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RECURSO OBRIGATÓRIO
APLICAÇÃO DA LEI PROCESSUAL NO TEMPO
ERRO NA FORMA DO PROCESSO
Sumário
I – Com a introdução do n.° 3 do art. 445.° do CPP levada a efeito pela Lei 59/98, de 25-08, foi retirado carácter obrigatório à jurisprudência fixada pelo STJ, permitindo aos tribunais de instância uma maior margem de iniciativa quanto ao eventual reexame da questão objecto de jurisprudência que tenha sido fixada no âmbito da função uniformizadora da aplicação da lei, impondo a lei ao Ministério Público a obrigatoriedade do recurso II - O STJ tem entendido, de forma constante, que o recurso extraordinário de decisão contra jurisprudência fixada pelo STJ, regulado nos arts. 446.° e 448.º do CPP, só é admissível quando a decisão já não é susceptível de recurso ordinário, por só então se justificar a intervenção da mais alta instância – cf., neste sentido, por todos, o Ac. de 21-06-2007, Proc. n.º 2259/07 - 5.ª Secção. III - Com a alteração do disposto no art. 446º nº 1 do CPP, pela Lei 48/2007, de 29-08, o legislador optou por alterar a jurisprudência que exigia o esgotamento prévio dos recurso ordinários. IV – Tal norma não prejudica a possibilidade de interposição de recurso ordinário, como sustentam Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6.ª edição, pág. 196. V - Após a revisão do CPP, face a uma decisão que contrarie jurisprudência fixada, abrem-se duas vias ao MP, que continua a ter de interpor recurso obrigatoriamente: - ou faz uso do recurso ordinário para o tribunal de categoria imediatamente superior, em regra a Relação, e no prazo de 20 dias previsto no art. 411.º, n.º 1; - ou interpõe recurso extraordinário directo para o STJ, tendo, para tanto, de aguardar o trânsito em julgado da decisão, devendo interpor o recurso nos 30 dias seguintes (art. 446.°, n.° 1, do CPP). VI - Face ao disposto no art. 5.º do CPP, não se mostra aplicável a nova lei se o recurso foi interposto em data anterior à entrada em vigor desta. VII - Tendo o MP motivado o recurso no prazo então previsto para o recurso ordinário, deve ser corrigido o erro na forma do processo, considerando o presente recurso como ordinário, a tramitar perante o Tribunal da Relação territorialmente competente.
Texto Integral
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
1. O Ministério Público na 2ª Vara Criminal de Lisboa, invocando expressamente o disposto no art. 446º do Código de Processo Penal, interpôs recurso do despacho judicial que, não perfilhando a posição consagrada no Assento do S.T.J. nº 19/2000, de 19/10/2000, julgou prescrito o procedimento criminal contra o arguido AA. Este, no âmbito do processo comum colectivo (crimes militares), foi acusado da prática de um crime de crime de deserção p.p. pelo art. 142° nº 1 al. b) e 149º nº 1 al. a) do Código de Justiça Militar, aprovado pelo Decreto-Lei n.º nº 141/77, de 9 de Abril e, actualmente, pelo art. 72° nº 1 al. b) e 74° nº 2 al. b) do Código de Justiça Militar, aprovado pela Lei nº 100/2003 de 15 de Novembro, tendo sido declarado contumaz
Contrariamente ao que se decidira no mencionado Assento, no despacho recorrido considerou-se que a declaração de contumácia não suspende o prazo de prescrição do procedimento criminal, sob pena de violação do disposto no art.º 29.º, n.ºs 1 e 3, da Constituição da República Portuguesa, aderindo, para tanto, aos argumentos constantes do acórdão do Tribunal Constitucional n.º 110/2007, publicado do DR II - Série, de 20 de Março de 2007.
2. O recorrente fundamenta o recurso na “violação” da jurisprudência fixada por este Supremo Tribunal no Acórdão n.º 10/00, de 19/10/2000 (DR 1.ª S/A de 10.11.2000): «No domínio da vigência do Código Penal de 1982 e do Código de Processo Penal de 1987, a declaração de contumácia constituía causa de suspensão da prescrição do procedimento criminal.»
3. O recorrente foi notificado do aludido despacho em 09/05/2007 e interpôs o recurso em 22/05/2007.
4. Neste Supremo Tribunal, o Ministério Público pronunciou-se no sentido da competência do Supremo Tribunal de Justiça no parecer em que defende que recurso é directo para a mais alta instância. Afastou-se, assim, da linha jurisprudencial que entende que só é possível recurso directo nos casos em que a decisão que violou jurisprudência fixada não admita recurso ordinário.
Promove, por isso, o Ministério Público que o recurso se considere interposto em tempo e por quem para tanto tem legitimidade e que, conhecida a questão prévia da competência, o recurso seja admitido, procedendo-se a exame preliminar.
5. No exame preliminar, o Relator considerou, que tendo o recurso sido interposto no prazo de 15 dias, aplicável aos recursos ordinários, deve o mesmo como tal prosseguir na Relação.
Colhidos os vistos em simultâneo, o processo foi presente à conferência para decisão.
6. A introdução do nº 3 do art. 445º do Código de Processo Penal, levada a efeito pela Lei nº 59/98, de 25 de Agosto, que, em conformidade com a jurisprudência do Tribunal Constitucional, retirou carácter obrigatório à jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça, permitindo, por conseguinte, aos tribunais de instância uma maior margem de iniciativa quanto ao eventual reexame da questão objecto de jurisprudência que tenha sido fixada no âmbito da função uniformizadora da aplicação da lei. Neste caso, porém, a lei impôs ao Ministério Público a obrigatoriedade do recurso, que seria sempre admissível (art. 446º nº 1 CPP), assim garantindo, através do reexame pelos tribunais superiores, o controle do respeito pela jurisprudência fixada.
Em face destes parâmetros, o Supremo Tribunal de Justiça tem seguido, de forma constante, o entendimento de que o recurso extraordinário de decisão contra jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça, regulado nos arts. 446.º e 448.º do Código de Processo Penal, só é admissível quando a decisão já não é susceptível de recurso ordinário, por só então se justificar a intervenção da mais alta instância (cfr. neste sentido, por todos o ac. de 21-06-2007 – proc. 2259/07-5). O recurso extraordinário por violação de jurisprudência, interposto para o Supremo Tribunal de Justiça, só o poderá ser depois de esgotadas as possibilidades de recurso ordinário, ou seja depois de ocorrido o trânsito em julgado da decisão. Assim se decidiu no ac. 9-10-2003, no proc. 3155/03-5, considerando que o recurso contra jurisprudência fixada deverá ser ordinário, sempre que seja admissível, só podendo ser utilizada a espécie de recurso extraordinário, quando a decisão recorrida for ordinariamente irrecorrível. Do mesmo modo se referiu no ac. de 12-07-2007 - proc. 2421/07-5, no qual o aqui relator foi adjunto, que “esse recurso, porém, não tem de (e não deve) ser interposto directamente para o Supremo Tribunal de Justiça, se tal decisão admitir recurso ordinário. É que, por essa via, pode obter-se a reafirmação da jurisprudência fixada, sem necessidade de convocar o pleno das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça.”
Já depois de interposto o presente recurso, foi publicada a Lei nº 48/2007, de 29 de Agosto, que, tendo alterado a redacção do nº 1 do art. 446º, veio agora prescrever que “é admissível recurso directo para o Supremo Tribunal de Justiça de qualquer decisão proferida contra jurisprudência por ele fixada, a interpor no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado da decisão recorrida …”.
Sem embargo de se considerar que a aplicação da lei nova só seria verdadeiramente plausível se a decisão recorrida ainda não tivesse sido proferida quando entraram em vigor as alterações ao Código de Processo Penal, atentemos na questão.
No caso de sucessão de leis no tempo, as normas de processo são de aplicação imediata, conforme a regra geral constante do art. 5º nº 1 Código de Processo Penal. Uma vez que o Ministério Público se dirigiu directamente ao Supremo Tribunal de Justiça, poder-se-ia, por isso, colocar a questão da aplicabilidade, aos presentes autos, da norma do art. 446º, na sua nova redacção e com o sentido que lhe atribui o Ministério Público, no seu douto parecer, no qual fazia já referência ao projecto de revisão do Código de Processo Penal: – o de que o recurso por violação de jurisprudência deve ser interposto directamente para o Supremo Tribunal de Justiça.
Com a alteração do texto legal, optou o legislador por alterar a jurisprudência segundo a qual era de exigir o esgotamento prévio dos recursos ordinários. Não obstante, Simas Santos e Leal Henriques continuam a sustentar que tal “não significa … que não possam, e a nosso ver não devam, ser interpostos previamente aqueles recursos, designadamente pelo Ministério Público, pelas razões invocadas pelo STJ”. Consideram estes autores que, “quando o legislador da revisão de 2007 quis que o recurso para o ST.J fosse obrigatório, disse-o expressamente, como é o caso do nº 2 do art. 432º, o que não acontece com o art. 446º”. (Recursos em Processo Penal, 6ª edição, pág. 196),
Tal entendimento merece a nosso concordância.
Na verdade, “nesta lógica de controlar a aplicação da jurisprudência fixada pelos Tribunais Superiores, através do recurso, não faz sentido o recurso directo da 1ª instância para o Supremo Tribunal de Justiça, antes de esgotada a possibilidade da 2ª Instância repor o ‘respeito’ pela jurisprudência fixada pelo STJ”, conforme defendem aqueles dois comentadores. Daí que, após a revisão do Código de Processo Penal, face a uma decisão que contrarie jurisprudência fixada, abrem-se duas vias ao Ministério Público, que continua a ter de interpor recurso obrigatoriamente: ou faz uso do recurso ordinário para o tribunal de categoria imediatamente superior, em regra a Relação, e no prazo de 20 dias previsto no art. 411º nº 1, ou interpõe recurso extraordinário directo para o Supremo Tribunal de Justiça, tendo, para tanto, de aguardar o trânsito em julgado da decisão, devendo interpor o recurso nos 30 dias seguintes (art. 446º nº 1)
No caso dos autos, porém, sempre será afastar a aplicação da regra geral relativa à sucessão da lei processual, fazendo, antes, intervir a excepção ao princípio geral que se encontra prevista no nº 2 do referido art. 5º. Por um lado porque seria lícito defender que a aplicação imediata da lei nova agrava a situação processual do arguido, ao impedi-lo de discutir a questão, como antes, em sede de recurso ordinário. Mas, especialmente, porque, a aplicação da lei nova conduziria a uma «quebra da harmonia e unidade dos vários actos do processo», o que, nos termos do art. 5º nº 2 do Código de Processo Penal, constitui também óbice à aplicação da lei processual penal aos processos iniciados anteriormente à sua vigência. Com efeito, embora o Ministério Público tenha interposto o recurso fazendo apelo ao disposto no art. 446º do Código de Processo Penal e tenha pretendido recorrer directamente para o Supremo Tribunal de Justiça, pois dirigiu a motivação a este Tribunal, apresentou o seu requerimento de recurso no prazo de 15 dias contados da notificação da decisão, e não nos 30 dias posteriores ao trânsito em julgado da decisão.
Afastada a aplicação da lei nova e uma vez que a jurisprudência ao tempo vigente considerava que não era admissível recurso directo para o Supremo enquanto não estivesse esgotada a possibilidade de recurso ordinário e porque o Ministério Público motivou o recurso no prazo então previsto para o recurso ordinário, deve ser corrigido o erro na forma do processo, considerando o presente recurso como ordinário, a tramitar perante o Tribunal da Relação de Lisboa, que é o tribunal material e territorialmente competente.
Termos em que acordam no Supremo Tribunal de Justiça em admitir o presente recurso como ordinário, porque foi interposto dentro do prazo legal, determinando a remessa dos autos ao Tribunal da Relação de Lisboa, por ser o competente.
Sem custas.
Lisboa, 8 de Novembro de 2007
Arménio Sottomayor (Relator)
Carmona da Mota
Abrantes dos Santos