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INEPTIDÃO DA PETIÇÃO INICIAL
COLIGAÇÃO DE SOCIEDADES POR CONTRATO DE SUBORDINAÇÃO
LEGITIMIDADE
Sumário
I - Não é inepta a petição em que a alegação de factos é feita por remissão para o conteúdo de facturas com ela juntas, sendo possível saber-se qual é o pedido e a causa de pedir. II - A sociedade subordinada não perde a sua personalidade jurídica relativamente à sociedade dominante, passando esta apenas a ter responsabilidade directa pelas dívidas daquela nos termos do art.º 501.º do Código das Sociedades Comerciais. III - Este normativo não confere legitimidade à sociedade dominante para, em substituição da sociedade dominada, demandar devedores desta.
B…, S.A. intentou, nas Varas de Competência Mista do Tribunal Judicial da Comarca de Gaia, a presente acção declarativa com processo ordinário, distribuída à 2ª Vara, sob o n.º10231/10.0TBVNG, contra C…, S.A., pedindo a condenação da R. no pagamento da quantia de € 45.496,54, acrescida de juros de mora vencidos, que quantifica, e vincendos até integral pagamento.
Alega, em síntese, ter vendido à R. produtos do seu comércio, fornecimentos que foram titulados por facturas, que juntou, e que ré não pagou no prazo de vencimento.
A R. contestou, arguindo a ineptidão da petição, sustentando que esta não lhe permite compreender a causa de pedir, não sendo alegados factos que fundamentem o direito exercido, já que a A. faz assentar a sua pretensão na mera remissão para documentos. No entanto, não questiona os fornecimentos alegados pela A, sua espécie e montantes, referindo porém que os pagamentos não são devidos, fundando essa inexistência na factualidade alegada na reconvenção.
Nesta alega que manteve relações comerciais com a A com incidência no fornecimento de combustíveis e betumes, sendo os combustíveis facturados à R, e os betumes parcialmente facturados à empresa “D…, S.A.”, empresa que pertence ao grupo empresarial da Ré. Refere que os fornecimentos foram formalmente efectuados a esta empresa D… (por uma questão de funcionamento e organização do grupo), mas foram-no verdadeiramente à R.
Descreve, posteriormente, uma sucessão de vicissitudes relacionadas com estas relações comerciais de fornecimento de betumes, fundadas em variação dos preços dos betumes fornecidos e com verbas reclamadas por terceiros por efeito da falta de qualidade do betume fornecido pela A.
Pretende, por isso, que a reconvinda indemnize a reconvinte no valor correspondente aos prejuízos decorrentes da variação dos preços do betume e subsequente incapacidade da R de suportar os custos associados, paralisando obras em curso, bem como os prejuízos decorrentes das indemnizações reclamadas por terceiros e associadas aos defeitos de que padeciam os produtos betuminosos fornecidos pela A.
Concluiu pela improcedência da acção e pela procedência da reconvenção, pedindo que a A seja condenada a pagar à Ré a quantia já liquidada de € 1.660.072,60 acrescida de juros à taxa supletiva legal, desde a notificação deste articulado e na indemnização a fixar em decisão ulterior ou em execução de sentença, mas nunca inferir a € 50.000.
A A replicou, defendendo que não se verifica a arguida nulidade da ineptidão da petição, invocando que os factos que sustentam a causa de pedir se encontram alegados com suficiência, tendo, como o denota a contestação, permitido a defesa da Ré, que aceita os fornecimentos. Relativamente à reconvenção alega que a Ré não pode reclamar créditos de outra empresa que é uma entidade jurídica distinta dela.
A Ré treplicou, impugnando matéria alegada pela autora na réplica, concluindo como na contestação/reconvenção.
Realizou-se audiência preliminar e, de seguida, foi proferido saneador/sentença que julgou improcedente a arguida ineptidão da petição, não admitiu a reconvencão e absolveu a A da instância reconvencional e julgou a acção procedente e condenou a R. a pagar à A. a quantia de € 53.799,28 (cinquenta e três mil setecentos e noventa e nove euros e vinte e oito cêntimos), acrescida de juros calculados sobre a quantia de € 45.496,54 à taxa legal devida para obrigações comerciais desde a data de propositura da presente acção até efectivo e integral pagamento.
A Ré apelou e terminou a sua alegação com as seguintes conclusões que se transcrevem:
1º
A Autora limitou-se a alegar, no artigo 2 da sua, aliás muito douta, PI que:
“No exercício desta sua actividade, a A. vendeu à R., a pedido desta, os produtos do seu comércio constante das facturas, nas datas nelas referidas, que se juntam e foram entregues à R. no momento do Fornecimento:
…”
Assim, a Autora foi absolutamente omissa na alegação quanto aos produtos por si fornecidos, seus valores unitários, concordância da Ré quanto a estes, quantidades, etc., etc..
2º
Nem se diga que a remissão (para as facturas) constante do art. 3 da PI (“As quais se dão aqui por inteiramente reproduzidas para todos os efeitos legais,…”) sana tal omissão.
Desde logo porque (como é pacífico na Doutrina e Jurisprudência), o ónus de alegação não se confunde com os meios de prova apresentados.
A não ser assim, a parte estaria dispensada de alegar o que quer que fosse constante de qualquer elemento probatório junto ao correspondente processo.
3º
Por outro lado, embora a Autora alegue que as facturas por si invocadas “… foram entregues à R. no momento do fornecimento…”, não alega que as mesmas foram aceites.
4º
Ora,
A PI deve expor os factos que fundamentem a pretensão.
A Autora não está dispensada de invocar na PI os factos jurídicos concretos que integram a causa de pedir.
Que o mesmo é dizer que a Autora deveria ter alegado o conteúdo das respectivas declarações negociais, caracterizando os fornecimentos alegadamente por si realizados (designadamente em termos de quantidades, características, preços unitários e sua aceitação, etc., etc.).
Sob pena da sua pretensão ter (necessariamente) de soçobrar por manifesta falta de causa de pedir.
5º
A PI dos autos não possuía os elementos mínimos para caracterizar a respectiva causa de pedir.
6º
Termos em que, a mesma teria de ser considerada absolutamente inepta, com a consequente procedência da invocada excepção dilatória formulada pela Ré (ora Recorrente).
7º
Assim e ao decidir como decidiu, a douta sentença recorrida violou, por erro de interpretação e ou aplicação, o disposto no art. 193 do CPC, do que decorre dever a mesma ser anulada e ou pelo menos revogada, no sentido antes referido (ou seja, pela procedência da invocada excepção de ineptidão).
Por outro lado,
8º
Entendeu a douta decisão recorrida julgar inadmissível a reconvenção formulada, alegadamente por (i) a Reconvinte ser parte ilegítima para reconvir, por não ser titular efectiva do interesse material subjacente à reconvenção formulada (o invocado crédito pertenceria a uma empresa do mesmo grupo empresarial, mas não à Reconvinte) e, ainda, por (ii) o crédito invocado não integrar o núcleo da causa inicial (facto jurídico que serve de fundamento à acção, ou seja ao contrato de fornecimento de combustíveis entre Autora e Ré).
9º
O pedido reconvencional não tem necessariamente de se fundamentar na mesma causa de pedir em que assenta o pedido formulado pela Autora, A Lei permite (mesmo) a sua dedução nos casos em que tal similitude (de causas de pedir) não se verifica - cfr. alíneas b) e c) do n.º 2 do artigo 274 do CPC.
10º
Nos artigos 139 a a 145 da Contestação Reconvenção dos autos, encontra-se (sem margem para quaisquer dúvidas) alegada a compensação entre o crédito da Autora e o da Ré.
Todavia, o Tribunal “a quo” afasta a possibilidade de admissão da Reconvenção, por o crédito reclamado ser pertença de uma empresa do mesmo grupo empresarial da Ré e não desta em termos objectivos.
Ou seja, a douta decisão recorrida entende que a Ré não pode invocar um crédito de uma outra empresa que esteja integrada no mesmo “Grupo Empresarial”, mesmo que se encontre em relação de domínio.
11º
Ora, o facto do alegado contra-crédito respeitar a uma outra sociedade que não a Ré, não constitui impedimento legal para a dedução do pedido reconvencional feito pela ora Recorrente, nos exactos termos em que o foi, considerando:
A. Por um lado o expendido nos artigos 27 a 36 da Contestação Reconvenção (existência de um grupo empresarial, existência de uma relação societária funcional e contratual que torna imprescindível a vontade e intervenção de todas nas relações comerciais que estabelecem com terceiros, etc., etc.);
B. Por outro lado, o facto de os fornecimentos de betumes terem sido realizados pela Autora /Recorrida formalmente à D…, mas de facto o serem à Recorrente (sendo que a Autora só com esta estabeleceu contactos);
C. Por o artigo 274 do CPC não vedar tal possibilidade em casos como o “sub judice” (pelo contrário – cf. n.º4 de tal preceito).
12º
Ou seja, sem margem para dúvidas, a Recorrente invocou no processo a existência de um “Grupo Empresarial” designado de “Grupo E…”.
Tal existência é aliás reconhecida pela Recorrida, sendo certo que o Tribunal Recorrido parece tomar a mesma como um facto indesmentido.
Mais, a Recorrente alegou que tal Grupo Empresarial é por si “encabeçado” (empresa-mãe).
13º
Tal Grupo Empresarial constitui e dinamiza um “circuito interno” entre as empresas que o integram, estando ligadas por laços de diversa índole, directa ou indirectamente, muitas vezes de difícil percepção imediata, a muitas outras entidades e sociedades comerciais.
De tal grupo empresarial, com interesse para os presentes autos, destacam-se a Recorrente e a dita “D…”.
Tais sociedades (para além de outras), encontram-se interligadas, numa relação societária, funcional e contratual, o que torna imprescindível a vontade e intervenção de todas nas relações comerciais que estabelecem com terceiros (v. g. a Autora).
Com efeito, os actos por aquelas praticados, necessitam da conjugação e consenso recíprocos, revertendo a respectiva actividade comercial, não só em favor da Recorrente, mas também a favor das restantes empresas associadas e em particular a favor da aludida D….
14º
Assim, nas relações contratuais entre Ré e Autora foi criada contratualmente, não só a expectativa, mas a legitima convicção da responsabilidade (de direitos e obrigações) solidária entre todos (v.g. entre a Ré e a D…), para além de tal solidariedade decorrer dos preceitos legais aplicáveis.
Foi assim pactuado de que aquelas sociedades (que pertencem ao mesmo grupo empresarial), assumiam, solidariamente, os direitos e obrigações decorrentes com a contratação com a Autora (ora Recorrida).
O que bem se percebe, seja por os alegados fornecimentos serem exclusivamente para a aqui Ré, seja por todos os contactos estabelecidos pela Autora o serem exclusivamente na pessoa da Ré (sendo a dita D… uma mera contratante formal…).
A existência de uma relação de domínio entre duas sociedades, pode originar uma manifesta instrumentalização da sociedade dominada em benefício da sociedade dominante (ou vice versa, ou ainda de terceiros), tudo na lógica de Grupo.
15º
Em conclusão, nas situações de domínio qualificado a mobilização do disposto no art. 501 do CSC, justifica-se, tendo uma aplicação abrangente quer à sociedade dominada quer à dominante.
Donde resulta inequívoca, no caso dos autos, a solidariedade (de direitos e obrigações) existente entre a Ré e a aludida “D…, SA”.
16º
Nem se diga (como faz a douta sentença recorrida) que o terceiro (no caso D…) “… não ficaria impedido de novamente reclamar tal pagamento em acção própria, já que qualquer decisão aqui proferida não faria em relação à D… caso julgado”.
É que bastaria requerer a intervenção da dita terceira (D…) no processo para obviar tal “inconveniente”.
17º
Assim, a douta sentença recorrida ao decidir pela inadmissibilidade da Reconvenção (considerando que o crédito invocado pela Ré não o era sobre sociedade parte nos autos, mas antes de terceiro…), violou por erro de interpretação e aplicação do disposto nos arts. 847, 851, 523 e 532 todos do CC e arts. 488 e seguintes do CSC, devidamente conjugados.
18º
Acresce referir, a propósito do requisito da “reciprocidade”, que nos termos do artigo 848, nº 1 do CC, a “compensação torna-se efectiva mediante declaração de uma das partes à outra”.
Ou seja, está-se perante uma declaração receptícia, que não exige, assim, qualquer acto de aceitação ou de reconhecimento da declaração comunicada.
Na verdade, o que interessa, nos termos do disposto no artigo 847 do CC, é que exista uma reciprocidade real.
No entanto, não necessita a mesma de ser reconhecida ou aceite pela parte que receba tal declaração de compensação.
A compensação a que se refere este artigo 847 do CC é aquela que pode ser imposta por uma das partes à outra.
A declaração de compensação pode ser feita judicialmente, por meio de notificação judicial avulsa (art. 261 do CPC) e pode ser feita extrajudicialmente (art. 217 do CC), podendo igualmente ser realizada em acção judicial, quer por via de acção (de simples apreciação), quer por via de excepção, quer ainda por via de reconvenção.
19º
Tudo o que vem de ser exposto infirma, claramente, a fundamentação da douta decisão recorrida, cujo entendimento (com o devido respeito) revela uma ausência absoluta de apoio legal.
20º
A douta decisão recorrida, ao decidir como decidiu (no que respeita à não admissibilidade da Reconvenção formulada), violou por erro de interpretação e ou aplicação o disposto nos artigos 847, 848, 851, 523 e 532 todos do CC, arts. 488 e seguintes do CSC e, ainda, o artigo 274 do CPC, pelo que deve ser dado provimento ao presente recurso e a sentença recorrida ser anulada ou pelo menos revogada, por esse venerando Tribunal e substituída por outra que decida no sentido antes expendido (da procedência da excepção de ineptidão alegada e da admissibilidade da Reconvenção formulada nos autos).
A Apelada contra-alegou, pugnando pela confirmação do saneador/sentença recorrido.
Factos dados como provados na 1ª instância:
a) A Autora, conforme o seu objecto social, exerce a actividade de distribuição, armazenamento, transporte, comercialização de combustíveis líquidos e gasosos, óleos base, lubrificantes e outros derivados do petróleo e a exploração directa ou indirecta de postos de abastecimento de combustíveis e de áreas de serviço.
b) No exercício desta sua actividade, a A. vendeu à R., a pedido desta, os produtos do seu comércio identificados nas facturas, nas datas nelas referidas e foram entregues à R. no momento do fornecimento:
- …….485 no montante de 34.755,92€, com vencimento 01.09.2008
- …….947 no montante de 20,00€, com vencimento 15.09.2008
- …….770, no montante de 265,61€, com vencimento 17.11.2008
- …….929 no montante de 43,31, com vencimento 15.01.2009
- …….164, no montante de 3.059,17€, com vencimento 15.09.2008
- …….424, no montante de 51,25€, com vencimento 15.03.2009
- …….262 no montante de 40.878,68€, com vencimento 18.08.2008
- …….427 no montante de 4.039,81€, com vencimento 09.12.2009, conforme resultados documentos de juntas fls. 6 a 14 que no mais se dão por reproduzidos.
c) Por conta do valor referente às facturas nºs …….164 de 3.059,17 €, …….262 de 40.878,68 € e …….427 de 4.039,81 €, a R. procedeu ao pagamento, respectivamente, das quantias de 2.083,16 €, 35.407,65 € e 225,16 €, ficando por liquidar as quantias de 976,01 €, 5.471,03 €, 3814,65 €, relativamente às referidas facturas.
*
As duas questões suscitadas pela Apelante são: ineptidão da petição e admissibilidade da reconvenção.
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I)
Saber se a petição é ou não inepta.
Sobre a questão dispõe o artigo 193º do Código Processo Civil:
“2 – Diz-se inepta a petição:
a) Quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir;
b) Quando o pedido esteja em contradição com a causa de pedir;
c) Quando se cumulem causas de pedir ou pedidos substancialmente incompatíveis.
3 – Se o réu contestar, apesar de arguir a ineptidão com fundamento na alínea a) do número anterior, não se julgará procedente a arguição quando, ouvido o autor, se verificar que o réu interpretou convenientemente a petição inicial”.
A ineptidão da petição inicial visa, desde logo, evitar que o juiz seja colocado na impossibilidade de julgar correctamente a causa, decidindo sobre o mérito, em face da inexistência de pedido ou de causa de pedir, ou de pedido ou causa de pedir que se não encontrem deduzidos em termos inteligíveis.
No que concerne à falta do pedido ou da causa de pedir, como ensina Alberto dos Reis[1], “importa, não confundir petição inepta com petição simplesmente deficiente. Claro que a deficiência pode implicar ineptidão: é o caso de a petição ser omissa quanto ao pedido ou à causa de pedir; mas àparte esta espécie, daí para cima são figuras diferentes a ineptidão e a insuficiência da petição.”
No mesmo sentido, escreve Anselmo de Castro[2], “para que a ineptidão seja afastada, requer-se, assim, tão só, que se indiquem factos suficientes para individualizar o facto jurídico gerador da causa de pedir e o objecto imediato e mediato da acção. Com efeito, a lei - art. 193 º, n.º 2 al. a)- só declara inepta a petição quando falta ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir, o que logo inculca ideia da desnecessidade de uma formulação completa e exaustiva de um e outro elemento.”
Assim, para se estar perante ineptidão por falta de causa de pedir é necessário uma total ausência dos factos que servem de fundamento à pretensão.
Temos, pois, que no caso nunca se estaria perante falta de causa de pedir
Quanto à ininteligibilidade escreve Rodrigues Bastos[3] “é necessário, porém, ter sempre presente que não é a obscuridade, a imperfeição ou equivocidade da indicação do pedido ou da causa de pedir que aquele preceito ( al. a) do artigo 193º) contempla, como bem se vê da redacção do n.º 3 do mesmo artigo.”
Este entendimento era já preconizado por Alberto dos Reis[4] e adaptando o seu ensinamento, à actual redacção do artigo 193º, temos que a petição é inepta por ininteligibilidade quando os factos e a conclusão são nela expostos em termos de tal modo confusos, obscuros ou ambíguos que não possa apreender-se qual é o pedido ou a causa de pedir.
É, pois, de concluir que a petição é inepta por ininteligibilidade quando não seja possível saber-se qual é o pedido ou a causa de pedir.
No caso a questão colocava-se relativamente à causa de pedir e temos de aceitar que a petição não é exemplar, quanto à alegação dos factos concretos que a conformam, mas a A. remete para o conteúdo das facturas que juntou com a petição.
Como é entendimento maioritário da jurisprudência, é de admitir como forma de alegar a remissão para documento junto com o articulado.[5]
No caso presente, a petição é completada e esclarecida pelas facturas juntas, que descriminam o produto fornecido (gasóleo e numa delas gasolina), quantidade, valor e desconto.
A necessidade de formulação da causa de pedir em termos inteligíveis é imposta como condição de defesa do réu, pois é necessário que este tenha conhecimento dos factos fundamentadores da pretensão do autor para exercer o direito de defesa.
No entanto, a apreciação a fazer quanto à suficiência ou não da concretização de factos na petição e documentos com ela juntos não pode deixar de ter em conta a parte contra a qual a acção é intentada, elemento determinante para se apurar da possibilidade ou não da adequada resposta.
Ora, no caso presente, ambas as partes são sociedades que mantiveram uma relação comercial que se prolongou no tempo.
Tendo este aspecto em consideração, não é sustentável que perante a petição e as facturas a Ré não pudesse perfeitamente identificar os factos em que se baseia a pretensão da A.
A circunstância invocada pela Ré na sua conclusão 3ª, da A não ter alegado que as facturas foram aceites não tem relevo, sendo certo que estando perante contratos de compra e venda, a A vendedora tinha apenas que alegar que entregara os produtos encomendados pela Ré, descritos nas facturas, se estes correspondiam ou não ao acordado, é matéria de excepção e, por isso, a sua alegação e prova recaia sobre a Ré compradora, nos termos do art. 342º n.º2 do CC.
De resto, como se referiu, a Ré expressamente alega no art. 21º da contestação que “ não põe em causa os fornecimentos alegados pela A, sua espécie, montantes e enquadramento contratual”.
Temos, pois, de concluir que não há falta nem inteligibilidade da causa de pedir e que a petição inicial não é inepta.
II)
Questão da admissibilidade da Reconvenção.
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A decisão recorrida não admitiu a reconvenção porque a Reconvinte não era titular da relação material controvertida, tal como ela a apresenta, donde emergia o pedido formulado, dado que o invocado crédito pertenceria a uma empresa do mesmo grupo empresarial, mas não à Ré e, por isso, ser parte ilegítima para reconvir. Por outro lado, a reconvenção não emerge do facto jurídico que serve de fundamento à acção ou à defesa.
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Como é sabido o n.º 2 do artigo 274º do C.P.C. estabelece os factores de conexão entre o objecto da acção e da reconvenção que tornam esta admissível.
A citada disposição estipula:
“A reconvenção é admissível, nos seguintes casos:
a) Quando, o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à acção ou à defesa;
b) Quando o réu se propõe obter a compensação ou tornar efectivo o direito a benfeitorias ou despesas relativas à coisa cuja entrega lhe é pedida;
c) Quando o pedido do réu tende a conseguir em seu benefício, o mesmo efeito jurídico que o autor se propõe obter.”
No caso, em apreço, a situação prevista na última alínea, está liminarmente afastada.
Quanto a ser admissível a reconvenção atento o disposto na citada alínea a), a questão coloca-se quanto ao pedido emergir do facto jurídico que serve de fundamento à defesa.
Sobre o tipo de conexão exigida pela citada alínea, como decidiu o acórdão de 5.3.96, B.M.J. n.º 455, pág. 391, “a primeira parte da citada alínea tem o sentido da reconvenção ser admissível quando o pedido reconvencional tenha a mesma causa de pedir, da que serve de suporte ao pedido da acção. E a segunda parte de ser admissível quando o réu invoque, como meio de defesa, qualquer acto ou facto jurídico que se representa no pedido do autor, reduzindo-o, modificando-o ou extinguindo-o” [6]
Temos, pois, que não basta que a reconvenção emerja dos factos alegados na contestação, estes precisam de ter a virtualidade de extinguir, reduzir ou modificar o direito alegado pelo autor.
Ora, no caso, como se refere na decisão recorrida, o facto jurídico que serve de fundamento à acção, centra-se num contrato de fornecimento de combustíveis entre A e Ré e a reconvenção emerge de fornecimento de betumes, com variação anómala de preços e deficiências, efectuado pela A a uma empresa que integra o grupo empresarial da Ré, e que gerou responsabilidade desta e um crédito para essas empresas.
Assim, independentemente da questão da ilegitimidade da Ré, é evidente que o pedido reconvencional não tem por fundamento nem o facto base da acção nem o facto base da defesa mas sim factos atinentes a outra relação contratual.
Não se verifica, pois, o requisito enumerado na alínea a) do n.º 2 do artigo 274º.
No entanto, nas suas conclusões 10ª e seguintes defende a Ré/Apelante que nos artigos 139º a 145º da contestação/reconvenção se encontra alegada a compensação entre o crédito da A e o da Ré, ou seja, estar-se perante o requisito enumerado na 1ª parte da al.b)
Apesar da Ré não ter no pedido reconvencional expressamente referido pretender a compensação do crédito invocado já liquidado, é indiscutível que essa invocação foi efectuada nos artigos 138º a 145º da contestação e ainda nos artigos 149º e 150º desse articulado e, por isso, estaria preenchido o requisito previsto na 1ª parte da al. b) do n.º2 do art. 274º.
A questão está pois em saber se a Ré, apesar da empresa alegadamente credora integrar o mesmo grupo de sociedades, tem legitimidade para pedir a condenação da A no pagamento desse crédito.
A matéria relativa aos grupos de sociedades ou sociedades coligadas está regulada no Titulo VI do Código das Sociedades Comerciais, repartido por quatro capítulos. O I – disposições gerais – artigos 481ºe 482º; o II – Sociedades em relação de simples participação, de participações recíprocas e de domínio – artigos 483º a 487º – III – Sociedades em relação de grupo – artigos 488º a 508º e IV – Apreciação anual da situação de sociedades obrigadas à consolidação de contas – artigos 508º-A a 508º – F.
A Apelante apesar de descrever um quadro factual genérico de ligações de várias empresas, que qualifica como grupo Empresarial” designado de “Grupo E…”, que integraria entre outras ela própria e a aludida D…, acaba por não concretizar que tipo de contrato este na génese da constituição do referido grupo, sendo que o capítulo IV, se divide em 3 secções: a I – Grupos constituídos por domínio total – artigos 488º a 491º; II – Contato de grupo paritário – artigo 492º e secção III – Contrato de Subordinação.
Dado que a Ré invoca uma posição de domínio, apesar de a não ter concretizado, podia estar-se perante um grupo constituído por domínio total inicial (art. 488º) ou superveniente (489º) e eventualmente um contrato de subordinação (493º).
No entanto e ao contrário do que parece sustentar a Ré das citadas disposições não resulta que as sociedades subordinadas que integrem o grupo de sociedades percam a sua personalidade judiciária a favor da sociedade directora.
A Ré invoca o artigo 501º do CSC que estipula:
“1-A sociedade directora é responsável pelas obrigações da sociedade subordinada, constituída antes ou depois da celebração do contrato de subordinação, até ao termo deste.
2 – A responsabilidade da sociedade directora não pode ser exigida antes de decorridos 30 dias sobre a constituição em mora da sociedade subordinada.
3 – Não pode mover-se execução contra a sociedade directora com base em título exequível contra a sociedade subordinada.”
No entanto, esta disposição tem por exclusiva finalidade a protecção dos credores da sociedade subordinada ou dominada que pode contrair dívidas em conformidade com as instruções da sociedade directora ou dominante.
Como escreve António Menezes Cordeiro,[7] “Subjacente à responsabilização da sociedade directora, de forma pessoal e ilimitada, pelas dívidas da sociedade subordinada está o objectivo de protecção dos credores desta sociedade, que passa a ser gerida em função dos interesses da sociedade-mãe: o poder de direcção da sociedade directora, concretizado no poder de dar instruções – inclusive desvantajosas – à administração da sociedade subordinada (cf. 503º), é, na verdade susceptível de agravar a protecção dos credores, reclamando-se, por isso, uma redistribuição do risco da exploração empresarial no seio de grupos societários.”
Mais adiante acrescenta: “O legislador reconhece, assim, que uma sociedade integralmente controlada por outra, desaparecem os valores que implicam a total separação de patrimónios. Embora não se ponha em crise de personalidade jurídica autónoma das duas sociedades, procede-se ao levantamento da personalidade colectiva para o limitado, mas importante, aspecto da responsabilidade por dívidas.” (sublinhado nosso)
Assim sendo e ao contrário da interpretação que a Ré implicitamente pretende do citado art. 501º, a sociedade subordinada ou dominada não perde a sua personalidade jurídica autónoma relativamente à sociedade dominante e apenas esta passa excepcionalmente por força desta disposição a ter responsabilidade directa quanto às dividas da sociedade dominada/subordinada.
No entanto, esta disposição não confere à sociedade dominante legitimidade para em substituição da sociedade dominada demandar devedores desta.
Do art. 503º n.º 1 e 2 do CSC resulta que a sociedade dominante pode ordenar que a sociedade dominada intente acção contra o pretenso credor mas não pode é substituir-se à dominada e intentar uma acção ou deduzir reconvenção com fundamento em credito de que seja titular a sociedade dominada.
Assim sendo, nada há a censurar a decisão recorrida por ter julgado a Ré parte ilegítima para formular pedido reconvencional tendo por causa de pedir um contrato celebrado com outra empresa do grupo da Ré, que tem uma personalidade judiciária autónoma.
Também não tem aplicação o disposto no n.º 4 do art. 274º do CPC, pois não se esta perante a situação nela prevista, como se referiu, o pedido formulado pela Ré na reconvenção, tem de ser legalmente formulado pela dita sociedade subordinada denominada “D…, SA” e não pela Ré.
Improcedem, pois, ou são irrelevantes todas as conclusões da Apelante.
Sumário:
Para se estar perante ineptidão por falta de causa de pedir é necessário uma total ausência dos factos que servem de fundamento à pretensão.
A petição apenas é inepta por ininteligibilidade quando não seja possível saber-se qual é o pedido ou a causa de pedir.
É admissível como forma de alegar a remissão para documento junto com o articulado e, por isso, a petição pode ser completada e esclarecida pelas facturas com ela juntas.
O artigo 501º do CSC tem por exclusiva finalidade a protecção dos credores da sociedade subordinada ou dominada.
Desta disposição não resulta que a sociedade subordinada ou dominada perca a sua personalidade jurídica relativamente à sociedade dominante e apenas esta passa excepcionalmente ter responsabilidade directa quanto às dividas da sociedade dominada/subordinada (também denominada sociedade filha).
O citado artigo 501º não confere à sociedade dominante legitimidade para em substituição da sociedade dominada demandar devedores desta.
DECISÃO
Pelo exposto, julga-se a apelação improcedente e confirma-se o saneador/sentença recorrido.
Custas pela Apelante.
Porto, 29-09-2011
Leonel Gentil Marado Serôdio
José Manuel Carvalho Ferraz
António do Amaral Ferreira
_________________
[1] Comentário ao C.P.C., vol. 2º, pág. 372
[2] Direito Processual Civil Declaratório, vol.II, pág. 221
[3] Notas ao Código Processo Civil”, vol. I, pág. 253,
[4] Comentário ao C.P.C., Vol. 2º, pág. 364
[5] cf. Ac. da Relação de Lisboa de 24.2.94, in CJ, tomo I, 137 e Acórdão do STJ de 8.2.94, in C J (STJ) tomo I, 85 e de 13.5.97,in BMJ 467º/507
[6] Cf. no mesmo sentido Ac. do STJ de 19.07.63, BMJ n.º 129, pág. 410 e Lebre de Freitas CPC Anotado, I vol., pág. 488
[7] Código das Sociedades Comercias, Anotado, 2ª edição, pág. 1295