TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES
CO-AUTORIA
CUMPLICIDADE
Sumário



I - A co-autoria pressupõe um elemento subjectivo, o acordo, expresso ou tácito, para a realização de determinada acção típica, e um elemento objectivo, que constitui a realização conjunta do facto, ou seja, tomar parte directa na execução.

II - A execução conjunta, neste sentido, não exige, todavia, que todos os agentes intervenham em todos os actos, mais ou menos complexos, organizados ou planeados, que se destinem a produzir o resultado típico pretendido, bastando que a actuação de cada um dos agentes seja elemento componente do conjunto da acção, mas indispensável à produção da finalidade e do resultado a que o acordo se destina.

III - O autor deve ter o domínio funcional do facto; o co-autor tem também, do mesmo modo, que deter o domínio funcional da actividade que realiza, integrante do conjunto da acção para a qual deu o seu acordo e, na execução de tal acordo, se dispôs a levar a cabo. O domínio funcional do facto próprio da autoria significa que a actividade, mesmo parcelar, do co-autor na realização do objectivo acordado se tem de revelar indispensável à realização da finalidade pretendida.

IV - A actuação que constitui autoria deve compreender-se em unidade de sentido objectivo-subjectivo, como obra de uma vontade directora do facto; para a autoria é decisiva não apenas a vontade directiva, mas também a importância material da intervenção no facto que um co-agente assume. Por isso, só pode ser autor quem, de acordo com o significado da sua contribuição objectiva, governa e dirige o curso do facto (cf. Hans-Heinrich Jescheck e Thomas Weigend, Tratado de Derecho Penal – Parte General, trad. da 5.ª ed., 1996, págs. 701-702).

V - O domínio do facto remete para princípios distintos, em paralelo com as possibilidades de divisão do trabalho: domínio do facto mediante a realização da acção executiva (domínio do facto formal vinculado ao tipo); decisão sobre a realização do facto (domínio do facto material como domínio da decisão) e domínio do facto através da configuração do facto (domínio do facto material como domínio de configuração).

VI - Quando intervêm vários agentes podem distribuir-se os vários elementos por partes: cada um deve tomar parte em algum dos três âmbitos de domínio, mesmo quando um configura e outros executam; na medida em que o titular do domínio do facto formal não está dominado por um autor mediato, também nele reside o domínio do facto.

VII - A autoria tem de definir-se, ao menos, como domínio de um dos âmbitos de configuração, decisão ou execução do facto, não sendo relevante o domínio per se, mas apenas enquanto fundamenta uma plena responsabilidade pelo facto.

VIII - A distribuição em âmbitos de domínio diferentes no seu conteúdo não significa a reunião de elementos heterogéneos, mas antes homogéneos pelos actos de organização (cf. Günter Jakobs, Derecho Penal, Parte General. Fundamentos y Teoria de la Imputación, 2.ª ed., 1997, págs. 741-742).

IX - A co-autoria fundamenta-se, assim, também no domínio do facto; o domínio do facto deve ser, então, conjunto, devendo cada co-autor dominar o facto global em colaboração com outro ou outros. A co-autoria supõe sempre uma “divisão de trabalho” que torne possível o crime, o facilite ou diminua essencialmente o risco da acção. Exige uma vinculação recíproca por meio de uma resolução conjunta, devendo cada co-autor assumir uma função parcial de carácter essencial que o faça aparecer como co-portador da responsabilidade para a execução em conjunto do facto. Por outro lado, a contribuição de cada co-autor deve revelar uma determinada medida e significado funcional, de modo que a realização por cada um do papel que lhe corresponde se apresente como uma peça essencial da realização do facto (cf. Hans-Heinrich Jescheck, ob. cit., pág. 726).

X - De todo o modo, a colaboração e a importância que reveste deve poder determinar suficientemente o se e o como da execução do facto.

XI - A outra forma de comparticipação – a cumplicidade –, definida no art. 27.º do CP («é punível como cúmplice quem, dolosamente e por qualquer forma, prestar auxílio material ou moral à prática por outrem de um facto doloso»), pressupõe um apoio doloso a outra pessoa no facto antijurídico doloso cometido por esta, não havendo na cumplicidade domínio material do facto, pois o cúmplice limita-se a favorecer a prática do facto.

XII - A cumplicidade diferencia-se da co-autoria pela ausência do domínio do facto; o cúmplice limita-se a facilitar o facto principal, através de auxílio físico (material) ou psíquico (moral), situando-se esta prestação de auxílio em toda a contribuição que tenha possibilitado ou facilitado o facto principal ou fortalecido a lesão do bem jurídico cometida pelo autor.

XIII - A linha divisória entre autores e cúmplices está em que a lei considera como autores os que realizam a acção típica, directa ou indirectamente, isto é, pessoalmente ou através de terceiros (dão-lhe causa), e como cúmplices aqueles que, não realizando a acção típica nem lhe dando causa, ajudam os autores a praticá-la – cf. Germano Marques da Silva, in Direito Penal Português, Parte Geral, vol. II, ed. Verbo, pág. 179.

XIV- A cumplicidade é uma forma de participação secundária na comparticipação criminosa, destinada a favorecer um facto alheio, portanto, de menor gravidade objectiva, mas, embora sem ser determinante na vontade do autor e sem participação na execução do crime, traduz-se em auxílio à prática do crime e, nessa medida, contribui para a sua prática, configurando-se como uma concausa do crime – cf. Germano Marques da Silva, ob. cit. págs. 283-291.

XV - «O cúmplice pode participar no acordo e na fase da execução (embora não tenha necessariamente de assim suceder, ao contrário do que acontece com o co-autor) mas, contrariamente ao que se verifica com este – e nisso consiste a característica fundamental de diferenciação entre as duas formas de comparticipação –, o cúmplice não tem o domínio funcional do facto ilícito típico; tem apenas o domínio positivo e negativo do seu próprio contributo, de forma que, se o omitir, nem por isso aquele facto deixa de poder ser executado. A sua intervenção, sendo, embora, concausa do concreto crime praticado, não é causal da existência da acção» (cf. Acs. deste STJ de 21-11-2001, Proc. n.º 2758/01, e de 31-03-2004, Proc. n.º 136/04, e jurisprudência aí citada).

XVI - Nos termos em que vem provada, a actuação da recorrente AC apresenta-se como participação segundo um plano previamente acordado [«1. Em período não concretamente apurado mas aproximado ao mês de Agosto de 2005, os arguidos AP, ME, AC e FR, formularam o propósito de se dedicarem à actividade de transporte, guarda, cedência, entrega e venda de produtos estupefaciente, designadamente heroína a terceiros, em troca de contrapartida em dinheiro, entregue como pagamento das quantidades de tal substância fornecida»], com intervenção específica no desenvolvimento da actividade, e com o domínio do facto tanto na concepção como na execução, sendo esta completa, com autonomia de intervenção e contribuição decisiva para a execução nos termos acordados para o facto, que não teria ocorrido sem a comparticipação efectiva da recorrente [«9. Morando no concelho de Cascais e impedida, por decisão judicial de 5 de Setembro de 2005, de frequentar a zona da Rua… desde e no período compreendido entre Março e Junho de 2006 e através do telemóvel n.°…, a arguida AP contactava e era contactada por terceiros, designadamente, com a arguida AC, residente na… e com o arguido FR, com quem acertava entregas de produto estupefaciente, dando indicações para entregas de tais substâncias e trocando impressões acerca dos proventos realizados em tal actividade; 10. A arguida AC também contactava e era contactada através do seu telemóvel n.°…, por terceiros, designadamente pela arguida AP e pelo arguido FR, com quem acertava entregas de produto estupefaciente, recebendo indicações para entregas de tais substâncias na porta… da Rua…; 11. Em tal actividade e após acordo, o arguido AFS, no período de tempo aproximado e compreendido entre Janeiro e Junho de 2006, procedeu à venda de produtos estupefacientes na zona do pátio…, da Rua…, os quais lhe eram entregues pela arguida AC que previamente as recebia da arguida AP em ordem a serem comercia1izadas no local; 13. A arguida AC contava com a colaboração da sua filha VL, na actividade de transporte de estupefaciente da zona da casa da arguida ME na porta… da Rua… para a zona do pátio… da Rua…; 18. A ME guardava produto estupefaciente na sua casa sita na porta… da Rua…, o qual era aí colocado por indicação da arguida AC, após o ter obtido da arguida AP; 19. Para o efeito, a AC ou a sua filha VL, iam à casa da ME, buscar o produto estupefaciente a vender na zona do pátio…, sendo que das outras vezes era a ME que após pedido, levava o mesmo para tal local; 20. Com tal finalidade, a AC tinha a chave da casa da ME; 25. O produto estupefaciente acima referido pertencia à arguida AC que aí o havia deixado para ser guardado, a 28 de Junho de 2006»].

XVII - A actuação concreta da arguida AC vai, assim, além da mera cumplicidade, integrando a forma de autoria, tal como está decidido.

Texto Integral




Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça:



1. O Ministério Público acusou, em processo comum, com a intervenção do Tribunal colectivo, entre outros, os arguidos:
AA, divorciada, nascida a 23.02.1975, natural de Lisboa, filha de BB e de CC, residente na Rua da Pradaria em Caparide- S. Domingos, n° ...¬A, e DD, divorciada, nascida a 30106/1971, em Lisboa, filha de EE e de FF, residente na porta 3 do n° ..., da Rua Possidónio da Silva em Lisboa e titular do BI n° ..., de 15.03.2006, imputando-lhes a prática, em autoria material, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21º, n° 1, do Decreto-Lei n° 15/93, de 22 de Janeiro;
Na sequência do julgamento, a arguida AA foi condenada pela prática do crime por que vinha acusada na pena de cinco anos e seis meses de prisão, e a arguida DD foi condenada também pelo crime de tráfico de estupefacientes p. e p. no artigo 21º, nº 1 do Decreto-Lei nº15/93, de 22 de Janeiro, na pena de cinco anos de prisão.

2. Não se conformando, as arguidas recorrem para o Supremo Tribunal, com os fundamentos das motivações que apresentam e que terminam com a formulação das seguintes conclusões:
I- AA:
1. O douto acórdão condenatório, apesar de considerar a confissão de forma integral e sem reservas da arguida bem como a existência de arrependimento por parte desta, não relevou a etiologia da depressão da arguida, pese embora o conteúdo da informação médica a esse respeito constante nos autos.
2. Na verdade, em documento subscrito pela Dr.ª F...F...(médica Psiquiatra a prestar serviço no EP de Tires) e junto aos autos numa das sessões de julgamento, aí se refere que a arguida foi acometida de depressão devido a problemas emocionais infantis graves, relacionados com a separação dos pais e múltiplas responsabilidades familiares, com grande desadequação ao meio prisional.
3. Violando, a tal propósito - e salvo melhor opinião - o disposto no art.º 127.° do CPP.
4. Por outro lado, pese embora o teor do Relatório elaborado pelo Instituto de Reinserção Social (onde se alude ao facto de além de um filho a seu cargo, a arguida, aquando em liberdade, cuidar de um seu sobrinho, de treze anos de idade, filho de uma irmã doente, "como se de um filho se tratasse" aludindo-se ainda ao facto de a arguida frequentar o 2º ciclo, na cadeia), na matéria de facto relacionada com as "condições pessoais" da recorrente - a fls. 9 do douto acórdão - nada se diz sobre tal matéria.
5. Violando-se igualmente - e a esse propósito - o art.º 127.° do CPP.
6. Tendo em conta a valoração desses factores (os quais, de ordem subjectiva, apontariam para uma necessária mitigação do dolo) e sem questionar o enquadramento jurídico operado pela instância (cometimento, pela recorrente, de crime de tráfico simples p. e p. pelo art.º 21.° da Lei da Droga), sempre essa mesma mitigação do dolo, apontaria para aplicação de pena menos severa, que se deveria quedar em quatro anos e seis meses de prisão, uma vez que a pena não pode ultrapassar, em nenhum caso, a medida da culpa (art.º 40.° n.º 2 do C.P.).
7. Sem conceder, o arrependimento manifestado pela arguida e todas as circunstâncias atenuativas provadas a seu favor, apontariam para a atenuação especial da pena, a que faz jus o disposto no art. ° 72.º n.º 2 alínea c) do Código Penal, condenando-se, nesse caso e subsidiariamente, a recorrente, em pena de prisão de quatro anos.
8. O que se requer de forma subsidiária.
9. Ao assim não ter decidido, violou - com o devido respeito - o douto e recorrido acórdão o disposto nos art. ºs 40.º n. º 2, 70.º, 71. º e 72.° do Código Penal.
Pede, em consequência, a procedência do recurso, com a condenação da recorrente na pena quatro anos e seis meses de prisão ou, subsidiariamente, para o caso de proceder a atenuação especial da pena, na pena de quatro anos de prisão.
II- DD:
1º A arguida não praticou factos porque foi condenada, artº 21 do D.L. 15793 de 22.1, não tendo cultivado, produzido, fabricado, extraído preparado, oferecido, posto à venda, vendido, distribuído, comprado, cedido, por qualquer titulo recebido, proporcionado a outrem, transportado, importado, feito transitar, ou ilicitamente detivesse qualquer produto estupefaciente.
2º Na caracterização que o tribunal “a quo” faz da sua conduta que apelida de “intermediária”, - contactava e era contactada através do seu telemóvel por terceiros, - sem indicação de quem sejam tais terceiros - com quem acertava entregas, recebendo indicações, esta conduta mereceu um enquadramento e punição no e pelo artº 21º e na figura da co-autoria, quando face ao circunstancialismo de facto dado como assente, tal conduta se enquadra na figura da cumplicidade, saindo assim violado na sua interpretação e aplicação o disposto no artº 27, nº 1 do C.Penal.
3ºViolou igualmente, por errada interpretação e aplicação o disposto nos artºs 25 do D.L.15/93 de 22 de Janeiro, ao classificar e enquadrar a conduta da recorrente, não esquecendo no entanto de caracterizar o seu papel de intermediária como tal, como tráfico do artº 21, quando inexistem elementos que apontem para um elevado grau de ilicitude, à excepção da qualidade dos produtos, que “in casu”, não foram por si detidos ou transaccionados (heroína)
4ºTal critério e a alegada sofisticação de meios foram suficientes, e o primeiro determinante para afastar quanto a si aplicação do artº 25, mas desvalorizado na aplicação que se faz desse mesmo artigo a outros co-arguidos. Existindo assim contradição insanável no texto do douto acórdão, ou o Tribunal entende que a qualidade das substancias detidas ou cedidas é critério ou condição determinante de aplicabilidade da forma menos grave do crime ou não, não pode é ser critério para alguns arguidos e não para outros.
5º Para a convicção do tribunal “a quo” concorreram três tipos de prova, declarações de co-arguido, testemunhas da P.S.P. e autos de intercepção telefónica, sendo que o primeiro é e foi no caso concreto, meio de prova claramente insuficiente para a condenação, e o segundo, na forma como é valorado no caso “sub judice” consubstancia uma violação da interdição de valoração de prova.
6º Isto porque as testemunhas depõem nos termos e nos limites da lei processual penal sobre factos de que possuam conhecimento directo, e não são admissíveis manifestações sobre convicções pessoais, como in casu aconteceu. - braço direito da AA.-
7ºOu seja, quer em sede de factos provados quer em sede de fundamentação de facto o que se verifica pelo que se extrai do acórdão recorrido é que o Tribunal de 1ª instância permitiu que as testemunhas discorressem sobre a interpretação de factos, manifestando sobre eles meras convicções pessoais, e conclusões, que valorizou como prova bastante, e foram decisivas para a condenação. -
8º Isso em clara violação do disposto nos artº 128, e 130 nº 2 do C.P.P., que dispõem o primeiro, que a testemunha é inquirida sobre factos de que possua conhecimento directo e que constituam objecto da prova, e que a manifestação de meras convicções pessoais sobre os factos ou a sua interpretação, não vale como meio de prova, e só é admissível quando al. a), for impossível cindi-la do depoimento sobre factos concretos, - o que era possível - al. b) tiver lugar em função de qualquer ciência, técnica ou arte – o que não acontecia.
9º Também não se apurou que qualidade e quantidades de droga vendeu o arguido HH para a recorrente, limitando-se à afirmação de que o fez, nos termos do artº 11 da acusação, o que constitui insuficiência de facto da decisão para a condenação da arguida, por esses factos e por essa sua conduta ilícita. O que invalida nessa parte a decisão pela existência do vicio previsto na al. a do artº 412 do C.P.P., o que nos termos do artº 426, nº 1 do C.P.P. determina o reenvio para novo julgamento relativamente a estas questões.
10º Assim não se entendendo e pelo exposto em sede de conclusões nºs 2 a 4, ser a conduta da recorrente ser enquadrada no artº 25 do D.L. 15/93 de 22 .1, ser a mesma condenada pela prática desse artº 25, na forma da cumplicidade e não em autoria material, em pena ajustada à sua conduta e especialmente atenuada nos termos do nº 2 do artº 27 do C.Penal.
11º E se mesmo assim não se entender deverá a condenação aplicada à recorrente, no respeito pelo disposto no artº 71 , nº 1 e 2 do C.Penal, e pela necessidade de aplicação da pena, protecção de bens jurídicos e prevenção geral, ausência de antecedentes criminais e culpa demonstrada ser fixada no mínimo da moldura penal .
O magistrado do Ministério Público respondeu às motivações das recorrentes manifestando posição contrária aos fundamentos dos recursos, e conclui pela improcedência.

3. No Supremo Tribunal a Exmª Procuradora-Geral Adjunta teve intervenção nos termos do artigo 416º do Código de Processo Penal, entendendo que nada obsta ao conhecimento do recurso.

4. Colhidos os vistos, teve lugar a audiência, com a produção de alegações, cumprindo decidir.

5. O tribunal colectivo considerou provados os seguintes factos:
1. Em período não concretamente apurado mas aproximado ao
mês de Agosto de 2005, os arguidos AA, GG, II, formularam o propósito de se dedicarem à actividade de transporte, guarda, cedência, entrega e venda de produtos estupefaciente, designadamente heroína a terceiros, em troca de contrapartida em dinheiro, entregue como pagamento das quantidades de tal substância fornecida;
2. Em execução do mencionado em cerca das 21h do dia 4 de Setembro de 2005, a arguida AA, encontrava-se na zona de entrada do pátio n° ..., na Rua Possidónio Silva que, em tal data, era um dos principais pontos de oferta e aquisição de estupefacientes nesta cidade de Lisboa;
3. Tinha consigo em tal local e ocasião três embalagens de heroína com o peso total líquido de 1,342 gr que escondia na boca e ainda a quantia de 385,00 euros, dividida em várias notas e moedas que era o resultado da venda de produto estupefaciente por si já efectuada;
4. Em Setembro de 2005, a arguida não tinha emprego desde há um ano e tinha passado a tarde de tal dia à entrada do pátio n° ... na Rua Possidónio Silva, em actividade de entrega de droga sendo que, quando foi abordada por elementos das forças de segurança se preparava para vender uma quantidade não determinada de estupefacientes a um consumidor não identificado que fugiu do local;
5.Em tal data, não era consumidora de produtos estupefacientes;
6.Em data próxima de 6 de Setembro de 2005, a arguida AA entregou a JJ (arguido por tal em procedimento diferente) 122 embalagens de heroína com o peso líquido de 69,698 gr para o mesmo guardar na sua casa sita no 1 ° do nº... da Rua de Sacramento a Alcântara, em Lisboa;
7. O JJ, desde data aproximada ao princípio de Agosto de 2005, vendia produtos estupefacientes na zona em causa, os quais pertenciam e lhe eram anteriormente entregues por parte da arguida AA, que depois recolhia e ficava com o dinheiro das vendas;
8. Em execução do mencionado desígnio e entre 24 de Setembro de 2005 e 27 de Setembro de 2007, a arguida AA através dos telefones n° 96 ... e 96 ..., contactava e era contactada por terceiros residentes na zona de Setúbal, com quem acertava entregas de estupefaciente que depois eram vendidos em tal zona do país;
9. Morando no concelho de Cascais e impedida, por decisão judicial de 5 de Setembro de 2005, de frequentar a zona da Rua Possidónio da Silva desde e no período compreendido entre Março e Junho de 2006 e através do telemóvel n° 96 ..., a arguida AA contactava e era contactada por terceiros, designadamente, com a arguida DD, residente na porta 3 do pátio ..., da Rua Possidónio da Silva e com o arguido II, com quem acertava entregas de produto estupefaciente, dando indicações para entregas de tais substâncias e trocando impressões acerca dos proventos realizados em tal actividade;
10. A arguida DD também contactava e era contactada através do seu telemóvel n° 91 ..., por terceiros, designadamente pela arguida AA e pelo arguido II, com quem acertava entregas de produto estupefaciente, recebendo indicações para entregas de tais substâncias na porta 3 do pátio ..., da Rua Possidónio da Silva
11. Em tal actividade e após acordo, o arguido HH, no período de tempo aproximado e compreendido entre Janeiro e Junho de 2006, procedeu à venda de produtos estupefacientes na zona do pátio ..., da Rua Possidónio da Silva, os quais lhe eram entregues pela arguida DD que previamente as recebia da arguida AA em ordem a serem comercia1izadas no local;
12. Em troca ficava com algumas embalagens de heroína para consumo próprio;
13. A arguida DD contava com a colaboração da sua filha LL, na actividade de transporte de estupefaciente da zona da casa da arguida GG na porta 3, n° ... da Rua Possidónio Silva para a zona do pátio n° ..., da Rua Possidónio Silva em Lisboa;
14. A arguida LL, a 13 de Setembro de 2006, cerca das 19h30m, na zona do pátio ... da Rua Possidónio da Silva, em Lisboa, tinha consigo, seis embalagens de heroína com o peso líquido de 1,535 gr e a quantia de 35,00 euros, resultante da venda de estupefacientes já efectuada;
15. Anteriormente à abordagem policial, encontrava-se a proceder à entrega de produtos estupefacientes a vários consumidores;
16. Pelo menos a partir de finais de Março de 2006, os arguidos II e GG, também passaram a participar na actividade de tráfico de heroína;
17. O arguido II, além de guardar estupefacientes e produtos de mistura na sua casa, efectuou alguns transportes de estupefaciente, pertencente à arguida AA para a zona do pátio ... da Rua Possidónio Silva;
18. A GG guardava produto estupefaciente na sua casa sita no na porta 3, do n° ..., da Rua Possidónio Silva, o qual era aí colocado por indicação da arguida DD, após o ter obtido da arguida AA;
19. Para o efeito, a DD ou a sua filha LL, iam à casa da GG, buscar o produto estupefaciente a vender na zona do pátio n° ..., sendo que das outras vezes era a GG que após pedido, levava o mesmo para tal local;
20. Com tal finalidade, a DD tinha a chave da casa da GG;
21. No seguimento e execução de tal actividade acima designada e pelas 7h do dia 29 de Junho de 2006, a arguida AA tinha consigo, na casa onde morava em S. Domingos de Rana- n°...- A da Rua da Pradaria sita em Caparide:
- dois telemóveis de marca Nokia, um dos quais com o n° 963495734;
- 425,00 euros em dinheiro, divididas em várias notas de vinte, dez e cinco euros;
- duas chaves de uma garagem sita na Rua Bartolomeu de Gusmão, Galiza, S. João do Estoril;
22. Na garagem do Shopping Grande Galiza, que tem acesso pela Rua Bartolomeu de Gusmão, tal arguida tinha consigo cerca das 8h do dia 29 de Junho de 2006:
- uma embalagem de heroína com o peso líquido total de 89,307 gr;
- três embalagens de um produto de mistura de cafeína com paracetamol,
destinado a ser adicionado a heroína, com o peso bruto de 363 gr;
- duas balanças digitais de marca «Tanita», destinadas a peso de produtos estupefacientes;
- vários sacos de plástico incolor destinados a embalamento de produto estupefaciente;
23. Em tal dia e cerca das 7h30m, o arguido II tinha consigo, na casa onde morava sita no n° ... da Rua B da Quinta do Outeiro, sita no Bairro da Cova da Moura, na Amadora:
um saco com heroína com o peso líquido total de 22, 578 gr;
- uma embalagem de um produto de mistura de cafeína com paracetamol, destinado a ser adicionado a heroína e cocaína;
- um copo com resíduos de um produto de mistura de cafeína com paracetamol, destinado a ser adicionado a heroína e cocaína com o peso bruto de 264,200 gr;
- um moinho destinado a mistura de heroína com resíduos de tal substância;
- treze carteiras de «Redrate» produto destinado a ser misturado com produto estupefaciente;
- vários sacos de plástico e vários cantos de sacos de plástico incolor destinados a embalamento de produto estupefaciente; - 740,00 euros em dinheiro;
- dois telemóveis de marca Nokia;
- uma pistola de salva adaptada para calibre 6,35 mm, através da desobstrução do cano original e posterior introdução de um cano de estriamento irregular de calibre 6,35 mm, com o comprimento aproximado de 60mm, em razoável estado de conservação e respectivo carregador bem como onze munições do mesmo calibre;
- quatro cartuchos de calibre 12 mm de cor branca de marca «supremo»;
24. A arguida GG, tinha e guardava consigo, na casa onde morava sita na porta 3 do n° ... da Rua Possidónio Silva, em Lisboa:
- uma embalagem de um produto de mistura de cafeína com paracetamol destinado a ser adicionado a heroína e a cocaína, com o peso bruto de 10,720 gr;
- um pedaço de papel com apontamentos escritos relativos a quantidades e qualidades de estupefacientes fornecido e entregue;
- vários sacos de plástico transparentes, normalmente usados no embalamento de produtos estupefacientes;
- quatro telemóveis;
- onze fios, dez anéis, dez pulseiras, uma medalha no valor global
estimado de 1 521, 25 euros;
25. O produto estupefaciente acima referido pertencia à arguida II que aí o havia deixado para ser guardado, a 28 de Junho de 2006;
26. Cerca das 7h00 do dia 29 de Junho de 2006, a arguida II tinha na casa onde morava, sita na porta 3, do n° ... da Rua Possidónio Silva, em Lisboa:
- 345,00 euros;
- um te1emóve1 de marca Nokia, com o n° 91 ...
27. Todos os arguidos conheciam a natureza estupefaciente da heroína que lhes foi apreendida;
28. Tais produtos estupefacientes destinavam-se a ser entregues a terceiros em troca de contrapartidas em dinheiro:
29. Mesmo assim, decidiram manter em seu poder tais substâncias, com o intuito de proceder à sua entrega a terceiros;
30. O dinheiro, objectos em ouro, te1emóveis, armas e demais objectos com valor patrimonial que os arguidos tinham consigo, constituem bens entregues a título de pagamento de produto estupefaciente entregue pelos arguidos e bens adquiridos com o provento económico realizado pelos arguidos na sua actividade de tráfico de produto estupefaciente;
31. O arguido II sabia que não podia ter consigo a arma artesanalmente alterada, respectivo carregador e munições;
32. Estava perfeitamente ciente que não podia ter consigo uma arma de fabrico artesanal destinada ao disparo de projécteis, não tendo licença de uso e porte de armas de defesa ou de fogo;
33. Sabia do perigo que a mesma representava junto das pessoas com quem contactava e que não podia ter consigo o referido instrumento em função das características ilegais que o mesmo apresentava;
34. Todos os arguidos actuaram de forma deliberada, livre e consciente, bem sabendo que serem as suas condutas proibidas e punidas por lei;
Das condições pessoais dos arguidos:
Quanto à arguida AA:
35. A arguida AA confessou de forma integral e sem reservas os factos que lhe foram imputados e revelou arrependimento;
36. A arguida tem um filho com cinco anos de idade e encontra-se separada do companheiro, sendo o seu agregado familiar composto pela própria, o filho e um sobrinho também menor de idade;
37. À data a que se reportam os factos descritos na acusação, encontrava--se desempregada;
38. Actualmente, trabalha no estabelecimento prisional em limpezas e tem bom comportamento;
39. A arguida encontra-se deprimida e tem tido acompanhamento médico e psicológico no E.P.
40. A arguida não tem antecedentes criminais.
Quanto à arguida GG:
41. (…)
42. (…)
43. (…)
44. (…)
45. (…);
Quanto à arguida DD:
46. A arguida tem dois filhos mas VIve actualmente com um companheiro;
47. Antes de ser presa trabalhava como operária fabril auferindo um rendimento mensal de 500,00 euros;
48. A arguida estudou até ao 5° ano de escolaridade;
49. A arguida DD não tem antecedentes criminais;
Quanto aos arguidos II, HH e LL:
50.a 62 (…).

6. (i).Recurso da arguida AA:
Está invocada a violação do artigo 127º do CPP, por a decisão recorrida, supostamente, não ter atendido ao conteúdo da informação médica a respeito da «etiologia de depressão», e por nada do Relatório Social estar referido na matéria de facto relacionada com as «condições pessoais» da recorrente.
O artigo 127º do CPP consagra o princípio da livre apreciação da prova, estabelecendo que, salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.
Na textura do princípio consagrada em forma normativa, o conteúdo fica especificamente referido á ausência de prova tarifada com valor predeterminado, salvo quando a lei expressamente fixar valor determinado a certo meio de prova.
Fora deste limite, a prova é apreciada segundo o juízo formulado pelo julgador de acordo com as regras da experiência, fundamentadamente, ao abrigo de qualquer arbítrio ou de manifestações de vontade.
No caso, como se verifica pelos termos da decisão e pela fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, os elementos referidos pela recorrente foram considerados na formação da convicção sobre os factos relevantes, sendo mesmo que tanto os problemas de saúde, como as condições pessoais ficaram provados e constam da matéria de facto (pontos 36 e 39), em diverso do que a recorrente alega na motivação.
A recorrente discorda da medida da pena, salientando que o «arrependimento manifestado» e «todas as circunstâncias atenuativas», apontariam para a atenuação especial da pena.
A atenuação especial da pena, com os pressupostos do artigo 72º do Código Penal, é um instituto que funciona como instrumento de segurança do sistema para ter em conta situações em que as condições pessoais do agente e a prevenção geral não imponham e a prevenção especial não exija uma pena a encontrar nos limites da moldura penal do tipo, e em que se verifique um afastamento crítico entre o modelo formal de integração de uma conduta em determinado tipo legal e as circunstâncias específicas que façam situar a ilicitude ou a culpa aquém desse modelo.
Para resolver os casos em que «a capacidade de previsão do legislador é necessariamente ultrapassada pela riqueza e multiplicidade de situações reais da vida», «mandamentos irrenunciáveis de justiça, adequação (ou necessidade) da punição» impõem que o sistema disponha de uma válvula de segurança que permita responder a casos especiais, em que concorram circunstâncias que «diminuam por forma acentuada as exigências de punição do facto, deixando aparecer a sua imagem global especialmente atenuada relativamente ao complexo normal» de casos que o legislador terá previsto e para os quais fixou os limites da moldura respectiva (cfr, JORGE DE FIGUEIREDO DIAS, “Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime”, 1990, p. 302).
Mas acentuada diminuição significa casos extraordinários ou excepcionais, em que a imagem global do facto se apresenta com uma gravidade tão específica ou diminuída em relação aos casos para os quais está prevista a fórmula de punição, que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em tais hipóteses quando estatuiu os limites normais da moldura do tipo respectivo (v. g., acórdãos deste Supremo Tribunal, de 18/Out/2001. proc. 2137/01. e de 30/Out/2003; in CJ (STJ), ano XL, tomo III, p. 208, e de 3/Nov/04, in CJ (STJ), Ano XII, tomo III p. 217).
Não é manifestamente o caso, pois as circunstâncias não se acolhem nas exigências de excepcionalidade pressupostas na atenuação especial.
O grau de ilicitude revelado na actividade, medido pelo nível de organização e pela natureza e quantidade do produto estupefaciente detido, fazem sobressair as imposições de prevenção geral, afastando o caso da excepcionalidade que está pressuposta na atenuação especial.
No restante, a recorrente não apresenta fundamentos que permitam por em causa o julgamento efectuado na decisão recorrida, que considerou, detalhadamente, as circunstâncias da acção, o grau de ilicitude e a intensidade da culpa, e as imposições de prevenção geral e especial, além de efectuar uma interpretação ponderada do valor das condições pessoais da recorrente enquanto integradoras dos critérios de determinação da medida da pena.
Nos termos e com os fundamentos invocados o recurso não pode proceder.

(ii). Recurso de DD:
Nas conclusões 1ª e 2ª a recorrente põe em causa a qualificação no que respeita à forma de comparticipação, considerando que a sua actuação se enquadra apenas «na figura da cumplicidade».
A recorrente vem condenado por co-autoria de um crime p. no artigo 21º, nº 1 do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro.
A co-autoria pressupõe, pois, um elemento subjectivo – o acordo, com o sentido de decisão, expressa ou tácita, para a realização de determinada acção típica, e um elemento objectivo, que constitui a realização conjunta do facto, ou seja, tomar parte directa na execução.
A execução conjunta, neste sentido, não exige, todavia, que todos os agentes intervenham em todos os actos, mais ou menos complexos, organizados ou planeados, que se destinem a produzir o resultado típico pretendido, bastando que a actuação de cada um dos agentes seja elemento componente do conjunto da acção, mas indispensável à produção da finalidade e do resultado a que o acordo se destina.
O autor deve ter o domínio funcional do facto; o co-autor tem também, do mesmo modo, que deter o domínio funcional da actividade que realiza, integrante do conjunto da acção para a qual deu o seu acordo, e na execução de tal acordo se dispôs a levar a cabo. O domínio funcional do facto próprio da autoria significa que a actividade, mesmo parcelar, do co-autor na realização do objectivo acordado se tem de revelar indispensável à realização da finalidade pretendida.
A teoria do domínio funcional do facto, fundada por Lobe e desenvolvida por Roxin, permite melhor fundamentar a essência da autoria e delimitar a autoria de outras formas de comparticipação.
A actuação que constitui autoria deve compreender-se em unidade de sentido objectivo-subjectivo, como obra de uma vontade directora do facto; para a autoria é decisiva não apenas a vontade directiva, mas também a importância material da intervenção no facto que um co-agente assume.
Por isso só pode ser autor quem, de acordo com o significado da sua contribuição objectiva, governa e dirige o curso do facto (cfr., Hans-Heinrich Jescheck e Thomas Weigend, “Tratado de Derecho Penal – Parte General”, trad. da 5ª edição de 1996, p. 701-702).
O domínio do facto remete para princípios distintos, em paralelo com as possibilidades de divisão do trabalho – domínio do facto mediante a realização da acção executiva (domínio do facto formal, vinculado ao tipo); decisão sobre a realização do facto (domínio do facto material como domínio da decisão) e domínio do facto através da configuração do facto (domínio do facto material como domínio de configuração).
Quando intervêm vários agentes podem distribuir-se os vários elementos por partes: cada um deve tomar parte em algum dos três âmbitos de domínio, mesmo quando um configura e outros executam; na medida em que o titular do domínio do facto formal não está dominado por um autor mediato, também nele reside o domínio do facto.
A autoria tem de definir-se, ao menos, como domínio de um dos âmbitos de configuração, decisão ou execução do facto, não sendo relevante o domínio per se, mas apenas enquanto fundamenta uma plena responsabilidade pelo facto.
A distribuição em âmbitos de domínio diferentes no seu conteúdo não significa a reunião de elementos heterogéneos, mas antes homogéneos pelos actos de organização (cfr., Günter Jakobs,”Derecho Penal, Parte General. Fundamentos y Teoria de la Imputación”, 2ª ed., 1997, p. 741-742).
A co-autoria fundamenta-se, assim, também no domínio do facto; o domínio do facto deve ser, então, conjunto, devendo cada co-autor dominar o facto global em colaboração com outro ou outros. A co-autoria supõe sempre uma “divisão de trabalho” que torne possível o crime, o facilite ou diminua essencialmente o risco da acção.
Exige uma vinculação recíproca por meio de uma resolução conjunta, devendo cada co-autor assumir uma função parcial de carácter essencial que o faça aparecer como co-portador da responsabilidade para a execução em conjunto do facto. Por outro lado, a contribuição de cada co-autor deve revelar uma determinada medida e significado funcional, de modo que a realização por cada um do papel que lhe corresponde se apresente como uma peça essencial da realização do facto (cfr. Hans-Heinrich Jescheck, op, cit., p. 726).
De todo o modo, a colaboração e a importância que reveste deve poder determinar suficientemente o “se” e o “como” da execução do facto.
A outra forma de comparticipação – a cumplicidade – está definida no artigo 27º do Código Penal: «é punível como cúmplice quem, dolosamente e por qualquer forma, prestar auxílio material ou moral à prática por outrem de um facto doloso». Pressupõe, pois, um apoio doloso a outra pessoa no facto antijurídico doloso cometido por esta, não havendo na cumplicidade domínio material do facto, pois o cúmplice limita-se a favorecer a prática do facto.
A cumplicidade diferencia-se da co-autoria pela ausência do domínio do facto; o cúmplice limita-se a facilitar o facto principal, através de auxílio físico (material) ou psíquico (moral), situando-se esta prestação de auxílio em toda a contribuição que tenha possibilitado ou facilitado o facto principal ou fortalecido a lesão do bem jurídico cometida pelo autor.
A linha divisória entre autores e cúmplices está em que a lei considera como autores os que realizam a acção típica, directa ou indirectamente, isto é, pessoalmente ou através de terceiros (dão-lhe causa), e como cúmplices aqueles que não realizando a acção típica nem lhe dando causa, ajudam os autores a praticá-la - cfr., Germano Marques da Silva, in Direito Penal Português, Parte Geral, Vol. II; ed. Verbo, p. l79.
A cumplicidade é uma forma de participação secundária na comparticipação criminosa, destinada a favorecer um facto alheio, portanto, de menor gravidade objectiva, mas embora sem ser determinante na vontade do autor e sem participação na execução do crime, traduz-se em auxílio à prática do crime e, nessa medida, contribui para a sua prática, configurando-se como uma concausa do crime – cfr. Germano Marques da Silva, ob. cit. págs. 283 a 291.
«O cúmplice pode participar no acordo e na fase da execução (embora não tenha necessariamente de assim suceder, ao contrário do que acontece com o co-autor) mas, contrariamente ao que se verifica com este – e nisso consiste a característica fundamental de diferenciação entre as duas formas de comparticipação – o cúmplice não tem o domínio funcional do facto ilícito típico; tem apenas o domínio positivo e negativo do seu próprio contributo, de forma que, se o omitir, nem por isso aquele facto deixa de poder ser executado. A sua intervenção, sendo, embora, concausa do concreto crime praticado, não é causal da existência da acção» (acórdão deste Supremo Tribunal de 21 de Novembro de 2001, proc. n.º 2758/01; cfr. também o acórdão de 31 de Março de 2004, proc. 136/04 e jurisprudência aí citada).
Nos termos em que vem provada, a actuação da recorrente apresenta-se como participação segundo um plano previamente acordado (ponto 1 da matéria de facto), com intervenção específica no desenvolvimento da actividade, e com o domínio do facto tanto na concepção como na execução. E execução completa, com autonomia de intervenção e contribuição decisiva para a execução nos termos acordados para o facto, que não teria ocorrido sem a comparticipação efectiva da recorrente (pontos 9, 10, 11, 13, 18, 19, 20 e 25 da matéria de facto).
A actuação concreta vai, assim, além da mera cumplicidade, integrando a forma de autoria tal com está decidido.
A recorrente, sob outro fundamento, pede a reavaliação da decisão recorrida no que respeita à integração dos factos, entendendo que existe considerável diminuição da ilicitude, com a consequente projecção para o artigo 25º do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro (conclusões 3º e 4ª).
O artigo 25º do referido diploma, como é entendido na jurisprudência e na doutrina (v. g., o acórdão deste Supremo Tribunal, cit. de l de Março de 2001, na “Colectânea de Jurisprudência”, ano IX, tomo I, pág. 234) com extensa indicação de referências jurisprudenciais) define um tipo diferenciado em razão do grau de ilicitude em relação do tipo fundamental de artigo 21°. Pressupõe, por referência ao tipo fundamental, que a ilicitude do facto se mostre «consideravelmente diminuída» em razão de circunstâncias específicas, mas objectivas e factuais, verificadas na acção concreta, nomeadamente os meios utilizados pelo agente, a modalidade ou as circunstâncias da acção, e a qualidade ou a quantidade dos produtos.
A essência da distinção entre os tipos fundamental e privilegiado reverte, assim, ao nível exclusivo da ilicitude do facto (consideravelmente diminuída), mediada por um conjunto de circunstâncias objectivas que se revelem em concreto, c que devam ser conjuntamente valoradas por referencia à matriz subjacente à enumeração exemplificativa contida na lei, e significativas para a conclusão (rectius, para a revelação externa) quanto à existência da considerável diminuição da ilicitude pressuposta no tipo fundamental, cuja gravidade bem evidente está traduzida na moldura das penas que lhe corresponde. Os critérios de proporcionalidade que devem estar pressupostos na definição das penas, constituem, também, um padrão de referência na densificação da noção, com alargados espaços de indeterminação, de «considerável diminuição de ilicitude».
Perante os elementos de integração da noção de ilicitude, a dimensão da actividade da recorrente não pode ser acolhida no espaço de valoração de ilicitude consideravelmente diminuída como padrão de integração no artigo 25º de referida diploma.
A persistência, a duração, a participação concreta num modo organizado de distribuição de produto estupefaciente, algum domínio de ordenação sobre a execução das tarefas, e a natureza do produto, afastam decisivamente a qualificação da ilicitude como consideravelmente diminuída.
A actuação da recorrente deve ser integrada no artigo 21º, nº 1 do Decreto-lei nº 15/93, como vem decidido.
Nas conclusões 5ª a 8ª, a recorrente refere-se apenas à matéria de facto e ao modo como o tribunal colectivo decidiu sobre a matéria de facto.
A matéria de facto não integra os poderes de cognição do Supremo Tribunal, que se limitam ao reexame da matéria de direito.
Na conclusão 9ª invoca a insuficiência da matéria de facto «relativamente à qualidade e quantidade da droga que o arguido A... [HH]» vendeu para a recorrente.
Porém, e independentemente de outras considerações que seriam possíveis (nomeadamente o rigor processual da invocação), a recorrente não identifica qualquer espaço no domínio dos factos que perturbe a solução da decisão recorrida; o ponto 11 da matéria de facto é suficientemente preciso na integração conjugada com os restantes factos, sem as dúvidas, não inteiramente apreensíveis, que constam da conclusão 9ª.
Por fim, discordando da medida da pena, que entende dever ser fixada no limite mínimo, a recorrente não apresenta qualquer motivo sustentável que ponha em causa o julgamento fundamentado da decisão recorrida, que considerou devidamente os fins das penas, o grau de culpa (onde avulta o facto referido no ponto 13ª das matéria de facto) e os critérios legais do artigo 71º do Código Penal perante os factos e as circunstâncias pessoais da recorrente.
O recurso é, assim, improcedente.

7. A suspensão da execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos (artigo 50º, nº 1 do Código Penal, na redacção da Lei nº 59/2007, de 4 de Setembro) deve ter lugar sempre que, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, for de concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
A suspensão da execução da pena não dependendo de um qualquer modelo de discricionariedade, mas, antes, do exercício de um poder-dever vinculado, deve ser decretada, na modalidade que for considerada mais conveniente, sempre que se verifiquem os respectivos pressupostos e realiza, assim, de modo determinante, um programa de política criminal, que tem como elemento central a não execução de penas curtas de prisão, na maior medida possível e socialmente suportável pelo lado da prevenção geral, relativamente a casos de pequena e mesmo de média criminalidade.
Deste modo, as penas de prisão aplicadas em medida não superior a cinco anos devem ser, por princípio, suspensas na execução, salvo se o juízo de prognose sobre o comportamento futuro do agente se apresente claramente desfavorável, ou a suspensão for impedida por prementes exigências geral-preventivas, em feição eminentemente utilitarista da prevenção.
Pese embora as condições pessoais da recorrente DD que estão provadas, as exigências de prevenção geral impostas pela natureza e gravidade social dos factos fazem sublinhar decisivamente a necessidade de reafirmação forte dos valores relevantes e intensamente afectados pelos crimes de tráfico de estupefacientes, para aquietação da comunidade e reforço dos sentimentos de tranquilidade social, impedindo, assim, a suspensão da pena aplicada à recorrente DD.

11. Nestes termos nega-se provimento aos recursos, confirmando a decisão recorrida.

Supremo Tribunal de Justiça, 7 de Novembro de 2007

Henriques Gaspar (Relator)
Soreto de Barros
Santos Monteiro
Santos Cabral