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BURLA
FALSIFICAÇÃO
CONCURSO DE INFRACÇÕES
CRIME CONTINUADO
CULPA
Sumário
I - Mantém actualidade a jurisprudência obrigatória deste STJ, fixada no Assento n.º 8/2000 (DR I-A, de 23-05-2000), segundo a qual: «No caso de a conduta do agente preencher as previsões de falsificação e de burla do artigo 256.°, n.° l, alínea a), e do artigo 217.°, n.° l, respectivamente, do Código Penal, revisto pelo Decreto-Lei n.° 48/95, de 15 de Março, verifica-se concurso real ou efectivo de crimes.»
II - O elemento nuclear e substancial do instituto do crime continuado é a mitigação da culpa resultante de uma situação exógena à vontade do agente que induza ou facilite a repetição da conduta ilícita por parte daquele.
III - Quando os factos revelam que a reiteração criminosa resulta antes de uma predisposição do agente para a prática de sucessivos crimes, ou que estes resultam de oportunidades que ele próprio cria, está evidentemente afastada a possibilidade de subsumir os factos ao crime continuado – ainda que demonstrada a repetição do mesmo crime e a utilização de um procedimento idêntico, num quadro temporal bastante circunscrito –, porque se trata então de uma situação de culpa agravada, e não atenuada.
Texto Integral
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
I. RELATÓRIO
Na 2ª Vara Mista de Loures foi o arguido AA condenado pela seguinte forma: pela prática de um crime de burla simples p. p. pelo art. 217º, n° l do CP, na pena de 16 meses de prisão; pela prática de dois crimes de burla qualificada p. p. pelo art. 218º, n° l do CP, na pena de 20 meses de prisão por cada um; pela prática de cinco crimes de burla qualificada p. p. pelo n° 2 do mesmo artigo, na pena de 2 anos e 4 meses de prisão por cada um; pela prática de três crimes de falsificação de documento p. p. pelo art. 256º, n° l do CP, na pena de 18 meses de prisão por cada um; em cúmulo jurídico das penas, fixou-se a pena única em 7 anos e 6 meses de prisão.
Desta decisão recorreu o arguido, concluindo assim a sua motivação:
1) Discorda-se no essencial da forma como foi aplicado o direito, no que concerne à determinação da medida da pena, senão vejamos:
2) Os factos praticados pelo arguido têm como enquadramento legal o disposto no Art° 217° do C.P., que dispõe no seu n° l
3) Para além do crime de Burla, veio o arguido a ser condenado pela prática de três crimes de falsificação p.p. nos termos do Art° 256°, n° l, al. a) do Código Penal.
4) Conforme se alcança do dispositivo legal, no crime de burla, o bem jurídico protegido consiste no património, globalmente considerado, que pode ser pertença do burlado ou de terceiro. Estamos perante um crime de dano que se consuma com a ocorrência de um prejuízo efectivo no património do sujeito passivo da infracção ou terceiro e, ainda, de um crime de resultado parcial ou cortado que apenas se consuma com a saída das coisas ou dos valores da esfera de disponibilidade fáctica do sujeito passivo ou da vítima.
5) Para que se verifique tal prejuízo utiliza o agente meios astuciosos que induzem a vítima ao erro ou engano, e com isso lhe causa prejuízo patrimonial.
6) Analisados os factos dados como provados dúvidas não restam que o arguido gerou nas nos ofendidos uma situação de confiança que os levou à prática dos negócios jurídicos.
7) Na realidade confiando em que os documentos apresentados pelo arguido, onde constava a indicação de uma transferência bancária para os queixosos BB, CC e DD entregaram ao arguido toda documentação do veículo, e chaves do mesmo, conforme também se alcança da factualidade dada como provada, o arguido falsificou os documentos já referidos, utilizando este meio para alcançar o fim pretendido.
8) Assim o crime de falsificação praticado pelo arguido constitui um meio para o cometimento do crime de burla, ficando por isso consumido pela punição deste crime, verifica-se pois que prática destes dois tipos de crimes preenche um concurso aparente de normas, cuja relação é de consumpção.
9) E não de concurso conforme julgou o douto tribunal a quo, na esteira aliás da jurisprudência resultante do acórdão uniformizador de jurisprudência 8/2000 de 04 de Maio de 2000, publicado no DR 1ª Série de 28 de Maio de 2000.
10) É nosso entendimento, no seguimento aliás do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido no processo 728/88 de Dezembro de 1998 (citado no Ac. Uniformizador 8/2000), em que foi relator o Ilustre Conselheiro Sá Nogueira conforme consta do seu voto de vencido.
11) E que defende que a reforma de 1995 teve como principio filosófico o regresso à regra tradicional de que “no concurso de circunstâncias qualificativas agravantes, só à mais grave é dado relevo”, com as consequências de fazer incluir no tipo legal da burla todos os meios usados pelo agente para cometer o ilícito no sentido de utilização de erro ou engano, o que, necessariamente, implica que a falsificação, por ser uma das formas do erro ou engano, seja incluída no tipo legal de Burla. A falsificação portanto faz parte do tipo legal de burla e não pode ser autonomizada, em relação à burla de que faz parte, sob pena de violação do princípio constitucional de “non bis in idem.”
12) Tal entendimento tem necessariamente reflexos na determinação da pena a aplicar ao arguido, que em face do exposto terá ser necessariamente ponderada.
13) Por outro lado verifica-se que a actuação do arguidoAA se reconduz à figura do crime continuado.
14) Através de várias acções criminosas, se repete o preenchimento do mesmo tipo legal ou de tipos que protegem o mesmo bem jurídico, usando-se de um procedimento que se reveste de uma certa uniformidade e aproveita a um condicionalismo exterior que propicia a repetição fazendo assim diminuir consideravelmente a culpa do agente.
15) Com referência em particular à actuação do arguido temos que os bens jurídicos protegidos são fundamentalmente idênticos, assim como o seu modus operandi, no entanto como salienta Faria Costa “(...) para que estejamos frente a um crime continuado não basta a realização plúrima preencha os pressupostos atrás apontados é necessário ainda que seja executada por forma essencialmente homogénea e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente. Têm deste modo de se conjugar todos os elementos anteriores apontados não só com uma certa homogeneidade, que pode ganhar relevância à luz de um critério espacio-temporal, pelo menos como ponto de referência negativo, mas também com circunstancialismo exógeno que faça consideravelmente diminuir a culpa do agente.”
16) Na realidade todos e cada um dos ofendidos foram pouco diligentes na concretização dos negócios jurídicos que realizaram como o arguido, chegando mesmo EE a afirmar em sede de audiência de julgamento que de facto não havia curado de confirmar quaisquer referências apresentadas pelo arguido ou sequer de aguardar pela boa cobrança dos cheques que lhe foram apresentados a pagamento, ou ainda no caso de BB e CC que perante meras folhas de papel impressas com a indicação de transferências efectuadas, sem mais entregaram toda a documentação e os veículos de que eram proprietários.
17) Em concreto todos e cada um dos ofendidos se deixaram levar porque no essencial os que vendiam os veículos estavam a fazer o que acharam um bom negócio pois todas as viaturas foram vendidas por valores superiores ao que valiam em termos de indicie de mercados e todos os que compraram nomeadamente os proprietários de Stand automóvel os adquiriam a preços abaixo do mercado, na verdade com as suas actuações. Todos contribuíram para a circunstância do arguido, depois de executar a resolução criminosa, verifica-se haver possibilidade de alargar o âmbito da sua actividade.
18) Assim e considerando que na determinação da medida da pena concretamente adequada ao facto cometido e à personalidade e condições de vida, tem que ser considerada, não só a culpa do agente mas também as exigências de prevenção (geral da comunidade e especial do arguido) necessárias e suficientes ao caso, mas também todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham contra ou a favor do arguido, visando-se com a aplicação da pena, a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade (Arts. 40°, 41°, 47°, 70°, 71°, todos do C.P.).
19) A pena a aplicar deverá pois oscilar entre o limite máximo aferido pela medida da culpa e a pena necessária mesclada agora por critérios de prevenção geral e especial.
20) No que respeita à prevenção positiva haverá que reconhecer que o ilícito praticado se reveste de alguma gravidade em função dos bens jurídicos violados.
21) Mas deverá a justiça apartar-se da função socializadora da pena, fixando uma pena tão longa que faz perigar a inserção social do agente?
22) Tanto mais que a prevenção reintegradora social tem como objectivo retirar da sanção o melhor efeito possível, assumida a representação maléfica com que ela surge aos olhos do condenado. Trata-se de assumi-la como mal inevitável, mas dirigido para a produção do maior número possível de efeitos úteis.
23) Que no caso em apreço não se compadece com uma pena de sete anos de prisão, atenta a juventude do arguido,
24) Que mais prejudicará do que beneficiará a conduta e inserção social futura do agente, afastando-o por demasiado tempo da sociedade e da vida activa, considerando que no caso concreto conforme se alcança de relatório social junto aos autos revela que “a confinação à habitação imposta pela medida aplicada (OPHVE) apesar de o limitar relativamente aos projectos profissionais, contribuiu para a postura mais reflexiva e autocrítica que actualmente apresenta sobre a sua conduta anterior”
25) Por todo o exposto, considera-se, salvo o devido respeito, que a pena aplicada pelo douto tribunal colectivo não deverá ultrapassar os três anos de prisão.
26) O que entende o recorrente, não ofenderá as exigências de prevenção e, nessa medida, a confiança dos cidadãos nas instituições jurídico-penais, a qual, estamos certos se revelará dissuasiva da prática de outros crimes, sem deixar de satisfazer as finalidades próprias da punição.
O MP respondeu, pugnando pela confirmação da decisão recorrida.
Neste STJ, realizou-se a audiência de julgamento, nos termos legais.
É a seguinte a matéria de facto fixada na 1ª Instância:
No dia 3 de Dezembro de 2003, no seguimento de anúncio numa revista da especialidade, o arguido contactou com BB, a quem propôs adquirir-lhe o “Mercedes C180”, com a matrícula 65-71-....
Encontraram-se pelas 17 horas, junto da residência de BB, na Rua Afonso Costa, lote ..., em Samora Correia.
Acordaram que o preço da viatura seria de 11 750,00 euros, que o arguido se prontificou a transferir da sua conta bancária para a conta de BB, através da internet.
Com efeito, o arguido exibiu a BB dois documentos, comprovativos de ter efectuado, com êxito, a transferência bancária da quantia de 11 750,00 euros, documentos que previamente fabricara.
Por se ter convencido da veracidade desses documentos, BB entregou ao arguido a viatura “Mercedes C 180”, com a matrícula 65-71-..., bem como as chaves, documentos e uma declaração de venda assinada pelo seu marido FF (em nome de quem estava registado o veículo).
A fim de gerar confiança em BB, o arguido deu-lhe um número de telemóvel para ser contactado.
Porém, após verificar que a transferência do dinheiro não se chegara a realizar, BB não conseguiu entrar em contacto com o arguido.
Mais tarde, o arguido vendeu a viatura com a matrícula 65-71-... como se esta lhe pertencesse.
No princípio de Dezembro de 2003, a referida viatura foi vendida por GG a HH, que, por sua vez, a trocou por outra viatura com II, no início do mês de Janeiro de 2004.
Posteriormente foi o veículo 65-71-... apreendido à ordem destes autos e restituído a BB.
Na primeira quinzena de Dezembro de 2003, EE colocou um anúncio no jornal “Ocasião”, a fim de vender o automóvel, ligeiro de passageiros “Toyota Celica” com a matrícula 49-04-....
No início da segunda quinzena do mês de Dezembro, foi contactado via telefone pelo arguido tendo este manifestado interesse em adquirir a referida viatura.
Combinaram encontro numa residência em Miraflores, sita na Alameda Fernão Lopes, n.º ..., Miraflores, em Algés.
Após ter observado não só o aspecto exterior mas também o interior do veículo o arguido manifestou interesse na sua aquisição, tendo então deixado a EE a sua identificação e um número de telemóvel, a fim de poder ser contactado.
No dia 23/12/2003, o arguido entrou em contacto telefónico com EE a fim de marcar um encontro para concretizar o negócio e adquirir a viatura, tendo o mesmo sido marcado para a tarde.
Entre as 18.00 horas e as 19.00 horas, o arguido deslocou-se até junto da residência do denunciante, em Miraflores – Algés, local onde a viatura se encontrava estacionada.
EE aceitou vender a viatura por 19 000,00 euros, razão pela qual o arguido preencheu, assinou e entregou a EE dois cheques do Banco Totta & Açores, dependência de Massamá/Queluz, no valor de 9 500,00 euros cada, um com a data da venda, dia 23 de Dezembro de 2003 (com o n.º ...) e o outro com a data de 23 de Janeiro de 2004.
Após ter entregue os cheques, o arguido abandonou o local levando consigo a viatura e os respectivos documentos.
O cheque ... do Banco Totta & Açores, datado de 23 de Dezembro de 2003, foi devolvido com a menção de “falta de provisão” a 31 de Dezembro de 2003.
EE, apesar de ter tentado contactar com o arguido por diversas vezes, nunca o conseguiu.
Ainda no dia 23 de Dezembro de 2003, ao fim da tarde, o arguido deslocou-se ao stand de automóveis “M... Automóveis, Limitada”, sito na Rua Nossa Sr.ª da Natividade, loja ..., em Mem Martins, onde manifestou junto de JJ interesse em adquirir o BMW 525 i, ligeiro de passageiros, com a matrícula 76-00-..., oferendo em troca o “Toyota Celica” 49-04-....
A fim de concretizarem o negócio, combinaram encontrarem-se de novo no dia seguinte naquele local, o que veio a acontecer.
Por acordo, atribuíram ao Toyota o valor de 19 000,00 euros e ao BMW o valor de 10 000,00 euros.
Por se ter convencido que o Toyota com a matrícula 49-04-... pertencia ao arguido, JJ aceitou o negócio proposto pelo arguido – a troca dos veículos – pelo que trocaram as respectivas chaves e declarações de venda, tendo JJ preenchido, assinado e entregue ao arguido o cheque n.º ..., do Banif, balcão de Sintra, no montante de 8 978,00 para pagamento da diferença de preço entre os dois veículos.
A fim de ser contactado, o arguido deu a JJ um número de telemóvel.
Porém, apesar de ter tentado ligar para aquele número por diversas vezes, JJ nunca mais conseguiu falar com o arguido, uma vez que o telemóvel estava sempre desligado.
Em finais de Janeiro de 2004, o arguido contactou telefonicamente com LL, a quem propôs a venda do “BMW 525 i”, com a matrícula 76-00-....
LL encontrou-se com o arguido, tendo guiado o BMW, a fim de se inteirar do seu estado de conservação e funcionamento.
Analisou a documentação do veículo e por ter ficado convencido de que este pertencia ao arguido, adquiriu-o por 2 250,00 euros, vendendo-o, duas semanas mais tarde, à “L... - CGL Companhia Geral de Leilões Lda”.
Posteriormente, veio o veículo BMW 525 i a ser apreendido nestes autos e mais tarde devolvido a JJ, mais a respectiva documentação.
Por seu lado, o Toyota Celica 49-04-... que JJ recebeu do arguido foi vendido a um terceiro, que o passou a utilizar, sendo que nenhum dos dois suspeitou da existência de qualquer irregularidade na transmissão e, para evitar a apreensão do Toyota e os consequentes prejuízos para o comprador, JJ pagou a EE a quantia de 11 000,00 pelo referido Toyota Celica.
No mês de Dezembro de 2003DDcolocou um anúncio no jornal “Ocasião” no intuito de vender um veiculo de marca BMW modelo 530D de cor preta e com a matricula 43-41-... pelo valor de 28 500,00 euros, preço este que incluía mais quatro jantes suplentes para o veículo.
O veículo havia sido adquirido ao “Stand J...C... – Comércio de Automóveis, Lda” pela sociedade “E... – Canalizações de M...T..., Unipessoal Lda, da qual era sócio gerente DD sociedade esta que, desde Abril de 2004, alterou o seu nome para “E... – Instalações Especiais, Lda”.
No dia 9 de Janeiro de 2004 DD recebeu uma chamada efectuada pelo arguido AA através de um telemóvel, dizendo este que estava interessado em ver o veículo.
Assim, foi combinado um encontro no dia seguinte da parte da tarde no Modelo da Moita.
Depois do encontro deslocaram-se para junto da casa de DD para verem o veículo.
Após uma breve vistoria ao veículo e de terem acordado o valor do mesmo em 28 500,00 euros, o arguido disse estar interessado na sua aquisição, combinando um novo encontro para dia 12 de Janeiro, no intuito de fecharem o negócio, tendo nessa altura o arguido solicitado a DDo seu NIB, para efectuar a transferência bancária.
Cerca das 20.00 horas do referido dia 12 encontraram-se junto à casa de DD tendo o arguido entregue a DD dois documentos por ele congeminados e confeccionados: um relativo a uma transferência interbancária através da Internet e outro relativo a uma consulta de saldos e de movimentos da conta.
No documento relativo à transferência interbancária podia-se constatar que tinha sido efectuada uma transferência para a conta bancária de DD da quantia de 28 50000 euros com sucesso e o movimento da conta confirmava que o dinheiro tinha saído da conta bancária do arguido, informando ainda que tinha que esperar 48 horas pela transferência.
Após verificar os ditos documentos, DD entregou o veículo com as chaves e a declaração de venda ao denunciado, dando por concretizado o negócio.
Poucos dias depois, DD deslocou-se ao BPI, banco onde supostamente teria entrado o dinheiro da venda do veículo, a fim de saber se já tinha sido creditada a quantia de 28 500,00 euros, tendo sido informado que tinha de esperar e que seria contactado oportunamente.
Efectivamente, por volta da hora de almoço desse mesmo dia DD recebeu uma chamada telefónica do BPI solicitando-lhe que se deslocasse ao banco.
De imediato deslocou-se à dependência bancária do BES, onde foi informado que não tinha sido efectuada qualquer transferência bancária.
O arguido havia-lhe indicado uma residência em Torres Vedras, mas nunca ali foi localizado.
Mais tarde, ao passar no posto da G.N.R. de Loures, DD verificou que ali se encontrava estacionado um veículo de Marca BMW modelo 750 i matricula 65-11-..., tendo de imediato reconhecido os pneus e jantes do veículo como sendo os que antes se encontravam colocados no veículo de matricula 43-41-... BMW modelo 530D que entregara ao arguido e os quais tinham o valor, respectivamente, de 492,00 euros e de 761,60 euros.
A 13 de Janeiro de 2004 o arguido deslocou-se ao “Stand S... & Gonzalez, Ld.ª”, na Rua Duque de Ávila, n.º ... – B, em Lisboa, onde contactou com MM a quem propôs a venda de um “BMW 530D”, dizendo-lhe que a viatura pertencera ao seu pai e que este falecera.
Depois de ter verificado o veículo, MM disse ao arguido que estava interessado na sua aquisição e que mais tarde lhe faria uma proposta de compra, especificando o preço.
A fim de permitir esse contacto, o arguido indicou a MM um número de telemóvel.
Nesse mesmo dia, cerca das 18.30 horas, MM telefonou ao arguido e ofereceu-lhe 20 000,00 euros pelo BMW.
O arguido pediu algum tempo para pensar na proposta e, mais tarde, pelas 21.30 horas, telefonou-lhe, dizendo que aceitava a aceitar a venda do BMW.
Assim, pelas 11.50 horas do dia 14 de Janeiro de 2004, o arguido voltou ao “Stand S... & Gonçalves, Ld.ª”, onde MM, depois de ter experimentado o veículo, recebeu o “BMW 530D”, com a matrícula 43-41-..., as respectivas chaves, os documentos (livrete e título de registo de propriedade em nome de “M... – Sociedade de Locação Financeira, SA, com sede na Rua Castilho, n.º ..., 4º andar, em Lisboa) e uma declaração de venda assinada pelo representante legal da M..., com a assinatura devidamente reconhecida.
Por se ter convencido que o veículo pertencia ao arguido e que tudo estava em ordem, MM preencheu, assinou e entregou ao arguido o cheque nº... do Banco Português do Atlântico, no montante de 20 000,00 euros e com a data desse dia 14 de Janeiro de 2004.
O referido veículo 43-41-... ficou registado na Conservatória do Registo Automóvel em nome da sociedade S... & Gonzalez, Lda desde 23/01/04.
No dia 10 de Março de 2004 o veículo 43-41-... foi apreendido pela GNR à ordem destes autos e veio a ser entregue a DD, que recebeu os respectivos documentos em 16/12/05.
CC colocou um anúncio na revista “Ocasião” para vender o veículo “Audi A6” de cor cinzento prata, com a matrícula 07-04-....
Em Fevereiro de 2004 o arguido contactou com CC através de um telemóvel, demonstrou interesse em comprar o veículo, pelo que combinaram encontrar-se poucos dias depois nas bombas de abastecimento de combustíveis da BP, no Fanqueiro, Loures.
Acertaram, então, que no dia 26 de Fevereiro de 2004 voltariam a encontrar-se naquele local a fim de se proceder à compra e venda do veículo.
Nesse dia, pelas 11.30 horas, o arguido ligou a CC a pedir-lhe o NIB e o nome a fim de poder efectuar a transferência bancária através da Internet de parte do preço do veículo, elementos que este lhe forneceu.
Pelas 15.30 horas o arguido e CC encontraram-se de novo nas bombas de abastecimento de combustíveis da BP, no Fanqueiro, Loures, a fim de concretizarem o negócio.
O arguido deslocava-se no BMW com a matrícula 65-11-... e estava acompanhado por uma senhora.
A fim de convencer CC de que efectuara uma transferência bancária para a sua conta, o arguido entregou-lhe dois documentos por ele previamente concebidos e realizados: um correspondente à transferência interbancária de 29 000,00 euros, efectuada com sucesso, da sua conta para a conta de CC e outro correspondente a uma consulta de movimentos da sua conta bancária, do qual constava a transferência dos 29 000,00 euros
A fim de completar o pagamento entre ele ajustado para a compra e venda do veiculo, o arguido preencheu, assinou entregou a CC o cheque n.º ... da conta ... da dependência de Massamá/Queluz do Banco Totta e Açores, no valor de 3 000,00 euros.
O arguido exibiu a carta de condução a CC e disse-lhe para tomar nota da sua residência, para o poder contactar caso houvesse algum problema, fazendo-o crer que ainda residia na morada indicada naquele documento, apesar de ter deixado de ali residir.
Após verificar os documentos e o cheque e por se ter convencido da sua veracidade, CC entregou ao arguido o veículo com a matrícula 07-04-..., as chaves, os documentos e uma declaração de compra e venda, em branco, que assinara.
No dia 2 de Março de 2004 o cheque foi devolvido com a menção de “falta de provisão”.
Posteriormente CC foi informado pelo Banco Espírito Santo que não fora efectuada qualquer transferência para a sua conta e que os documentos que lhe haviam sido entregues pelo arguido, como correspondendo à transferência interbancária via internet e à consulta dos movimentos da sua conta, não tinham qualquer correspondência com a realidade.
No dia 27 de Fevereiro de 2004, pelas 11.00 horas, após contacto telefónico com NN, sócio gerente da “T... – Comércio de Veículos Automóveis, Sociedade Unipessoal, Ldª”, o arguido deslocou-se às instalações desta empresa, sitas na Rua Professor Doutor Fernando Conceição Fonseca, n.º ..., em Massamá, no veículo Audi 6 de matrícula 07-04-... e convenceu OO de que era o legítimo dono desta viatura.
OO ofereceu-lhe 17 500,00 euros pelo veículo, tendo o arguido, depois de lhe dizer que ia pensar na proposta, entrado em contacto com ele, comunicando-lhe que aceitava vender-lhe o Audi 6 07-04-... pelo referido preço.
Então, OO, após verificar os documentos do veículo, ficou convencido de que este de facto pertencia ao arguido, pelo que lhe entregou um cheque traçado do BCP, no valor e 17 500,00 euros.
No dia 2/03/04 a demandante C...V...N... adquiriu à T..., Lda o veículo 07-04-... pelo preço de 20 500,00 euros, para cujo pagamento foi entregue a quantia de 7 500,00 euros, titulada pelo cheque nº ... do BTA e um veículo Audi A4, que por sua vez foi vendido pela T..., Lda.
No dia 9 de Março de 2004 o veículo 07-04-... foi apreendido à ordem destes autos, tendo sido entregue a CC.
Actualmente existe uma acção pendente intentada pela demandante contra a T..., Lda, resultante de um litígio relativo à venda do veículo 07-04-....
O arguido quis agir conforme todo o descrito, sempre com a intenção de enganar terceiros, designadamente quanto à sua real situação financeira e à efectiva titularidade da propriedade dos vários veículos, com o objectivo de tirar o respectivo proveito, provocando o inerente prejuízo.
Assim, ao assinar e entregar os cheques que sabia não terem fundos na respectiva conta sacada, ao apresentar os documentos que previamente confeccionara, correspondentes a transferências bancárias e a saldos e movimentos fictícios das respectivas contas, pretendia o arguido criar a ilusão de que efectuava o pagamento das viaturas que desejava adquirir, de modo a que estas lhe fossem entregues, bem como as chaves e os documentos respectivos, apesar de saber que as mesmas não lhe pertenciam e que assim causava prejuízo aos verdadeiros donos.
Na posse das viaturas, o arguido apresentava-se como se fosse seu proprietário, com o objectivo de receber o dinheiro proveniente das suas vendas, bem sabendo que as mesmas não lhe pertenciam e que essa sua conduta era causadora de prejuízo.
Além disso, tinha o arguido consciência de que os documentos por ele produzidos, que apresentava como verídicos e genuínos, não tinham qualquer correspondência com a realidade, mas isso não o coibiu de utilizar como se fossem verdadeiros a fim de conseguir vantagens patrimoniais a que sabia não ter direito, assim como sabia que causava o correspondente prejuízo.
Tinha o arguido consciência de que a sua conduta era proibida por lei.
No dia 10 de Março de 2004 foi efectuada busca domiciliária na residência do arguido, sita na Rua Cidade de Coimbra, n.º ..., 3º andar E, Urbanização da Cavaleira, Mem Martins, tendo sido encontrados e apreendidos: Um CPU de marca “Asus”, com leitor de DVD e leitor e gravador de DVD; Um teclado sem fios de marca “NGS”; Um monitor TFT de marca “Samsung”; Um Scanner de marca “HP 2200 C”; Uma impressora de marca “HP DeskJet 940C”; Um computador portátil de marca “Accer Travei Mate 290”, com mala de transporte e respectivos cabos de ligação; Um conjunto Suround, composto por cinco colunas de marca Cambridge Soundworks; Um modem da Netcabo; Uma pasta de cor preta, porta CD’s, com 34 CD’s e uma diskette; Um gravador de CD’s de marca “Samsung”; Um leitor de CD’s de marca “Samsung”; Uma placa modem interna de marca “Conceptronic”; Um modem externo da Netcabo; Um amplificador para automóvel de cor preta “M-4070”; Um vídeo gravador de marca “Hitachi”; Uma máquina fotográfica digital de marca “Olimpus”; Um modem de marca “Motorola”; Dois jornais “Ocasião”; Uma pasta de arquivo de cor verde com vária documentação; Um livro de cheques do Banco Atlântico, em nome de M...I...G...V...S... numerados de ... a .... Foram ainda apreendidos três cheques, com os números ... a ..., da conta n.° ... do Totta & Açores, da qual é titular o arguido. Bem como doze cheques, com os números ... a ..., da conta n.° ... do Totta & Açores, da qual é titular o arguido e que se encontravam em poder deE...M...da C....P...B....
O CPU “Asus”, o teclado “NGS”, o monitor TFT “Samsung”, o scanner “HP 2200C”, a impressora “HP Deskjet 940C”, o modem Netcabo, o modem “Motorola”, a placa modem “Conceptronc” e o computador portátil “Accer Travel Mate 290”, apreendidos ao arguido foram por ele adquiridos com dinheiro proveniente dos factos relatados e de outros similares e eram por ele utilizados para criar os documentos, através dos quais convencia os lesados de que havia procedido a transferências bancárias através da Internet.
O veículo 65-11-..., o conjunto suround, o gravador de cds “Samsung”, o leitor de cds, o amplificador para automóvel, o vídeo gravador “Hitachi” e a máquina fotográfica “Olimpus” foram adquiridos pelo arguido com dinheiro proveniente dos factos descritos e de outros similares.
O arguido não exercia qualquer actividade remunerada, sendo que os únicos rendimentos que obtinha provinham de actos semelhantes aos acima descritos.
Nas suas diversas actuações, o arguido indicou moradas diferentes, sendo que já não residia em nenhuma delas.
O arguido tem o 12º ano e à data dos factos vivia com uma companheira, com quem ainda vive, encontrando-se desempregado e trabalhando a companheira como recepcionista.
Já sofreu as seguintes condenações:
No processo 7996/03.9 TDLSB da 2ª secção do 1º Juízo Criminal de Lisboa foi condenado em 22/02/05, pela prática, em 25/03/03, de crimes de emissão de cheque sem provisão, em pena de multa.
No processo 655/00.6 PATVD do 1º Juízo do Tribunal de Torres Vedras foi condenado em 1/03/02, pela prática, em 7/12/00, de crime de furto, em pena de multa.
Actualmente, o arguido tem pendente contra si o processo 286/05.4 JASTB do 3º Juízo Criminal de Almada, encontrando-se sujeito à medida de coacção de obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica, à ordem desse processo.
II. FUNDAMENTAÇÃO
São três as questões colocadas pelo recorrente: concurso aparente entre os crimes de falsificação e de burla; continuação criminosa entre todas as infracções que lhe são imputadas; e medida da pena, que entende não dever ultrapassar 3 anos de prisão.
Concurso aparente entre os crimes de falsificação e de burla
Não desconhece o recorrente, uma vez que o cita, o Assento nº 8/2000 deste STJ, publicado no DR, I-A, de 23.5.2000, que estabeleceu doutrina em sentido oposto ao entendimento que ele propugna, ou seja, e transcrevendo: “No caso de a conduta do agente preencher as previsões de falsificação e de burla do artigo 256°, n° l, alínea a), e do artigo 217°, n° l, respectivamente, do Código Penal, revisto pelo Decreto-Lei n° 48/95, de 15 de Março, verifica-se concurso real ou efectivo de crimes.”
Não havendo sido apresentados argumentos novos pelo recorrente que contrariem esta posição, que este STJ vem mantendo uniformemente, considera-se ser de continuar respeitando tal jurisprudência, assim se considerando não procedente o recurso, nesta parte.
Crime continuado
Considera também o recorrente que se verificam todos os requisitos do crime continuado, nomeadamente o preenchimento repetido do mesmo tipo legal ou de tipos que protegem o mesmo bem jurídico, usando-se de um procedimento uniforme e aproveitando um condicionalismo exterior que propicia a repetição, fazendo assim diminuir a sua culpa.
Sem dúvida que se verificam alguns requisitos do crime continuado, como sejam a repetição do mesmo crime, a utilização de um procedimento idêntico e ainda um quadro temporal bastante circunscrito. Contudo, esses requisitos não passam de requisitos meramente formais, que só se integrados no quadro de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente, como diz o nº 2 do art. 30º do CP, podem relevar.
Na verdade, o elemento nuclear e substancial do instituto do crime continuado é a mitigação da culpa resultante de uma situação exógena à vontade do agente que induza ou facilite a repetição da conduta ilícita por parte daquele. Quando os factos revelarem que a reiteração criminosa resulta antes de uma pré-disposição do agente para a prática de sucessivos crimes, ou que estes resultam de oportunidades que ele próprio cria, está evidentemente afastada a possibilidade de subsumir os factos ao crime continuado, porque se trata então de uma situação de culpa agravada, e não atenuada. Analisando os factos dos autos, constata-se que não se vislumbra nenhuma situação exterior que tivesse de alguma forma facilitado ou induzido o arguido a “recair” na mesma prática ilícita, antes se verifica que é ele próprio que procura, deliberadamente e por sua iniciativa, novas ocasiões de “reincidir”. Ele não “sucumbe” a nenhuma solicitação externa; pelo contrário, provoca novas ocasiões propícias para desenvolver o seu intento criminoso.
Sendo assim, é evidente que falha o pressuposto básico do crime continuado, não merecendo provimento, também nesta parte, o recurso.
Medida da pena
Já quanto à medida da pena única, o recurso tem algum fundamento.
Há que ponderar, como factores favoráveis ao arguido, o circunscrito e estreito período temporal em que se desenvolveu a actividade ilícita (entre Dezembro de 2003 e Março de 2004), o espaço de tempo entretanto decorrido (cerca de 4 anos) e ainda o facto de a quase totalidade dos veículos adquiridos ilicitamente por ele terem sido recuperados e entregues aos proprietários (o que objectivamente atenua a ilicitude dos factos).
Em contrapartida, o arguido já tem antecedentes criminais, embora por infracções menos graves (cheques sem cobertura e furto simples), e tem pendente outro processo. Há que ponderar ainda a idade (21 anos à data das condutas ilícitas destes autos) e as informações constantes do relatório social de fls. 1221-1223, que revelam um bom suporte familiar, que pode ser essencial para uma alteração de comportamento por parte do arguido.
O conjunto dos factores referidos recomenda inequivocamente uma redução da pena única, de forma a, sem prejudicar os fins preventivos das penas, não lesar o objectivo ressocializador que é inerente a toda a condenação penal.
Na consideração conjunta destes factores contraditórios, entende-se adequado reduzir a pena única para 6 anos de prisão. III. DECISÃO
Com base no exposto, concede-se provimento parcial ao recurso, reduzindo-se a pena única para 6 (seis) anos de prisão, no mais se mantendo a decisão recorrida.
Vai o recorrente condenado em 8 UC de taxa de justiça.
Lisboa, 5 de Dezembro de 2007
Maia Costa (relator)
Pires da Graça
Raúl Borges
Soreto de Barros