ROUBO
AMEAÇA
VIOLÊNCIA
SEQUESTRO
CONCURSO DE INFRACÇÕES
CONCURSO APARENTE
SUBSIDIARIEDADE
BURLA INFORMÁTICA E NAS COMUNICAÇÕES
Sumário


I - O crime de roubo, p. e p. pelo art. 210.º do CP, é um crime complexivo, porque nele convergem elementos de índole patrimonial e eminentemente de natureza pessoal, consolidando-se a subtracção ou constrangimento à entrega através de uso de violência ou ameaça de perigo iminente para a vida ou integridade física, relativamente à pessoa da vítima, colocando esta na impossibilidade de resistir, que imprimem, por isso, um plus agravativo à apropriação.

II - O crime de roubo pode, em vista da sua consumação, comportar, enquanto elemento típico da sua realização, uma limitação da liberdade de movimento para a vítima – bem jurídico que se tutela no crime de sequestro (art. 158.º do CP) –, ou seja, a capacidade de cada um se fixar ou deslocar livremente num espaço físico, substanciada no direito a não ser aprisionado, encarcerado, confinado a certo espaço físico não querido, que há-de perdurar por certo tempo, não podendo cingir-se a uma tão diminuta duração que deixe praticamente intacta aquela liberdade.

III -No crime de roubo, o âmbito da limitação à liberdade ambulatória pode trazer problemas de concurso – aparente ou real – entre o sequestro e o roubo.

IV -Este STJ, com geral uniformidade, firmou jurisprudência no sentido de que, sempre que a duração da privação de liberdade individual não exceda o que é necessário para a consumação do roubo, é de arredar o concurso real de infracções, reconduzindo a pluralidade à unidade sempre que tal privação se apresente como essencial (crime-meio) para alcance do fim (crime-fim), sendo o sequestro consumido pelo roubo, por via de uma relação de subsidiariedade – cf. Ac. de 16-11-2006, Proc. n.º 2546/06 - 5.ª, e Comentário Conimbricense do Código Penal, I, págs. 415-416.

V - Sempre que tal privação se englobe num desígnio de roubo, apresentando-se proporcionada e necessária a limitação, a conduta do agente actualiza somente um crime de roubo.

VI -Resultando da matéria de facto assente que os arguidos, através de constrangimento e ameaça com objecto que o ofendido pensou ser uma arma de fogo, lograram retirar a este € 30 e 2 cartões de débito e respectivos códigos, obrigando-o, sob ameaça de morte, a conduzir o seu veículo até, pelo menos, 7 postos Multibanco, mais do que privar da liberdade o ofendido, os arguidos, ao apoderarem-se dos cartões de crédito, agiram na esperança de lograrem obter dinheiro da conta da vítima, levando-a a seguir um percurso, tentando as caixas Multibanco, em obediência àquela resolução criminosa de, pela via da violência, da ameaça e do constrangimento, se apoderarem de dinheiro que lhes não pertencia, pelo que essa privação, grave, de liberdade surge como meio de alcançarem a subtracção e não autonomizada dela, antes com ela se fundindo.

VII - O crime de sequestro, p. e p. pelo art. 158.º do CP, destina-se à protecção do bem jurídico liberdade de locomoção ou liberdade ambulatória. Trata-se de um crime de execução permanente, continuada, que se inicia com a privação da liberdade ambulatória e só cessa quando o ofendido alcança a liberdade de que foi privado.

VIII - Este ilícito entra numa relação de concurso efectivo, real, com o crime de roubo quando a privação daquela liberdade se prolonga para além da medida do necessário à consumação do roubo, ganhando, neste caso, autonomia incriminatória, sustentada já por um outro desígnio criminoso, preenchendo um distinto tipo de violação de valores jurídicos.

IX - O crime de burla informática é um delito contra o património; só secundariamente visa proteger o correcto funcionamento e a inviolabilidade dos sistemas informáticos com aptidão para o desempenho das funções em vista da satisfação do utente.

X - Distingue-se do crime de burla em geral porque, sendo ambos de resultado, exigindo-se prejuízo, se trata de um crime de execução vinculada patrimonial; enquanto aquele crime pode ser praticado por qualquer meio de erro ou engano sobre os factos que o agente astuciosamente provocou, o crime de burla informática tem que ser cometido por um qualquer dos meios indicados no art. 224.º: interferência no resultado de tratamento de dados de programa informático, estruturação incorrecta do programa informático, utilização incorrecta ou incompleta de dados informáticos, utilização de dados informáticos sem autorização de quem de direito, ou intervenção de qualquer modo no processamento de dados informáticos.

XI - O crime de burla informática não deixa de ser uma burla (como o é a de seguros, para obtenção de alimentos, bebidas ou serviços, ou, ainda, de trabalho ou emprego): não prescinde de um expediente enganoso, tendente a viciar a vontade de alguém em vista da produção de prejuízo pela forma descrita nas várias alíneas do descritivo típico.

XII - Na situação dos autos, em que se desenvolve uma tentativa infrene de levantamentos nas várias caixas Multibanco, não através de um qualquer processo astucioso, urdido fraudulentamente, propício e causalmente condicionante da utilização dos cartões de débito, mas de uma obtenção forçada junto do seu titular, mediante o uso de ameaça, inserindo-se num projecto de apropriação pela violência, ameaça e constrangimento, criando a susceptibilidade de risco de prejuízo patrimonial, após aquela entrega, não se mostram tipificados os elementos do crime de burla informática.

XIII - Aqui, a posterior utilização dos cartões é o encerramento da moldura própria do crime de roubo, que não agrega a si qualquer elemento da burla em geral.

Texto Integral

Acordam em audiência na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça :

Em processo com intervenção do Tribunal Colectivo do Círculo Judicial de Aveiro , no P.º n.º 1637/06 .OPBAVR , foram submetidos a julgamento :

- AA

- BB,

vindo , a final a condenar-se :

O arguida AA pela prática, em autoria material, de dois crimes de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos arts. 143º nº 1 e 146º nºs 1 e 2, por referência ao art. 132º nº 2 g), do C. Penal, cada um deles na pena de 2 (dois) anos e 3 (três) meses de prisão;

- pela prática, em co-autoria material, de dois crimes de roubo, p. e p. pelo art. 210º nº 1 do C. Penal, cada um deles na pena de 2 (dois) anos de prisão;

-pela prática, em co-autoria material, de dois crimes de sequestro, p. e p. pelo art. 158º nº 1 do C. Penal, um deles na pena de 9 (nove) meses de prisão e o outro na pena de 1 (um) ano e 3 (três) meses de prisão;

- pela prática, em co-autoria material, de um crime de burla informática na forma tentada, p. e p. pelo art. 221º nºs 1 e 3, por referência aos arts. 22º, 23º e 73º, todos do C. Penal, na pena de 7 (sete) meses de prisão;

Em cúmulo jurídico, na pena única de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão;

Foi , ainda , condenada a arguida AA a pagar ao demandante Hospital Infante D. Pedro a quantia de € 106,00 (cento e seis euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4% ao ano, a contar de 17-04-2007, até integral pagamento;

O arguido BB pela prática, em co-autoria material, de dois crimes de roubo, p. e p. pelo art. 210º nº 1 do C. Penal, cada um deles na pena de 2 (dois) anos de prisão;

- pela prática, em co-autoria material, de dois crimes de sequestro, p. e p. pelo art. 158º nº 1 do C. Penal, um deles na pena de 9 (nove) meses de prisão e o outro na pena de 1 (um) ano e 3 (três) meses de prisão;

- pela prática, em co-autoria material, de um crime de burla informática na forma tentada, p. e p. pelo art. 221º nºs 1 e 3, por referência aos arts. 22º, 23º nº 2 e 73º, todos do C. Penal, na pena de 7 (sete) meses de prisão;

O arguido BB, em cúmulo jurídico, na pena única de 4 (quatro) anos de prisão;

O arguido BB , inconformado com o teor do decidido , interpõs recurso directamente para este STJ , a discordar , em parte , da qualificação jurídico-penal dos factos , por que foi condenado , e assim porque :

Nunca o arguido pretendeu coarctar a liberdade individual dos ofendidos , pois a sua intenção era a de obter uma vantagem patrimonial através da deslocação ao Multibanco pelo tempo estritamente necessário à obtenção do resultado , enquadrando-se a limitação de liberdade já subsumida no tipo legal de roubo

Não cometeu os crimes de sequestro .

E quanto ao crime de burla informática tentada também ele se não verifica , pois os seus elementos estão abrangidos no tipo legal de roubo se é existem mesmo .

O arguido é toxicodependente estado que tem vindo a ser considerado atenuante não tendo sido devidamente valorado , nem considerados os factos na sua globalidade , pelo que deve ser absolvido e reformulado o cúmulo .

O Exm.º Magistrado do M.º P.º em 1.ª instância teve por acertada a decisão recorrida , salvo no que concerne à condenação por crime tentado de burla informática .

A Exm.ª Procuradora Geral –adjunta neste STJ apõs o seu visto nos autos .

Da discussão da causa, resultaram provados os factos seguintes:

1) No dia 05 de Agosto de 2006, pelas 23.00 horas, os ofendidos CC e DD (id. a fls. 188 e 247), encontraram-se na localidade de Macinhata do Vouga, concelho de Águeda, e dirigiram-se à cidade de Aveiro na viatura do primeiro, de marca Opel Corsa e de cor cinzenta.

Quando chegaram a Aveiro, dirigiram-se ao Largo do Rossio, onde verificaram que a arguida AA se encontrava junto a uma palmeira ao fundo da Rua João Afonso, pelo que o CC parou o referido veículo e o DD perguntou à mesma quanto levava por fazer sexo, ao que aquela respondeu que levava € 20,00.

Perante isso, o mesmo perguntou àquela se era pelos dois ou por um, mas a arguida AA respondeu que era por cada um. De seguida, o DD perguntou-lhe se não fazia por menos, o que a arguida AA não aceitou e logo de imediato deu um murro no queixo do DD.

Após, o CC arrancou com o veículo, deu a volta à Rotunda e estacionou no mesmo local. Depois, os dois saíram do veículo e foram falar com a arguida AA com vista a saberem o porquê daquela agressão. Nesse momento, esta encontrava-se sentada no muro da Ria na companhia do arguido BB.

Quando chegaram junto daqueles, o ofendido CC dirigiu-se à arguida AA, enquanto o DDficou a falar com o arguido BB. Nesta altura, o CC referiu que aquilo não se fazia e que o que ela merecia era ser mandada à Ria.

Nesse momento, a arguida AA empunhou uma navalha e espetou a mesma no abdómen do ofendido CC. Este quando se apercebeu que tinha sangue desatou a correr em direcção ao centro da cidade de Aveiro.

Entretanto, o ofendido DD dirigiu-se à arguida AA a quem perguntou se achava bem o que lhe tinha feito antes (o murro no queixo). Nesta altura, a arguida AA deu-lhe uma cabeçada na face e de seguida tentou espetar-lhe a navalha no abdómen e desferiu-lhe um golpe junto ao pescoço com a referida navalha. Após, o ofendido DD fugiu em direcção ao café “Gato Preto”, a fim de pedir socorro, tendo os arguidos AA e BB abandonado o local.

Em consequência directa e necessária das condutas descritas, o ofendido CC sofreu ferida corto perfurante no abdómen, a qual determinou um período de doença de 14 (quatorze) dias, com afectação para a capacidade de trabalho geral e profissional.

Em consequência directa e necessária das mesmas condutas, o ofendido DD sofreu feridas perfurantes na região supraclavicular esquerda e na região lombar esquerda, as quais determinaram um período de doença de 30 (trinta) dias, sendo 25 (vinte e cinco) dias com incapacidade para o trabalho geral e profissional.

2) No dia 02 de Setembro de 2006, pelas 05.30 horas, quando o ofendido EE (id. a fls. 53) se deslocava no seu veículo ligeiro de passageiros de marca Hyundai Target, de cor cinzenta, com a matricula 79-...-51, na Avenida Lourenço Peixinho, em frente ao Banco de Portugal, nesta cidade de Aveiro, os arguidos AA e BB, seguindo plano previamente delineado entre ambos, atravessaram-se à frente do veículo, obrigando o condutor a imobilizá-lo.

De seguida, o arguido BB dirigiu-se para o lado do condutor e ameaçou o EE dizendo que o agredia se não lhes desse o dinheiro ou a carteira que trazia consigo, ao mesmo tempo que abria a porta. Nesta altura a arguida AA entrou pela porta da frente lado direito e sentou-se no banco do passageiro.

O ofendido CC sentindo-se intimidado com estas ameaças, em inferioridade numérica e temendo pela sua integridade física não ofereceu qualquer resistência.

Após, a arguida AA pegou na carteira do ofendido CC, que se encontrava junto à alavanca de velocidades do veículo, de onde retirou € 35,00 em notas (três de € 10,00 e uma de € 5,00). Entretanto, o arguido BB abriu a porta traseira do lado esquerdo e sentou-se no meio do banco.

Entretanto, a arguida AA exigiu mais dinheiro ao ofendido CC, ao que este respondeu que só conseguia arranjar mais no Multibanco. Então, os arguidos AA e BB ordenaram ao ofendido CC que se dirigisse à caixa de Multibanco mais próximo.

Perante isso, o mesmo inverteu o sentido de marcha do seu veículo e parou em frente ao Banco BANIF. Os três saíram do veículo e dirigiram-se para o interior (Chave 24) do Banco Montepio Geral, não tendo conseguido efectuar qualquer levantamento, uma vez que a máquina se encontrava fora de serviço.

De seguida, dirigiram-se todos para a caixa exterior do referido banco. Quando o ofendido CC se preparava para colocar o cartão de Multibanco referente à conta bancária n° ...-4 do Banco Montepio Geral, de que o mesmo é titular, na respectiva caixa, a arguida AA tirou o blusão de ganga que trazia vestido e embrulhou-o na mão direita onde tinha um objecto não identificado, que o ofendido CC julgou ser arma de fogo, encostando-o às costas deste.

Após, o ofendido CC efectuou dois levantamentos, um de € 20,00 e outro de € 40,00. Quando se preparava para efectuar o terceiro levantamento, a arguida AA carregou na tecla de € 100,00, quantia que também foi levantada.

Após terem na sua posse as referidas quantias em dinheiro, os arguidos AA e BB fugiram para as traseiras dos “Armazéns de Aveiro”, levando as mesmas consigo e dividindo-as entre si.

3) No dia 04 de Setembro de 2006, pelas 03.15 horas, na estrada paralela à Avenida da Universidade, nesta cidade de Aveiro, quando o ofendido FF(id. a fls. 3) saía do Hospital Infante D. Pedro, foi abordado pelo arguido BB, que trazia um barrete preto na cabeça, tendo-lhe este apontado e encostado às costas um objecto metálico, que aquele julgou ser uma arma, ordenando-lhe ao mesmo tempo que entrasse no interior da sua viatura de marca RENAULT ESPACE, com a matrícula 11-99..., de cor verde, dizendo-lhe “Porta-te bem, fazes tudo o quer te mando e nada de mal te acontece !”.

Nesta altura, a arguida AA sentou-se ao lado do ofendido FF, no banco de passageiro da frente, transportando na sua mala um objecto metálico, enquanto o arguido BB se sentou no banco traseiro do lado esquerdo.

Após, os arguidos AA e BB revistaram a viatura e retiraram do seu interior os seguintes objectos:

- 1 (uma) máquina fotográfica digital, de cor cinzenta;

- 1 (um) leitor de CD’s portátil;

- 1 (uma) pistola de alarme de 8mm KN;

- e da carteira pessoal do ofendido FF retiraram a quantia de € 30,00 em notas.

Após, a arguida AA exigiu ao mesmo a quantia de € 200,00, ao mesmo tempo que o arguido BB dizia que acabava com ele.

Mediante essas ameaças, os arguidos AA e BB obrigaram o ofendido FF a pôr a referida viatura a trabalhar e a conduzir a mesma em direcção a Verdemilho.

Durante o percurso, a arguida AA retirou do interior da carteira daquele 2 (dois) cartões de Multibanco (débito), emitidos em nome do mesmo, um do Banco Millennium e outro da Caixa Geral de Depósitos, ao mesmo tempo que lhe exigia em tom ameaçador os códigos do mesmos. Perante isso, o ofendido FF deu à arguida AA o mesmo código para os dois cartões.

Quando chegaram a Verdemilho, o ofendido FF parou o veículo em frente à caixa de Multibanco que fica junto aos semáforos. A arguida AA saiu da viatura e dirigiu-se referida Caixa de Multibanco para levantar dinheiro, mas não o conseguiu uma vez que a máquina se encontrava fora de serviço.

De seguida, a arguida AA obrigou o ofendido FF a conduzir a referida viatura em direcção às piscinas do “Carocho”, em Verdemilho, onde aquela tentou novamente efectuar levantamentos nas duas caixas de Multibanco ali existentes, não o tendo conseguido porque as mesmas também estavam fora de serviço.

Após, seguiram em direcção à Quinta do Picado, Ílhavo e Gafanhas, parando sempre nas diversas Caixas de Multibanco que surgiam pelo caminho.

Quando seguiam no IP5, os arguidos AA e BB obrigaram o ofendido FF a parar a sua viatura nas Bombas de Combustíveis Galp. Chegados aí, a arguida AA deslocou-se ao interior da Loja de Conveniência ali existente para tentar levantar dinheiro, não o tendo conseguido.

Após, dirigiram-se novamente a Aveiro, onde pararam em todas as caixas de Multibanco existentes no centro da cidade.

No Bairro do Liceu, o ofendido FF parou a sua viatura junto ao Banco Millennium - BCP. A arguida AA saiu da referida viatura e dirigiu-se à Caixa de Multibanco ali existente, tendo o arguido BB e o ofendido CC permanecido no veículo.

Aproveitando uma distracção do arguido BB, o ofendido FF retirou a chave da ignição do veículo, abriu a porta do condutor do mesmo e saltou para o exterior, gritando por socorro e pedindo ajuda a dois funcionários da SUMA, que se encontravam nas imediações a varrer a via pública.

Após, os arguidos AA e BB abandonaram o local levando os referidos objectos consigo.

4) Ao agredir os ofendidos CC e DD daquela forma, a arguida AA sabia que a navalha era um instrumento cortante perigoso e que lhe causava lesões físicas, o que quis concretizar.

Os arguidos AA e BB agiram voluntária, livre e conscientemente, em comunhão de esforços e intentos, por forma a privarem os ofendidos CC e FF da sua liberdade ambulatória, como pretendiam, bem sabendo que o dinheiro e os objectos descritos não lhes pertenciam e que agiam contra a vontade e em prejuízo do seu donos.

Quiseram apoderar-se das quantias em dinheiro e objectos, mediante ameaças de agressão física e com a utilização de objectos que os ofendido recearam serem armas brancas e de fogo, com intenção de os fazerem seus, como efectivamente fizeram.

Também sabiam não lhes serem permitidas as suas condutas.

5) No dia 26 de Outubro de 2005, cerca das 21.30 horas, na Avenida Artur Ravara, nesta cidade de Aveiro, uma mulher não identificada, acompanhada de um indivíduo também não identificado, abeirou-se de GG (id. a fls. 3 dos autos apensos), que ali seguia apeada na companhia da testemunha HH, e agarrando-a pelo pescoço disse-lhe “passa para cá o telemóvel !”.

Tendo a ofendida GG demorado uns instantes a entregar-lhe o telemóvel, a referida mulher desferiu um empurrão na GG, fazendo com que esta caísse ao chão.

Encontrando-se a ofendida GG caída, aquela retirou-lhe o telemóvel, marca Sharp, modelo GX-20, no valor de cerca de € 100,00.

Acto seguido, a mesma mulher dirigindo-se à ofendida GG e proferiu as seguintes expressões: “cabra, vaca, puta”, dizendo que que “a espetava”, enquanto lhe exigia a entrega da carteira que trazia a tiracolo.

A ofendida GG, atenta a atitude agressiva daquela, ficou com medo, pelo que lhe entregou, de imediato, a carteira, que continha no seu interior cerca de € 10,00 em moedas.

Na posse do telemóvel e carteira, a dita mulher abandonou o local, fazendo seus os objectos e dinheiro.

Em consequência da agressão, sofreu a ofendida GG, dores físicas e as lesões descritas nos autos (a fls. 11 do apenso, que aqui se dão por reproduzidas).

6) Em consequência da agressão perpetrada pela arguida AA, o ofendido CC o foi assistido no Serviço de Urgência do Hospital Infante D. Pedro, em Aveiro, tendo os encargos com essa assistência importado em € 106,00.

7) Na altura dos factos a arguida AA dedicava-se à prostituição, tendo trabalhado antes num bar, como empregada, no que auferia cerca de € 20,00 por noite.

Viveu em casa de um irmão e cunhada, que contribuíam para o seu sustento. A arguida AA era consumidora de heroína e cocaína há vários anos.

A mesma é oriunda da uma família disfuncional e que tem passado por dificuldades de integração social, tendo o pai falecido há cerca de quinze anos.

Tem dois filhos, respectivamente de 3 e 12 anos de idade, os quais vivem com a sua mãe. Concluiu a 4ª classe.

8) O arguido BB esteve preso cinco anos e seis meses e saiu em liberdade em Fevereiro de 2006, tendo estado desempregado até ser preso preventivamente à ordem destes autos. No passado trabalhou como electricista.

Durante esse período em que esteve em liberdade consumia heroína e cocaína. Nessa altura era apoiado pela Cáritas e viviam com um colega, numa casa abandonada.

O mesmo é órfão de pais desde os seus 20 anos de idade, tendo vindo para o continente (é natural do Funchal) há já vários anos, pretendendo agora regressar à Madeira.

Tem um filho de 20 anos de idade. Concluiu a 4ª classe e está agora a frequentar o 6º ano de escolaridade no Estabelecimento Prisional.

9) A arguida AA foi condenada pelos crimes e nas penas seguintes:

- em 31-05-1999, por crime de ofensa à integridade física simples, na pena de 90 dias de multa, à taxa diária de 1.000$00;

- em 04-01-2002, igualmente por crime de ofensa à integridade física simples, na pena de 3 meses de prisão, suspensa por 2 anos;

- em 28-10-2005, por crime de resistência e coacção sobre funcionário, na pena de 10 meses de prisão, suspensa por 3 anos, e

- em 07-02-2006, por crime de furto qualificado, na pena de 2 anos de prisão, suspensa por 3 anos.

10) O arguido BB foi condenado pelos crimes e nas penas seguintes:

- em 14-05-2001, por crime de detenção de estupefacientes, com dispensa de pena;

- em 15-10-2001, por crime de furto tentado, na pena de 90 dias de multa, à taxa diária de 800$00;

- em 08-05-2002, por crime de tráfico de estupefacientes, na pena de 4 anos e 6 meses de prisão, e

- em 10-10-2002, por crime de furto, na pena de 150 dias de multa, à taxa diária de € 4,00.

O crime de roubo , previsto no art.º 210.º , do CP , é complexivo , porque nele convergem elementos de índole patrimonial e eminentemente de natureza pessoal , consolidando-se a subtracção ou constrangimento à entrega através de uso de violência ou ameaça de perigo iminente para a vida ou integridade física , relativamente à pessoa da vítima pondo a vítima na impossibilidade de resistir , que imprimem , por isso , um “ plus “ agravativo à apropriação .

O crime de roubo pode , em vista da sua consumação , comportar uma limitação da liberdade de movimento para a vítima , enquanto elemento típico da sua realização , sendo aquele o bem jurídico que se tutela no crime de sequestro ( art.º 158.º, do CP) ou seja a capacidade de cada um se fixar ou deslocar livremente num espaço físico , substanciada no direito a não ser aprisionado , encarcerado , confinado a certo espaço físico não querido , que há-de perdurar por certo tempo , não podendo cingir-se a uma tão diminuta duração que deixe praticamente intacta aquela liberdade .

No crime de roubo o âmbito da limitação à liberdade ambulatória pode trazer problemas de concurso entre o sequestro e o roubo , no estabelecimento de uma relação concurso aparente ou real .

Este STJ , com geral uniformidade , firmou jurisprudência no sentido de que sempre que a duração da privação de liberdade individual não exceda o que é necessário para a consumação do roubo é de arredar o concurso real de infracções , reconduzindo a pluralidade à unidade sempre que tal privação se apresente como essencial , meio ( crime –meio ) para alcance do fim ( crime –fim) , sendo o sequestro consumido pelo roubo , por via de uma relação de subsidariedade –cfr. Ac. de 16.11.2006 , P.º n.º 2546/06 -5.ª Sec. e Comentário Conimbricense ao Código Penal , I , 415/416 .

Sempre que tal privação se englobe num desígnio de roubo , apresentando-se proporcionada e necessária a limitação , a conduta do agente actualiza somente um crime de roubo .

Os arguidos CC e AA em obediência a um projecto comum concertado de despojarem pela violência o ofendido EE (id. a fls. 53) que se deslocava , no dia 2.9.2006 , pelas 5h30m , no seu veículo ligeiro de passageiros de marca Hyundai Target, de cor cinzenta, com a matricula 79-...-51, por uma das ruas da cidade de Aveitro , atravessaram-se à frente do veículo obrigando o condutor a imobilizá-lo.

De seguida, o arguido BB dirigiu-se para o lado do condutor e ameaçou o EEdizendo que o agredia se não lhes desse o dinheiro ou a carteira que trazia consigo, ao mesmo tempo que abria a porta.

Nesta altura a arguida AA entrou pela porta da frente lado direito e sentou-se no banco do passageiro.

O ofendido CC sentindo-se intimidado com estas ameaças, em inferioridade numérica e temendo pela sua integridade física não ofereceu qualquer resistência.

A arguida AA pegou na carteira do ofendido CC, que se encontrava junto à alavanca de velocidades do veículo, de onde retirou € 35,00 em notas (três de € 10,00 e uma de € 5,00). Entretanto, o arguido BB abriu a porta traseira do lado esquerdo e sentou-se no meio do banco.

Entretanto, a arguida AA exigiu mais dinheiro ao ofendido CC, ao que este respondeu que só conseguia arranjar mais no Multibanco.

Então, os arguidos AA e BB ordenaram ao ofendido CC que se dirigisse à caixa de Multibanco mais próximo.

Perante isso, o mesmo inverteu o sentido de marcha do seu veículo e parou em frente ao Banco BANIF. Os três saíram do veículo e dirigiram-se para o interior (Chave 24) do Banco Montepio Geral, não tendo conseguido efectuar qualquer levantamento, uma vez que a máquina se encontrava fora de serviço.

De seguida, dirigiram-se todos para a caixa exterior do referido banco.

Quando o ofendido CC se preparava para colocar o cartão de Multibanco referente à conta bancária n° ...-4 do Banco Montepio Geral, de que o mesmo é titular, na respectiva caixa, a arguida AA tirou o blusão de ganga que trazia vestido e embrulhou-o na mão direita onde tinha um objecto não identificado, que o ofendido CC julgou ser arma de fogo, encostando-o às costas deste.

Após, o ofendido CC efectuou dois levantamentos, um de € 20,00 e outro de € 40,00. Quando se preparava para efectuar o terceiro levantamento, a arguida AA carregou na tecla de € 100,00, quantia que também foi levantada.

Após terem na sua posse as referidas quantias em dinheiro, os arguidos AA e BB fugiram para as traseiras dos “Armazéns de Aveiro”, levando as mesmas consigo e dividindo-as entre si.

No dia 04 de Setembro de 2006, pelas 03.15 horas, na estrada paralela à Avenida da Universidade, nesta cidade de Aveiro, quando o ofendido FF(id. a fls. 3) saía do Hospital Infante D. Pedro, foi abordado pelo arguido BB, que trazia um barrete preto na cabeça, tendo-lhe este apontado e encostado às costas um objecto metálico, que aquele julgou ser uma arma, ordenando-lhe ao mesmo tempo que entrasse no interior da sua viatura de marca RENAULT ESPACE, com a matrícula 11-99..., de cor verde, dizendo-lhe “Porta-te bem, fazes tudo o quer te mando e nada de mal te acontece !”.

Nesta altura, a arguida AA sentou-se ao lado do ofendido FF, no banco de passageiro da frente, transportando na sua mala um objecto metálico, enquanto o arguido BB se sentou no banco traseiro do lado esquerdo.

Após, os arguidos AA e BB revistaram a viatura e retiraram do seu interior os seguintes objectos:

- 1 (uma) máquina fotográfica digital, de cor cinzenta;

- 1 (um) leitor de CD’s portátil;

- 1 (uma) pistola de alarme de 8mm KN;

- e da carteira pessoal do ofendido FF retiraram a quantia de € 30,00 em notas.

Após, a arguida AA exigiu ao mesmo a quantia de € 200,00, ao mesmo tempo que o arguido BB dizia que acabava com ele.

Mediante essas ameaças, os arguidos AA e BB obrigaram o ofendido FF a pôr a referida viatura a trabalhar e a conduzir a mesma em direcção a Verdemilho.

Durante o percurso, a arguida AA retirou do interior da carteira daquele 2 (dois) cartões de Multibanco (débito), emitidos em nome do mesmo, um do Banco Millennium e outro da Caixa Geral de Depósitos, ao mesmo tempo que lhe exigia em tom ameaçador os códigos do mesmos. Perante isso, o ofendido FF deu à arguida AA o mesmo código para os dois cartões.

Quando chegaram a Verdemilho, o ofendido FF parou o veículo em frente à caixa de Multibanco que fica junto aos semáforos. A arguida AA saiu da viatura e dirigiu-se referida Caixa de Multibanco para levantar dinheiro, mas não o conseguiu uma vez que a máquina se encontrava fora de serviço.

De seguida, a arguida AA obrigou o ofendido FF a conduzir a referida viatura em direcção às piscinas do “Carocho”, em Verdemilho, onde aquela tentou novamente efectuar levantamentos nas duas caixas de Multibanco ali existentes, não o tendo conseguido porque as mesmas também estavam fora de serviço.

Após, seguiram em direcção à Quinta do Picado, Ílhavo e Gafanhas, parando sempre nas diversas Caixas de Multibanco que surgiam pelo caminho.

Quando seguiam no IP5, os arguidos AA e BB obrigaram o ofendido FF a parar a sua viatura nas Bombas de Combustíveis Galp. Chegados aí, a arguida AA deslocou-se ao interior da Loja de Conveniência ali existente para tentar levantar dinheiro, não o tendo conseguido.

Após, dirigiram-se novamente a Aveiro, onde pararam em todas as caixas de Multibanco existentes no centro da cidade.

No Bairro do Liceu, o ofendido FF parou a sua viatura junto ao Banco Millennium - BCP. A arguida AA saiu da referida viatura e dirigiu-se à Caixa de Multibanco ali existente, tendo o arguido BB e o ofendido CC permanecido no veículo.

Aproveitando uma distracção do arguido BB, o ofendido FF retirou a chave da ignição do veículo, abriu a porta do condutor do mesmo e saltou para o exterior, gritando por socorro e pedindo ajuda a dois funcionários da SUMA, que se encontravam nas imediações a varrer a via pública .

Os factos apurados pelo Colectivo , denotando uma firme , pertinaz e perdurante temporalmente vontade criminosa de lograrem obter dinheiro pertença das suas vítimas , através de violência , da ameaça com arma supostamente de fogo pela vítima e do temor que os co- arguidos CC e AA lhe inspiraram , forçaram-no , depois da subtracção de dinheiro da sua carteira , havido por insuficiente , a deslocar-se na sua viatura , onde abusivamente ambos se intrometeram , à caixa de Multibanco mais próxima , ou seja ao Montepio Geral , levantando o ofendido de uma vez 20 e de outra 40 € e a AA, contra a vontade da vítima , 100 € , depois de uma tentativa infrutífera numa caixa interior daquele Banco .

Consumada a apropriação fugiram do local para as traseiras dos Armazéns de Aveiro , dividindo o dinheiro entre si .

Com idêntico propósito comum e na obediência uma estratégia próxima da anterior com relação ao CC , o arguido CC , munido com um barrete preto na cabeça e de um objecto metálico encostado às costas do ofendido FF , que supôs ser uma arma , ordenou que entrasse no veículo respectivo , onde aquele e a co-arguida AA se introduziram , e após revista apoderaram-se objectos e de dinheiro -30 € -, reputado insuficiente pela arguida AA , após o que esta , ameaçando-o de morte , obrigou-o a põr em movimento a sua ( do FF ) viatura .

Mediante ameaças de ambos o ofendido foi constrangido a conduzir o veículo em direcção a Verdemilho , retirando-lhe , durante o percurso , a AA dois cartões de débito , um da CGD e outro do Millenium , ao mesmo tempo que lhe exigia em tom ameaçador os respectivos códigos .

Chegados a Verdemilho a arguida AA dirigiu-se à caixa de Multibanco ,perto dos semáforos mas não o conseguiu por estar fora de serviço , e depois rumando em direcção às piscinas do “ Carocho “ na mesma localidade , novamente tentou a arguida em duas caixas Multibanco , mas sem conseguir levantamento por estarem fora de serviço , depois seguindo em direcção à Quinta do Picado , Ílhavo-Gafanhas , parando em todas as caixas de Multibanco na mira de levantamento .

No IP5 pararam a viatura junto das bombas da GALP tentando a AA na caixa da Loja de Conveniência levantar dinheiro , mas sem o conseguir , depois dirigiram-se a Aveiro e pararam em todas as caixas no centro de Aveiro , mas não conseguiram levantar dinheiro .

No Bairro do Liceu a arguida tentou levantar dinheiro na caixa do Millenium –BCP , mas aproveitando a distracção do arguido BB o ofendido acabaria por fugir dos arguidos.

Mais do que privar da liberdade o FF , os arguidos , ao apoderarem-se dos cartões de crédito , agiram na esperança de lograrem obter dinheiro da conta da vítima , levando- o a seguir o percurso supradescrito , tentando as caixas de Multibanco , tudo , parece-nos , em obediência àquela resolução criminosa de , pela via da violência , da ameaça e constrangimento , se apoderarem de dinheiro que lhes não pertencia , pelo que essa privação , grave , de liberdade surge como meio de alcançarem a subtracção e não autonomizada dela , antes com ela se fundindo .

O crime de sequestro , p . e p . pelo art.º 158.º , do CP , destina-se à protecção do bem jurídico liberdade de locomoção ou liberdade ambulatória , a liberdade física de uma pessoa se deslocar para outro local . Trata-se de um crime de execução permanente , continuada , que se inicia com a privação da liberdade ambulatória e só cessa quando o ofendido alcance a liberdade de que foi privado.

Esse crime pode concorrer com o crime complexo de roubo , sendo esse concurso aparente , por uma relação de subsidariedade , sempre que a duração da privação da liberdade não ultrapasse a medida naturalmente associada à consumação do roubo ; pelo contrário esse concurso é efectivo , real , quando se prolongue para além dessa medida , do necessário à consumação do roubo , ou seja sempre que a extensão da privação se prolongue para além do necessário ao roubo , seja excrecente , ganhando autonomia incriminatória , sustentado já por um outro desígnio criminoso , preenchendo um distinto tipo de violação de valores jurídicos , hipótese que se não considera abrangida pela incriminação do crime de roubo .

Estas considerações resumem os ensinamentos , incontornados , sempre seguidos pela jurisprudência deste STJ e que , por isso mesmo , merecem mais uma vez reiteração , de que se destacam , entre outros , os seus Acs. de 14.3.2002 , in CJ , STJ , Ano X, I , 227 , de 3.5.2000 , P.º n.º 155/00 , de 22.4.2002 , CJ , Ano XVII , II , 19 , de 20.1.94 , P.º n.º 44407 , de 2.7.98 , P:º n.º 505/98 , de 1.4.92 , P.º n.º 42583 , de 14.5.97 , CJ , STJ , II , 205 , de 8.10.97 , P.º n.º 560/97 e 14.1.93 , P.º n.º 43125 e da Rel. Coimbra , de 14.12.83 , CJ , IX , I , 59 , de 22.10.86 , CJ , XI , V, 110 , BMJ 360 -666 .

No Ac. supracitado de 3.5.2000 retrata-se uma situação muito próxima da dos presentes autos em que a ofendida foi obrigada a acompanhar o arguido por vários locais , no seu veículo , para levantamentos de dinheiro com cartões Multibanco , na obediência a um desígnio criminoso de apropriação , cortado quando cessou a série de apropriações , caso de concurso aparente de infracções , funcionando a privação de liberdade como crime –meio , consumido pelo crime –fim .

Por isso apesar de perdurante espácio-temporalmente a privação de liberdade apresenta-se como pano de fundo dentro do qual se realiza o desígnio criminoso , sem o qual este não assumiria a gravidade de que se revestiu , mas sem virtualidade para a incriminação autónoma por crime de sequestro , sem embargo da gravidade de que se reveste , interferente na intensidade do dolo , no grau de ilicitude e , desde logo , nas necessidades de prevenção especial , não se subscrevendo a condenação por crime de sequestro .

Quanto ao crime tentado de burla informática :

Prevê o art.º 221.º do CP , redacção do CP de 82 , que :

“ 1 . Quem , com intenção de obter para si ou para terceiro enriquecimento ilegítimo , causar a outra pessoa prejuízo patrimonial , interferindo no resultado de tratamento de dados ou mediante estruturação incorrecta de programa informático , utilização incorrecta ou incompleta de dados sem autorização ou intervenção por qualquer outro modo não autorizada no processamento , é punido com prisão até 3 anos ou pena de multa .

2. A tentativa é punível .

3 (…) .

4 (…) .

a) (…)

b) (…)

5.(…) .

Os elementos da tipicidade e a pena não divergem na redacção introduzida pela 23.ª alteração ao CP , pela Lei n.º 59/07 , de 4/9 , apenas lhe introduzindo um novo n.º 2 , uma redacção inovadora ao n.º 5 , correspondendo o n.º 6 ao n.º 5 anterior .

O tipo legal em apreço –resultante de um fenómeno recente de neo-criminalização - é , até ponderada a sua inserção sistemática , um delito contra o património , só secundariamente com ele se visando proteger o correcto funcionamento e a inviolabilidade dos sistemas informáticos com aptidão para o desempenho das funções em vista da satisfação do utente .

Distingue-se do crime de burla em geral , porque , sendo ambos de resultado , exigindo-se prejuízo se trata de um crime de execução vinculada patrimonial ( Cfr. Maia Gonçalves , Comentário ao Código Penal ) , porque enquanto aquele crime pode ser praticado por qualquer meio de erro ou engano sobre os factos que o agente astuciosamente provocou , o crime de burla informática tem que ser cometido por um qualquer dos meios indicados no art.º 224.º , a saber : interferência no resultado de tratamento de dados de programa informático ; estruturação incorrecta do programa informático , utilização incorrecta ou incompleta de dados informáticos , utilização de dados informáticos sem autorização de quem de direito ou intervenção de qualquer modo no processamento de dados informáticos .

O crime em causa não deixa de ser uma burla , como o é o de seguros , ou para obtenção de alimentos , bebidas ou serviços , ou agora a de trabalho ou emprego( art.º 222.º , do CP revisto) não prescinde um expediente enganoso , tendente a viciar a vontade de alguém em vista da produção de prejuízo pela forma descrita nas várias alíneas do descritivo típico.

Ora desenvolvendo-se a tentativa infrene de levantamentos nas várias caixas de Multibanco não através de um qualquer processo astucioso , urdido fraudulentamente , propício e causalmente condicionante da utilização dos cartões de débito , mas através de uma obtenção forçada junto do seu titular , mediante o uso de ameaça , inserindo-se num projecto de apropriação pela violência , ameaça e constrangimento , criando a susceptibilidade de risco de prejuízo patrimonial , após aquela entrega não se mostram tipificados os elementos do crime .

A posterior utilização dos cartões é o encerramento da moldura própria do crime de roubo , que não agrega a si qualquer elemento da burla em geral .

Neste sentido , cfr. os Acs. deste STJ , de 2.9.06 , P.º n.º 1942 /06 -3.º Sec. e de 7.2.07 , in P.º n.º 2947 /06 -3 .ª Sec. ; em sentido contrário o de 4.11.2004 , P.º n.º 3287/04 -5 .ª Sec. , na consideração de que se verifica concurso real , pela diversidade de bens jurídicos a proteger .

A requalificação operada introduz , pela supressão dos crimes de sequestro e de burla informática , aproveitando , também , nos termos dos art.ºs 402.º n.º 2 a) e 403 .º n.º3 , do CPP , à arguida .

Na medida das penas a fixar ter-se-à em apreço a forte vontade criminosa , ou seja um dolo intenso , na forma de querer praticar os roubos , a coberto da noite , actuando em conjunto , reduzindo a defesa da vítimas , tomando de assalto as viaturas onde se intrometiam contra a vontade dos donos , passando a controlar os seus movimentos , na expectativa , recorrendo quer à apropriação de dinheiros de que eram portadoras , ao forçar de levantamentos , ao levantamento efectivo e à sua tentativa percorrendo diversas caixas de Multibanco , dispersas por várias localidades , o que , pelo modo de execução evidenciado , lhes assinala um elevado grau de ilicitude , pese embora os valores patrimoniais não ultrapassarem um mediano valor .

De sublinhar que o seu passado criminal não lhes credibiliza atenuação da responsabilidade , demonstrando , até , dificuldade em se fidelizarem ao direito , o que releva pela via da culpa , acentuando as necessidades de prevenção especial , de interiorização dos maus efeitos dos crimes , em número maior os relativos à arguida do que os atinentes ao arguido . Isto quanto aos presentes autos .

No que ao passado criminal respeita , a arguida já respondeu e foi condenada por dois crimes de ofensas corporais , um de furto qualificado e um de coacção e resistência sobre funcionário , a que acrescem , mais dois de ofensas à integridade física qualificada e dois de roubo simples , ou seja os dos presentes autos ; o arguido respondeu pela prática de um de tráfico de estupefacientes , de detenção de estupefacientes , um de furto tentado , um de tráfico de estupefacientes e um de furto , a que acrescem , agora , por estes autos dois crimes de roubo simples .

O passado criminal do arguido , do simples confronto , com o da arguida , pesa mais negativamente . De comum o significado de que as antecedentes condenações não os impediram de voltar a reiterar no crime , sendo-lhes indiferente , nenhuma razão se descortinando para lhe reduzir a pena pelos crimes de roubo , numa moldura de 1 a 8 anos de prisão , não muito distanciada do limite mínimo .

Ambos os arguidos negaram os factos , o que significa que , ao não assumi-los , também se não dessolidarizam com eles , não sendo facto , quanto ao arguido , do consumo de estupefacientes que lhe atenua a responsabilidade criminal , porque é do conhecimento , do domínio universal que ele , para além de proibido , é fruto de uma temporal reiteração , para que o consumidor concorre , muito próxima da “ actio libera in causa “ , sendo que provou que agiram voluntária , consciente e livremente .

A tudo acresce que as necessidade de prevenir crimes da natureza dos apontados , o interesse público de contenção de instintos primários , desencorajando as mentes mais rebeldes à observância de regras de sã convivência comunitária , impõem rigor punitivo , a inferir da afirmação de que no local do crime é frequente a prática de crimes de roubo e de ofensas corporais , mais relevante sendo a prática , em crescendo , em todo o país , não podendo a medida óptima da pena deixar de considerar a moldura da culpa , elevada , e as submolduras da prevenção geral e especial , funcionando aquela como antagonista das últimas -art.ºs 40.º n.º s 1 e 2 e 71.º n.º s 1 e 2 , do CP .

A suspensão da execução das penas , nos termos do art.º 50.º n.º 1 , do CP , face à redacção introduzida pela Lei n.º 59/07 , de 4/9 , é , claramente , de afastar ,desde logo por razões de prevenção especial , visto que se não demonstra que a simples ameaça da execução da pena seja suficiente para afastar os arguidos da prática do crime , por lhes não terem servido de advertência as anteriores condenações , mostrando-se inconsistente a formulação de um juízo de prognose favorável , atento o seu trajecto vital , e , por outro lado , essa pena de substituição não responderia , adequadamente , ao sentimento de justiça da comunidade que reclama , atenta , a sua frequência , para sua tranquilidade , uma forte reacção punitiva , incompatível com a ideia de quase impunidade que a suspensão significaria .

Nestes termos se decide :

1 . Absolver os arguidos BB e Lourdes da prática dos crimes de sequestro e tentativa de burla informática .

2. Reformular o anterior cúmulo ,e , deste modo , considerado o conjunto global dos factos , envolvendo desrespeito pelo património e pessoa alheia e a personalidade dos arguidos , onde não é visível enraizadamente , ainda , uma propensão criminosa , e assim :

a) Condenar a arguida pela prática de 2 crimes de ofensas à integridade física qualificadas , p . e p . pelos art.ºs 143.º n.º 1 e 146.º n.ºs 1 e 2 , com referência ao art.º 132.º n.º 2 g) , do CP , na pena única de 2 anos e 3 meses de prisão por cada e 2 anos de prisão por cada um dos dois crimes de roubo , p . e p . pelo art.º 210.º n.º 1 , do CP , e, em cúmulo jurídico na pena de 4 anos e 6 meses de prisão ;

b) Condenar o arguido pela prática de 2 crimes de roubo , p. e p . pelo art.º 210.º n.º 1 , do CP , em 2 anos de prisão , e , em cúmulo jurídico , na pena de 3 anos de prisão .

Pelo exposto se concede provimento ao recurso , revogando-se , em parte , o acórdão recorrido .

Sem tributação .

Após baixa , boletins ao CICC.

Lisboa, 5 de Dezembro de 2007

Armindo Monteiro (relator)

Santos Cabral

Oliveira Mendes

Maia Costa