlocutórios dispõe o art. 407°, nºs 1 e 2, do Código de Processo Penal, cumprindo-nos cingir aos casos, como o presente, em que o recurso interlocutório sobe em momento anterior à prolação da decisão que ponha termo ao processo, os quais, têm, em nosso entender, também inequivocamente a potencialidade de afectar a tramitação normal do processo, protelando e/ou alongando certa fase processual, no caso, a fase do julgamento. --
Com efeito, embora subindo em separado e com efeito meramente devolutivo, no caso de conhecimento do recurso e sua remessa para ala instância ocorrer antes de ser proferida nesta sede decisão condenatória, tal recurso, a ser provido, tem a potencialidade de afectar, por exemplo, a subsistência da prova que esteja a ser adquirida, impor a repetição de actos de produção de prova ou a prática de outros indeferidos pelo Tribunal ou pode ainda destruir "processualmente" determinado acto produzido no processo e os subsequentes incompatíveis com o direito tutelado e com a decisão do recurso provido. -----
É esta, pois, a ratio legis subjacente ao preceito e que não impõe, ao contrário do que parece pretender a defesa do arguido AA, a verificação concreta e in casu de qualquer efectivo retardamento ou protelamento do processo e da fase processual concreta referida na alínea c) do n° 1 do art. 215°. -
Tão pouco o texto da lei indicia minimamente, seja na redacção dada às alíneas c) e d) do art. 215°, n° 1, seja ao seu actual nº 5, que se exija tal circunstância. A relevância da interposição do recurso para o Tribunal Constitucional foi consagrada tão somente pela potencialidade de retardamento referida e basta-se com isso, não exige que se conclua que o prazo da prisão preventiva consagrado genericamente para cada uma daquelas duas fases processuais foi no caso ultrapassado por causa daquela concreta interposição de recurso. -----
Certamente, se tivesse sido essa a intenção do legislador, não teria deixado de o dizer expressamente, aproveitando até o ensejo desta última revisão, mormente estando em causa matéria tão sensível como a da privação da liberdade.
Pode questionar-se a bondade da opção do legislador, designadamente por apenas abranger as duas fase processuais referidas, mas tal decorre, a nosso ver, do que já se deixou exposto, em conjugação ademais com as especificidades inerentes à fase de julgamento e após a prol acção de condenação em 1ª instância.
A intenção do legislador foi e continua a ser a de, por um lado, criar mecanismos que obriguem a uma investigação e julgamento céleres, com o consequente encurtamento de prazos de prisão preventiva, mas por outro não deixou de ponderar a unidade funcional que o processo consubstancia acautelando, no interesse do Estado e dos cidadãos em geral na realização da Justiça, as especiais exigências de tempo que se suscitam em processos especialmente complexos. Concomitantemente, embora reconheça que, perante a eventualidade de o arguido sofrer em fase de julgamento uma condenação, se impõe reconhecer-lhe todas as garantias de defesa, maxime de recurso dos actos que o afectem (incluindo para o Tribunal Constitucional); não pode também tolerar, desde logo, em nome dos interesses e direitos dos demais cidadãos, que por meio da exercício de tais garantias, por mero decurso do tempo, se frustre de forma desproporcionada aquele interesse do Estado e dos cidadãos na realização da justiça, quando a mesma já chegou a determinada fase processual de relevo. ---
Fase processual esta em que o avolumar de indícios não invertendo a presunção de inocência, a enfraquecem e exigem uma outra ponderação de valores e interesses na confronto entre o direito à liberdade do arguido e os direitos dos demais cidadãos à segurança e à defesa da legalidade. -----
Como se pode ler na declaração de voto do Ac. TC 404/2005, de 22/7/2005, da Conselheira Maria Fernanda Palma: "(. . .) as normas contidas no n° 1 do art. 215° do Código de Processo Penal, fazem depender o prazo da prisão preventiva do avolumar de indícios que, não invertendo a presunção de inocência (art. 32~ n° 2, da Constituição), a enfraquecem. Assim se explica a relevância atribuída à acusação e à condenação - e não simplesmente à conclusão do inquérito ou da audiência de julgamento - nas alíneas a) a c) do n° 1 do art. 215° do Código de Processo Penal.! Por conseguinte, não está só em causa o andamento do processo e o estádio atingido (...) mas também a prolacção de decisão desfavoráveis ao arguido que apreciam os indícios ou as provas contra ele deduzidas (. . .)". --
De resto, tão pouco se compreende a vaga e imprecisa invocação de violação na interpretação supra referida dos arts. 27°, 28°, n° 2, e 18°, n° 2, da Constituição da República Portuguesa. -----
Por todo o exposto, mantenho a minha última decisão proferida nos autos no sentido de o arguido continuar a aguardar os ulteriores termos do processo sujeito à medida de coacção de prisão preventiva, por ainda não se mostrar ultrapassado o prazo de 3 anos que resulta da aplicação do disposto nos artºs 215º, nº 1, alínea c), 2, 3 e 5, do Código de Processo Penal.”
Por sua vez, nesse despacho de 12 de Setembro de 2007, refere-se: “(…) tendo sido interpostos nos autos dois recursos para o Tribunal Constitucional (v. proc. 6008/06.5 já incorporado nestes autos e constituindo seu apenso, com os procs. 950/2006, da 2a secção do Tribunal Constitucional e 650/07 da Y secção daquele mesmo Tribunal) e tratando-se este de processo já judicialmente declarado em sede de inquérito como de especial complexidade, é ao caso aplicável o disposto no art. 21 5°, nºs 1, alínea c), 3 e 4, do Código de Processo Penal. Ora, mesmo na redacção introduzi da pela 1 sa alteração ao Código de Processo Penal aprovada pela Lei nº 48/2007 de 29 de Agosto, o prazo máximo de prisão preventiva dos arguidos supra referidos é de 3 anos sem que tenha havido condenação em 1 a instância. -----
Em conformidade, tendo em conta que os arguidos (…) se encontram ininterruptamente em prisão preventiva à ordem destes autos desde 18/1/2005, apenas em 18/1/2008 perfarão 3 anos em prisão preventiva. -----
Idêntica afirmação vale para o arguido AA, que também se há-de considerar ininterruptamente preso em prisão preventiva à ordem destes autos desde aquela data.”
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Convocada a Secção Criminal deste Supremo, e efectuadas as devidas notificações, realizou-se a audiência pública, nos termos legais.
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A Secção Criminal reuniu seguidamente para deliberação, após o que se torna esta imediatamente pública.
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O artigo 27º da Constituição da República estabelece que todos têm direito à liberdade e segurança, e que ninguém pode ser total ou parcialmente privado da liberdade, a não ser em consequência de sentença judicial condenatória pela prática de acto punido por lei com pena de prisão ou de aplicação judicial de medida de segurança, exceptuando-se porém deste princípio a privação de liberdade, pelo tempo e, nas condições que a lei determinar, nos caso ali indicados entre os quais figura o da alínea b) do nº 3: “Detenção ou prisão preventiva por fortes indícios de prática de crime doloso a que corresponda pena de prisão cujo limite máximo seja superior a três anos.”
Por sua vez, o artigo 31º nº 1 da Constituição da República, integrante do título II (Direitos, Liberdades e garantias) e capítulo I (Direitos, liberdades e garantias pessoais), determina que haverá habeas corpus contra o abuso de poder, por virtude de prisão ou detenção ilegal, a requerer perante o tribunal competente.
A providência de habeas corpus pode ser requerida pelo próprio ou por qualquer cidadão no gozo dos seus direitos políticos (nº 2)
O juiz decidirá no prazo de oito dias o pedido de habeas corpus em audiência contraditória (nº 3)

A providência do habeas corpus não constitui um meio normal de impugnação de decisões judiciais; outrossim assume-se como uma providência excepcional, garantia constitucional do exercício de um direito fundamental constitucionalmente consagrado – o direito à liberdade- , para ser utilizada em situações clamorosas, de anomalia gritante, de privação da liberdade de qualquer pessoa, resultante de abuso de poder ou de erro grosseiro, ou por serem ofensas sem lei ou por serem grosseiramente contra a lei.
Como referem J.J.Gomes Canotilho e Vital Moreira, in Constituição da República Portuguesa anotada, 3ª edição revista, Coimbra Editora, p. 199: “A figura do habeas corpus, que é historicamente uma instituição de origem britânica, consiste essencialmente numa providência expedita contra a prisão ou detenção ilegal, sendo, por isso, uma garantia privilegiada do direito à liberdade.”
E, como salienta Germano Marques da Silva in Curso de Processo Penal II, Verbo, p. 260,: “Trata-se de um direito subjectivo (direito-garantia) reconhecido para a tutela de um direito fundamental, dos mais importantes, o direito à liberdade pessoal. Em razão do seu fim, o habeas corpus há-de ser de utilização simples, isto é, sem grandes formalismos, rápido na actuação, pois a violação do direito de liberdade não se compadece com demoras escusadas, abranger todos os casos de privação ilegal da liberdade e sem excepções em atenção ao agente ou à vítima. Estas características são em geral reconhecidas em todas as legislações que acolhem o habeas corpus”.
Por outro lado tal providência, não constitui no sistema jurídico nacional, um recurso dos recursos e muito menos um recurso contra os recursos.
Tal não significa que a providência deva ser concebida, como frequentemente o foi, como só podendo ser usada contra a ilegalidade da prisão quando não possa reagir-se contra essa situação de outro modo, designadamente por via dos recursos ordinários (cf. Ac. do STJ de 29-05-02, Proc. n.º 2090/02 - 3.ª Secção, onde se explana desenvolvidamente essa tese).
Com efeito, a excepcionalidade da providência não se refere à sua subsidiariedade em relação aos meios de impugnação ordinários das decisões judiciais, mas antes e apenas à circunstância de se tratar de «providência vocacionada a responder a situações de gravidade extrema ou excepcional», com uma celeridade incompatível com a prévia exaustação dos recursos ordinários e com a sua própria tramitação. v. Ac. deste este Supremo e secção de 20-12-2006, Proc. n.º 4705/06.

O artigo 222º do Código de Processo Penal, que se refere ao habeas corpus em virtude de prisão ilegal, estabelece no nº 1 que a qualquer pessoa que se encontrar ilegalmente presa, o Supremo Tribunal de Justiça concede, sob petição, a providência do habeas corpus.
Contudo, de harmonia com o nº 2 o preceito e, suas alíneas, esta providência “deve fundar-se em ilegalidade da prisão proveniente de:
a) Ter sido efectuada ou ordenada por entidade incompetente;
b) Ser motivada por facto pelo qual a lei a não permite; ou
c) Manter-se para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial;

O peticionante fundamenta a providência em prisão ilegal nos termos do artigo 222º nº 1 e 2.al. c) do CPP., alegando, em suma, que encontrando-se em situação de prisão preventiva desde 18 de Janeiro de 2005,à ordem de um processo em que vem pronunciado por um dos crimes do catálogo do nº 2 do art. 215°, tendo o processo sido declarado de excepcional complexidade, decorrendo ainda a audiência de julgamento em primeira instância, onde não foi proferida, até ao momento, decisão final, esgotou-se o prazo da prisão preventiva em 18 de Julho de 2007

Verifica-se dos elementos que instruíram a presente providência que o peticionante se encontra ininterruptamente em prisão preventiva à ordem do processo nº 547/04.OJDLSB-K da 1ª Secção da 3ª Vara Criminal de Lisboa, desde 18 de Janeiro de 2005
O arguido foi pronunciado pela prática de um crime de adesão a associação criminosa p. e p. pelo artigo 299º nº 2 do C.P, para além de outros constantes da acusação.
Não foi proferida condenação em 1ª instância, encontrando-se o julgamento a decorrer, em sessões ininterruptas desde 1 de Fevereiro de 2007, e, em 1 do corrente, faltava inquirir 16 testemunhas de um total de 389.
Durante a fase de inquérito foi reconhecida e declarada a especial complexidade dos referidos autos.
O arguido, ora peticionante veio a interpor nos mesmos autos dois recursos de decisões interlocutórias, para o Tribunal Constitucional, um dos quais correu no Tribunal Constitucional sob o nº 950/06 que gerou o Acórdão nº 42/2007 integrando o outro recurso os autos nº 650/07 daquele Tribunal, decidido por decisão sumária de que houve reclamação para a conferência vindo o Tribunal Constitucional a produzir o acórdão nº 441/07
As decisões dos recursos interpostos para o Tribunal Constitucional transitaram em julgado e, na data da entrada em vigor da Lei nº 48/2007 de 29 de Gosto, não se encontrava pendente qualquer recurso interposto pelo recorrente no Tribunal Constitucional

As normas legais no caso concreto:

Nos termos do artº 215º do Código de Processo Penal, na redacção anterior à Lei nº 48/2007 de 29 de Agosto, a prisão preventiva extingue-se, quando desde o seu início, tiverem decorrido dezoito meses sem que tenha havido condenação em 1ª instância, - alínea c) do nº 1 - ; prazo este elevado para dois anos quando se proceder por crime nos termos do no nº 2, entre os quais se inclui o previsto no artigo 299º do Código Penal, (alínea a) do nº 2 do artº 215º.
O prazo referido no nº 1, segundo o nº 3 do artº 215º, é elevado para três anos “quando o procedimento for um dos crimes referidos no número anterior e se revelar de especial complexidade (…).
Por sua vez o nº 4 do mesmo artigo refere que o prazos referidos nas alíneas c) e d) do nº 1, bem como os correspondentemente referidos nos nºs 2 e 3, são acrescentados de seis meses se tiver havido recurso para o Tribunal Constitucional ou se o processo penal tiver sido suspenso para julgamento em outro tribunal de questão prejudicial.
Porém com a vigência da Lei nº 48/2007 a partir de 15 de Setembro, o artigo 215º do CPP, tais prazos forma alterados.
Assim, conforme artº 215º 1 do CPP. na actual redacção,.a prisão preventiva extingue-se quando, desde o seu início, tiverem decorrido :
c) Um ano e dois meses sem que tenha havido condenação em 1ªinstância.
O prazo referido no número anterior, é elevado respectivamente para 1 ano e 6 meses no caso de crimes previstos no nº 2 , entre os quais se inclui o previsto no artº 299º do CP, (alínea a) do nº2 do artº 215º
Por força do nº 3, o prazo referido no nº 1 é elevado para dois anos e seis meses, quando o procedimento for um dos crimes referidos no número anterior e se revelar de especial complexidade”, declarada durante a 1ª instância (nº 4)
E, estabelece o nº 5 do artº 215º : Os prazos referidos nas alíneas c) e d) do nº 1, bem como os correspondentemente referidos nos nº ns 2 e 3, são acrescentados de seis meses se tiver havido recurso para o Tribunal Constitucional ou se o processo penal tiver sido suspenso para julgamento em outro tribunal de questão prejudicial.
Do exposto resulta que é aplicável o novo regime processual penal, por ser mais favorável, face à redução dos prazos máximos de prisão preventiva.
Encontrando-se o peticionante, pronunciado por um dos crimes do chamado catálogo – o previsto no artº 299º do CPenal, conforme nº 2 do artº 215ºdo CPP, tendo o processo sido declarado de especial complexidade e tendo havido recurso para o Tribunal Constitucional, é de 3 anos o prazo máximo de prisão preventiva.
Assim, encontrando-se o peticionante em prisão preventiva desde 18 de Janeiro de 2007, o prazo máximo da prisão preventiva ainda não decorreu, e ocorrerá em 18 de Janeiro de 2008, não se encontrando, por isso, excedido o prazo da prisão.

Não cabe no âmbito do Habeas corpus, não constitui seu objecto, não é thema probandum nem thema decidendi, discutir a lei, ou averiguar da sua (in)constitucionalidade.
As normas processuais penais referentes à privação de liberdade, equacionam a ponderação entre dois direitos fundamentais – o direito à liberdade, e o direito à segurança - constitucionalmente consagrados, sendo autêntica explicitação, usando a expressão de Henkel, de direito constitucional aplicado.
São normas de natureza pública, de interesse e ordem pública, que contendendo com direitos fundamentais, valem pelo que declaram, e não pela interpretação restritiva que delas se faça, sob pena de abrogação dos direitos à liberdade e à segurança.
Note-se, aliás e, a propósito, que em caso de recurso para o Tribunal Constitucional, na terminologia da lei, os prazos da prisão “são acrescentados de seis meses.”
Acresce que essa norma legal não distingue entre recursos interlocutórios e recurso de decisão final.
E, não se restringe a recursos pendentes, nem diferencia fases do processo, mas abarca quaisquer recursos, estejam ou não decididos, pois que assinala “se tiver havido” e, não “se houver”.

Pelo supra exposto, conclui-se que tendo sido a prisão questionada ordenada por entidade competente, por facto que a lei permite e mantendo-se dentro do prazo fixado pela lei, é manifestamente infundado o pedido de habeas corpus formulado pelo requerente AA, através da sua Exma Mandatária, e por isso, há que indeferi-lo.
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Termos em que, decidindo, acordam os deste Supremo:

Indeferem a petição de habeas corpus requerida pelo arguido AA, através da sua Exma Mandatária, por manifestamente infundada.

Tributam o recorrente em 4 Ucs de taxa de justiça – artº 84º nº 1 do Código das Custas Judiciais.
Mais o condenam no pagamento de oito Ucs nos termos do artigo 223º nº 6 do Código de Processo Penal.


Lisboa,10 de Outubro de 2007

Pires da Graça (Relator)

Raul Borges
Pereira Madeira