SENTENÇA
FUNDAMENTAÇÃO
EXAME CRÍTICO DAS PROVAS
MODIFICABILIDADE DA DECISÃO RECORRIDA
PRINCÍPIO DA IMEDIAÇÃO
LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
REGRAS DA EXPERIÊNCIA COMUM
VÍCIOS DO ARTº 410 CPP
RECURSO DA MATÉRIA DE FACTO
ÂMBITO DO RECURSO
DEPOIMENTO INDIRECTO
IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
AGENTE DA AUTORIDADE
TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES
FACTOS GENÉRICOS
TRÁFICO DE MENOR GRAVIDADE
ILICITUDE CONSIDERAVELMENTE DIMINUÍDA
Sumário


I - A concretização da obrigação de fundamentação que incide sobre o julgador em sede de motivação da sentença é formulada em termos lapidares pelo Ac. deste STJ de 13-10-1992 quando refere que: «A sentença, para além da indicação dos factos provados e não provados e da indicação dos meios de prova deve conter os elementos que, em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos, constituam o substrato racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse em determinado sentido ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados na audiência». Ou seja, «trata-se (…) de referir os elementos objectivos de prova que permitam constatar se a decisão respeitou ou não a exigência de prova, por uma parte; e de indicar o iter formativo da convicção, isto é o aspecto valorativo cuja análise há-de permitir, em especial na prova indiciária, comprovar se o raciocínio foi lógico ou se foi irracional absurdo, por outra.»

II - Também Paulo Saragoça da Mata (in Jornadas de Direito Processual Penal) refere que a fundamentação das sentenças consistirá:
- num elenco das provas carreadas para o processo;
- numa análise crítica e racional dos motivos que levaram a conferir relevância a determinadas provas e a negar importância a outras;
- numa concatenação racional e lógica das provas relevantes e dos factos investigados (o que permitirá arrolar e arrumar lógica e metodologicamente os factos provados e não provados); e
- numa apreciação dos factos considerados assentes à luz do direito vigente.

III - Adianta o mesmo autor que apenas desse modo se garante uma tutela judicial efectiva, pois que só assim o decisor justifica, perante si próprio, a decisão (o momento da exposição do raciocínio permite ao próprio apresentar e conferir o processo lógico e racional pelo qual atingiu o resultado), e garante a respectiva comunicabilidade aos respectivos destinatários e terceiros (dando garantias acrescidas de que a prova juridicamente relevante foi não só correctamente recolhida e produzida, mas também apreciada de acordo com cânones claramente entendíveis por quem quer). A motivação existirá, e será suficiente, sempre que com ela se consiga conhecer as razões do decisor.

IV - Se, ao apreciar a impugnação produzida em termos de matéria de facto, o Tribunal da Relação:
- repristinou a prova produzida, justificando o motivo pelo qual logrou convencer aquela que conduziu à convicção sobre a responsabilidade criminal do arguido;
- analisou os depoimentos de testemunhas de acusação que se conjugaram entre si;
- e concluiu que a compreensão unitária e superior efectuada pela decisão recorrida sobre a prova produzida conduziu a um convencimento que se mostra sustentado/fundamentado em termos de motivação;
não foram violados quaisquer dos ónus que impendiam sobre a decisão recorrida em termos de fundamentação ou pronúncia.

V - Estando em discussão nas duas instâncias a matéria de facto, nada impede que o tribunal de recurso, fundado no princípio da livre apreciação da prova, conclua de forma diversa do tribunal recorrido. Ponto é que tal conclusão tenha uma base sólida e objectiva.

VI - Existe, porém, uma incomensurável diferença entre a apreciação da prova em 1.ª instância e a efectuada em tribunal de recurso com base nas transcrições dos depoimentos. A sensibilidade à forma como a prova testemunhal se produz, e que se fundamenta num conhecimento das reacções humanas e análise dos comportamentos psicológicos que traçam o perfil da testemunha, só logra obter uma concretização através do princípio da imediação, considerado este como a relação de proximidade comunicante entre o tribunal e os participantes de modo a que aquele possa obter uma percepção própria do material que haverá de ter como base da decisão. As consequências concretas da aceitação de tal princípio definem o núcleo essencial do acto de julgar em que emerge o senso, a maturidade e a própria cultura daquele sobre quem recai tal responsabilidade. Quando a opção do julgador se centra em elementos directamente interligados com o princípio da imediação (v.g., quando o julgador refere que os depoimentos não foram convincentes num determinado sentido em consequência da forma como foram produzidos), o tribunal de recurso não tem a possibilidade de sindicar a aplicação concreta de tal princípio.

VII - Porém, se a apreciação da prova é, na verdade, discricionária, tem, evidentemente, esta discricionariedade limites que não podem ser licitamente ultrapassados: a liberdade de apreciação da prova é, no fundo, uma liberdade de acordo com um dever – o dever de perseguir a chamada «verdade material» – de tal sorte que a apreciação há-de ser, em concreto, recondutível a critérios objectivos e, portanto, em geral susceptível de motivação e controlo.

VIII - A consequência mais relevante da aceitação destes limites à discricionariedade estará em que, sempre que tais limites se mostrem violados, será a matéria susceptível de recurso, ainda que o tribunal ad quem conheça, em princípio, apenas matéria de direito: solução acolhida expressamente no art. 410.º, n.º 2, do CPP, e que a doutrina denomina de «recurso de revista ampliada».

IX - A imediação é o meio pelo qual o tribunal realiza um acto de credibilização sustentada sobre determinados meios de prova em relação a outros. Exemplifica-se o exposto recorrendo ao caso do testemunho que parece mais digno de crédito do que um outro pela percepção directa imediata do seu relato e das circunstâncias em que o mesmo se desenrolou: terá sido mais categórico, eventualmente mais seguro; terá recorrido menos vezes à aquiescência tácita do advogado; ter-se-á expressado em termos mais correntes e mais próprios da sua condição social, o que induziu o tribunal a pensar que o seu testemunho era mais fidedigno e menos passível de preparação prévia; suportou com maior à vontade o exercício do contraditório.

X - Todas estas razões que servem para acreditar em determinadas provas, e não acreditar noutras, só são susceptíveis de ser apreciadas directamente pela pessoa que as avalia – o juiz de julgamento em 1.ª instância –, e a possibilidade de admitir que tais circunstâncias possam ser aferidas com recurso a um escrito – a denominada transcrição – em sede de recurso produz uma evidente aporia pela ausência, ou diminuta qualidade, de informação carreada para o tribunal superior, susceptível de o informar sobre as razões da atribuição de credibilidade.

XI - Pelo contrário, para apreciar a verosimilhança do relato de uma testemunha ou perito e demais meios e para apreciar a emergência da prova directa ou indiciária, e de aí controlar o raciocínio indutivo, não se requer necessariamente a imediação. Nesse caso estaremos perante uma questão de verosimilhança ou plausibilidade das conclusões contidas na sentença.

XII - Porém, sempre se dirá que a credibilidade, em concreto, de cada meio de prova tem subjacente a aplicação de máximas da experiência comum que informam a opção do julgador. A sua aplicação concreta está, sem dúvida, fora de qualquer eventual controlo, mas a legitimidade daquela regra da experiência como norma geral e abstracta poderá eventualmente ser questionada caso careça de razoabilidade. Assim, a determinação da credibilidade como âmbito estritamente do juiz da 1.ª instância está condicionada pela aplicação de regras da experiência que têm de ser válidas, legítimas, dentro de um determinado contexto histórico e jurídico.

XIII - O passo posterior, de refinamento do conhecimento adquirido em sede de julgamento, refere-se à verosimilhança. Uma vez que se optou por certos elementos ou meios de prova, dos quais se extrai uma determinada versão dos factos com ênfases especiais, interpretações particulares, ela deve ser entendida como um todo, como uma construção que se basta a si mesma em termos de se auto-explicar. Do que se trata então é de controlar a plausibilidade do relato, da sua verosimilhança. Ou seja, o tribunal superior não pode criticar a opção pela valoração da credibilidade de um determinado meio de prova; não pode dizer que rejeita o convencimento do juiz de 1.ª instância porque este optou por um determinado depoimento por ser mais credível. Porém, já tem o dever de analisar o depoimento prestado em si mesmo considerado e concluir se a versão que apresenta é objectivável, ou seja, se qualquer um aceitaria o raciocínio explanado como compatível com o sentido comum. Não se trata de o tribunal superior se convencer do depoimento e da sua certeza mas de o considerar como uma conclusão razoável.

XIV - Pode, assim, concluir-se que o recurso em matéria de facto não pressupõe uma reapreciação pelo tribunal de recurso do complexo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento da decisão recorrida, mas apenas, em plano diverso, uma reapreciação sobre a razoabilidade da convicção formada pelo tribunal a quo relativamente à decisão sobre os «pontos de facto» que o recorrente considere incorrectamente julgados, na base, para tanto, da avaliação das provas que, na perspectiva do recorrente, imponham «decisão diversa» da recorrida (provas, em suporte técnico ou transcritas quando as provas tiverem sido gravadas) – art. 412.º, n.º 3, al. b), do CPP –, ou determinando a renovação das provas nos pontos em que entenda que a mesma deverá ocorrer.

XV - Porém, tal sindicância deverá ter sempre uma visão global da fundamentação sobre a prova produzida, de forma a poder acompanhar todo o processo dedutivo seguido pela decisão recorrida em relação aos factos concretamente impugnados. Não se pode, nem deve, substituir a compreensão e análise do conjunto da prova produzida sobre um determinado ponto de facto pela visão parcial e segmentada eventualmente oferecida por um dos sujeitos processuais.

XVI - A proibição de valoração do depoimento indirecto deve ser entendida nos exactos termos propostos pelo art. 129.º do CPP, e quando a referência a terceiro assume natureza meramente instrumental, e explicativa do próprio depoimento directo, não existem razões para a proibição constante daquele normativo.

XVII - Os depoimentos de agentes de autoridade que relataram a sua intervenção em actos processuais ou da investigação criminal a que procederam e que se inscreveram directamente na percepção directa que tiveram (v.g., vigilâncias; seguimentos; abordagens ou buscas), configuram testemunhos directos, na acepção mais básica do termo.

XVIII - A essência da distinção entre os tipos fundamental e privilegiado de tráfico de estupefacientes, p. e p., respectivamente, pelos arts. 21.º, n.º 1, e 25.º do DL 15/93, de 22-01, reverte ao nível exclusivo da ilicitude do facto (consideravelmente diminuída), aferida em função de um conjunto de itens de natureza objectiva que se revelem em concreto, e que devam ser globalmente valorados por referência à matriz subjacente à enumeração exemplificativa contida na lei, e significativas para a conclusão quanto à existência da considerável diminuição da ilicitude pressuposta no tipo fundamental. Os critérios de proporcionalidade que devem estar pressupostos na definição das penas constituem, também, um padrão de referência na densificação da noção, com alargados espaços de indeterminação, de «considerável diminuição de ilicitude». As referências objectivas contidas no tipo para aferir da menor gravidade situam-se nos meios, na modalidade ou circunstâncias da acção e na qualidade e quantidade das plantas.

XIX - A inexistência de uma estrutura organizativa e/ou a redução do acto ilícito a um único negócio de rua, sem recurso a qualquer técnica ou meio especial, dão uma matriz de simplicidade que, por alguma forma, conflui com a gravidade do ilícito. Como elementos coadjuvantes relevantes e decisivos surgem, então, a quantidade e a qualidade da droga. Esta última constitui aqui um elemento da importância vital, revelando-se como um instrumento técnico (às vezes único) para demonstrar o destino para terceiros do estupefaciente possuído. É preciso que nos fundamentemos na quantidade da substância, quando outros dados não existem, sendo que a apreciação da quantidade detida deve apoiar-se em módulos do carácter qualitativo avultando o grau de pureza da substância estupefaciente e seu perigo para a saúde, porque não é o mesmo ter 100 g de heroína ou de cocaína do que ter 100 g de haxixe.

XX - A imputação genérica de uma actividade de venda de quantidade não determinada de droga e a indefinição sequente nunca poderão ser valoradas num sentido não compreendido pelo objecto do processo, mas apenas dentro dos limites da acusação, e em relação à matéria em relação à qual existiu a possibilidade de exercício do contraditório. É evidente que tal em nada colide com as inferências que, em termos de lógica e experiência comum, são permitidas pela prova produzida, mas dentro daqueles limites.

XXI - Assim, tendo em consideração que:
- a imputação genérica de uma actividade de tráfico nos sobreditos termos não oferece relevância em termos de qualificar a actuação do arguido como integrando o crime p. e p. no art. 21.º do DL 15/93;
- resta a posse de cerca de 30 e 46 g de haxixe, a qual se situa numa zona limite de traficância entre o dealer de rua, com uma menor densificação da intensidade da ilicitude, porque reduzida a um tráfico de vizinhança, no qual o agente representa o último lugar da distribuição, e o tráfico de estupefacientes que se destina a um mercado mais amplo e a uma procura mais geral por forma a obter substanciais proveitos económicos;
- não nos parece curial proceder à unificação de actos que isoladamente configuram um crime de tráfico de estupefacientes, previsto no art. 25.º do referido diploma, adicionando as quantidades transaccionadas sem que nenhum elemento indique que as mesmas integram uma quantidade global alguma vez na posse do agente ou sem que exista elemento que imprima uma ideia de sucessivas reformulações de decisão de cometer o crime de tráfico; entende-se que a infracção praticada integra os elementos constitutivos do crime previsto no art. 25.º do DL 15/93, de 22-01.

Texto Integral




Acordam no Supremo Tribunal de Justiça



AA e BB vieram interpor recurso da decisão do Tribunal da Relação do Porto que confirmou a decisão de primeira instância que, pela prática do crime previsto e punido no artigo 21 do Decreto Lei 15/93 os condenou, respectivamente, na pena de quatro anos de prisão e quatro anos e três meses de prisão.
As razões de discordância encontram-se expressas nas conclusões da respectiva motivação de recurso onde se refere que:
Arguido AA
1,° - O arguido AA recorreu do douto acórdão condenatório do Tribunal Colectivo de Primeira Instância para o Tribunal da Relação do Porto, suscitando nas conclusões do seu recurso, entre outras questões, a questão de erro na qualificação jurídica dos factos imputados ao arguido, por entender que tais factos consubstanciariam, no caso em apreço a prática de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade p. e p. pelo artº 25° do DL15/93, e não, como se entendeu no acórdão proferido pela primeira instância, um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo artº 21 do mesmo diploma legal.
2º - Ao suscitar esta questão o recorrente enumerou os factos provados e fundamentou o porquê de entender ter sido erroneamente qualificados os factos no tipo-de-ilicito previsto e punido pelo art. 21 do referido diploma legal.
3.° - O Tribunal da Relação do Porto não conheceu da questão suscitada, in casu, erro na qualificação jurídica, incorrendo, assim, em omissão de pronúncia, pelo que, nos termos do artº 379.°, nº 1, al. c), e 425.°, nº 4, ambos do CPP, o respectivo acórdão é nulo.
4.° - O acórdão recorrido violou, desse modo, o direito ao recurso, plasmado nos art 18.° e 32.° da CRP.
5.° - O recorrente no recurso para o Tribunal da Relação impugnou a matéria de facto provada na primeira instância por referência à prova transcrita, tendo o Tribunal da Relação, confirmado a decisão da primeira instância e dando como provado que o arguido AA se dedicava à venda de estupefacientes.
6.° - Para tal conclusão, fundamenta a sua decisão, nos depoimentos da testemunha A...J...M...V..., 2.° Sargento do NICD da GNR de São João da Madeira, constante de fls. 69 e ss do 1.° Volume das transcrições, e no depoimento do Cabo do NICD da GNR de São João da Madeira, a fls. 141 e ss do 1.° Volume das transcrições.
7.° - Baseando-se no depoimento da testemunha A...V..., quando este "afirma que os arguidos se dedicavam, em termos de venda de estupefacientes, mais concretamente no Parque de Santa Maria de Lamas, acrescentando-lhes os nomes: "o BB, o Senhor José, o Senhor Manuel e o senhor LL, para a fls. 79, esclarecer que era no Parque e arredores, "ali junto também ao infantário" e que nas vigilâncias se via a venda, acrescentando que esse parque era conhecido por "Parque do Chamon" e que os arguidos BB, AA e LL eram algumas das pessoas que lá vendiam habitualmente, sendo parte desse haxixe adquirida ao arguido FF ( Fls. 80).
8.° - Bem como se baseia no depoimento do Cabo da GNR, quando este diz: "quanto ao arguido AA, tinha um horário mais ou menos certo que era pela hora do almoço, deslocava-se para a parte de traz do Parque para onde havia um afluxo anormal de jovens naquelas ocasiões.
9.° O depoimento do 2.0 Sargento A..., quando refere que o arguido se dedicava à venda de estupefacientes e procedia à sua venda no Parque de Lamas, sendo parte desse haxixe adquirido ao arguido FF, é UM DEPOIMENTO INDIRECTO não podendo por conseguinte ser valorado pelo tribunal. ( art. 129.° CPP), o que constitui prova proibida. não podendo ser valorada.
10.° - Este depoimento apenas tira conclusões sem fundamento factual, remete tais factos para as vigilâncias e escutas telefónicas. Isto porque, nada viu em relação ao aqui recorrente.
11.° - Assim, a sentença recorrida padece do vício de erro notório na apreciação da prova, bem como viola o disposto no artº 129 e 130 do CPP., e por força do disposto no art, 125,° CPP, esta prova não pode ser valorada.
12.° - A violação dos art. 129.° e 130,° do CPP têm o mesmo efeito das nulidades insanáveis.
13.° - Quanto ao outro depoimento do Cabo da GNR, que igualmente serve de fundamentação ao acórdão recorrido, este apenas diz que o arguido AA, tinha um horário mais ou menos certo que era pela hora do almoço, deslocava-se para a parte de trás do Parque para onde havia um afluxo anormal de jovens nessas ocasiões;{ ... )", referindo ainda que apreendeu haxixe (dois pedaços com 37 gramas que estavam na garagem).
14.° - Ora, tais declarações são por si só insuficientes para se concluir que o arguido AA se dedicava à venda de produtos estupefacientes, não podendo o arguido ser condenado por ter um horário certo e à hora do almoço se deslocar para a parte de trás do Parque, onde havia um afluxo anormal de jovens.
15.° - O acórdão recorrido também se limita a basear a sua decisão no depoimento de algumas testemunhas, nem sequer os transcreve completamente porquanto todas as conclusões que deles retira, são pelas mesmas testemunhas invalidadas quando se referem que nada viram, que tiram essas conclusões pelas escutas ou pelo que os colegas lhes disseram.
16.° - Caso se entenda que o acórdão recorrido igualmente fundamenta a sua decisão na globalidade da prova produzida em audiência de discussão e julgamento, este é nulo por violação do disposto no art. 374, nº 2 do CPP.
17.° - Inexiste, pois, prova suficiente para se darem como provados os factos da acusação, inexistência que resulta do próprio texto do douto acórdão recorrido, porquanto fundamenta a sua convicção num depoimento que não pode ser valorado e num depoimento que se revela insuficiente por si só, para dar como provado que o recorrente AA se dedicava à venda de produtos estupefacientes.
18.° - Teremos sempre de considerar insuficiente o depoimento do Cabo da GNR, porquanto ter horário certo e frequentar locais públicos, havendo grande afluxo de jovens, não pode ser suficiente para se concluir que se procede à venda de droga. Sobretudo quando o próprio arguido é consumidor de haxixe e poderia ele próprio se deslocar aquele local (se é que lá se vende droga) para proceder á compra para seu consumo, incorrendo o douto acórdão recorrido do vício de INSUFICIÊNCIA PARA A DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO DADA COMO PROVADA.
19.° - Decidindo, como decidiu, o douto acórdão recorrido violou o disposto nos artº 129.°, 130.°,125.°, e alíneas a) e c) do n.º 2 do art. 410, todos do CPP.
20º - O recorrente invocou a nulidade do douto acórdão do tribunal colectivo de primeira instância, por falta de fundamentação, tendo o douto acórdão agora recorrido concluído pela improcedência da referida nulidade, porquanto a decisão estaria devidamente fundamentada com obediência ao falado art. 374°, nº 2 do CPP.
21.° - No entender do recorrente não existe a exposição concisa dos motivos de facto, nem os elementos em razão das regras de experiência ou critérios lógicos que façam o recorrente entender a forma como o Tribunal valorou a prova produzida EM RELAÇÃO A SI.
22.° - Tanto mais que, o acórdão do tribunal de primeira instância limita-se, EM RELACÃO AO RECORRENTE, a enumerar as provas e meios de prova considerados, não efectuando qualquer exame crítico ou exposição concisa dos motivos de facto ou direito, em clara violação do nº 2 do art. 374° do Cód. Proc. Penal.
23.° - O processo lógico e racional que o Tribunal Colectivo de primeira instância seguiu para formar a sua convicção deveria constar do douto acórdão decisório que em tempo se recorreu, de forma a que os sujeitos processuais possam, pela via do recurso, proceder ao exame do referido processo lógico e racional.
24.° - O que constituiu, nos termos da alínea a) do art. 379° do Cód. Proc. Penal, nulidade do douto acórdão e interpretação da norma violadora da constituição, que o recorrente arguiu e invocou no seu recurso para o Tribunal da Relação.
25º - Pela douta fundamentação não se conseguiu perceber quais foram as regras da experiência valoradas, nem qual o processo lógico seguido pelo tribunal colectivo de primeira instância, impossibilitando o recorrente de, em suma, se defender por via de recurso, isto intraprocessualmente, e, extraprocessualmente a própria sociedade ficou sem perceber porque é que o recorrente foi condenado pelo crime que vinha acusado.
26º - O acórdão recorrido violou deste modo, violou os direitos de defesa do arguido/recorrente, consagrados imperativamente no art. 32 da Constituição da República Portuguesa.
Arguido BB
1. O Tribunal a quo andou mal ao manter a decisão da primeira instância.
2. O Recorrente BB indicou, no recurso que interpôs para a segunda instância, todos os meios de prova que a si se referiam que impõem decisão diversa daquela que veio a resultar.
3 O que o Recorrente não fez foi evidenciar apenas a parte da prova obtida em julgamento que lhe era prejudicial, mas sim àquelas que considerou imporem uma decisão inversa àquela a que se chegou.
4. O recorrente impugnou a matéria de facto por entender que das mesmas não resultava matéria suficiente para que se pudesse concluir que o Recorrente BB se dedicava à venda de haxixe-canabis conforme considerou o douto acórdão proferido em primeira instância.
5. A prova não foi valorada e apreciada em obediência aos critérios legais, de forma correcta e sem violação do princípio in dubio pro reo.
6. O acórdão recorrido volta a confundir livre apreciação de prova nos termos do artigo 127°, do CPP, com apreciação arbitrária, resultante de meros indícios ou raciocínios pré-formulados.
7. Para além de tudo o mais, tendo também sido arguido o vício previsto na alínea a) do n. ° 2 do artigo 410° do Código de Processo Penal, o tribunal a quo apenas se pronunciou genericamente sobre o mesmo.
8. O Tribunal a quo considerou não ocorrerem, na sentença de primeira instância, os vícios do artigo 410°, n.º 2, alínea a).
9. No entanto no confronto entre a prova encontrada na documentação e nos factos dados enquanto provados, e de forma substanciada e expressa, pela certeza de que não resultava provada, no que ao Arguido/Recorrente comete, e interessa, que este não se dedicava à venda de haxixe-cannabis nos termos em que considerou o douto acórdão de primeira instância.
10. Os depoimentos das testemunhas A...M...V... e DD se encontram fragilizados, bem assim como o da testemunha EE e as declarações do Arguido FF.
11.Não sendo indicada prova positiva, não foi afastado o principio da presunção de inocência -n.º 2 do art. 32.° da lei fundamental.
12.Ao aderir-se, sem mais, à fundamentação de que o depoimento que o arguido FF prestou em audiência de julgamento não merece credibilidade por exculpar o Recorrente e que as suas anteriores declarações prestadas primeiro aquando do primeiro interrogatório, na medida em que prejudicam o Arguido/requerente, merecem todo o crédito ao tribunal a quo, sem explicitar em concreto o processo de formação da convicção, violou-se o disposto nos art.s 202.°, 205.° e nº 1 do art. 32.°da lei fundamental e nº 4 do art. 94.° do CPP.
13.0s art.s 127.° e 374.°, nº 2 do CPP são inconstitucionais por violação dos art. 205.° e nº 2 do art. 32.° da lei fundamental na hermenêutica expendida pelo tribunal a quo quando entendidos que, para a prova, basta não atribuir crédito a um depoimento e conceder todo o crédito/mérito a outros depoimentos, sem explicitar em concreto o processo de formação da convicção e a destrinça da validade desses mesmos depoimentos.
14.0 Tribunal "a quo" terá violado o princípio in dubio pro reo.
15.0 direito à presunção de inocência constitucionalmente garantido não é incompatível com que se admita que a convicção judicial num processo penal se possa formar sobre a base de uma prova indiciária.
16.Ponto é que essa convicção em sentido desfavorável ao arguido se alcance para além de toda a dúvida razoável, através de juízos objectivos e motiváveis» - RP 18/12/2002, proc. n° 021099.6.
17.Por outro lado, «a violação do princípio "in dubio pro reo" pode e deve ser tratada como erro notório na apreciação da prova, o que significa que a sua existência pode ser afirmada quando, do texto da decisão recorrida, decorrer que o colectivo, na dúvida, optou por decidir contra o arguido» - RL 24/1/2001, proc. Nºl8. De igual modo, o STJ 5/6/2002, proc. Nº 976/2003 (acessível no site http://www.dqsi.pt.),entendeu que «o Supremo Tribunal de Justiça só pode sindicar a aplicação do princípio in dubio pro reo, se da decisão recorrida resulta que o tribunal recorrido tenha ficado na dúvida em relação a qualquer facto e que, nesse estado de dúvida, tenha decidido contra o arguido, caso em que estaria em causa uma regra de direito susceptível de ser sindicada em revista.
19.Resulta claramente quer do acórdão condenatório cuja censura se fez perante o Tribunal da Relação do Porto, quer do teor das questões colocadas ao arguido FF enquanto este prestava declarações em sede de Audiência de Julgamento que o tribunal da Relação se escusou a apreciar aquando da sua primeira chamada a intervir que o colectivo chegou um envolvem um pequeno tráfico com a finalidade exclusiva de obter para si os estupefacientes ou psicotrópicos (art. 26. 0) , todos do DL 15/93, de 22 de Janeiro.
2l.Violaram-se, por errada interpretação, entre outros: os arts. 21º, nº 1 e 26°, nº 1, ambos do DL 15/93, de 22 de Janeiro e todos do CP.
22.Não ficou provado que o Recorrente auferisse rendimentos provenientes da venda de estupefacientes que permitissem a sua subsistência, tanto mais que resulta, desde logo dos elementos recolhidos nos autos, que este vivia e vive em casa de seus pais.
23.A sua actividade, a existir, estava essencialmente ligada à sua situação de toxicodependência, sendo o mesmo uma vítima do flagelo pressuposto pelo acórdão e nunca um culpado por tais malefícios.
14. Temos assim uma incorrecta qualificação jurídica dos factos, face ao não apuramento da qualidade e quantidade dos produtos traficados e dos proventos auferidos com o tráfico.
25.Ainda que se admitisse por mera cautela que o recorrente alguma vez traficou estupefacientes, tal actividade deveria ser considerada tráfico de menor gravidade enquadrando-se, jurídico penalmente, no art. 25.°, do DL 15/93, de 22 de Janeiro.
26.Ainda que, no limite, se considere que se encontram reunidos factos que provem que o Arguido Recorrente alguma vez traficou, a sua conduta sempre se deverá enquadrar na previsão do art.26.°, do DL 15/93, de 22 de Janeiro, sendo este considerado como traficante-consumidor, aplicando-se-lhe a pena correspondente.
27.De outra forma, é de concluir pela inconstitucionalidade do artigo 21°, nº 1, do DL nº 15/93, de 22 de Janeiro, na dimensão interpretativa assumida pelas instâncias, por violação do nº 1 do artigo 32.°, da Constituição da República, que consagra o princípio da presunção de inocência, bem como do nº 2 do mesmo artigo, que assegura ao arguido todas as garantias de defesa, ao ser considerada suficiente, para o preenchimento daquele tipo de crime, a factualidade dada por provada.
28.Mesmo que a factualidade assente estivesse bem qualificada pelo art. 21º do DL 15/93, situa no entanto o caso na fronteira entre o tráfico normal e o tráfico de menor gravidade, tudo inculcando, pelas quantidades efectivamente apreendidas e pelo carácter genérico da factualidade provada no período em que decorreram as investigações, que foram quantidades pequenas, num comércio realizado na ínfima escala do tráfico, sem qualquer astúcia ou dissimulação e encontrando-se o Arguido/Recorrente, a maior parte das vezes, de consciência alterada.
29. Situando-se o caso na fronteira entre o tráfico normal e o tráfico de menor gravidade, deve essa circunstância ser levada em conta em sede de determinação concreta da pena, pois a ilicitude tem menor relevo do que o que foi considerado pelas instâncias.
30.Acrescem as circunstâncias pessoais do recorrente, nomeadamente o facto de, ainda hoje, se encontrar perfeitamente inserido na sociedade, trabalhando como corticeiro, auferindo 700 Euros mensais, vivendo com os pais", e ainda o facto de ele próprio ter tido hábitos de consumo de estupefacientes, nomeadamente haxixe, tendo já se submetido a tratamento adequado e, até à data, com sucesso, circunstâncias estas que não podem igualmente deixar de ter influência na pena a fixar.
O Ministério pronunciou-se pela forma constante dos autos.
Nesta instância a ExºMª S.rª Procuradora Geral Adjunta pronunciou-se pela forma constante de fls
Os autos tiveram os vistos legais.
*
Cumpre decidir.
Em sede de decisão recorrida encontra-se provada a seguinte factualidade:
1 - Desde data não concretamente apurada do fim do ano de 2001 e até Junho de 2005, com frequência usualmente diária na cidade e concelho de Santa Maria da Feira, principalmente, nas freguesias de Santa Maria de Lamas, Lourosa, Fiães, Paços de Brandão, Rio Meão, São Paio de Oleiros, São João de Vet; Lobão, Mozelos, Santa Maria da Feira, e nesta comarca, o arguido FF procedeu à venda a terceiros consumidores e revendedores que para o efeito expressamente o procuravam e previamente o contactavam telefonicamente para os números dos seus telemóveis que entre eles fazia divulgar; de substâncias estupefacientes e, designadamente, de canabis, haxixe;
2 - Substâncias essas que aquele arguido obtinha em grandes quantidades em circunstâncias e de indivíduos não determinados até ao momento;
3 - E que, depois de, em sua casa, sita na Rua Professor Paulino Amorim, n. ° ..., 30, Dto., Mozelos, Santa Maria da Feira, as subdividir e acondicionar em embalagens como as apreendidas e examinadas nestes autos a tis. 847, 848, 849, 862, vendia a cerca de € 50,00 cada porção de vinte gramas de haxixe - canabis- ("placas de haxixe"), e a cerca de € 250,00 cada porção de 250 gramas de haxixe - canabis - ("sabonete de haxixe") preço superior ao da respectiva aquisição, auferindo o lucro correspondente;
4 - Sendo que aquela actividade, era exercida pelo arguido FF que era contactado para o efeito através dos seus telemóveis, designadamente com os n.º 96..., 96..., 96..., 91..., e do seu telefone com o n. ° 22... e se deslocava em seguida para concretizar as vendas aos locais com os compradores então combinados;
5 - Assim, vendeu, aos abaixo indicados, consumidores habituais de haxixe - canabis: - GG, duas placas, cerca de 20 g, de haxixe por mês, pelo preço de € 50,00, desde o inicio de 2005, 3 a 5 meses;
_ HH, 1 placa de haxixe cerca de 1 a 2 vezes por mês, pelo preço de € 10,00 cada, desde 2004; _ II, uma barra de haxixe, cerca de 4 g de haxixe uma vez pelo preço de € 10,00;
_ MM, uma barra de haxixe, cerca de 2 g, pelo preço de € 5,00, desde 2004, 5 ou 6 vezes;
_ NN, uma barra de haxixe, cerca de 2 9 mês, pelo preço de €. 5, 00, desde 2004;
- OO, barras de haxixe, de vez em quando, pelo preço de € 5/10
- PP regularmente haxixe pelo preço de € 30/40, uma vez meio ''sabonete'' de haxixe e outra vez um sabonete inteiro por € 200;
- QQ, placas de haxixe, cerca de 3 vezes mensalmente, pelo preço de € 10/15,00;
- RR, cinco placas de haxixe, cerca de 20 g mês, pelo preço de € _ SS uma ''língua'' de haxixe 6 vezes durante um ano, pelo preço de € 20/30, 00, desde 2003;
- TT, uma placa de haxixe 2/3 vezes por € 20, desde 2004;
_ UU, uma placa de haxixe de 3 em 3 semanas, pelo preço de €
_ VV, algumas gramas de haxixe 2/3 vezes, por volta de 2003;
_ EE, algumas vezes haxixe por semana em quantidade e BB, haxixe uma vez ou outra; valor indeterminado, desde 2004;
_ XX, uma placa de haxixe por mês, pelo preço de € 15,00/ € 20,00, desde Setembro de 2003;
- ZZ/ uma placa de haxixe por mês/ pelo preço de € 1~00 / € 20/00/ desde 2003;
- AAA/ placas de haxixe cerca de 6 vezes/ pelo preço de € - BBB/ uma placa de haxixe por mês pelo preço de € 10,00 / € 20,00 desde 2003;
- GGG/ uma placa de haxixe/ de 15 em 15 dias ou de 3 em 3 semanas/ pelo preço de € 30/40/0~ desde 2004;
6 - Naquela actividade e no período referido o arguido FF vendeu,
Assim, em média, mensalmente, por conta e em proveito próprio a consumidores habituais cerca de 2.391 gramas de haxixe;
7 - Tal actividade foi igualmente exercida/ pelos arguidos AA/ BB e LL;
8 - Que adquiriam o produto estupefaciente ao arguido FF/ e após à mesma venda lucrativa de estupefacientes/ especialmente haxixe - canabis/ se entregavam/ em diversas freguesias desta comarca e principalmente/ no Parque de Lamas em Santa Maria de Lamas e nesta comarca;
9 - Onde para o efeito eram procurados por terceiros consumidores/ que os conheciam para isso instruídos directamente ou por contacto telefónico pelos arguidos;
10 - Assim e desde o final de 2004 e pelo menos até Junho de 2005 o arguido BB comprou, em média, ao arguido FF, cerca de 20 g de haxixe, de dois em dois dias, que após, e por preço superior ao da compra, vendeu a consumidores habituais de haxixe - canabis – designadamente a EE;
11 - E no mesmo período/ é dizer desde o final de 2004 e pelo menos até Junho de 2005 o arguido LL comprou/ ao arguido FF/ quantidades não apuradas de haxixe (canabis) que após, e por preço superior ao da compra/ vendeu a consumidores habituais de haxixe/ designadamente/ aos abaixo indicados:
- HHH/ 2 a 4 vezes/ pelo preço de € 0,50;
- LLL/ em quantidade e preço indeterminado;
12 - E desde os finais de 2004 e pela menos até Junho de 2005 o arguido AA comprou ao arguido FF produto estupefaciente, haxixe (canabis), que após, e por preço superior ao da compra, vendeu a consumidores habituais;
13 - Tais actividades de compra e venda de produtos estupefacientes, especialmente haxixe (canabis) só vieram a ser interrompidas quando, vieram as primeiras quatro. arguidos a ser detidas, em 6 de Julho. de 2005;
14 - Nessa altura, a arguida FF conduzia o veiculo automóvel marca Citroen Visa, matricula JP-...-..., quando foi interceptada pela Cabo. Carvalho., pela Cabo. Andrade e pela soldado Santas da Guarda Nacional Republicana e detida depois de no interior do referido veículo. encontrarem e lhe apreenderem 7 embalagens ("línguas") contendo cerca de 69,7 g de haxixe (canabis) que consigo trazia então. para vender, ainda lhe apreenderem um telemóvel marca Trium com o IMEI ... e € 400,00 que o arguido consigo transportava proveniente de anteriores vendas de produto estupefaciente;
15 - E, em seguida, na mesma dia 6 de Julho. de 2005, cerca das 13h 10m, e na interior da residência e respectiva garagem da mesma arguida FF, mais embalagens foram apreendidas em passe da arguida contendo as mesmas substância estupefaciente, haxixe (canabis), com o peso bruto global de 8,914 kg, e ainda outras embalagens contendo 5 gramas de liamba e € 1.513,10 em dinheiro.;
16 - Submetido o produto contida nas referidas embalagens, com o peso bruto de 8,914 kg, .à competente perícia laboratorial no Laboratório de Polícia Científica da Polícia Judiciária, veio o mesmo a ser identificado. como canabis;
17 - E nesse mesma dia, 6 de Julho. de 2005, cerca das 13h 10m, na Parque de Santa Maria de Lamas foi o arguido AA detido pela GNR que lhe apreendeu 1 embalagem contendo cerca de 1 g de haxixe que consiga trazia então para vender;
18 - E, em seguida, cerca das 14.00 h e na interior da residência e respectiva garagem do mesmo arguido AA e em posse deste encontravam-se e foram apreendidas mais embalagens contenda a mesma substância estupefaciente, haxixe (canabis), com o peso bruto global de 35,4 g e ainda € 650,00 em dinheiro.;
19 - Submetido o produto contido nas referidas embalagens, com o peso bruto de 35,4 gramas, à competente perícia laboratorial no Laboratório de Polícia Científica da Polícia Judiciária, veio o mesmo a ser Identificado como canabis;
20 - E também no dia 6 de Julho de 2005, cerca das 13 h 10m, no Parque de Santa Maria de Lamas, nesta comarca, foi o arguido BB detido pela GNR que lhe apreendeu 1 embalagem (3,5 ''línguas'') contendo cerca de 31,4 gramas de haxixe que consigo trazia então para vender;
21 - E, em seguida, cerca das 15.00 h e no interior da residência e respectiva garagem do mesmo arguido BB e em posse deste encontravam-se e foram apreendidas mais embalagens contendo a mesma substância estupefaciente, haxixe (canabis), com o peso bruto global de 15 gramas e ainda € 20,00 em dinheiro;
22 - Submetido o produto contido nas refendas embalagens, com o peso bruto de 46,4 gramas, à competente pericia laboratorial no Laboratório de Polícia Científica da Policia Judiciária, veio o mesmo a ser Identificado como canabis;
23 - E nesse mesmo dia 6 de Julho de 2005, cerca das 13 h 10 m foi o arguido LL, detido pela GNR que lhe apreendeu uma embalagem contendo cerca de 7,6 S:J de haxixe (canabis) que consigo trazia então para vender, e ainda., € 85,00 em dinheiro, e o telemóvel marca Nokia, com o lMEI ... e com o cartão nº 91...;
24 - E, em seguida, cerca das 14.00 h e no interior da residência do mesmo arguido LL, mais embalagens contendo a mesma substância estupefaciente, haxixe (canabis), com o peso bruto global de 76, 9 gramas e ainda duas embalagens contendo 1,8 gramas e 2,2 gramas de liamba;
25 - Submetido o produto contido nas referidas embalagens, à competente perícia laboratorial no Laboratório de Polícia Científica da Polícia Judiciária, veio o mesmo a ser identificado como canabis;
26 - Os arguidos AA, BB e LL destinavam aqueles produtos - que compraram ao arguido FF, que por sua vez lhos vendeu - depois de os subdividirem e acondicionarem em embalagens mais pequenas, à venda a terceiros consumidores pelos preços aproximados acima indicados;
34 O arguido FF havia adquirido - como habitualmente e pelo menos desde o final de 2001 como regularmente vinha fazendo em circunstâncias e a indivíduos não determinados com precisão e detinha o referido produto estupefaciente para venda a terceiros consumidores, ou revendedores nos termos e com os intuitos lucrativos acima referidos;
36-As importâncias em dinheiro como o demais apreendido aos arguidos e, designadamente, os telemóveis e as viaturas por eles utilizadas são provenientes da referida actividade de venda lucrativa de estupefacientes, de que vinham fazendo a sua principal fonte de rendimentos.
37 - Agindo da forma descrita/ tinha cada um dos arguidos a vontade livre e a perfeita consciência de estar detendo/ transportando/ oferecendo para venda e vendendo aqueles produtos estupefacientes/ bem sabendo que tal é proibido e punido por lei.
38 - O arguido FF é corticeiro/ exercendo efectivamente também essa actividade até ser preso é casado/ tem dois filhos a seu cargo e não tem antecedentes criminais.
39 - O arguido AA é desempregado/ auxiliando por vezes na reparação e distribuição de electrodomésticos/ vive com os pais e não tem antecedentes criminais.
40 - O arguido BB é actualmente corticeiro/ auferindo 700 euros mensais, vivendo com os pais e tem uma condenação em 13/03/2003 pela prática de 3 roubos em 12/08/2002/ na pena dois anos de prisão suspensa por dois;
41 - O arguido LL está desempregado e vive com os pais que actualmente o sustentam.
*
A
A análise da matéria dos presentes recursos implica que se atente que a decisão recorrida surge na sequência de decisão deste Supremo Tribunal de Justiça que determinou a anulação a decisão do Tribunal da Relação nos termos do artigo 379 nº1 alínea c) e 425 do Código de Processo Penal para que o tribunal se pronuncie sobre as questões formuladas no âmbito da matéria de facto.
Concretamente, tais questões situavam-se em sede de impugnação da matéria de facto e da ausência de um exame crítico da matéria de prova, bem como de violação do princípio de presunção de inocência.
Como fundamento de uma eventual inconstitucionalidade invoca o recorrente que os artigos 127 e 374 nº 2 do Código de Processo Penal são inconstitucionais no entendimento do tribunal recorrido de que, para prova, basta não atribuir crédito a um depoimento e concedê-lo a outros depoimentos, sem explicitar, em concreto, o processo de formação da convicção e destrinça de validade desses mesmos depoimentos.

A validação da crítica produzida nos recursos implica, num primeiro momento, que se atente na análise da decisão recorrida no que concerne á factualidade impugnada. Refere-se na mesma decisão:
-Dizem os recorrentes BB e AA que da prova produzida, designadamente dos depoimentos das testemunhas, não ficou provado que se dedicassem à venda de estupefacientes.
No depoimento da testemunha A...J...M...V..., 2.° Sargento do NICD da GNR de São João da Madeira, constante de t1.s 69 e ss do 1.° volume das transcrições, a fls 78 constata-se que ele afirma que os arguidos se dedicavam, em termos de venda de estupefacientes, mais concretamente no Parque de Santa Maria de Lamas acrescentando-lhes os nomes: "o BB, o senhor José, o senhor Manuel e o senhor LL", para, a fls 79, esclarecer que era no Parque e arredores, "ali junto também ao lnfantário" e que nas vigilâncias se via a venda, acrescentando que esse parque é conhecido por "Parque do Chamon" e que os arguidos BB, Manuel e LL eram algumas das pessoas que lá vendiam habitualmente, sendo parte desse haxixe adquirida ao arguido FF (fi.s 80); quando das detenções, encontravam- se no Parque os arguidos LL, BB, Manuel e FF e o militar que estava a fazer vigilância deu indicações de que tanto o arguido BB como o arguido LL tinham "desmarcado" a droga, isto é, escondido a droga, à aproximação dos militares da GNR; a t1.s 101 e ss, mais concretamente a respeito do arguido BB, refere que este era cliente assíduo do Parque e conotado como vendedor de estupefacientes na última parte da investigação, não escondendo a sua actividade ("ele fazia aquilo à descarada, demasiado à descarada"); uma vez até o viu com duas placas de haxixe que estava a vender a outro indivíduo.
No depoimento do Cabo do NICD da GNR de São João da Madeira, a fls 141 e ss do 1.0 volume das transcrições, constata-se que esta testemunha foi interveniente numa vigilância que resultou na detenção dos segundo ao quarto arguidos que estavam referenciados como vendedores no Parque de Santa Maria de Lamas e, depois, na busca a casa do arguido Manuel, para além de outras em que observou a actividade dos arguidos que eram abordados por outros indivíduos, sendo o arguido BB quem mais se salientava por ser um bocado mais espalhafatoso; quanto ao arguido AA, tinha um horário mais ou menos certo que era pela hora do almoço, deslocava-se para a parte de trás do Parque para onde havia um afluxo anormal de jovens nessas ocasiões; na busca que realizou a casa deste arguido apreendeu haxixe (dois pedaços com 37g que estavam na garagem), sendo que, quando da detenção, tinha com ele uma bolsinha com um grama e resíduos de haxixe.
Ainda quanto ao arguidoBB, a outra testemunha por si referida, EE (fl.s 370 e ss do 2.° volume das transcrições), o que ele diz é que ouvia "bocas" que ele vendia e que talvez lhe tenha comprado, não se lembra.
Verifica-se aqui uma pequena imprecisão do acórdão sob recurso, mas que não tem relevância para a fixação da matéria de tàcto. Da conjugação desta prova com as declarações do arguido FF,prestadas em audiência e no confronto com as prestadas em primeiro interrogatório judicial e com a demais prova que serviu ao tribunal a quo para basear a sua convicção, devidamente elencada na respectiva motivação e que aqui se teve em consideração, resulta que os recorrentes BB e AA não têm razão quando alegam que da prova produzida não resultou matéria suficiente para que se possa concluir que se dedicavam à venda de estupefacientes.
Os recorrentes, ao pretenderem a alteração da matéria de tàcto, apenas se baseiam nos depoimentos de algumas testemunhas, o que não é indicar provas que impõem decisão diversa. Essas declarações e depoimentos têm de ser apreciados em conjugação com todos os outros elementos trazidos aos autos, nomeadamente, nos depoimentos de todas as testemunhas, nas declarações de todos os arguidos, em audiência e em primeiro interrogatório judicial, se for o caso, nas escutas nos autos de busca e demais documentos juntos aos autos.
……………………………………………………………………………..
A decisão recorrida, nomeadamente, em sede de convicção probatória, explica de forma clara e coerente os seus juizos lógico-dedutivos, analisando cada uma das diversas provas tidas em consideração.
A decisão recorrida encontra-se devidamente fundamentada, não apontando os recorrentes qualquer fundamento válido que a possa abalar.
Com a correcção acima apontada ao depoimento deEE, para aquisição da convicção do tribunal valeram:
"- Declarações do arguido FF em sede de audiência de julgamento, que confirmou grande parte dos factos que lhe eram imputados, embora não se recorde especificamente de todas as concretas vendas que fez e negue algumas delas. De todo o modo confirmou as vendas realizadas a SSS, RR, embora aqui não tenha conseguido indicar valores e quantidades, XX e GGG. Confirmou igualmente que iniciou as vendas nos locais indicados no concelho de S. M Feira a partir dos finais de 2001 e até Junho de 2005, com frequência usualmente diária, utilizando a sua casa para o efeito, onde dividia o haxixe, vendendo a preço variável placas de haxixe, que podia ascender aos €50. Confirmou também o uso telefones constantes da acusação para a sua actividade de venda de droga, com excepção do 9127706504, mas que consta das escutas. Para além de confirmar as referidas concretas vendas constantes da acusação ao Joaquim Pereira de Oliveira Leite, RR, XX e GGG, admitiu que vendeu mensalmente pelo menos a um número de pessoas como aquele constante da acusação (27) e que nessa actividade vendeu, em média, mensalmente por conta e proveito próprio a consumidores habituais cerca de 2.391 gramas de haxixe.
Refira-se ainda que o arguido confessou que também com os produtos da venda de haxixe fazia face às despesas diárias, tendo ainda tal dinheiro sido utilizado para o pagamento de dívidas ao fisco e segurança social, pagamentos esses documentados a fls. 1826 a 1828 e nos valores aí constantes.
Valorou-se também o por si declarado quanto às suas condições pessoais.
As declarações em apreço não foram valoradas na parte em que referiu que apenas vendeu haxixe aos demais arguidos 2/3 vezes por 10/15/20 em'os, pois que se mostram em contradição com as prestadas em lO interrogatório judicial, lidas em audiência e cujo conteúdo se relevou nos moldes dados por assentes. Assim sendo consideraram-se tais declarações, pois que foi ostensivo que em julgamento pretendeu, como disse, não prejudicar outras pessoas uma vez que foi ele que foi apanhado. Dessas declarações ressalta que o arguidoBB o ajudava a vender haxixe e que lhe entregava 20 gramas de 2 em 2 dias. Do mesmo modo admite que entregou haxixe ao LL para a colocar no mercado, sendo de 20 gramas cada entrega. Igualmente reconhece que vendeu ao AA há cerca de 2 anos, tendo-lhe vendido 8/9 vezes, sendo as entregas de 20 gramas e o preço de 50 euros.
Por outro lado, igualmente não se consideraram as suas declarações de que a droga que lhe foi apreendida em sua casa não era sua mas de um terceiro, por absolutamente inverosímeis, tanto mais que tais declarações estão em absoluta contradição com as prestadas em interrogatório de forma detalhada e que também nessa parte se valoraram, não tendo o arguido dado qualquer explicação razoável para as apontadas contradições;
- As declarações do arguido M... L..., que confirmou que comprou droga ao arguido FF 4/5/6 línguas de cada vez, sendo de 20 gramas cada língua, mas que era para consumo;
- As declarações dos demais arguidos, mas tão só no que concerne às suas condições pessoais, uma vez que os mesmos não quiseram prestar declarações quanto aos factos que lhe eram imputados;
- Depoimento de A...J...M...V..., 20 Sargento do NIC-Droga GNR, de S. J. Madeira, que fez vigilâncias e seguimentos tendo igualmente coordenado a operação no Parque de Santa Maria de Lamas que levou à detenção dos arguidos AA, BB e LL, sendo que nessa medida descreveu o que viu, designadamente contactos com toxicodependentes e o que sucedeu no Parque de Santa Maria de Lamas aquando das referidas detenções; Pôde ainda esclarecer que numa dada altura em que seguia com a sua filha viu claramente oBB entregar duas placas de haxixe, recebendo dinheiro;
- Depoimento de JJ, Cabo do NIC-Droga da GNR, de S. J. Madeira que patticipou nas investigações, fez seguimentos, vigilâncias, abordagens e buscas, que nessa medida descreveu o que viu. Assim, procedeu à detenção do arguido FF, posteriormente do AA que tinha um grama de haxixe e do LL a quem viu arremessar uma embalagem com 7 gramas de haxixe; Participou igualmente na busca à residência do arguido LL, no quarto dele, tendo descrito o produto que encontrou embalado e o material para proceder ao corte;
- Depoimento de DD, Cabo do NIC-Droga, S. J. Madeira, que fez várias vigilâncias, designadamente a de 6 de Julho de 2005 que culminou na detenção do 2° ao 4° arguido, tendo igualmente participado na busca à residência do arguido AA, que nessa medida descreveu o que viu, sendo ainda que esclareceu que este vivia com os seus pais pessoas doentes e idosas. Elucidou que não viu nenhuma venda em concreto ao AA ao contrário dos arguidosBB (que era mais "espalhafatoso") e LL;
- Depoimento de CCC, Cabo do NIC-Droga, de S. J. Madeira, que fez vigilâncias também no Parque de Santa Maria de Lamas, deteve e participou na busca à residência do arguido FF, tendo descrito o que viu, designadamente uma venda de haxixe do arguido LL a um reconhecido consumidor;
- Depoimento de DDD, Soldado do NIC-Droga da GNR de S. J. Madeira, fez uma vigilância ao arguido FF e participou na busca à residência do arguido AA, tendo descrito o que viu;
- Depoimento de GG que admitiu que comprou no período constante da acusação durante 3 a 5 meses pelo menos a quantia aí indicada e pelo valor referido;
- Depoimento de EEE., que admitiu que comprou algumas vezes haxixe ao FF, 1 placa cerca de I a 2 vezes por mês, por 10 euros cada no máximo desde 2004;
- Depoimento de II que admitiu que comprou uma vez ao FF uma barra de haxixe por 10 euros;
- Depoimento de MM que admitiu as compras ao FF mas apenas 5 ou 6 vezes;
- Depoimento de NN que admitiu os factos constantes da acusação em relação a si e às compras feitas ao FF;
- Depoimento de OO, que admitiu que de vez em quando comprava 5/10 euros de haxixe ao FF;
- Depoimento de PP, que admitiu que comprava regularmente haxixe ao FF, sendo que normalmente eram 30/40 euros que despendia,
tendo chegado a comprar meio "sabonete" e uma vez um "sabonete" inteiro por cerca de 200 euros;
- Depoimento de QQ, que admitiu ter comprado três vezes no máximo haxixe ao FF, mensalmente, por valores de 10/15 euros;
- Depoimento de RR que confirma o teor da acusação em relação a si, embora refira que por vezes o FF lhe dava droga e os preços oscilavam entre os 5/1 O euros;
- Depoimento de SS, que confirma que comprou uma língua por 20/30 euros ao FF cerca de 6 vezes durante um ano, no máximo, desde 2003;
- Depoimento de TT, que admitiu que comprou uma placa de haxixe ao FF 2/3 vezes por 20 euros desde 2004;
- Depoimento de UU, que admitiu a compra de uma placa de haxixe ao FF de 3 em 3 semanas, por 10 euros cada;
- Depoimento de FFF, que admitiu que o FF o "desenrascou" 2/3 vezes, mais ou menos há 3 anos, gratuitamente ou por pouco dinheiro;
- Depoimento de EE, que admitiu que o FF o desenrascava às vezes e ter comprado ao BB;
- Depoimento de BB que admitiu ter comprado haxixe uma vez ou outra ao FF;
- Depoimento de XX, que confirmou em relação a si os factos constantes da acusação;
- Depoimento de ZZ, que igualmente, em relação a si, confirmou os factos constantes da acusação;
- Depoimento de AAA, que admitiu que comprou meia dúzia de vezes haxixe ao FF por 10 euros, sendo que uma das vezes pagou 50 euros;
- Depoimento de BBB, que confirmou os factos constantes da acusação em relação a si;
- Depoimento de GGG, que admitiu ter comprado ao FF haxixe desde 2004, de 15 em 15 dias ou de 3 em 3 semanas placas por 30/40 euros;
- Depoimento de JJJ, que admitiu que comprou
- Depoimento de LLL, que admitiu ser frequentador do Parque de Santa Maria de Lamas e por isso ter podido comprar haxixe ao LL, apesar de não se recordar por ter uma depressão nervosa., sendo certo que às vezes "apresentavam" haxixe um ao outro;
- Depoimento de HHH que admitiu ter comprado ao LL haxixe 2 a 4 vezes pelo preço de €0,50;
- Depoimentos de III, MMM, NNN e OOO, respectivamente irmã, cunhado e amigos do FF, quanto às condições pessoais deste;
- Depoimentos de PPP., vizinho do BB, QQQ, que foi colega de trabalho do BB e RRR, igualmente vizinho do BB, quanto às condições pessoais deste;
- As escutas realizadas ao arguido FF constantes dos autos as quais mais não têm o dom que confirmar aquilo que o próprio arguido referiu ser a sua actividade de venda de droga., pois que das mesmas se retira essa situação pese embora a linguagem cifrada, fracamente cifrada, diga-se, pois que desde logo pelo absurdo se retira que se tratava de venda de haxixe, já que esta era a actividade que o arguido em causa confessadamente exercia utilizando para telemóveis e mesmo telefone fixo. De todo o modo realçam-se as escutas transcritas a fls. 192 em que expressamente é encomendada ao arguido em questão um "sabonete", a de fis. 194, em que o LL diz ao FF que queria comprar um sabão inteiro, de onde se refere igualmente sem dificuldade que se tratava de produto para revenda, a de fis. 400 entre os mesmos arguidos, em que o LL fala em "cortar" e esconder, sendo verberado pelo FF pela linguagem tão explícita.
Relativamente ao AA, valorou-se a escuta transcrita a fls. 633, em que para disfarçar uma encomenda de haxixe um cliente lhe encomenda um parafuso dos grandes, respondendo o mesmo que só tem dos outros mas que depois arranja, a de fls. 649, em que cliente lhe pede produto de dez euros e este refere que não tem placas pequenas, mas só placas de 30 euros, a de fls. 698 em que com o telefone do referido arguido dois consumidores conversam entre si no sentido de um deles diligenciar junto daquela para arranjar haxixe e para finalizar a escuta transcrita a tls. 698 em que cifradamente fala novamente de um parafuso de 0,25;
- Vigilâncias de fls. 280, 515, 519 e 520, 555 e 729, relativamente a "trocas de gestos" que conforme consta dos relatórios e foram também explicitados pelos agentes da GNR ouvidos em julgamento, tratava-se de venda de haxixe, tanto mais que tudo era feito com alguma dissimulação e comprometimento, sendo que eram ainda efectuadas com indivíduos reconhecidamente como toxicodependentes do haxixe, daí que a conclusão extraída se mostre lícita, tanto mais que se mostra contestada pelos sobreditos elementos probatórios e os que adiante se referirão;
- Factos constantes do relatório de busca de fls 833 a 839, expurgada a parte conclusiva, auto de busca e apreensão de fls 847 e 848, acompanhado do suporte fotográfico de fls. 849 a 859 autos de apreensão, avaliação exame directo de fls. 867 a 877 (incluindo documentos e suporte fotográfico), autos de busca e apreensão de fls 882 a 883, acompanhado do suporte fotográfico de fis. 884 a 886, auto de busca e apreensão de fis. 895, bem como o respectivo suporte fotográfico de fls. 896 a 897, auto de busca e apreensão de fis. 903 e 904, bem como o respectivo suporte fotográfico de fls. 905 a 912; - Auto de exame de objectos apreendidos constante de fis. 968; -
Certidões de fiso 1031 a 1033;
- Relatório de Exame Toxicológico de fis. 1366 a 1368;
- Teor dos C.R.C. de fis. 1481, 1482, 1483,1485 e 1486, 1490, 1703, 1704,
- Documentos de fis. 1848 a 1855 para as condições pessoais do arguido BB;"

A decisão recorrida procedeu a exaustiva indagação sobre da fundamentação da matéria de facto, sindicando os pontos impugnados em sede recurso confrontando com a razoabilidade do convencimento.
Não colhem as críticas formuladas

B)
No que concerne ainda á impugnação elaborada importa, ainda, precisar conceitos e, nomeadamente, especificar a obrigação de fundamentação que incide sobre o julgador, ou seja, na obrigação de exposição dos motivos de facto e de direito que hão de fundamentar a decisão.
A exigência expressa do exame crítico da prova situa-se exactamente nos limites propostos, ente outros, pelo Acórdão do Tribunal Constitucional 680/98, e que já tinha adquirido foros de autonomia também a nível do Supremo Tribunal-Acordão de 13/2/1992- com a consagração de um dever de fundamentação no sentido de que a sentença há-de conter também os elementos que, em razão da experiência ou de critérios lógicos, construíram o substrato racional que conduziu a que a convicção do tribunal colectivo se formasse num sentido, ou seja, um exame crítico sobe as provas que concorrem para a formação da convicção do tribunal num determinado sentido
Por essa forma acabaram por obter consagração legal as opções daqueles que consideravam a fundamentação uma verdadeira válvula de escape do sistema permitindo o reexame do processo lógico ou racional que subjaz á decisão. Também por aí se concretiza a legitimação do poder judicial contribuindo para a congruência entre o exercício desse poder e a base sobre o qual repousa: o dever de dizer o direito no caso concreto.
Igualmente é certo que tal dever de motivação emerge directamente de um dever de fundamentação de natureza constitucional-artigo 208-em relação ao qual ponderam Gomes Canotilho e Vital Moreira que é parte integrante do próprio conceito de Estado de direito democrático, ao menos quanto ás decisões judiciais que tenham por objecto a solução da causa em juízo como instrumento de ponderação e legitimação da própria decisão judicial e da garantia do direito ao recurso (Constituição Anotada pag 799).
É pressuposto adquirido o de que um sistema de processo penal inspirado nos valores democráticos não se compadece com razões que hão-se impor-se apenas em razão da autoridade de quem as profere, mas antes pela razão que lhes subjaz. O entendimento que a lei se basta com a mera indicação dos elementos de prova frustra a “mens legis”, impedindo de se comprovar se na sentença se seguiu um processo lógico e racional na apreciação da prova, não sendo portanto uma decisão ilógica, arbitrária ou notoriamente violadora das regras da experiência comum na apreciação da prova. Tal entendimento assume assim uma concreta conformação violadora do direito ao recurso consagrado constitucionalmente.
Como refere Gianformaggio motivar significa justificar. E justificar significa justificar-se dar a razão do trabalho produzido admitindo como linha de principio a legitimidade das críticas formuladas ou seja a legitimidade de um controle (1)
Efectivamente, a exigência de motivação responde a uma finalidade do controle do discurso, neste caso probatório, do juiz com o objectivo de garantir até ao limite de possível o racionalidade da sua decisão, dentro dos limites da racionalidade legal. Um controle que não só visa uma procedência externa como também pode determinar o próprio juiz, implicando-o e comprometendo-o na decisão evitando uma aceitação acrítica como convicção de algumas das perigosas sugestões assentes unicamente numa certeza subjectiva
A sensibilidade da Comissão de Reforma do Código de Processo Penal á afirmação da necessidade de tal exame ressalta do próprio relatório que, em sede de grandes princípios orientadores, se refere (item 52) a necessidade de fundamentação das respostas que não se limite indicar os meios de prova que as justifica mas constitua uma súmula das razões decisivas da convicção formada.

A concretização de tal obrigação de fundamentação em sede de motivação da sentença é formulada em termos lapidares pelo Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 13/10/1992 quando refere que : "A sentença, para além da indicação dos factos provados e não provados e da indicação dos meios de prova deve conter os elementos que, em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos, constituam o substrato racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse em determinado sentido ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados na audiência ''Ou seja, "trata-se ( .. .) de referir os elementos objectivos de prova que permitam constatar se a decisão respeitou ou não a exigência de prova, por uma parte; e de indicar o íter formativo da convicção, isto é o aspecto valorativo cuja análise há-de permitir, em especial na prova indiciária, comprovar se o raciocínio foi lógico ou se foi irracional absurdo, por outra".
Também refere Paulo Saragoça da Mata (2) a fundamentação das sentenças consistirá: (a) num elenco das provas carreadas para o processo que se consubstanciará;
(b) numa análise crítica e racional dos motivos que levaram a conferir relevância a determinadas provas e a negar importância a outras;
(c) numa concatenação racional e lógica das provas relevantes e dos factos investigados (o que permitirá arrolar e arrumar lógica e metodologicamente os factos provados e não provados); e,
(d) numa apreciação dos factos considerados assentes à luz do direito vigente.
Adianta o mesmo Autor que apenas desse modo se garante uma tutela judicial efectiva. Com efeito, só assim o decisor justifica, perante si próprio, a decisão (o momento da exposição do raciocínio permite ao próprio apresentar e conferir o processo lógico e racional pelo qual atingiu o resultado), e garante a respectiva comunicabilidade aos respectivos destinatários e terceiros (dando garantias acrescidas de que a prova juridicamente levante foi não só correctamente recolhida e produzida, mas também apreciada de acordo com cânones claramente entendíveis por quem quer).
A motivação existirá, e será suficiente, sempre que com ela se consiga conhecer as razões do decisor.
*
Considerando por tal forma temos que, em primeira análise, a tarefa do Tribunal da Relação ao apreciar a impugnação produzida em termos de matéria de facto incidiu, também, sobre a forma como o Tribunal de primeira instância exprimiu a lógica dedutiva que permitiu a aceitação de determinados factos em detrimento de outros. A questão será, então, a de saber se a decisão recorrida cumpriu o seu dever de investigar de indagar de uma forma precisa e detalhada a validade da impugnação produzida em relação a concretos pontos de facto.
A análise da mesma decisão imprime, de forma inexorável, a conclusão de que tal obrigação foi efectivamente cumprida. O Tribunal da Relação represtinou a prova produzida, justificando o motivo pelo qual logrou convencer aquela que conduziu á convicção sobre a responsabilidade criminal do arguido.
Analisados foram os depoimentos de testemunhas de acusação que se conjugaram entre si. Em última análise o que está em causa, como se refere a fls 22 da decisão recorrida, é a circunstância de os recorrentes apenas valorizarem parte da prova produzida, omitindo uma visão global e compreensiva da mesma prova.
Pelo contrário a compreensão unitária e superior efectuada pela decisão recorrida sobre a mesma prova conduziu a um convencimento que se mostra sustentado/fundamentado em termos de motivação.
Não foram violados quaisquer dos ónus que impediam sobre a decisão recorrida em termos de fundamentação ou pronuncia.

O ora exposto suscita a seu jusante, uma outra questão que será a de saber de qual o objecto de recurso quando estiver em causa a impugnação da matéria de facto. Por outras palavras que segmento da actuação do tribunal recorrido na avaliação da prova é efectivamente avaliado?
-É evidente que estando em discussão a matéria de facto nas duas instâncias nada impedia que o tribunal de recurso-Tribunal da Relação- fundado no mesmo principio da livre apreciação da prova, conclua de forma diversa do tribunal recorrido. Ponto é que tal conclusão tenha uma base sólida e objectiva.
Existe, porém, uma incomensurável diferença entre a apreciação da prova em primeira instância e a efectuada em tribunal de recurso com base nas transcrições dos depoimentos. A sensibilidade á forma como a prova testemunhal se produz, e que se fundamenta num conhecimento das reacções humanas e análise dos comportamentos psicológicos que traçam o perfil da testemunha, só logra obter uma concretização através do principio da imediação, considerado este como a relação de proximidade comunicante entre o tribunal e os participantes de modo a que aquele possa obter uma percepção própria do material que haverá de ter como base da decisão.
As consequências concretas da aceitação de tal princípio definem o núcleo essencial do acto de julgar em que emerge o senso; a maturidade e a própria cultura daquele sobre quem recai tal responsabilidade. Estamos em crer que, quando a opção do julgador se centra em elementos directamente interligados com o princípio da imediação (v.g. quando o julgador refere que os depoimentos não foram convincentes num determinado sentido em consequência da forma como foram produzidos), o tribunal de recurso não tem a possibilidade de sindicar a aplicação concreta de tal princípio.
Porém, se a apreciação da prova é, na verdade, discricionária, tem, evidentemente, esta discricionariedade os seus limites que não podem ser licitamente ultrapassados.
Repetindo um dogma amiúde citado “A liberdade de apreciação da prova é, no fundo, uma liberdade de acordo com um dever - o dever de perseguir a chamada "verdade material" - de tal sorte que a apreciação há-de ser, em concreto, recondutível a critérios objectivos e, portanto, em geral susceptível de motivação e controlo (possa embora a lei renunciar à motivação e ao controlo efectivos)”
A consequência mais relevante da aceitação destes limites à discricionariedade estará em que, sempre que tais limites se mostrem violados, será a matéria susceptível de recurso ainda que o tribunal ad quem conheça, em princípio, apenas matéria de direito: solução acolhida expressamente no artigo 410 nº 2, e que a doutrina denomina de "recurso de revista ampliada.
Como afirma Figueiredo Dias a "livre" ou "íntima" convicção do juiz, de que se fala a este propósito, não poderá ser uma convicção puramente subjectiva, emocional e portanto imotivável.
Certo é que a verdade material que se busca em processo penal não é o conhecimento ou apreensão absolutos de um acontecimento, que todos sabem escapar à capacidade de conhecimento humano, tanto mais que aqui intervêm, irremediavelmente, inúmeras fontes de possível erro, quer porque se trata do conhecimento de acontecimentos passados, quer porque o juiz terá, as mais das vezes, de lançar mão de meios de prova que, por sua natureza - e é o que se passa sobretudo com a prova testemunhal -, se revelam particularmente falíveis. Mas nem por isso fica em aberto o caminho da pura convicção subjectiva. Se a verdade que se procura é uma verdade prático-jurídica, e se, por outro lado, uma da funções primaciais da sentença é de convencer os interessados do bom fundamento da decisão a convicção do juiz há-de ser é certo uma convicção pessoal – até porque nela desempenha um papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva, mas também elementos racionalmente não explicáveis (v.g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova) e mesmo puramente emocionais -, mas, em todo o caso, também ela uma convicção objectivavel e motivavel , portanto capaz de impor-se aos outros.
Uma tal convicção existirá quando e só quando de que sé tem servido com êxito a jurisprudência anglo-americana - o tribunal tenha logrado convencer-se dos factos para além de toda a dúvida razoável. Porém, para que se tenha a noção precisa da formação de tal convencimento é necessário que se tenha em atenção que o mesmo corresponde á síntese de um processo lógico de formação de conhecimento em que foram essenciais dois momentos: a oralidade e a imediação.
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Quando se fala da "oralidade"como princípio geral do processo penal tem-se pois em vista a forma oral de atingir a decisão. O processo será dominado pelo princípio da escrita quando o juiz profere a decisão na base de actos processuais que foram produzidos por escrito (actas, protocolos, etc); será pelo contrário dominado pelo princípio da oralidade quando a decisão é proferida com base em uma audiência de discussão oral da matéria a considerar. É exactamente isto - mas só isto - que com o princípio da oralidade se quer significar
Inextrincavelmente ligado ao princípio da oralidade deparamos com o princípio da imediação que, em geral, se pode definir como a relação de proximidade comunicante entre o tribunal e os participantes no processo, de modo tal que aquele possa obter uma percepção própria do material que haverá de ter como base da sua decisão. Também aqui, como no princípio da oralidade, o ponto de vista decisivo é o da forma de obter a decisão.
A percepção da força do princípio da imediação na apreciação do juízo sobre a impugnação da matéria de facto formulado junto do tribunal superior implica uma clara definição de aspectos fundamentais da prova a partir dos quais se constrói o referido principio. Efectivamente, por maior que seja o peso do princípio no momento da apreciação da prova e da formação do convencimento, o mesmo não pode ser considerado como algo de absoluto.
Na verdade, na prova há matérias que necessariamente se têm de apreciar directamente e há outras que não necessitam de ser apreciadas da mesma maneira pois estão numa relação mais directa com a apreciação e valoração de verosimilhança. É assim que importa distinguir duas áreas essenciais igualmente importantes:- primeiro distinguir entre a prova como fonte de conhecimento e o meio de prova ou, dito por outra forma, entre a credibilidade daquele que prova e a prova como realidade jurídica propriamente dita. Por exemplo a credibilidade da testemunha ou do perito que se apresenta como terceiro imparcial, que se apresenta como conhecedor dos factos ou de determinados conhecimentos científicos e, por outro lado a verosimilhança daquilo que diz, ou certifica, e incorpora como fidedigno mediante o depoimento da testemunha ou do perito. Falamos, assim, de coisas distintas e que se apreciam de modo diverso.
Em segundo lugar importa distinguir entre a prova directa e a prova indirecta e a sua vinculação com o raciocínio indutivo. Logicamente que o pronunciamento sobre a valoração do indicio e do raciocínio indutivo é uma mistura de controle sobre a valoração da prova (o indicio) e de controle sobre sobre o raciocínio contido na decisão (indução) pois aquilo que se trata é de se determinar se o indicio é suficientemente forte e também se o mesmo permite concluir, por indução, pela existência de um facto.Aqui não está em causa a aplicação da imediação mas uma mistura da aplicação de critérios de verosimilhança e critérios lógicos.
Sem dúvida que a imediação torna possível, na apreciação das provas, a formação de um juízo insubstituível sobre a credibilidade da prova; das razões que se podem observar, no exame directo da prova, para acreditar ou não acreditar na mesma.
Significa o exposto que a imediação é o meio pelo qual o tribunal realiza um acto de credibilização sustentada sobre determinados meios de prova em relação a outros. Exemplifica-se o exposto recorrendo ao caso do testemunho que parece mais digno de crédito do que um outro pela percepção directa imediata do seu relato e das circunstancias em que o mesmo se desenrolou:- terá sido mais categórico, eventualmente mais seguro; terá recorrido menos vezes á aquiescência tácitas do advogado; ter-se-á expressado em termos mais correntes e mais próprios da sua condição social o que induziu o tribunal a pensar que o seu testemunha era mais fidedigno e menos passível de preparação prévia suportou com maior á vontade o exercício do contraditório.
Todas estas são razões que servem para acreditar em determinadas provas, e não acreditar noutras, sem dúvida que só são susceptíveis de ser apreciadas directamente pela pessoa que as avalia-o juiz de julgamento em primeira instância- e a possibilidade de admitir que tais circunstancias possam ser aferidas com recurso a um escrito- a denominada transcrição- em sede de recurso produz uma evidente aporia pela ausência, ou diminuta qualidade de informação carreada para o tribunal superior, susceptível de o informar sobre as razões da atribuição de credibilidade.
Pelo contrário, para apreciar a verosimilhança do relato de uma testemunha ou perito e demais meios e para apreciar a emergência da prova directa ou indiciária e de aí controlar o raciocínio indutivo não se requer necessariamente a imediação. Nesse caso estaremos perante uma questão de verosimilhança ou plausibilidade das conclusões contidas na sentença.
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A opção por dar fé a um meio de prova sobre outro é selecção que se deve realizar com apelo á imediação, já que não pode ser feita de outra forma sem cair em decisões arbitrárias, pois só a presença directa perante aquele que decide permite aplicar claramente os critérios que permitem optar no caso concreto por uma prova A ou B. Esta opção também tem que ser fundamentada, ou motivada, para efeito de conhecer qual o critério de preferência de uma prova sobre outra: maior, coerência, maior precisão; maior serenidade; maior dignidade. Sem dúvida que a decisão sobre a credibilidade pelo jogo fundamental da imediação não é passível de ser controlado por um juiz que não tenha aquela relação directa e imediata com a prova sendo, quanto a nós, indefensável a defesa das transcrições ou das cassetes gravada como uma forma de imediação.
Porém, sempre se dirá que a credibilidade em concreto de cada meio de prova tem subjacente a aplicação de máximas da experiência comum que informam a opção do julgador. A sua aplicação concreta está, sem dúvida, fora de qualquer eventual controle, mas a legitimidade daquela regra da experiência como norma geral e abstracta poderá eventualmente ser questionada caso careça de razoabilidade. Assim, a determinação da credibilidade como âmbito estritamente do juiz da primeira instância está condicionada pela aplicação de regras da experiência que têm de ser válidas, legítimas, dentro de um determinado contexto histórico e jurídico.
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O passo posterior, de refinamento do conhecimento adquirido em sede de julgamento, refere-se á verosimilhança. Uma vez que se optou por certos elementos ou meios de prova, dos quais se extrai uma determinada aversão dos factos com ênfases especiais, interpretações particulares, ela deve ser estendida como um todo, como uma construção que se basta a si mesma em termos de auto explicar-se.
Do que se trata então é de controlar a plausibilidade do relato, da sua verosimilhança. Quer dizer o tribunal superior não pode criticar a opção pela valoração da credibilidade de um determinado meio de prova; não pode dizer que rejeita o convencimento do juiz de primeira instância porque este optou por um determinado depoimento por ser mais credível. Porém, já tem dever de analisar o depoimento prestado em si mesmo considerado e concluir se a versão que apresenta é objectivável, ou seja, se qualquer um aceitaria o raciocínio explanado como compatível com o sentido comum. Não se trata de o tribunal superior se convencer do depoimento e da sua certeza mas que o considere como uma conclusão razoável.

O facto de o tribunal recorrido ter submetido a sua actuação á regra da livre convicção e nos limites propostos por aqueles princípios não contende com a possibilidade de o Tribunal da Relação se pronunciar sobre a verosimilhança do relato de uma testemunha ou perito e demais meios e para apreciar a emergência da prova directa ou indiciária e de aí controlar o raciocínio indutivo pois que estaremos perante uma questão de verosimilhança ou plausibilidade das conclusões contidas na sentença.
Por outro lado, e conforme se referiu, a credibilidade em concreto de cada meio de prova tem subjacente a aplicação de máximas da experiência comum que informam a opção do julgador. E estas podem, e devem, ser escrutinadas.
Pode-se, assim, concluir que o recurso em matéria de facto não pressupõe, uma reapreciação pelo tribunal de recurso do complexo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento da decisão recorrida, mas apenas, em plano diverso, uma reapreciação sobre a razoabilidade da convicção formada pelo tribunal a quo relativamente à decisão sobre os «pontos de facto» que o recorrente considere incorrectamente julgados, na base, para tanto, da avaliação das provas que, na perspectiva do recorrente, imponham «decisão diversa» da recorrida (provas, em suporte técnico ou transcritas quando as provas tiverem sido gravadas) - artigo 412º, nº 3, alínea b) do CPP, ou determinado a renovação das provas nos pontos em que entenda que deve haver renovação da prova.
Porém tal sindicância deverá ter sempre uma visão global da fundamentação sobre a prova produzida de forma a poder acompanhar todo o processo dedutivo seguido pela decisão recorrida em elação aos factos concretamente impugnados. Não se pode, nem deve substituir, a compreensão e análise do conjunto da prova produzida sobre um determinado ponto de facto pela visão parcial e segmentada eventualmente oferecida por um dos sujeitos processuais.
Essa compreensão global está omissa na crítica formulada e é assim que de forma algo confusa os recorrentes enumeram a não prova produzida relativa ás testemunhas A...V...; DD ;EE; FF (especificamente a prova testemunhal) mas omitem a restante prova produzida e ora elencada na decisão recorrida.

C

Importa aqui sinalizar questão colocada pelo recorrente AA em relação á valoração de depoimento indirecto de agente policiais.
A invocação incorre em manifesto erro conceptual, considerando que falamos de agentes de autoridade que relataram a sua intervenção em actos processuais ,ou inscritos na investigação criminal a que procederam e que se inscreveram directamente na percepção directa que tiveram (falamos de vigilâncias; seguimentos; abordagens ou buscas)
Testemunho directo na acepção mais básica do termo.
Na verdade, no testemunho indirecto não se afere de um testemunho puro e simples. Trata-se de um testemunho não dos factos, mas do testemunho dos factos, pois quem testemunha declarando o que sabe sobre estes não se encontrava presente quando os mesmos ocorreram. Rigorosamente falando, não se pode testemunhar, enquanto declaração, um facto que outra pessoa disse que viu ou ouviu acontecer, assim como também não se pode testemunhar que a mesma viu ou ouviu, pois a pessoa que testemunha um facto através de uma outra que lho contou não se encontrava presente na ocorrência deste.
Manifestamente que o agente policial que relata as diligências a que procedeu em sede de investigação dá nota de algo que é um facto pessoal por si protagonizado e não algo que só tenha conhecimento por intermédio de outrem.
Encontramo-nos, assim, perante a questão da definição e relevância do depoimento indirecto.
*.
A essência da prova testemunhal é a de que a mesma se refere ás declarações que efectua uma pessoa sobre aquilo que percebeu pessoal e directamente. A prova testemunhal caracteriza-se pela sua imediação com o acontecimento que se presenciou visual ou auditivamente.
Perante tais características essenciais da prova testemunhal não admiram as reservas suscitadas pelo depoimento indirecto em que está ausente a relação de imediação entre a testemunha e o objecto por ele percebido. Tais reservas não se situam apenas nos sistemas processuais penais contemporâneos e já no direito romano não se admitia a testemunha de ouvir dizer.
O direito anglo-americano, em que ainda prevalece, em larga medida, o sistema de provas legais, declara igualmente inadmissível o testemunho por ouvir dizer (hearsay). Segundo Kenny a desvalia desse tipo de prova foi reconhecida na Inglaterra desde 1202, encontrando-se em velhos textos de Bracton, do século XIII. a desaprovação do testemonium de auditu alieno. O testemunho por ouvir dizer ainda hoje não é admitido (salvo em poucos casos excepcionais) não por sua irrelevância mas por sua insegurança (hearsay is forbidden for unreliability, not for irrelevancy) Tal proibição da prova por “ouvir dizer” flui também de certos princípios do processo penal conforme à common law, nomeadamente a regra da oralidade do testemunho. Não é admissível a prova que não for produzida diante do juri.
Pronunciando-se sobre o tema, e de uma forma radical, Manzini, afirma que "as atestações indirectas, os conhecimentos reflexos, as deposições por ter ouvido dizer, não têm carácter de testemunho, senão que apenas podem ser consideradas como elementos inseguros de informação, através dos quais se pode eventualmente chegar ao verdadeiro testemunho” E, resumindo as objecções fundamentais, acrescenta: "Com efeito, em tais depoimentos a percepção sensorial que interessa à prova, não é do depoente, senão de quem a manifestou ao mesmo depoente. E o confidente, que seria a verdadeira testemunha, se não é imaginário, escapa à responsabilidade do que disse se o outro não o revela, e se subtrai também à valoração de sua credibilidade; além do fato de que o que se conta de boca em boca se altera e se deforma progressivamente.”
*
A questão em apreço, a já citada relevância do depoimento indirecto-artigo 129 do Código de Processo Penal- mereceu do legislador português uma solução restritiva que passa pela necessidade de confirmação por parte da pessoa indicada como transmitente. Em termos de direito comparado tal norma tem correspondência em ordenamentos tão diversos como o italiano-artigo 195 do respectivo Código- ou mexicano- artigo 289 do Código Federal de Procedimientos Penales.
Apesar de tal principio existem excepções representadas por aquelas pressuposições de indisponibilidade do testemunho presencial.Entre as excepções admitidas cabe mencionar aquelas que derivam da antiga doutrina conhecida como res gestae termo que, como indica Hendler, faz referência ás expressões produzidas no momento em que teve lugar o facto que é objecto de litigio.
Se atendermos á jurisprudência do TEDH (caso Kostovski c. Holanda e caso Wundisch contra a Austria) encontra-se hoje largamente sedimentada a ideia de que os elementos de prova devem ser produzidos diante do acusado em audiência pública tendo em conta a necessidade do exercício do contraditório pelo que a regra é, em principio a não admissão do depoimento indirecto.
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No caso vertente as testemunhas, que são agentes policiais, e se encontravam no exercício das suas funções, relatam os factos de que tiveram a percepção directa. Não apresentam uma versão percepcionada por outrem dos factos imputados ao arguido mas elucidam o tribunal sobre aquilo que viram e ouviram na altura.
Entende-se, assim, que a proibição de valoração do depoimento indirecto deve ser entendida nos exactos termos propostos pelo artigo 129 do Código de Processo Penal e quando, como no caso vertente, a referência a terceiro assume natureza meramente instrumental, e explicativa do próprio depoimento directo, não existem razões para a proibição constante daquele normativo.
Não tem fundamento a invocada nulidade.


D)-

Um ponto de discordância dos recorrente alinha-se pela forma como se aplicaram os critérios inerentes á produção de prova indiciária
A percepção de eventuais patologias na argumentação impõe que precisemos aquilo de que falamos quando falamos de prova indiciária.
Como já se salientou anteriormente a actividade probatória é constituída pelo acto ou complexo de actos que tendem a formar a convicção da entidade decidente sobre a existência ou inexistência de uma determinada situação factual.
Ultrapassada a fase histórica da plenitude da prova tarifada, é manifesto que, hoje, a convicção do julgador apenas terá de obedecer ao requisito de ser recondutível a critérios objectivos. Conforme refere Germano Marques da Silva (Curso de Processo Penal pag 82) é clássica a distinção entre prova directa e prova indiciária. Aquela refere-se aos factos probandos, ao tema da prova, enquanto a prova indirecta ou indiciária se refere a factos diversos do tema da prova, mas que permitem, com o auxilio de regras da experiência, uma ilação quanto ao tema da prova.
Assim, se o facto probatório (meio de prova) se refere imediatamente ao facto probando fala-se de prova directa, se o mesmo se refere a outro do qual se infere o facto probando fala-se em prova indirecta ou indiciária. O indício não tem uma relação necessária com o facto probando, pois pode ter várias causas ou efeitos, e, por isso, o seu valor probatório é extremamente variável. Na prova indiciária, mais do que em qualquer outra, intervém a inteligência e a lógica do juiz. Porém, qualquer um daqueles elementos intervém em momentos distintos.
Em primeiro lugar é a inteligência que associa o facto indicio a uma máxima da experiência ou uma regra da ciência; em segundo lugar intervém a lógica através da qual, na valoração do facto, outorgaremos á inferência feita maior ou menor eficácia probatória.
A associação que a prova indiciária proporciona entre elementos objectivos e regras objectivas leva alguns autores a afirmar a sua superioridade perante outro tipo de provas, nomeadamente prova directa e testemunhal, pois que aqui também intervém um elemento que ultrapassa a racionalidade e que será muito mais perigoso de determinar, como é o caso da credibilidade do testemunho.
*
Conforme refere Marieta (La Prueba em Processo Penal pag 59) são dois os elementos da prova indiciária:
a)-Em primeiro lugar o indício que será todo o facto certo e provado com virtualidade para dar conhecer outro facto que com ele está relacionado. (Delaplane define-o como todo o resto vestígio, circunstancia e em geral todo o facto conhecido, ou melhor devidamente comprovado, susceptível de levar, por via da inferência ao conhecimento de outro facto desconhecido)
O indício constitui a premissa menor do silogismo que, associado a um princípio empírico ou a uma regra da experiência, vai permitir alcançar uma convicção sobre o facto a provar. Este elemento de prova requer em primeiro lugar que o indício esteja plenamente demonstrado, nomeadamente através de prova directa (v.g. prova testemunhal no sentido de que o arguido detinha em seu poder objecto furtado ou no sentido de que no local foi deixado um rasto de travagem de dezenas de metros).
O que não se pode admitir é que a demonstração do facto indicio que é a base da inferência seja também ele feito através de prova indiciária atenta a insegurança que tal provocaria.
b)- Em segundo lugar é necessária a existência da presunção que é a inferência que obtida do indício permite demonstrar um facto distinto.A presunção é a conclusão do silogismo construído sobre uma premissa maior: a lei baseada na experiência; na ciência ou no sentido comum que apoiada no indicio-premissa menor- permite a conclusão sobre o facto a demonstrar.
A inferência realizada deve apoiar-se numa lei geral e constante e permite passar do estado de ignorância sobre a existência de um facto para a certeza, ultrapassando os estados de dúvida e probabilidade.
A prova indiciária realizar-se-á para tanto através de três operações. Em primeiro lugar a demonstração do facto base ou indício que, num segundo momento faz despoletar no raciocínio do julgador uma regra da experiência ou da ciência que permite, num terceiro momento, inferir outro facto que será o facto sob julgamento.
A lógica tratará de explicar o correcto da inferência e será a mesma irá outorgar á prova capacidade de convicção.
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Não faz a nossa lei processual penal qualquer referência a requisitos especiais em sede de demonstração dos requisitos da prova indiciária.
O funcionamento e creditação desta está dependente da convicção do julgador que, sendo uma convicção pessoal, deverá ser sempre objectivável e motivável.
Conforme refere Marques da Silva o juízo sobre a valoração da prova tem vários níveis. Num primeiro aspecto trata-se da credibilidade que merecem ao tribunal os meios de prova e depende substancialmente da imediação e aqui intervêm elementos não racionais explicáveis.Num segundo nível inerente á valoração da prova intervêm as deduções e induções que o julgador realiza a partir dos factos probatórios e, agora já as inferências não dependem substancialmente da imediação, mas hão-de basear-se na correcção do raciocínio que há-de fundamentar-se nas regras da lógica, principio da experiência e conhecimentos científicos, tudo se podendo englobar na expressão regras da experiência.
Porém, o facto de também relativamente á prova indirecta funcionar a regra da livre convicção não quer dizer que na prática não se definam regras que, de forma alguma se poderão confundir com a tarifação da prova.Assim, os indícios devem ser sujeitos a uma constante verificação que incida não só sobre a sua demonstração como também sobre a capacidade de fundamentar uma lógica dedutiva; devem ser independentes e concordantes entre si
Nada impedirá, porém, que devidamente valorada a prova indiciária a mesma por si, na conjunção dos indícios permita fundamentar a condenação.


D)
Igualmente destituída de fundamento se apresenta a invocação do princípio “in dubio pro reo”
Na verdade, o mesmo princípio, constitucionalmente fundado no princípio da presunção de inocência até ao trânsito em julgado da sentença de condenação (artigo 32º, nº 2, da Constituição), vale só, evidentemente, em relação à prova da questão de facto e na dimensão em que significa que todos os factos que relevam para a decisão que, apesar da prova recolhida não puderem ser subtraídos á dúvida razoável do tribunal também não possam considera-se como provados.
E, conforme refere Figueiredo Dias, se por outro lado aquele princípio obriga em último termo a reunir as provas necessárias á decisão logo se compreende que a falta delas não possa de modo algum desfavorecer a posição do arguido; um non liquet na questão da prova –não permitindo nunca ao juiz, como se sabe, que omita a decisão-tem de ser sempre valorado a favor do arguido
Relativamente ao facto sujeito a julgamento (ao thema decidendum) o princípio aplica-se sem qualquer limitação e, portanto, não apenas aos elementos fundamentadores e agravantes da incriminação, mas também às causas de exclusão da ilicitude e da culpa, às condições objectivas de punibilidade, bem como às circunstâncias modificativas atenuantes e, em geral, a todas as circunstâncias relevantes em matéria de determinação da medida da pena que tenham por efeito a não aplicação da pena ao arguido ou a diminuição da pena concreta, Em todos estes casos, a prova tem de actuar em sentido favorável ao arguido e, por conseguinte, conduzir à consequência imposta no caso de se ter logrado a prova completa da circunstância favorável ao arguido
Porém, para que o princípio opere dentro do processo de formação da convicção probatória do tribunal é “conditio sine qua non” a existência de um estado de dúvida sobre matéria de facto. Não é essa a situação concreta em que não existiram outros factos a considerar, para além dos considerados provados, e, consequentemente, inexiste estado de dúvida sobre qualquer facto
Também aqui não tem fundamento o recurso interposto


E)
Invoca o recorrente BB a existência de um erro notório na apreciação da prova o qual consubstanciaria um vicio da decisão e, consequentemente, a existência da patologia a que alude o artigo 410 do C.P.P. consubstanciada no erro notório de apreciação da prova e a insuficiência para a decisão da matéria de facto considerada provada
Nesta disposição alude-se aos vícios da decisão recorrida, umbilicalmente ligado aos requisitos da sentença previstos no artigo 374 nº2 do Código de Processo Penal, concretamente á exigência de fundamentação que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão, com indicação das provas que serviram para fundamentar a convicção do Tribunal.
Assim, num ponto concorda a doutrina: o artigo 410 do Código de Processo Penal consagra doutrinalmente o recurso de revista ampliada o que significa que, quando tiver havido renúncia ao recurso em matéria de facto, nas Relações e no Supremo Tribunal de Justiça o Tribunal “ad quem” não tem que se restringir á tradicionalmente denominada questão de direito mas antes pode alargar o seu conhecimento a questões documentadas no texto da decisão proferida pelo tribunal “a quo” que contendam com a apreciação do facto.
Consubstancia-se tal recurso de revista ampliada na possibilidade que é dada ao tribunal de recurso de conhecer a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada quando a decisão de direito não encontre na matéria de facto provada uma base tal que suporte um raciocínio lógico-subsuntivo; de verificar uma contradição insanável da fundamentação sempre que através de um raciocínio lógico conclua que da fundamentação resulta precisamente a decisão contrária, ou que a decisão não fica suficientemente esclarecida dada a contradição entre os fundamentos aduzidos; de concluir por um erro notório na apreciação da prova sempre que para a generalidade das pessoas seja evidente uma conclusão contrária á exposta pelo tribunal.
Analisando agora em concreto a existência do vício a que se reporta aquele artigo 410 no sentido apontado pelo recorrente dir-se-á que, á revelia de conceitos por demais sedimentados, o mesmo recorrente, em sede de conclusões classifica a sua discordância da matéria de facto considerada provada como "uma insuficiência para a decisão" relevante para integração do normativo do artigo 410 nº2 alínea a) do Código de Processo Penal. Este vício não pode ser confundido, como frequentemente sucede e sucedeu no caso vertente, com erro de julgamento, que resultaria de errada apreciação da prova produzida ou insuficiência desta para fundamentar a decisão recorrida.
Na verdade, é um dado adquirido em termos dogmáticos que o conceito de insuficiência da matéria de facto provada significa que os factos apurados e constantes da decisão recorrida são insuficientes para a decisão de direito, do ponto de vista das várias soluções que se perfilem - absolvição, condenação, existência de causa de exclusão da ilicitude, da culpa ou da pena, circunstâncias relevantes para a determinação desta última, etc. - e isto porque o tribunal deixou de apurar ou de se pronunciar sobre factos relevantes alegados pela acusação ou pela defesa ou resultantes da discussão da causa, ou ainda porque não investigou factos que deviam ter sido apurados na audiência, vista a sua importância para a decisão, por exemplo, para a escolha ou determinação da pena (entre outros, cf. o Acórdão de 3/7/2002, Proc. n.º 1748/02 da 3ª Secção, Sumários dos Acórdãos das Secções Criminais, edição anual 2002).
Igualmente é exacto que nunca poderá deixar de se considerar o pressuposto base de que a existência daquele vício tem de resultar da decisão recorrida na sua globalidade, sem recurso a elementos externos.
Face ao exposto é manifesto que a invocação do vício do artigo citado efectuada pelos recorrentes é despropositada. Os mesmos recorrentes denominam de vicio da decisão recorrida- artigo 410- a mais patente e refinada discordância em termos de matéria de facto.


F)

Sobre a qualificação jurídica dos factos considerados provados importa consignar em primeiro lugar que não tem qualquer fundamento a invocação de uma omissão de pronúncia. Por mera exclusão de partes se está inscrito na decisão recorrida que determinados factos configuram o crime previsto e punido nos termos do artigo 21 do Decreto Lei 15/93, não podem, simultaneamente, os mesmos factos integrarem o crime do artigo 21 do mesmo diploma.
Importa, ainda, salientar que :
O artigo 21º nº 1 do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro contém a descrição fundamental - o tipo essencial - relativa à previsão e ao tratamento penal das actividades de tráfico de estupefacientes, construindo um tipo de crime que assume, na dogmática das qualificações penais, a natureza de crime de perigo. A lei, nas condutas que descreve, basta-se com a aptidão que revelam para constituir um perigo para determinados bens e valores (a vida, a saúde, a tranquilidade, a coesão inter-individual das unidades de organização fundamental da sociedade), considerando integrado o tipo de crime logo que qualquer das condutas descritas se revele, independentemente das consequências que possa determinar ou efectivamente determine: a lei faz recuar a protecção para momentos anteriores, ou seja, para o momento em que o perigo se manifesta.
Crime de perigo abstracto é o crime que não pressupõe nem o dano nem o perigo de um concreto bem jurídico protegido pela incriminação, mas apenas a perigosidade da acção para uma ou mais espécies de bens jurídicos protegidos abstraindo de algumas das outras circunstâncias necessárias para casuar um perigo para um desses bens jurídicos. Os tipos de perigo abstracto descrevem acções que, segundo a experiência conduzem á lesão não dependendo a perigosidade do facto concreto mas si de um juízo de perigosidade geral
É, assim, de um crime de perigo que tratamos, e de perigo comum, visto que a norma protege uma multiplicidade de bens jurídicos designadamente de carácter pessoal- reconduzidos á saúde pública. Finamente é, também, um crime de perigo abstracto porque não pressupõe nem o dano nem o perigo de um dos concretos bens jurídicos protegidos pela incriminação, mas apenas a perigosidade da acção para as espécies de bens jurídicos protegidos abstraindo de algumas das outras circunstancias necessárias para causar um perigo desses bens jurídicos.
Igualmente de enunciar é a estrutura progressiva que caracteriza o artigo 21 do Decreto-Lei 15/93 pretendendo abarcar a multiplicidade de condutas em que se pode desdobrar a actividade ilícita relacionada com o tráfico de droga. Tal preocupação, de perfil transversal, concretiza-se, com a integração vertical vertida em três tipos legais fundamentais que revelam a maior ou menor gravidade desta actividade em relação ao tipo fundamental daquele artigo 21, ou seja, o artigo 24 no sentido agravativo e o artigo 25 do mesmo diploma no sentido atenuativo.

Numa outra vertente importa renovar a aquisição normativa de que o artigo 25º do Decreto-Lei nº 15/93, denominado de "tráfico de menor gravidade", dispõe, com efeito, que «se, nos casos dos artigos 21º e 22º a ilicitude do facto se mostrar consideravelmente diminuída, tendo em conta nomeadamente os meios utilizados, a modalidade e as circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações», a pena é de prisão de 1 a 5 anos (alínea a)), ou de prisão até 2 anos ou multa até 240 dias (alínea b)), conforme a natureza dos produtos (plantas, substancias ou preparações) que estejam em causa.
Trata-se, como é entendido na jurisprudência e na doutrina de um tipo privilegiado em razão do grau de ilicitude em relação do tipo fundamental de artigo 21º. Pressupõe, por referência ao tipo fundamental, que a ilicitude do facto se mostre «consideravelmente diminuída» em razão de circunstâncias específicas, mas objectivas e factuais, verificadas na acção concreta, nomeadamente os meios utilizados pelo agente, a modalidade ou as circunstâncias da acção, e a qualidade ou a quantidade dos produtos.
A essência da distinção entre os tipos fundamental e privilegiado reverte, assim, ao nível exclusivo da ilicitude do facto (consideravelmente diminuída), aferida em função de um conjunto de itens de natureza objectiva que se revelem em concreto, e que devam ser globalmente valorados por referência à matriz subjacente à enumeração exemplificativa contida na lei, e significativas para a conclusão quanto à existência da considerável diminuição da ilicitude pressuposta no tipo fundamental. Os critérios de proporcionalidade que devem estar pressupostos na definição das penas, constituem, também, um padrão de referência na densificação da noção, com alargados espaços de indeterminação, de «considerável diminuição de ilicitude».
As referências objectivas contidas no tipo para aferir da menor gravidade situam-se nos meios; na modalidade ou circunstâncias da acção e na qualidade e quantidade das plantas. Na sua essência o que pretende é estabelecer-se a destrinça entre realidades criminológicas distintas que, entre si, apenas têm de comum o facto de constituírem segmentos distintos de um mesmo processo envolvido no perigo de lesão. Na verdade o legislador sentiu a aporia a que era conduzido pela integração no mesmo tipo leal de crime de condutas de matriz tão diverso como o tráfico internacional envolvendo estruturas organizativas integradas e produto de quantidades e qualidades muito significativas e negócio do dealer de rua, último estádio de um processo de comercialização actuando isoladamente, sem estrutura e como mero distribuidor. Num segmento intermédio mas nem por isso despojado, em abstracto, de significativa ilicitude situa-se o tráfico interno, muitas vezes com uma organização rudimentar (e com tendência a uma compartimentação cada vez maior dificultando a investigação).
Função essencial na interpretação do tipo em questão assume a referência feita pelo legislador no proémio do D.L. 430/83 quando já aí demonstrava a sensibilidade á diversidade de perfis de actuação criminosa dizendo que “Daí a revisão em termos que permitam ao julgador distinguir os casos de tráfico importante e significativo, do tráfico menor que, apesar de tudo, não pode ser aligeirado de modo a esquecer o papel essencial que os dealers de rua representam no grande tráfico. Haverá assim que deixar uma válvula de segurança para que situações efectivas de menor gravidade não sejam tratadas com penas desproporcionadas ou que ao invés se force ou use indevidamente uma atenuante especial”
A relevância de tal pressuposto também é adequada para a prossecução de relevantes finalidades de prevenção geral e especial, justifica as opções legais tendentes à adequada diferenciação do tratamento penal entre os grandes traficantes (artigos 21º, 22º e 24º) e os pequenos e médios (artigo 25º), e ainda daqueles que desenvolvem um pequeno tráfico com a finalidade exclusiva de obter para si as substâncias que consomem (artigo 26º).

Justificada, em temos dogmáticos, a existência do tipo legal em apreço importa agora, numa tentativa de aproximação concreta, densificar os critérios eleitos como consubstanciadores daquela menor gravidade.
Sem qualquer margem para a dúvida que a inexistência de uma estrutura organizativa e/ou a redução do acto ilícito a um único negócio de rua, sem recurso a qualquer a qualquer técnica ou meio especial, dão uma matriz de simplicidade que, por alguma forma conflui com a gravidade do ilícito. Como elementos coadjuvantes relevantes e decisivos surgem, então, a quantidade e a qualidade da droga.
A quantidade de droga possuída constitui aqui um elemento da importância vital na altura de realizar a verificação revelando-se como um instrumento técnico (às vezes único) para demonstrar o destino para terceiros do estupefaciente possuído. É preciso que nos fundamentemos na quantidade da substância, quando outros dados não existem, se não quisermos violar o objectivo que o legislador tenta prosseguir com o crime de tráfico
A apreciação da quantidade detida deve apoiar-se em módulos do carácter qualitativo avultando o grau de pureza da substância estupefaciente e seu perigo para a saúde porque não é o mesmo ter cem gramas do heroína ou de cocaína do que ter cem gramas do haxixe.
A utilização do critério da quantidade, por forma a conceder-lhe efeitos ou consequências a nível penal, é uma questão transversal dos ordenamentos jurídicos europeus e, em 2003 notava-se que a quantidade é um dos principais critérios na distinção entre posse para consumo pessoal e tráfico e, dentro deste para a determinação da gravidade da infracção. A definição da quantidade, e a forma pela qual é tomada em atenção na classificação das infracções, varia de país para país e mais de um critério é utilizado no mesmo país para distinguir as quantidades. (3)


No caso vertente revela na tipificação da conduta dos recorrentes os seguintes elementos factuais
……………………………………
Tal actividade foi igualmente exercida pelos arguidos AA, BB e LL que adquiriam o produto estupefaciente ao arguido FF e após à mesma venda lucrativa de estupefacientes, especialmente haxixe - canabis se entregavam em diversas freguesias desta comarca e principalmente/ no Parque de Lamas em Santa Maria de Lamas e nesta comarca;
Onde para o efeito eram procurados por terceiros consumidores/ que os conheciam para isso instruídos directamente ou por contacto telefónico pelos arguidos;
Assim e desde o final de 2004 e pelo menos até Junho de 2005 o arguido BB comprou, em média, ao arguido FF, cerca de 20 g de haxixe, de dois em dois dias, que após, e por preço superior ao da compra, vendeu a consumidores habituais de haxixe - canabis – designadamente a EE;
E desde os finais de 2004 e pelo menos até Junho de 2005 o arguido AA comprou ao arguido FF produto estupefaciente, haxixe (canabis), que após, e por preço superior ao da compra, vendeu a consumidores habituais;
Tais actividades de compra e venda de produtos estupefacientes, especialmente haxixe (canabis) só vieram a ser interrompidas quando, vieram os primeiros quatro arguidos a ser detidos, em 6 de Julho. de 2005;
Em 6 de Julho. de 2005, cerca das 13h 10m, na Parque de Santa Maria de Lamas foi o arguido AA detido pela GNR que lhe apreendeu 1 embalagem contendo cerca de 1 g de haxixe que consiga trazia então para vender;
E, em seguida, cerca das 14.00 h e na interior da residência e respectiva aragem do mesmo arguido AA e em posse deste encontravam-se e foram apreendidas mais embalagens contenda a mesma substância estupefaciente, haxixe (canabis), com o peso bruto global de 35,4 g e ainda € 650,00 em dinheiro.
E também no dia 6 de Julho de 2005, cerca das 13 h 10m, no Parque de Santa Maria de Lamas foi o arguido BB detido pela GNR que lhe apreendeu 1 embalagem (3,5 ''línguas'') contendo cerca de 31,4 gramas de haxixe que consigo trazia então para vender;
21 - E, em seguida, cerca das 15.00 h e no interior da residência e respectiva garagem do mesmo arguido BB e em posse deste encontravam-se e foram apreendidas mais embalagens contendo a mesma substância estupefaciente, haxixe (canabis), com o peso bruto global de 15 gramas e ainda € 20,00 em dinheiro;
22 - Submetido o produto contido nas refendas embalagens, com o peso bruto de 46,4 gramas, à competente pericia laboratorial no Laboratório de Polícia Científica da Policia Judiciária, veio o mesmo a ser Identificado como canabis;
Os arguidos AA, BB e LL destinavam aqueles produtos - que compraram ao arguido FF, que por sua vez lhos vendeu - depois de os subdividirem e acondicionarem em embalagens mais pequenas, à venda a terceiros consumidores pelos preços aproximados acima indicados;


Importa precisar que em relação aos recorrentes AA e BB a sua responsabilidade penal deriva do facto de num período temporal dde cerca de seis meses terem comprado ao arguido FF produto estupefaciente, haxixe (canabis), que após, e por preço superior ao da compra, venderam a consumidores
Em 6 de Julho de 2005, o primeiro detinha cerca de 1 g de haxixe que trazia para vender e no interior da residência e na respectiva garagem encontravam-se mais embalagens, contendo a mesma substância estupefaciente, haxixe (canabis), com o peso bruto global de 35,4 g.
O segundo detenha em seu poder cerca de 46 gramas de haxixe.

No que toca á primeira imputação, de natureza genérica e abstracta, importa considerar que a mesma está compreendida dentro dos limites do objecto do processo tal como foram definidos no libelo acusatório
Os valores e interesses subjacentes a esta vinculação temática do tribunal, implicada no princípio da acusação, facilmente se apreendem quando se pense que ela constitui a pedra angular de um efectivo e consistente direito de defesa do arguido - sem o qual o fim do processo penal é inalcançável-, que assim se vê protegido contra arbitrários alargamentos da actividade cognitória e decisória do tribunal e assegura os seus direitos de contraditoriedade e audiência ; e quando se pense também que só assim o Estado pode ter a esperança de realizar os seus interesses de punir só os verdadeiros culpados e de economia processual, perante processos que (pressuposto um real direito de defesa do arguido deveriam conduzir a absolvições maciças.
Por outras palavras dir-se-á que a imputação genérica de uma actividade de venda de quantidade não determinada de droga e a indefinição sequente nunca poderão ser valorada num sentido não compreendido pelo objecto do processo, mas apenas dentro dos limites da acusação, e em relação á matéria em relação á qual existiu a possibilidade de exercício do contraditório. É evidente que tal em nada colide com as inferências que, em termos de lógica e experiência comum são permitidas pela prova produzida mas dentro daqueles limites.
Extraindo as necessárias ilações do exposto estamos em crer que a imputação genérica de uma actividade de tráfico nos sobreditos termos não oferece relevância em termos de qualificar a actuação do arguido como integrando o crime previsto e punido no artigo 21 do Decreto lei 15/93.
Resta a posse de cerca de 30 e 46 gramas de haxixe a qual, a nosso ver, se situa numa zona limite de traficância entre o dealer de rua, com uma menor densificação da intensidade da ilicitude, porque reduzida a um tráfico de vizinhança no qual o agente representa o último lugar da distribuição e o tráfico de estupefaciente que se destina a um mercado mais amplo e a uma procura mais geral por forma a obter substanciais proveitos económicos.
Por igual forma se dirá que não nos parece curial proceder á unificação de actos que isoladamente configuram um crime de tráfico de estupefaciente, previsto no artigo 25 da referida Lei, adicionando as quantidades transaccionadas sem que nenhum elemento indique que as mesmas integram uma quantidade global alguma vez na posse do agente ou sem que exista elemento que imprima uma ideia de sucessivas reformulações de decisão de cometer o crime de tráfico.
Entende-se, assim que a infracção praticada integra os elementos constitutivos do crime previsto no artigo 25 da lei 15/93.
Assim,
Considerando os factores de medida da pena elencados na decisão recorrida, e pela prática do mesmo crime, condena-se o arguido AA na pena de três anos de prisão e o arguido BB na pena de três anos e seis meses de prisão.

Face á redacção do artigo 50º do Código Penal introduzida pela lei 59/2007 e considerando o artigo 2º do mesmo diploma importa considerar a aplicabilidade do regime de suspensão da execução da pena.
Tal questão, uma das questões mais importantes no âmbito das penas substituição, e com que se debate a decisão, centra-se no critério, ou critérios, que devem presidir à escolha entre prisão e uma pena de substituição. O que se afirma é então que, na lei penal vigente, a culpa só pode (e deve) ser considerada no momento que precede o da escolha da pena - o da medida concreta da pena de prisão -, não podendo ser ponderada para justificar a não aplicação de uma pena de substituição: tal atitude é tomada tendo em conta unicamente critérios de prevenção. Significa o exposto que não oferece qualquer dúvida interpretar o estipulado pelo legislador (artigo 71º do Código Penal) a partir da ideia de que um orientamento de prevenção-e esse é o da prevenção especial- deve estar na base da escolha da penal pelo tribunal; sendo igualmente um orientamento de agora de prevenção geral, no seu grau mínimo - o único que (e deve) fazer afastar a conclusão a que se chegou em termos prevenção especial.
Assim, reafirma-se o princípio de que as considerações de culpa não devem ser levadas em conta no da escolha da pena. Na verdade, o juízo de culpa já foi feito: antes de se colocar a questão da escolha da pena importou já decidir sobre a aplicação da pena de prisão e sobre a sua medida concreta, para o que foi decisivo um juízo (concreto) sobre a culpa do agente. Conforme refere Figueiredo Dias “afastada a relevância da culpa no problema da escolha da pena de neste âmbito, comportam mutuamente, substituição, resta determinar como se as exigências de prevenção geral e de prevenção especial"
É inteiramente distinta a função que umas e outras exercem neste contexto. Prevalência decidida, considera o mesmo Mestre, não pode deixar de ser atribuída a considerações de prevenção especial de socialização, por serem sobretudo todo o movimento de luta elas que justificam, em perspectiva político-criminal, contra a pena de prisão. E prevalência, anote-se, a dois níveis diferentes:
-o tribunal só deve negar a aplicação de uma pena alternativa ou de uma pena de substituição quando a execução da prisão se revele, do ponto de vista da prevenção especial de socialização, necessária ou, em todo o caso, provavelmente mais conveniente do que aquelas penas; coisa que só raramente acontecerá se não se perder de vista o já tantas vezes referido carácter criminógeno da prisão, em especial da de curta duração. Em segundo lugar, sempre que, uma vez recusada pelo tribunal a aplicação efectiva da prisão, reste ao seu dispor mais do que uma espécie de pena de substituição (v,g. multa, prestação de trabalho a favor da comunidade, suspensão da execução da prisão), são ainda considerações de prevenção especial de socialização que devem decidir qual das espécies de penas de substituição abstractamente aplicáveis deve ser a eleita.
Por seu turno a prevenção geral surge aqui sob a forma do conteúdo mínimo de prevenção de integração indispensável à defesa do ordenamento jurídico, como limite à actuação das exigências de prevenção especial de socialização.
Quer dizer desde que impostas, ou aconselhadas à luz de exigências de socialização, a pena alternativa ou a pena de substituição só não serão aplicadas se a execução da pena de prisão se mostrar indispensável para que não sejam postas irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias.
Impõe-se que a comunidade jurídica suporte a substituição da pena, pois só assim se dá satisfação ás exigências de defesa do ordenamento jurídico e, consequentemente, se realiza uma certa ideia de prevenção geral. A sociedade tolera uma certa perda de efeito preventivo geral-isto é conforma-se com a aplicação de uma pena de substituição, mas nenhum ordenamento jurídico se pode permitir pôr-se a si mesmo em causa, sob pena de deixar de existir enquanto tal. Em caso de absoluta incompatibilidade, as exigências (mínimas) de prevenção geral hão-de funcionar como limite ao que, de uma perspectiva de prevenção especial, podia ser aconselhável
A aplicação de uma pena de substituição é suficiente, não só para evitar que o agente reincida, como também para realizar o limiar mínimo de prevenção geral de defesa da ordem jurídica. Na verdade, a utilização de reacções não institucionais foi muitas vezes apontada um enfraquecimento da ideia de repressão que se alia á pena: dir-se-ia que a realização das finalidades de prevenção geral e a expressão do castigo pelo crime cometido que se pretendeu realizar através da pena entrariam, com elas, em crise. Ora, é hoje unanimemente conhecido que qualquer das formas de substituição de da pena clássica de prisão não deixa de envolver a inflição de um mal que comporta um efeito mais ou menos penoso para quem o sofre, constituindo, nesse sentido, uma verdadeira pena. O que se quer assim significar é que as exigências de exteriorização física da reprovação pelo crime cometido impõem, em certos casos, ao menos por agora, se lance mão da pena de prisão.
O que assim se acentua é que o castigo e a reprovação públicas que se exprimem através das penas de substituição satisfazem, nesses sentido, as exigências de justiça que o sentimento geral da comunidade requer assegurando-se, assim, a manutenção da fidelidade do público ao direito e a sua confiança na validade daquele. Só quando a realização desta finalidade seja posta em perigo, no caso, concreto, por esta forma de exprimir a reprovação do crime- o que nenhum ordenamento jurídico se pode permitir sob pena de ver a sua própria sobrevivência ameaçada - se pode aceitar que se afaste a aplicação de uma pena de substituição.

É exactamente esse delicado equilíbrio entre os limites propostos pelos fins das penas que terá de ser resolvida a questão proposta. E, desde logo, deve-se prevenir para uma difícil conjugação entre a aplicação de uma pena de prisão com o juízo positivo sobre a suficiência da advertência contida na suspensão da execução e com a formulação de prognose positiva sobre a evolução do seu comportamento.
Na verdade, pressuposto básico da aplicação de pena de substituição aos arguidos recorrentes seria a existência de factos que permitissem tal juízo de prognose. Por outras palavras seria necessário que o tribunal estivesse convicto de que a censura expressa na condenação e a ameaça de execução da pena de prisão aplicada eram suficientes para afastar o arguido de uma opção desvaliosa em termos criminais e para o futuro. Tal conclusão teria de se fundamentar em factos concretos que apontassem de forma clara na forte probabilidade de uma inflexão em termos de vida reformulando os critérios de vontade de teor negativo e renegando a prática de actos ilícitos.
Fundamentalmente estão em causa a ausência de antecedentes criminais do AA bem como a inserção profissional e familiar do arguido BB. Porém, para além dos referidos nenhum elemento existe que permita configurar uma ideia que avalize tal probabilidade (nem sequer uma assunção clara da responsabilidade criminal que, não podendo, nunca, ser valorizada contra o arguido, deverá favorecê-lo, caso exista).
Por outro lado, o tráfico de estupefaciente constitui um autêntico flagelo social e dificilmente é aceitável para o conjunto dos cidadãos que a pena correspondente a tal ilícito seja suspensa na sua execução quando as circunstâncias apontam para uma actividade ilícita que situa a um nível de actividade criminosa exercida de forma repetida e com assinalável contorno de ilicitude.
Termos em que não se decreta a suspensão de execução da pena.

Nesta conformidade julga-se parcialmente procedente o recurso interposto e, em consequência condena-se o arguido AA na pena de três anos de prisão e o arguido BB na pena de três anos e seis meses de prisão.
Custas pelos recorrentes
Taxa de Justiça 5 UC

Supremo Tribunal de Justiça, 19 de Dezembro de 2007

Santos Cabral (Relator)
Oliveira Mendes
Maia Costa
Pires da Graça
______________________
(1) Conf. Pefecto Andrés Ibanez “Acerca de la motivacion de los hechos en la sentencia penal” .
(2) Jornadas de Direito Processual Penal
(3) A título de mero exemplo, e tal como ali se referiu, o Supremo Tribunal já considerou que integrava a previsão do tipo base (art.º 21.º) a detenção para venda de 174 gr de haxixe (Ac. de 12/6/97 publicado na Colectânea de Jurisprudência STJ, Ano V, T2, págs. 233 a 235).
O mesmo aconteceu com a detenção de 246,089 g do mesmo produto estupefaciente, julgado no Acórdão deste Supremo Tribunal, publicado na mesma Colectânea, ano IX, T3, págs. 172 a 174.
Em contrapartida, o Acórdão do STJ de 05-12-2001 Proc. n.º 3017/01-3.ª, já considerou como tráfico de menor gravidade, e, assim, subsumível à previsão do art. 25.º do DL 15/93, de 22-01, a detenção pelo arguido de haxixe, «ainda que de quantidade apreciável (3122,5 g).O mesmo aconteceu no Acórdão do Supremo Tribunal, de 24-01-2001 Proc. n.º 3826/00 – 3.ª, com a detenção, de uma única vez de 200,6 g de haxixe.
No caso do acórdão 1101/03-5 citado, foi tido como «tráfico de menor gravidade» a detenção de 911,058 g de haxixe, uma vez que todas as demais circunstâncias provadas favoreciam o arguido, assim dando uma imagem global do facto susceptível de algum enfraquecimento da ilicitude.