CONTRATO DE CRÉDITO AO CONSUMO
DEVER DE INFORMAÇÃO
CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS
CONCEITO JURÍDICO
ABUSO DE DIREITO
Sumário


I) Os contratos de crédito ao consumo são contratos de adesão, já que, a par de cláusulas específicas que exprimem a particularidade de cada negócio, contêm cláusulas pré-determinadas destinadas à massa dos consumidores e que não são passíveis de negociação individualizada, aplicando-se-lhe o regime das cláusulas contratuais gerais (ccg).

II) Neste tipo de contrato em que existe uma aceitação, não particularmente negociada pelo aderente, a lei visa a sua protecção, como parte contratualmente mais débil, assegurando de modo efectivo um “dever de informação” a cargo do proponente.

III) Essa comunicação dever abranger a totalidade das cláusulas e ser feita de modo adequado e pessoal e com antecedência compatível com a extensão e complexidade do contrato, de modo a tornar possível o seu conhecimento “completo e efectivo por quem use de comum diligência”.

IV) Nos contratos de crédito ao consumo em que intervêm, além do comprador, o financiador e o vendedor, não sendo simultâneas as assinaturas das três partes contratualmente envolvidas, sai afrontada a defesa do consumidor e o seu direito a ser informado, se o financiador, usando de ccg comete a terceiro (a entidade vendedora do bem) o dever de informação, como que numa delegação de competência que viola um seu dever pessoal, mais a mais, sendo o consumidor analfabeto (a sua assinatura no contrato foi aposta a rogo por não saber ler).

V) Não é exigível a pessoa analfabeta, que domine conceitos jurídicos como “mora”, “cláusula penal”, “rescisão do contrato” e “reserva de propriedade”, sobretudo se tais conceitos constaram das “Condições Gerais”, sendo, por isso, mais exigente o dever de informação.

VI) Quanto à ponderação de abuso do direito por parte do consumidor que invoca vícios do contrato, após o início da sua execução, o Tribunal deve actuar com particular prudência, já que, na relação de financiamento à aquisição de bens de consumo, é patente a desigualdade de meios entre o fornecedor dos bens ou serviços e o consumidor, sendo de equacionar se, ao actuar como actuou, a entidade financiadora da aquisição, prevalecendo-se de superioridade negocial em relação a quem recorreu ao crédito, não infringiu ela mesmo, em termos censuráveis, os deveres cooperação, de lealdade, e informação, em suma os princípios da boa fé.

VII) Se assim tiver acontecido não deve ser paralisado o direito do consumidor.

Texto Integral



Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


“T...-Financiamento para Aquisições a Crédito, S.A.”, agora denominada “Banco M..., S.A.”, intentou, em 11.1.2002, pelas Varas Cíveis da Comarca de Lisboa – 9ª Vara – acção declarativa de condenação, contra:

AA e BB [desistiu do pedido que formulou contra a Ré BB, o que foi admitido (fls. 138)].

Pedindo que os RR. sejam condenados, solidariamente, a pagarem-lhe a importância de € 15.616,36, acrescida de 2.420,58 de juros vencidos até ao presente – 11 de Janeiro de 2002 – e € 96,82 de imposto de selo sobre estes juros e, ainda, os juros que, sobre a dita quantia de € 15.616,36, que se vencerem à taxa anual de 22,1%, desde 12 de Janeiro de 2002 até integral pagamento, bem como o imposto de selo que, à taxa de 4%, que sobre estes juros recair.

Alegou em resumo:

- no exercício da então sua actividade comercial, e com destino à aquisição de um veículo automóvel da marca Fiat, modelo Ducato, com a matrícula ...-...-HZ, a Autora, por contrato constante de título particular de 24 de Maio de 2000 – assinado a rogo do ora Réu e como tal reconhecido presencialmente no 1° Cartório Notarial de Leiria – concedeu ao Réu marido crédito directo, sob a forma de um contrato de mútuo, tendo-lhe assim emprestado a importância de 2.400.000$00 (€ 11.971, 15);

- Mais foi acordado entre Autor e o referido Réu marido que em caso de mora sobre o montante em débito, a título de cláusula penal, acrescia uma indemnização correspondente à taxa de juro contratual ajustada – 18,1% – acrescida de 4 pontos percentuais, ou seja, um juro à taxa anual de 22,1%;

- o referido Réu marido das prestações referidas, não pagou a 11ª e seguintes, vencida a primeira em 30 de Abril de 2001, vencendo-se então todas;

- o Réu marido não providenciou às transferências bancárias referidas – que não foram feitas – para pagamento das ditas prestações, e nem o referido Réu, ou quem quer que fosse por ele, as pagou à Autora conforme expressamente consta do referido contrato – o valor de cada prestação era de 62.616$00 ou seja, € 312,33;

- o total das prestações em débito pelo referido Réu marido à Autora ascende a 3.130.800$00 (€ 15.616,36), quantitativo este a que acrescem os juros – incluindo já a cláusula penal referida – que sobre ela se vencerem à referida taxa de 22,1% ao ano, desde a data do vencimento referida, ou seja, desde 30 de Abril de 2001, até integral e efectivo pagamento.

Os RR. contestaram excepcionando a ilegitimidade da Ré e alegando ser nulo o contrato por não lhe ter sido entregue um exemplar aquando da assinatura por CC, a rogo do contestante.

Conclui pedindo que a excepção da ilegitimidade da Ré BB seja julgada procedente, tal como a excepção de nulidade do contrato, sendo declarado nulo o contrato subjacente à presente acção.

De todo o modo, deve sempre a presente acção ser julgada improcedente por não provada, devendo ser ordenado o cancelamento do registo de propriedade a favor do Autor e que incide sobre o veículo automóvel da matrícula ...-...-HZ,

A Autora replicou, repudiando as invocadas excepções, e pedindo a condenação dos RR. como litigantes de má-fé.

***

Foi proferida a sentença condenatória de fls. 243 a 287, nos seguintes termos:

“De acordo com o exposto e com os preceitos legais supra citados julgo a presente acção procedente e, em consequência, condeno o réu AA a pagar à Autora Banco M..., S.A.:

A) A quantia de € 15.616,36 (quinze mil, seiscentos e dezasseis euros e trinta e seis cêntimos, antes correspondente a Esc. 3.130.800$00 - cfr. Regulamentos (CE) nº 1103/97, do Conselho de 17/06/97, JOCE nº L162, de 19/06/97 e (CE) nº 974/98, do Conselho de 3 de Maio de 1998, JOCE nº L139, de 11/05/98 e D.L. nº 323/01, de 17 de Dezembro), referente às prestações vencidas e ainda não pagas pelo réu, respeitante ao empréstimo contraído pelo réu e a que se reportam os autos;

B) Os juros, sobre a quantia referida em A), contabilizados à taxa de 22,1% ao ano, vencidos desde 30/04/2001 e, vincendos, à mesma taxa, até integral pagamento; e

C) O imposto de selo, à taxa de 4% ao ano, que incide sobre os juros referidos em B).

[...]”.

***

Inconformados os RR. recorreram para o Tribunal da Relação de Lisboa que, por Acórdão de fls.383 a 399, de 27.3.2007, decretou:

“ a) declara-se nula a sentença proferida em 1ª instância ora recorrida, e;

b) conhecendo do objecto da apelação nos termos previstos no art. 715,º nº1, do Código de Processo Civil:

i) – elimina-se do elenco de factos provados no processo a expressão “(assinaturas presencialmente reconhecidas no 1º Cartório Notarial de Leiria)” constante da resposta dada ao perguntado no ponto 1.27 da “Base Instrutória”,

ii) – declaram-se nulos o contrato de financiamento ao consumo cujo original se encontra a fls. 152 e os demais actos jurídicos decorrentes do mesmo, incluindo a inscrição registral de que a certidão de fls. 158 a 168 dá fé, e, consequentemente,

iii) – ordena-se que o Réu AA, se essa entrega não tiver já sido concretizada antes, restitua à Autora o veículo FIAT DUCATO, de matrícula ...-...-HZ, valendo o montante das prestações por este pagas como valor correspondente à objectiva impossibilidade de restituição em espécie do uso dado por ele a esse automóvel, e

iv) – absolve-se o aludido Réu e ora apelante, do pedido, sem prejuízo de, em acção própria, porque nestes autos nada a esse respeito foi alegado e provado, se poder, eventualmente, decretar a condenação do mesmo recorrente no pagamento de indemnização por prejuízos que tenham efectivamente resultado para a Autora da impossibilidade de restituição em espécie por parte desse Réu do uso que deu à viatura mencionada em ii.”

***

Inconformada recorreu para este Supremo Tribunal a Autora que, alegando, formulou as seguintes conclusões:

1. Não assiste razão ao Acórdão ora recorrido, ao julgar nula a sentença que proferida foi em 1ª instância, alterando até a matéria de facto dada como provada, por entenderem haver omissão de pronúncia e contradição entre a matéria dada como provada e a decisão, no facto de não ter sido entregue ao R. um exemplar do contrato na data da sua assinatura e, que, o teor das cláusulas contratuais gerais, que se encontraram apostas no contrato de mútuo dos autos após a assinatura do R., não lhe foi explicado.

2. O Senhor Juiz “a quo” expressamente afirmou na sentença proferida em 1ª instância, que foi declarada nula pelo – Acórdão ora recorrido, que:
“Com efeito, se antes tal não sucedesse, pelo menos, aquando do reconhecimento da assinatura de CC, o réu teria tomado contacto com o teor integral do contrato e, poderia ter tomado a atitude de não pretender rogar a assinatura, o que não fez.
Ademais, apurou-se que, entretanto foram pagas 10 das prestações acordadas, sem que, alguma vez o réu tenha discutido o seu conteúdo, tenha alegado o seu desconhecimento ou a incompreensão sobre o conteúdo de alguma cláusula do contrato.”

3. É entendimento pacífico que a nulidade de omissão de pronúncia prevista na alínea d) do n.º1 do artigo 668º do Código de Processo Civil se refere apenas à falta de pronúncia sobre as questões que as partes invocaram, e não sobre a eventual falta de pronúncia sobre os argumentos e considerações das partes acerca das questões a apreciar, pelo que não assiste razão ao Acórdão ora recorrido.

4. Não assiste, pois, qualquer razão ao pretender-se que existiu omissão de pronúncia, na referida sentença, em virtude de não ter declarado nulo o contrato por alegada falta de leitura e de explicação.

5. Não assiste, assim, qualquer razão, ao Acórdão ora recorrido, ao declarar nula a sentença, com fundamento na violação do disposto na alínea d) do nº 1 do artigo 668º do Código de Processo Civil, pois é manifesto que a referida sentença se pronunciou sobre as questões que ao Senhor Juiz a quo foram submetidas.

6. Contrariamente também, ao que se “entendeu” no Acórdão recorrida, o contrato de mútuo dos autos não é nulo.

7. Se é certo que está provado nos autos que não foi entregue ao R., no momento em que este assinou o contrato dos autos, um exemplar do mesmo, certo é também que está ainda provado nos autos, que posteriormente lhe foi entregue um exemplar do dito contrato.

8. O contrato de mútuo dos autos, atento o seu processo de elaboração, consubstancia um contrato entre ausentes, em que a concordância das partes ao acordo é dada em momentos diferentes.

9. No caso de contratos celebrados entre ausentes é evidente que só após a assinatura do contrato por ambos os contraentes é que deve – e pode – ser entregue ao consumidor um exemplar do contrato.

10. Nos termos do disposto no nº01 do artigo 6º do Decreto-Lei 359/91, de 21 de Setembro, aquando da aposição pelo Réu, ora recorrido, da sua assinatura no contrato dos autos, não tinha – nem devia ou sequer podia – que ser entregue ao dito Réu um exemplar do referido contrato, uma vez que nessa data não existia sequer contrato, e porque faltava a assinatura de um representante do Autor, ora recorrente, para que o mesmo fosse válido e juridicamente eficaz.

11. É, pois, falso que por não ter sido entregue ao Réu, ora recorrido, um exemplar do contrato dos autos na data em que este o assinou, o contrato dos autos seja nulo por pretensa violação do disposto no n.º 1 do referido artigo 6º do Decreto-Lei 359/91, de 21 de Setembro.

12. O disposto no n.º 1 do referido artigo 6º do Decreto-Lei 359/91, de 21 de Setembro, só se pode aplicar “à letra”, na sua plenitude, nos casos em que os contratos de crédito sejam celebrados entre presentes e não nos casos – como o dos autos – em que os contratos de crédito são celebrados entre ausentes.

13. No caso de contratos celebrados entre ausentes é evidente que só após a assinatura do contrato por ambos os contraentes é que deve – e pode – ser entregue ao consumidor um exemplar do contrato.

14. Caso assim não fosse o consumidor ficaria com um “contrato” só por ele assinado, que só a ele vincularia.

15. Por outro lado, o que é verdadeiramente relevante para o n.º 1 do referido artigo 6º do Decreto-Lei 359/91, de 21 de Setembro, é que a concessão do crédito seja feita por meio de um contrato bilateral assinado por ambos os contraentes; que o contrato de crédito tenha que obedecer à forma escrita; e que, uma vez celebrado o contrato – o que implica a assinatura de ambas as partes – seja entregue um exemplar desse contrato ao consumidor.

16. E foi precisamente isso que foi feito no caso dos autos, uma vez que o contrato dos autos foi reduzido a escrito e assinado por ambas as partes, e quando assinado por ambas as partes – o que não sucedeu em simultâneo – o Autor, ora recorrente, entregou ao Réu, ora recorrido, um exemplar do contrato.

17. Foi pois devidamente cumprido pela Autora o disposto no nº1 do artigo 6º do Decreto-Lei 359/91, de 21 de Setembro.

18. Não se verifica, pois, a nulidade do contrato de mútuo dos autos.

19. Pelo exposto resulta claro que não é de aplicar ao contrato dos autos o disposto no artigo 289º do Código Civil, devendo a excepção de nulidade do contrato dos autos por pretensa violação do disposto no nº 1 do artigo 6º do Decreto-Lei 359/91, de 21 de Setembro, ser julgada improcedente.

20. Ao decidir como decidiu no Acórdão recorrido o Sr. Juiz a quo violou e interpretou e aplicou erradamente o disposto no nº 1 do artigo 6º do Decreto-Lei 359/91, de 21 de Setembro.

21. Aliás, também, neste sentido, se pronunciou o Supremo Tribunal de Justiça, no seu Acórdão no processo n.º 509/05-6, de 07.04.2005, ao referir que:

“Apenas está provado que, aquando o R. Hugo assinou o documento de fls. 11, não lhe foi entregue nenhum exemplar.
É fundamental atendermos nas circunstâncias que rodeiam a celebração de tais contratos de crédito ao consumo, na realidade.
O consumidor dirige-se a um stand de automóveis para adquirir uma viatura automóvel.
Precisa de um financiamento de parte do preço.
É o próprio vendedor, com ligações comerciais com o financiador, quem o informa das condições de financiamento, quem lhe preenche a proposta de contrato e quem o põe a assiná-la.
Quando o consumidor assina um documento idêntico ao de fls. 11, não há contrato de crédito, mas uma simples proposta, que o financiador poderá ou não aceitar, por discordar das condições ou por insuficiência da garantia.
Não pode ser entregue ao consumidor qualquer exemplar do contrato, porque não existe contrato.
Nenhum relevo tem o facto aditado pela Relação de que – “No momento da assinatura do contrato pelo R. Hugo não lhe foi entregue nenhum exemplar”.
Até porque está provado que, logo que aceite a proposta e fechado o contrato com a assinatura do representante do Autor, foi devolvido o exemplar ao stand fornecedor da viatura adquirida pelo R. Hugo.” (sublinhado nosso)

22. Inexiste, pois, a alegada contradição entre os fundamentos e a decisão, bem como a pretensa nulidade da sentença, como se pretende no Acórdão ora recorrido.

23. Sustenta-se, ainda, no Acórdão ora recorrido que a violação do dever de informação e comunicação que levaria à exclusão das condições gerais do contrato, repetindo que foi dado como provado que o contrato não foi lido nem explicado ao recorrente e, ainda que as ditas condições gerais se encontram apostas no verso do contrato devendo, também, por isso, ser excluídas do contrato

24. As Condições Gerais, bem como as Condições Específicas acordadas no contrato de mútuo dos autos, encontravam-se já integralmente impressas quando a ora recorrida nele apôs a sua assinatura, não foram inseridas depois da assinatura de qualquer das partes, pelo que não existe qualquer violação do disposto na alínea d) do artigo 8º do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro.

25. É, pois, manifesta a falta de razão do Acórdão recorrido.

26. Termos em que deve conceder-se inteiro provimento ao presente recurso de revista e, em consequência, revogar-se o Acórdão recorrido, substituindo-se o mesmo por Acórdão, que julgue a acção inteiramente procedente e provada, tal como o havia sido já em 1ª instância e, condene o R., ora recorrido, na totalidade do pedido, como é de inteira Justiça.

Os RR. contra-alegaram, pugnando pela confirmação do Acórdão.


***

Colhidos os vistos legais cumpre decidir, tendo em conta a seguinte matéria de facto:

1) A autora, presentemente um Banco, era antes uma sociedade financeira para aquisições a crédito, então denominada “T...-Financiamento para Aquisições a Crédito, S.A.”, que tinha por objecto exclusivo o exercício das actividades referidas nos artigos 1º e 2º do Decreto-Lei nº 206/95, de 14 de Agosto, nos termos que resultam dos documentos de fls. 9 a 11 dos autos, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido (cf. alínea 1.2) da matéria de facto assente e documento de fls. 9 a 11 – cfr. artigo 659º, nº 3, do Código de Processo Civil);

2) O réu AA não sabe assinar (cf. alínea 1.3) da matéria de facto assente) estando o contrato assinado por CC, a rogo daquele (cfr. alínea 1.4) da matéria de facto assente), assinatura esta que foi reconhecida notarialmente (cfr. alínea 1.5) da matéria de facto assente);

3) Aquando desta assinatura não foi entregue ao réu um exemplar do contrato (cfr. alínea 1.6) da matéria de facto assente);

4) Com destino à aquisição do veículo automóvel, da marca FIAT, modelo Ducato, com a matrícula ...-...-HZ, a autora concedeu ao réu AA um financiamento no montante de Esc. 2.400.000$00, o que fez nos termos do acordo, denominado “Contrato de Mútuo” constante do documento de fls. 12 dos autos, datado de 24 de Maio de 2000 (cfr. resposta dada ao artigo 1.8) da base instrutória);

5) Conforme tal acordo, a importância de cada uma das prestações deveria ser paga mediante transferência bancária a efectuar, aquando do respectivo vencimento, para conta bancária ali indicada, como consta do teor do documento de fls. 13 dos autos (cfr. resposta dada ao artigo 1.9) da base instrutória);

6) O valor de cada prestação era de Esc. 62.616$00 (cfr. resposta dada ao artigo 1.10) da base instrutória);

7) O dito AA pagou da 1ª à 10ª prestação, não tendo pago as restantes (cfr. resposta dada ao artigo 1.11) da base instrutória);

8) O referido AA não providenciou as transferências bancárias anteriormente acordadas e referidas acima (cfr. resposta dada ao artigo 1.12) da base instrutória);

9) Após o réu e o fornecedor do veículo, a firma “F...e P... Ldª” terem ajustado o negócio de venda, esta última solicitou à Autora que concedesse o financiamento referido em 4) (cfr. resposta dada aos artigos 1.14), 1.15), 1.16) e 1.23) da base instrutória);

10) O dito vendedor enviou à autora os elementos de identificação do dito AA, bem como comunicou à autora o montante do empréstimo directo a conceder ao mesmo com destino à aquisição por este do dito veículo (cfr. resposta dada ao artigo 1.24) da base instrutória);

11) A autora acedeu a conceder ao AA, o financiamento dos autos (cfr. resposta dada ao artigo 1.25) da base instrutória);

12) A autora, após ter aprovado a concessão do crédito ao réu, comunicou ao referido fornecedor tal aprovação, tendo este elaborado, em conformidade com os elementos de identificação do réu e com as condições em que tinha sido ajustado o acordo, bem como a declaração de autorização de débito em conta que a CC, a rogo do réu, assinou (cfr. resposta dada ao artigo 1.26) da base instrutória);

13) Posteriormente à referida elaboração e a assinatura pela CC do contrato de mútuo dos autos e da referida autorização de débito em conta (assinaturas presencialmente reconhecidas no 1º Cartório Notarial de Leiria O Acórdão recorrido eliminou esta expressão entre parênteses que sublinhámos (cfr. b) i. da parte decisória).), o dito vendedor/fornecedor enviou à autora o contrato de mútuo dos autos, em dois exemplares integralmente preenchidos, para que os mesmos fossem assinados pelo autor (cfr. resposta dada ao artigo 1.27) da base instrutória);

14) Posteriormente à aposição nos dois exemplares do contrato de mútuo dos autos da assinatura de um representante do autor, este enviou à firma F...e P... Ldª. um exemplar do contrato, para esta o entregar ao réu (cfr. resposta dada ao artigo 1.28) da base instrutória);

15) No dia 23 de Maio de 2000, CC, a rogo do réu, assinou um requerimento-declaração para registo de propriedade, onde expressamente consta não só a identificação do veículo a adquirir pelo réu com o financiamento que o autor lhe concederia, como concedeu, como também, que sobre o referido veículo seria registada a respectiva reserva de propriedade a favor do autor, como consta do documento de fls. 118 dos autos (cfr. resposta dada ao artigo 1.29) da base instrutória);

16) A assinatura de CC do dito requerimento foi também presencialmente reconhecida no 1º Cartório Notarial de Leiria, como consta no documento de fls. 119 dos autos (cfr. resposta dada ao artigo 1.30) da base instrutória).


Fundamentação:

Sendo pelo teor das conclusões das alegações do recorrente que, em regra, se delimita o objecto do recurso, afora as questões de conhecimento oficioso, importa saber:

- se a anulação da decisão da 1ª instância decretada pelo Tribunal da Relação, com fundamento na contradição entre os fundamentos e a decisão e na omissão de pronúncia é de manter;

- se o contrato de financiamento celebrado entre a ora recorrente e o recorrido é nulo.

Vejamos:

É incontroverso que entre a antecessora do Autor e o Réu foi celebrado um contrato de financiamento – crédito ao consumo – a fim do Réu adquirir, como adquiriu – um veículo automóvel.

Esse financiamento, no montante de 2.400 contos, foi solenizado pelo documento de fls. 12 a 14, apodado de “Contrato de Mútuo” prevendo o pagamento daquela quantia em 60 prestações mensais de 62.616$00 e demais encargos.

O mutuário pagou até à 10ª prestação, nada mais tendo pago à entidade financiadora.

Esta intentou acção visando a resolução do contrato por incumprimento do mutuário, pedindo a totalidade das prestações vincendas, juros de mora e remuneratórios, cláusula penal e imposto de selo.

O Réu excepcionou, quanto à questão de fundo, invocando a nulidade de contrato por, na ocasião em que foi assinado, a rogo seu por CC – o Réu não sabe ler nem escrever – não lhe ter sido entregue um exemplar; não lhe terem sido explicadas as cláusulas do contrato, além de que, aduziu, não ter tido conhecimento do teor que consta no verso, já que a assinatura foi colocada no local assinalado no fim da 1ª página, sendo que no verso estão cláusulas pré-estabelecidas pela financeira.

Afirma, ainda, que só soube da existência de cláusula de reserva de propriedade a favor da Autora quando, em Fevereiro de 2001, verificou esse facto ao ter-lhe sido entregue a documentação do veículo.

Importa dizer que se provou que a assinatura do contrato foi feita a rogo por o Réu não saber assinar e que, aquando de tal assinatura, não lhe foi entregue exemplar do contrato.

É inquestionável que entre as partes foi celebrado um contrato de crédito ao consumo regulado pelo DL.359/91, de 21.9 – crf. art. 2º, nº1, a).

Tal diploma prevê no seu art. 6º os requisitos a que deve obedecer tal contrato estabelecendo no seu nº1 – “O contrato de crédito deve ser reduzido a escrito e assinado pelos contraentes, sendo obrigatoriamente entregue um exemplar ao consumidor no momento da respectiva assinatura”.

Esta norma ao prever que o contrato é formal e que deve ser entregue ao comprador, no acto de assinatura do contrato, um exemplar, além de dotar a parte contratualmente mais fraca (o consumidor) de uma prova do contrato, visa possibilitar-lhe o direito de retratação na sequência do período de reflexão que o art. 8º, nº1, prevê nos seguintes termos:

Com excepção dos casos previstos no nº5, a declaração negocial do consumidor relativa à celebração de um contrato de crédito só se torna eficaz se o consumidor não a revogar, em declaração enviada ao credor por carta registada com aviso de recepção e expedida no prazo de sete dias úteis a contar da assinatura do contrato, ou em declaração notificada ao credor, por qualquer outro meio, no mesmo prazo.

Constituem, ainda, requisitos obrigatórios do contrato, além de outras, a) a TAEG; b) os elementos de custo referidos no artigo 4° que não tenham sido incluídos no cálculo da TAEG, devam ser suportados pelo consumidor; c) as condições em que pode ser alterada a TAEG; f) O acordo sobre a reserva de propriedade.

Nos termos do artigo 7º:

1. O contrato de crédito é nulo quando não for observado o prescrito no nºl ou quando faltar algum dos elementos referidos nas alíneas a), c) e d) do nº2, nas alíneas a) a e) do nº3 e no nº4 do artigo anterior.
2. O contrato de crédito é anulável quando faltar algum dos elementos referidos nas alíneas b), e), f) e h) do n.° 2 do artigo anterior”.

Segundo o art. 4º – “A inobservância dos requisitos constantes do artigo anterior presume-se imputável ao credor e a invalidado do contrato só pode ser invocada pelo consumidor”.

Temos, assim, que não sendo entregue ao consumidor, no acto de assinatura do contrato um exemplar, tal omissão determina a nulidade do contrato e que tal omissão se presume imputável ao credor, e apenas pode ser invocada pelo consumidor.

Os contratos de crédito ao consumo são contratos de adesão, já que, a par de cláusulas específicas que exprimem a particularidade de cada contrato, contêm cláusulas pré-determinadas destinadas à massa dos consumidores e que não são passíveis de negociação individualizada.

A este tipo contratual, aplica-se o regime das cláusulas contratuais gerais (ccg) DL. 466/85, de 25.10, alterado pelo D.L. n° 220/95, de 31 de Agosto) e pelo D.L. n° 249/99, de 7 de Julho.

Os contratos de adesão suprimem a liberdade de negociação e de estipulação, correspondem a necessidades de contratação em massa estando de um lado empresas de grande envergadura económica – bancos, seguradoras, transportadoras, sociedades financeiras – prestadores de serviços, fornecedores de bens essenciais; água, gás, electricidade, etc, e do outro consumidores mais ou menos informados.

“O contrato de adesão é uma manifestação fatal da sociedade de massas.
O contrato de adesão oferece por outro lado grandes perigos.
A parte que predispõe os termos contratuais está naturalmente tentada a considerar muito mais os seus interesses que os do aderente.
Os contratos de adesão costumam ser assim caracterizados por uma defesa exaustiva dos interesses do emitente, e um desinteresse marcado pelo que respeita ao aderente”. _ Oliveira Ascensão – “Teoria geral do Direito Civil”, vol. III, pág.364.

Contrato de adesão – “É aquele em que um dos contraentes, não tendo a menor participação na preparação das respec­tivas cláusulas, se limita a aceitar o texto que o outro contraente oferece, em massa, ao público interessado” – Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral”, 7ª edição, 262.

Tais contratos contêm por via de regra – “Cláusulas preparadas genericamente para valerem em relação a todos os contratos singulares de certo tipo que venham a ser celebrados nos moldes próprios dos chamados contratos de adesão” – Galvão Telles, “Direito das Obrigações” – 6ª edição, 75.

Como refere Almeida Costa, in “Direito das Obrigações”, 5ª edição, págs. 204/205:

“Trata-se, pois, de negociações no âmbito dos fornecimentos massificados, ou em série, de bens ou serviços, que avultam em nossos dias.
O traço comum consiste na referida superação do modelo contratual clássico. Os clientes subordinam-se a cláusulas, previamente fixadas, de modo geral e abstracto, para uma série indefinida de efectivos e concretos negócios (...).
De qualquer maneira os sucessivos clientes apenas decidem contratar ou não, sem que nenhuma influência prática exerçam na modelação do conteúdo do negócio”.

Neste tipo de contrato em que existe uma aceitação, não particularmente negociada pelo aderente, a lei visa a sua protecção como parte contratualmente mais fraca, assegurando de modo efectivo um “dever de informação” por parte do proponente.

Mesmo que o aderente se não inteire, cabalmente, do conteúdo contratual que aceita, a lei protege-o em relação ao proponente.

A propósito, Joaquim de Sousa Ribeiro, in “O Problema do Contrato – As Cláusulas Contratuais Gerais e o Princípio da Liberdade Contratual”, Colecção Teses, Almedina, pág.372. escreve:

“Uma conclusão é segura: mesmo que o aderente não use “de comum diligência" para conhecer as ccg, adequadamente comunicadas pela contraparte, não fica inibido de invocar a sua nulidade substancial, decorrente das normas de proibição.
Inversamente, ao utilizador não aproveita a prova da cognoscibilidade para salvar as suas ccg desse destino, quando elas, dentro embora dos limites gerais de validade, contrariam as proibições específicas dos arts. 15. ° e segs. só a “prévia negociação individual” (art. 1.°) é de molde a produzir esse efeito.
Aquele critério de cognoscibilidade não constitui simultaneamente, como é de regra, um padrão normativo de conduta exigível, nenhuma consequência jurídica desvantajosa sofrendo o aderente pela omissão dessa diligência.
Ela é referida, apenas, como bitola para aferição do cumprimento, pelo utilizador, dos requisitos de inclusão.
A ele cabe propiciar à contraparte a possibilidade de conhecimento das ccg, em termos tais que esta não tenha, para o efeito, que desenvolver mais do que a comum diligência.
Mas, quer essa possibilidade seja, quer não seja, aproveitada, o regime a que as cláusulas são submetidas é exactamente o mesmo, tanto no que diz respeito à sua inclusão, como à sua validade.
A fórmula não tem, pois, um alcance prescritivo em relação ao aderente, visando antes fixar o padrão de comportamento exigível ao utilizador da ccg”. (sublinhámos).
O art.5º, nºs 1 a 3, do diploma aplicável às ccg, prevê e regula o – “dever de comunicação” – impondo ao proponente o ónus de prova da comunicação adequada e efectiva ao contraente a quem submeta as cláusulas contratuais gerais.

Essa comunicação dever abranger a totalidade das cláusulas e ser feita de modo adequado, e com antecedência compatível com a extensão e complexidade do contrato, de modo a tornar possível o seu conhecimento “completo e efectivo por quem use de comum diligência”.

O art. 6º do mencionado diploma impõe ao proponente um dever de informação de acordo com as circunstâncias do contrato, ou seja, do seu conteúdo e complexidade.

O art. 8º a) estabelece sanção para as cláusulas que não tenham sido objecto de comunicação, nos termos do nº5 antes referido, consignando que se consideram excluídas dos contratos singulares.

A al.b) do DL. 446/85, de 25.10 fulmina com a mesma sanção – “As cláusulas comunicadas com violação do dever de informação, de molde que não seja de esperar o seu conhecimento efectivo”.

Nos termos do art.8º das ccg – “ Consideram-se excluídas dos contratos singulares a) as cláusulas que não tenham sido comunicadas nos termos do artigo 5°; b) as cláusulas comunicadas com violação do dever de informação, de molde que não seja de esperar o seu conhecimento efectivo; c) as cláusulas que, pelo contexto em que surjam, pela epígrafe que as precede ou pela sua apresentação gráfica, passem despercebidas a um contratante normal, colocado na posição do contratante real; d) as cláusulas inseridas em formulários, depois da assinatura de algum dos contraentes”.

O ónus de prova de que foi cumprido o dever de informação compete ao proponente das ccg.

Do elenco dos factos provados não resulta que o proponente tivesse feito a prova que lhe competia, quanto ao dever de informação, já que seu era tal ónus – art. 342º,nº1, do Código Civil e 6º e 8º a) das ccg.

A decisão da 1ª instância considerou que, embora não tivesse sido fornecido ao Réu um exemplar do contrato aquando da assinatura, não se provou que tivesse sido omitido o dever de informação e que, além do mais, o Réu pagou 10 das prestações acordadas sem que tenha discutido o conteúdo do contrato ou alegado a sua incompreensão.

Considerou, ainda, irrelevante o facto das cláusulas pré-determinadas constarem do verso da folha onde foi aposta a assinatura a rogo, já que não foi alegado que, temporalmente, tenham sido apostas depois da assinatura do contrato.

Concluiu acerca da questão da validade do contrato à luz das ccg e do diploma que rege o crédito ao consumo:

“Assim, tendo a autora cumprido com os deveres impostos no Regime Jurídico que regula as cláusulas contratuais gerais, aprovado pelo D.L. n°446/85, de 25 de Outubro, não há qualquer motivo que justifique a exclusão das “condições gerais” do contrato de fls. 12-13/274 improcedendo, nesta parte, o invocado pelo réu.”.

Neste entendimento foi considerada a acção totalmente procedente.

Na Relação foi considerada a nulidade da decisão recorrida.

Ponderou-se que, tendo a decisão considerado que não foi entregue ao Réu um exemplar do contrato e não tendo sido decretada a nulidade, sucedendo ainda que não se provou que a ora recorrente deu cumprimento ao dever de informação, a sentença, ao não declarar a nulidade do contrato, enferma de contradição entre os fundamentos e a decisão – art. 668º, nº1, c) do Código de Processo Civil.

Considerou, também, o Acórdão que existe nulidade da decisão apelada (omissão de pronúncia) pelo facto do Tribunal não ter apreciado oficiosamente as nulidades das cláusulas contratuais gerais – art. 24º do DL. 446/85, de 25.10, na redacção do DL. 220/95, de 31 de Agosto.

Considerando nula a sentença, o Tribunal da Relação apreçou do mérito da causa, como lhe era imposto pelo art. 715º, nº1, do Código de Processo Civil, e nessa sede considerou nulo o contrato.

Mesmo que se possa questionar se as apontadas nulidades mais não são que erro de julgamento, porquanto o Tribunal de 1ª instância considerou não ter havido violação do dever de informação – no que julgou mal porquanto o ónus da prova não foi cumprido pela recorrente – [parecendo entrever-se da decisão que tal ónus competia ao Réu] – e tendo-se considerado que, apesar da omissão de entrega do exemplar do contrato, o Réu teve conhecimento do seu conteúdo, tanto mais que até pagou 10 das prestações acordadas, cremos que, mais que nulidade por contradição entre os fundamentos e a decisão, existe erro de julgamento.

O Acórdão recorrido apreciou do mérito da causa e este Supremo, mesmo declarando que a sentença não enferma de tal vício de nulidade, não pode deixar de apreciar da validade do contrato já que tal pretensão constitui objecto da revista.

É o que faremos.

Da matéria de facto provada há que concluir que a recorrente não fez a prova que lhe competia de ter observado o dever que lhe é imposto pelo art. 1º do DL.359/91, de 21.9 já que não entregou ao consumidor – o Réu – um exemplar do contrato no momento da assinatura.

Sustenta a recorrente que essa omissão não pode ser interpretada com violadora do contrato já que, dada a relação triangular consumidor-vendedor-financiador não foi possível que, no momento da assinatura do contrato este estivesse perfeito, com as assinaturas dos contraentes envolvidos, considerando que se trata de contrato entre ausentes.

Importa considerar que qualquer contrato só se considera perfeito se a proposta for aceite e, concedendo que no caso dos autos porque três são os intervenientes no contrato, as assinaturas não sejam simultâneas, parece-nos que trai a defesa do consumidor cometer a terceiro o dever de informação; no caso teria sido a entidade vendedora do veículo cuja aquisição foi financiada pela recorrente quem procedeu à informação como que numa informal delegação de competência deferida pela ora recorrente – cfr. factos provados nos itens 9) a 14).

Ora, mesmo que a remessa ao Réu dos exemplares dos contratos assinados por todos, ocorrida em momento ulterior àquele em que o consumidor apôs a sua assinatura, possa satisfazer ao ónus de entrega de um exemplar, o certo é que, mau grado esse procedimento anómalo, não se provou que a financiadora, em algum momento, tivesse cumprido o dever de informação.

Acerca da entrega posterior do exemplar do contrato, escreve Gravato Morais, in “Contratos de Crédito ao Consumo”, pág. 107:

“… Cabe assinalar que se se entendesse que a entrega posterior sanasse a invalidade, esta seria uma forma expedita e eficaz (do ponto de vista do credor) de ultrapassar a exigência legal.
Nesta hipótese, o consumidor poderia até invocar o instituto da fraude à lei (art. 19.° DL 359/91).
Aduza-se ainda uma outra razão: o que se pretendeu, no caso, foi que o consumidor – no exacto momento da conclusão do contrato (e não apenas posteriormente) – tivesse nas suas mãos o documento que lhe desse a conhecer o seu conteúdo.
Aliás, a entrega imediata – ao contrário da entrega diferida – gera no consumidor a vontade de visualização.
A simultaneidade pretendida – assinatura pelo consumidor e pelo financiador e entrega do exemplar – opera a outros níveis, em especial no tocante à informação adequada.
Realce-se que o modo como foi sancionada a inobservância da entrega do exemplar indicia essa forte imposição, que não pode ser desconsiderada. No entanto, não pode deixar de se discutir o recurso pelo financiador ao abuso (individual) do direito…”.

Por um lado, a entidade financiadora não fez essa prova (que lhe competia) e, no caso, a nosso ver, com redobrada intensidade já que o consumidor é analfabeto (a sua assinatura foi aposta a rogo por não saber ler) sendo natural que não tendo sido nem o rogante nem o rogado informados das cláusulas do contrato, não esteja o consumidor inteirado das obrigações contratuais que assumiu; acresce que, no caso dos autos, a assinatura foi aposta na face do contrato, e no verso, é que se encontram as cláusulas relevantes que são, como vimos, cláusulas de adesão.

Relembramos que, de harmonia com o artigo 5° do diploma das ccg, as cláusulas devem ser comunicadas na íntegra aos aderentes que se limitem a subscrevê-las ou a aceitá-las, e que o ónus da prova da comunicação adequada e efectiva cabe ao contratante que submeta a outrem cláusulas contratuais gerais.

O artigo 6.° acrescenta, que o cliente que recorra a cláusulas contratuais deve informar, de acordo com as circunstâncias, a outra parte dos aspectos nela compreendidos cuja aclaração se justifique.

Não se tendo provado que a Autora tenha prestado qualquer informação, o Réu, mesmo depois da intervenção do vendedor, desprotegido teria ficado, tanto mais que não é exigível a pessoa analfabeta que domine conceitos jurídicos como “mora”, “cláusula penal”, “rescisão do contrato”, sendo certo que isso consta das “Condições Gerais” constantes do verso da folha onde se contêm as assinaturas das partes.

“As cláusulas inseridas em formulários depois da assinatura dos contratantes que a al. d) do art.8º do Dec-lei nº446/85 considera excluídas dos contratos singulares são também aquelas que, construídas antes pelo proponente, são incluídas no formulário apresentado abaixo da assinatura das partes contratantes”. Ac. deste Supremo Tribunal, de 3.5.2007 in www.dgsi.pt -Proc. 06B1650.

Assim, sufragando tal entendimento, consideramos que as cláusulas contratuais gerais constantes do verso do documento de fls. 151 se têm por excluídas, pelo que não foi validamente resolvido o contrato com base nelas, nem a invocação das sanções para o incumprimento são invocáveis pela Autora.

Além disso, o contrato – original a fls. 151 e verso – nenhuma menção contém sobre a cláusula de reserva de propriedade que constitui, obrigatoriamente, uma menção do contrato de crédito ao consumo – art. 6º, nº1. f) – “o acordo sobre a reserva de propriedade” pretensão que foi exercida após a resolução do contrato.

Esta omissão por si só não implica a nulidade do contrato mas a sua anulabilidade – art. 7º nº2, do DL. 351/91, de 21.9.

Aqui chegados cumpre indagar da sorte do contrato.

A exclusão das cláusulas pré-inseridas no contrato não gera a sua nulidade sendo aplicável o regime constante do art. 9º, nº1, do DL. 446/85, que estatui:

“1. Nos casos previstos no artigo anterior os contratos singulares mantêm-se, vigorando na parte afectada as normas supletivas aplicáveis, com recurso, se necessário, às regras de integração dos negócios jurídicos.
2. Os referidos contratos são, todavia, nulos quando, não obstante a utilização dos elementos indicados no número anterior, ocorra uma indeterminação insuprível de aspectos essenciais ou um desequilíbrio nas prestações gravemente atentatório da boa fé”.

Tal significa de acordo com o princípio da redução – art. 292º do Código Civil – que expurgado o contrato das cláusulas viciadas é aplicável o regime próprio dos negócios jurídicos compagináveis com as cláusulas excluídas. Não existe nulidade do contrato, a menos que ocorra indeterminação insuprível do seu objecto ou desequilíbrio gravemente violador das regras da boa fé.

Mas, no caso em apreço, uma vez que consideramos que não houve cumprimento do dever de entrega do exemplar do contrato o regime legal prevalecente, ponderados os graves entorses contratuais cometidos pela Autora, é o do art. 7º, nº1, do DL. 351/91, de 21.8, ou seja, por via da omissão da entrega de um exemplar no momento da assinatura do contrato (não relevando a posterior entrega, dadas até as particularidades do caso – o facto do consumidor ser analfabeto e receber posteriormente o exemplar enviado pelo vendedor sem que se prove que lhe foi explicado o conteúdo negocial) implica a nulidade não sendo aplicável o citado normativo das ccg.

Mas poder-se-á questionar se ao invocar a nulidade do contrato, o Réu não age com abuso do direito, já que pagou dez prestações e só depois da resolução do contrato pela Autora invoca, na contestação, a invalidade do contrato.

Na ponderação de saber se houve abuso do direito – art. 334º do Código Civil – excepção material de conhecimento oficioso – o Tribunal deve actuar com prudência quando se está perante uma relação de consumo, onde é patente a desigualdade de meios entre o fornecedor dos bens ou serviços e o consumidor, sendo de equacionar se, ao actuar como actuou, a Autora, prevalecendo-se de superioridade negocial em relação a quem recorreu ao seu crédito, não infringiu ela mesmo, em termos censuráveis, os deveres cooperação, de lealdade, e informação, em suma os princípios da boa fé.

O Réu utilizou a viatura dez meses já que pagou 10 prestações mensais, deveria pagar 60 prestações.

Entendemos que, sopesada a gravidade do comportamento da Autora, profissional do no mercado de crédito com o arsenal de meios logísticos, marketing, publicidade, de que dispõe, o quadro factual em que o Réu (a parte mais fraca no contexto negocial, repetimos) invocou a nulidade, não exprime abuso do direito, por não ser clamorosa e chocantemente violadora das regras da boa-fé.

Não fora a actuação da Autora, incompatível com a ponderação e salvaguarda dos direitos do Réu consumidor, não poderia este invocar a nulidade do contrato.

Concluímos, que a pretensão do Réu não deve ser paralisada pela invocação do abuso do direito, sendo certo que nas relações de consumo a regra é a protecção do consumidor, só devendo ser desconsiderada, em casos de conduta, a todos os títulos censurável e injustificada, com grave prejuízo da contraparte, o que aqui não é evidente, sendo de acentuar que a actuação da Autora evidencia contornos tais que conduz a considerar que a actuação do Réu não cai na alçada daquele moderador instituto.

Assim, ainda que com diferente fundamentação, mantemos a decisão sob censura.

Decisão:

Nestes termos, nega-se a revista.

Custas pelo Autor/recorrente.


Supremo Tribunal de Justiça, 30 de Outubro de 2007

Fonseca Ramos (Relator)

Rui Maurício

Azevedo Ramos