TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES
CORREIO DE DROGA
MEDIDA CONCRETA DA PENA
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
PREVENÇÃO GERAL
Sumário


I - Tem-se por adequada a aplicação de uma pena de 4 anos de prisão, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21.º do DL 15/93, de 22-01, se a arguida, com dupla nacionalidade (brasileira e espanhola), residente em Espanha há catorze anos, e sem antecedentes criminais, no âmbito de um transporte como correio de droga, desembarcou no aeroporto de Lisboa, proveniente de S. Paulo, Brasil, e em trânsito para Barcelona, transportando na sua mala de porão três embalagens contendo cocaína (cloridrato), com o peso bruto total de 1037 g.
II - Para aplicação da pena de suspensão de execução da pena de prisão é necessário, em primeiro lugar, que a mesma não coloque irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e a estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias, ou seja, o sentimento de reprovação social do crime ou sentimento jurídico da comunidade. Em segundo lugar, é necessário que o tribunal se convença, face à personalidade do arguido, comportamento global, natureza do crime e sua adequação a essa personalidade, que o facto cometido não está de acordo com essa personalidade e foi simples acidente de percurso, esporádico, e que a ameaça da pena, como medida de reflexos sobre o seu comportamento futuro, evitará a repetição de comportamentos delituosos.
III - Por outro lado, o juízo de prognose sobre o comportamento futuro do condenado deve ter em consideração, como a letra da lei impõe, a personalidade do agente, as suas condições de vida, a sua conduta anterior e posterior ao crime e as circunstâncias deste.
IV - Como vem sendo enfaticamente salientado por este Supremo Tribunal, na concretização da pena nos crimes de tráfico de estupefacientes deve atender-se a fortes razões de prevenção geral impostas pela frequência desse fenómeno e das suas nefastas consequências para a comunidade, sendo que só em casos ou situações especiais, em que a ilicitude do facto se mostre diminuída e o sentimento de reprovação social se mostre esbatido, será admissível o uso do instituto da suspensão da execução da pena de prisão.
V - Como recentemente se decidiu neste STJ, a suspensão da execução da pena nos casos de tráfico comum e de tráfico agravado de estupefacientes em que não se verifiquem razões ponderosas, seria atentatória da necessidade estratégica nacional e internacional de combate a esse tipo de crime, faria desacreditar as expectativas comunitárias na validade da norma jurídica violada e não serviria os imperativos de prevenção geral.
VI - Nesta conformidade, estando-se perante crime de tráfico de estupefacientes, consubstanciado no transporte aéreo da América do Sul para a Europa de cerca de 1 kg de cocaína, não se tratando de situação de menor ilicitude e em que o sentimento de reprovação se mostre esbatido, há que afastar a aplicação do instituto da suspensão da execução da pena.

Texto Integral



Acordam no Supremo Tribunal de Justiça
No âmbito do processo comum com intervenção do tribunal colectivo n.º 18/07, da 7ª Vara Criminal de Lisboa, AA com os sinais dos autos, foi condenada como autora material de um crime de tráfico de estupefacientes na pena de 4 anos de prisão e na pena acessória de expulsão do território nacional pelo período de 10 anos.
A arguida interpôs recurso.
São do seguinte teor as conclusões extraídas da respectiva motivação:
1. O douto acórdão condenatório, apesar de considerar sofrer a arguida de problemas do foro mental e de ter ajuda psiquiátrica, não relevou a circunstância (que resulta da simples leitura da acta de audiência e que motivou a dispensa de prova), de a arguida haver confessado na íntegra e sem qualquer reserva os factos delituosos imputados – ou seja, o transporte de cerca de 1.000 gramas de cocaína, que se não destinavam ao nosso país, mas a Espanha – não considerando ainda e devidamente tudo quanto a favor da recorrente se deu como provado, quer no tocante à sua vida passada, grau de cultura e de socialização incluído, quer no respeitante às suas capacidades intelectuais reveladas no cárcere (escritora, pianista), o que mitigaria o dolo na acção revelado.
2. Deste modo, ao não considerar a relevância dessas circunstâncias (que ainda assim a instância considerou provadas, resultando algumas delas de prova documental inserta na contestação) para o efeito da atenuação especial da pena (que se impunha in casu dadas as características do crime, a ilicitude dos factos delituosos e a mediana intensidade do dolo), violou o recorrido acórdão o disposto no artigo 72º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal, por nítido erro de interpretação.
3. Ainda, ao condenar a recorrente pela prática de um crime de tráfico simples, p. e p. pelo artigo 21º, do DL 15/93, de 22.01, o douto acórdão condenatório fez incorrecta e salvo o devido respeito, indevida interpretação do mesmo artigo 21º, do DL 15/93, 22.01, podendo e devendo considerar-se o simples transporte de cerca de 1 quilo de cocaína, um ilícito penal a subsumir no crime de tráfico mitigado a que alude o artigo 25º, do DL 15/93, dado se tratar in casu de simples transporte de droga, a mesma se não destinar ao nosso país, nem o comportamento, a personalidade ou o tipo de vida anterior da condenada (pianista, escritora, mãe de três filhos que com ela viviam), evidenciar propensão para o crime, surgindo o agir ilícito da recorrente como algo de inesperado ou fortuito na sua vida.
4. Na verdade, mais nenhuma outra actividade de tráfico foi produzida pela recorrente que não o mero transporte da dita cocaína, tendo este Venerando Supremo Tribunal já entendido que um transporte de 700 gramas de heroína, acrescido de um transporte de outra quantidade não exactamente determinada de cocaína, desacompanhada de qualquer outro acto de tráfico, constitui tráfico de menor gravidade, a punir pelo referido artigo 25º, do DL 15/93.
5. Aplicando a pena de 4 anos de prisão à recorrente, o recorrido e douto acórdão violou o princípio da equidade e o princípio da coerência da aplicação das penas de prisão, tendo ainda violado a Recomendação n.º R (92) 17 de 19.10.92 do Conselho da Europa, sendo certo que recentemente pelo menos um indivíduo condenado por transporte de 4 toneladas de cocaína, num julgamento que decorreu no Tribunal de Almeirim, foi condenado em 6 anos de prisão – acórdão de 7 de Março de 2007 (P.º 207/05).
6. Devendo, em consequência, o douto acórdão recorrido ser revogado e substituído por outro que, por mais douto e acertado, condene a recorrente em pena de 3 anos de prisão.
Na contra-motivação apresentada o Ministério Público pugna pela improcedência do recurso, com integral confirmação do acórdão impugnado.
A Exm.ª Procuradora-Geral Adjunta, após referência à legitimidade da recorrente, à tempestividade do recurso e à ausência de circunstância obstativa do seu conhecimento, manifestou o entendimento de que o recurso, pese embora a medida da pena haja sido fixada no mínimo legal, não deve ser rejeitado, visto que haverá que ponderar a eventual aplicação do instituto da suspensão da execução da pena, atenta a alteração operada ao n.º 1 do artigo 50º do Código Penal pela Lei n.º 59/07, de 4 de Setembro, que aumentou para 5 anos de prisão o limite da pena susceptível de suspensão na sua execução.
A recorrente não respondeu.
Colhidos os vistos e realizada a audiência, cumpre agora decidir.
São duas as razões de discordância da recorrente na base das quais fundamenta o seu recurso:
a) Incorrecta qualificação jurídica dos factos;
b) Desajustada dosimetria da pena.
Questão que oficiosamente cumpre conhecer é a referida pela Exm.ª Procuradora-Geral Adjunta no seu douto parecer, qual seja a da eventual aplicação do instituto da suspensão da execução da pena, face às alterações introduzidas à lei substantiva penal pela Lei n.º 59/07, de 4 de Setembro, que veio permitir a aplicação daquele instituto às penas de prisão aplicadas em medida não superior a 5 anos – artigo 50º, n.º 1.
O tribunal colectivo considerou provados os seguintes factos - (1):

«No dia 5 de Fevereiro de 2007, pelas 13:40 horas, a arguida chegou ao aeroporto de Lisboa, no voo TP-192, procedente de São Paulo, em trânsito pelo Porto e por Lisboa, tendo como destino final Barcelona;
No decurso de revisão de bagagem efectuada à arguida no referido aeroporto, foram encontradas na sua posse, na mala de porão da marca “Alexander” modelo “Milano”, que ostentava a etiqueta TP 668806, a qual foi aberta na sua presença, depois de a ter reconhecido como sendo sua, três embalagens contendo um produto suspeito de ser cocaína (cloridrato), com o peso bruto de 1037 gramas;
Mais lhe foi apreendido:
- a aludida mala no interior da qual se encontrava uma bolsa preta, contendo, o citado produto;
- uma bolsa preta, da marca Verão e sem modelo aparente, no interior da qual se encontrava o produto estupefaciente;
- 70.00 US Dólares;
- 81.00 Reais;
- um Telemóvel da marca Nokia, modelo 7370, de cor dourada, com o IMEI nº .............;
- um telemóvel da marca Siemens modelo C45, cinzento, com o Imei nº ....................;
- uma etiqueta de bagagem referente ao percurso Porto – Lisboa - Barcelona, em nome da arguida;
- um recibo de bilhete electrónico, emitido pela TAP;
- um cartão de embarque referente ao voo Lisboa – Barcelona, ainda por utilizar;
- um canhoto de um cartão de embarque, referente ao voo São Paulo – Porto;
- um canhoto de um cartão de embarque, referente ao voo Porto – Lisboa;
- um Recibo de Passageiro, referente ao voo de São Paulo para o Porto e ao pagamento de 100.00 € como taxas, contendo colado uma etiqueta de bagagem, emitida pela TAP, para Guarulhos;
- um bilhete referente à mudança de reserva de voo, emitido pela TAP;

- um recibo de pagamento emitido pela TAP, referente à mudança de reserva de voo, todos em nome da arguida;
- um documento emitido pela Western Union, contendo o nome da arguida como destinatário e um tal “BB como remetente, enviando 159,78 Euros ao seu cuidado, tendo esta recebido como contravalor em São Paulo cerca de 424,12 reais;
A arguida conhecia perfeitamente a natureza e características de tal produto;
Produto esse que aceitara transportar até Barcelona por, para o efeito, lhe ter sido prometida a quantia de € 1.500;
A importância de 70.00 US Dólares apreendida eram parte do lucro que a arguida iria obter com o transporte de tal produto;
A arguida agiu livre e voluntariamente, bem sabendo que a sua conduta era criminalmente punida por lei;
A arguida é natural do Brasil e não possui residência nem qualquer ligação familiar ou profissional no nosso país;
Onde apenas se deslocou para praticar os factos antes descritos qualificados pela lei como crime;
A arguida é pianista em Espanha, onde reside há 14 anos;
Tem o nome artístico de CC, tendo celebrado vários contratos de trabalho de duração ilimitada;
Ganha uma média de 2.500 euros por mês e trabalhava antes de ser detida;
Tem dupla nacionalidade (espanhola e brasileira);
Vive com os 3 filhos, de 26, 24 e 15 anos de idade, dos quais os dois primeiros trabalham;
Como habilitações literárias tem o curso superior de piano, tirado na Universidade Católica de Goiás;
No estabelecimento prisional tem dedicado o seu tempo a escrever e a compor música, tendo escrito uma peça de teatro a que deu o nome de Um Dia Em “...........”;
O pai faleceu em 31.12.2004;
A mãe apresenta sinais de demência ou demandas cognitivas;
Em 4.02.2000 a arguida padecia de transtorno específico da personalidade;
No Brasil, a arguida trabalhou 6 anos como auxiliar do juiz em Goiás;
Está a ser acompanhada por um médico psiquiatra;
Há vários anos que faz tratamentos psiquiátricos;
Nada consta do C.R.C. da arguida».

Requalificação Jurídica dos Factos
Sob a alegação de que se limitou à prática de um acto de mero transporte de cocaína, na quantidade de 1 quilograma, sendo um simples correio ocasional, entende a arguida que os factos por si praticados devem ser objecto de requalificação, com subsunção à norma do artigo 25º, alínea a), do DL 15/93, de 22.01 (tráfico de menor gravidade), tanto mais que a sua personalidade e o seu comportamento anterior não reflectem qualquer propensão para o crime.
Decidindo, dir-se-á.
O crime de tráfico de menor gravidade, previsto no artigo 25º, do DL 15/93, como a sua própria denominação legal sugere, caracteriza-se por constituir um minus relativamente ao crime matricial, ou seja, ao crime do artigo 21º, do DL 15/93 - (2).
Trata-se de um facto típico cujo elemento distintivo do crime-tipo reside, apenas, na diminuição da ilicitude do facto, redução que o legislador impõe seja considerável, indicando como factores aferidores de menorização da ilicitude do facto, a título meramente exemplificativo, os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção e a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações.
É pois a partir do tipo fundamental, concretamente da ilicitude nele pressuposta, que se deve aferir se uma qualquer situação de tráfico se deve ou não qualificar como de menor gravidade
- (3).
Tal aferição, consabido que a ilicitude do facto se revela, essencialmente, no seu segmento objectivo, com destaque para o desvalor do resultado, deverá ser feita a partir das circunstâncias que em concreto se revelem e sejam susceptíveis de aumentar ou diminuir a quantidade do ilícito do ponto de vista do resultado
- (4).
Assim e para além das circunstâncias atinentes aos factores de aferição da ilicitude indicados no texto do artigo 25º, do DL n.º 15/93, já atrás citados, há que ter em conta todas as demais circunstâncias susceptíveis de interferir na graduação da gravidade do facto, designadamente as que traduzam uma menor perigosidade da acção e/ou desvalor do resultado, em que a ofensa ou o perigo de ofensa aos bens jurídicos protegidos se mostre significativamente atenuado, sendo certo que para a subsunção de um comportamento delituoso (tráfico) ao tipo privilegiado do artigo 25º, do DL 15/93, como vem defendendo este Supremo Tribunal
- (5)., torna-se necessária a valorização global do facto, tendo presente que o legislador quis aqui incluir, como já atrás se consignou, os casos de menor gravidade, ou seja, aqueles casos que ficam aquém da gravidade justificativa do crime-tipo, o que tanto pode decorrer da verificação de circunstâncias que, global e conjugadamente sopesadas, se tenham por consideravelmente diminuidoras da ilicitude do facto, como da não ocorrência (ausência) daquelas circunstâncias que o legislador pressupôs se verificarem habitualmente nos comportamentos e actividades contemplados no crime-tipo, isto é, que aumentam a quantidade do ilícito colocando-o ao nível ou grau exigível para integração da norma que prevê e pune o crime-tipo.
No caso vertente estamos perante tráfico de cocaína, por via aérea, procedente de São Paulo e com destino a Barcelona, na quantidade de 1.037 gramas, substância que a arguida trazia no interior da sua bagagem e que aceitara transportar a troco da quantia de € 1.500,00.
Deste modo, tendo em vista a qualidade (cocaína) - (6). e a quantidade da substância estupefaciente (1.037 gramas)
- (7), bem como a forma e os meios utilizados (transporte dissimulado na bagagem e por via aérea), a que acresce estarmos perante tráfico internacional na base do qual não pode deixar de se encontrar envolvida uma estrutura organizada, é por demais evidente que a ilicitude do facto, conquanto a arguida seja um mero correio, não se mostra consideravelmente diminuída, sendo pois patente a improcedência do recurso nesta parte.
Desajustada Dosimetria da Pena
Entende a arguida que atentas as concretas circunstâncias ocorrentes, com destaque para a confissão integral e sem reservas e as suas condições pessoais e de vida, sendo pessoa bem comportada, culta e sensível, com problemas do foro mental, necessitando de ajuda psiquiátrica, o que reduz o grau do dolo, deve ser-lhe aplicado o instituto da atenuação especial da pena, com fixação de uma pena não superior a 3 anos de prisão.
Mais entende que o tribunal a quo ao fixar a pena em 4 anos de prisão violou os princípios da equidade e da coerência da aplicação das penas, bem como recomendação do Conselho da Europa, porquanto em julgamento realizado em Março deste ano, no Tribunal de Almeirim, foi cominada uma pena de 6 anos de prisão a arguido que transportou 4 toneladas de cocaína.
O instituto da atenuação especial da pena, como o próprio denominativo sugere, tem em vista casos especiais expressamente previstos na lei, bem como, em geral, situações em que ocorrem circunstâncias anteriores, contemporâneas ou posteriores ao crime que diminuem de forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade de pena – artigo 72º,n.º1, do Código Penal.
Pressuposto material da atenuação especial da pena é, pois, a ocorrência de acentuada diminuição da culpa ou das exigências de prevenção, sendo certo que tal só se deve ter por verificado quando a imagem global do facto, resultante das circunstâncias atenuantes, se apresente com uma gravidade tão diminuída que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em hipóteses tais quando estatuiu os limites normais da moldura cabida ao tipo de facto respectivo - (8).
Por isso, como defende aquele insigne penalista, a atenuação especial da pena só em casos extraordinários ou excepcionais pode ter lugar.
Trata-se assim de uma válvula de segurança, só aplicável a situações que, pela sua excepcionalidade, não se enquadram nos limites da moldura penal aplicável ao respectivo crime, ou seja, a situações em que se mostra quebrada a relação/equivalência entre o facto cometido e a pena para o mesmo estabelecida, consabido que entre o crime e a pena há (deve haver) uma equivalência
- Sobre a equivalência entre o crime e a pena veja-se Francesco Carnelutti, El Problema de La Pena, 32/36..
Vem provado que:

«A arguida conhecia perfeitamente a natureza e características de tal produto;
Produto esse que aceitara transportar até Barcelona por, para o efeito, lhe ter sido prometida a quantia de € 1.500;

A arguida agiu livre e voluntariamente, bem sabendo que a sua conduta era criminalmente punida por lei;
A arguida é natural do Brasil e não possui residência nem qualquer ligação familiar ou profissional no nosso país;
Onde apenas se deslocou para praticar os factos antes descritos qualificados pela lei como crime;
A arguida é pianista em Espanha, onde reside há 14 anos;
Tem o nome artístico de CC, tendo celebrado vários contratos de trabalho de duração ilimitada;
Ganha uma média de 2.500 euros por mês e trabalhava antes de ser detida;
Tem dupla nacionalidade (espanhola e brasileira);
Vive com os 3 filhos, de 26, 24 e 15 anos de idade, dos quais os dois primeiros trabalham;
Como habilitações literárias tem o curso superior de piano, tirado na Universidade Católica de Goiás;
No estabelecimento prisional tem dedicado o seu tempo a escrever e a compor música, tendo escrito uma peça de teatro a que deu o nome de Um Dia Em “.........”;
O pai faleceu em 31.12.2004;
A mãe apresenta sinais de demência ou demandas cognitivas;
Em 4.02.2000 a arguida padecia de transtorno específico da personalidade;
No Brasil, a arguida trabalhou 6 anos como auxiliar do juiz em Goiás;
Está a ser acompanhada por um médico psiquiatra;
Há vários anos que faz tratamentos psiquiátricos;
Nada consta do C.R.C. da arguida».
Ora perante este quadro factual, a que acresce a circunstância de a confissão da arguida possuir reduzidíssimo valor, já que detida em flagrante delito, é patente não estarmos perante um caso extraordinário ou excepcional, concretamente no que concerne ao grau da ilicitude do facto, à intensidade da culpa ou à (des)necessidade da pena.

Quanto à alegada violação por parte do tribunal recorrido dos princípios da igualdade e da equidade, com o fundamento de que determinado tribunal condenou na pena de 6 anos de prisão arguido que transportou 6 toneladas de cocaína, é evidente a sua falta de fundamento.
Primeira observação a fazer é a de que o princípio da igualdade constitucionalmente consagrado – artigo 13º, da Constituição da República –, segundo o qual os cidadãos são iguais perante a lei traduz-se, em matéria de fixação de penas, na utilização pelo juiz, a todos os casos, do critério legal de determinação da pena estabelecido no Código Penal (ao qual se encontram subjacentes os princípios constitucionais da proporcionalidade e da necessidade), o que no caso vertente manifestamente foi feito, sendo certo que, a eventual existência de decisão anterior ilegal ou injusta, não atribui ao arguido o direito de exigir decisão de conteúdo idêntico - (10).
Segunda observação é a de que à arguida foi imposta a pena mínima aplicável ao crime que cometeu e pelo qual foi condenada, ou seja, o tribunal recorrido não podia aplicar pena inferior.
Aquela pena, aliás, mostra-se situada em patamar inferior ao padrão sancionatório utilizado pelo Supremo Tribunal perante casos idênticos
- (11).
.
Improcede pois o recurso
Eventual Suspensão da Execução da Pena
Por efeito das alterações introduzidas ao Código Penal pela Lei n.º 59/07, de 4 de Setembro, o instituto da suspensão da execução de penas passou a ser aplicável a penas de prisão aplicadas em medida não superior a 5 anos – redacção dada ao n.º 1 do artigo 50º.
Deste modo, tendo sido imposta à arguida AA pena de 4 anos de prisão, há que averiguar, atento o que dispõem a Constituição da República e o Código Penal sobre a aplicação da lei criminal no tempo – artigos 29º, n.º 4 e 2º, n.º 4 –, se a pena àquela cominada deve ou não ser objecto de suspensão na sua execução.
Decidindo, dir-se-á.
A aplicação da pena de suspensão de execução da pena de prisão só pode e deve ser aplicada se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, o tribunal concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizem de forma adequada e suficiente as finalidades da punição – artigo 50º, n.º 1, do Código Penal.
Consabido que as finalidades da punição se circunscrevem à protecção dos bens jurídicos e à reintegração do agente na sociedade – artigo 40º, n.º 1, do Código Penal –, é em função de considerações exclusivamente preventivas, prevenção geral e especial, que o julgador tem de se orientar na opção pela pena de suspensão de execução da prisão.
Assim, para aplicação daquela pena de substituição é necessário, em primeiro lugar, que a pena de suspensão da execução da prisão não coloque irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e a estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias, ou seja, o sentimento de reprovação social do crime ou sentimento jurídico da comunidade. Em segundo lugar, é necessário que o tribunal se convença, face à personalidade do arguido, comportamento global, natureza do crime e sua adequação a essa personalidade, que o facto cometido não está de acordo com essa personalidade e foi simples acidente de percurso, esporádico, e que a ameaça da pena, como medida de reflexos sobre o seu comportamento futuro evitará a repetição de comportamentos delituosos.
Por outro lado, o juízo de prognose sobre o comportamento futuro do condenado deve ter em consideração, como a letra da lei impõe, a personalidade do agente, as suas condições de vida, a sua conduta anterior e posterior ao crime e as circunstâncias deste.
No caso vertente estamos perante crime de tráfico de estupefacientes, consubstanciado no transporte aéreo da América do Sul para a Europa de cerca de 1 quilograma de cocaína - (12).
Como vem sendo enfaticamente salientado por este Supremo Tribunal
- (13), na concretização da pena nos crimes de tráfico de estupefacientes deve-se atender a fortes razões de prevenção geral impostas pela frequência desse fenómeno e das suas nefastas consequências para a comunidade
- (14).

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Com efeito, só no ano de 2005 foram distribuídos no Supremo Tribunal de Justiça 40 processos relativos a correios de droga provenientes do estrangeiro, quando no ano de 2004 deram entrada cerca de 20 processos, no ano de 2003 cerca de 15 processos e no ano de 2002 cerca de 10 processos.
Por outro lado, parte significativa da população prisional portuguesa cumpre pena, directa ou indirectamente, relacionada com o tráfico e o consumo de estupefacientes. No ano de 2005 o tráfico de estupefacientes era a principal causa de condenação em pena detentiva, com 2592 condenações - (15).
As necessidades de prevenção geral impõem, pois, uma resposta punitiva firme, única forma de combater eficazmente o tráfico.
Neste contexto, só em casos ou situações especiais, em que a ilicitude do facto se mostre diminuída e o sentimento de reprovação social se mostre esbatido, será admissível o uso do instituto da suspensão da execução da pena de prisão.
Como recentemente se decidiu neste Supremo Tribunal, a suspensão da execução da pena nos casos de tráfico comum e de tráfico agravado de estupefacientes em que não se verifiquem razões ponderosas, seria atentória da necessidade estratégica nacional e internacional de combate a esse tipo de crime, faria desacreditar as expectativas comunitárias na validade da norma jurídica violada e não serviria os imperativos de prevenção geral
- (16).
Aliás, o crime matriz de tráfico foi balizado em matéria de punibilidade pelo legislador de 1993 de modo a impedir a aplicação de pena de suspensão da execução da prisão, o que foi alcançado mediante a fixação do limite mínimo da pena aplicável em 4 anos de prisão
-(17), sendo certo que as circunstâncias que conduziram o legislador penal àquela solução, decorrentes das necessidades de prevenção geral, se mantêm integralmente, quando não acentuado.
Nesta conformidade, sendo que no caso vertente não estamos perante situação de menor ilicitude e em que o sentimento de reprovação se mostre esbatido, há que afastar a aplicação do instituto da suspensão da execução da pena.
Termos em que se acorda negar provimento ao recurso.
Custas pela recorrente, fixando em 10 UCs a taxa de justiça.

19-12-2007
Proc. n.º 3206/07 - 3.ª Secção
Oliveira Mendes (relator)
Maia Costa
Pires da Graça
Raul Borges (Vencido relativamente à prestação de decidir desde já sobre a suspensão da execução da pena, entendendo que deveria ficar na disponibilidade do arguido e funcionamento do artº 371º A CPP.)
___________________________________
(1)-O texto que a seguir se transcreve corresponde ipsis verbis ao do acórdão recorrido
(2)- - Com efeito, com a previsão do crime de tráfico de menor gravidade quis o legislador abranger os casos e as situações que ficam aquém da gravidade do ilícito justificativa do crime-tipo.
É do seguinte teor o artigo 25º, do DL 15/93:
«Se, nos casos dos artigos 21º e 22º, a ilicitude do facto se mostrar consideravelmente diminuída, tendo em conta nomeadamente os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade das plantas, substâncias ou preparações, a pena é de:
a) Prisão de 1 a 5 anos, se se tratar de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III;
b) Prisão até 2 anos ou multa até 240 dias, no caso de substâncias ou preparações compreendidas na tabela IV».
(3)- Constitui jurisprudência constante e pacífica deste Supremo Tribunal o entendimento de que o privilegiamento do crime de tráfico dá-se, exclusivamente, em função de uma considerável diminuição da ilicitude do facto – entre outros, os acórdãos de 05.05.12, 05.05.19 e 05.07.12, proferidos nos Processos n.ºs 1272/05, 1751/05 e 2432/05, bem como o acórdão de 03.12.12, publicado na CJ (STJ), XI, I, 191, no qual se dá conta da diversíssima jurisprudência sobre a definição de tráfico de menor gravidade.
(4) - O texto legal ao incluir nos factores exemplificativos da diminuição da ilicitude do facto as circunstâncias da acção, não pretende abranger os elementos subjectivos conformadores do tipo de ilícito (motivação delituosa, atitude interna do agente), antes os elementos objectivos. Assim, circunstâncias da acção serão os meios ou formas concretamente utilizados pelo agente, tendo em vista a maior ou menor capacidade e possibilidade de afectação do bem jurídico tutelado.
(5)- Cf. entre muitos outros, os acórdãos de 99.12.07 e de 02.20.03, proferidos nos Processos n.ºs 1005/99 e 4013/01.
(6) - A cocaína é uma droga dura, visto que o seu consumo causa graves danos à saúdem sujeitando o consumidor a uma forte dependência física e psíquica, provocando uma progressiva necessidade de consumo, com o consequente processo auto-destrutivo, face à perda da capacidade de determinação. Para além de afectar a pessoa do consumidor, o consumo de cocaína produz efeitos colaterais graves, gerando a desorganização social e a necessidade de assistência médica – cf. Sequeros Sazatornil, El Trafico de Drogas Ante El Ordenamiento Jurídico, 87/88.
Por outro lado, como nos dá conta Arroyo Zapatero, “Aspectos penales del tráfico de drogas”, Poder Judicial n.º 11, Junho de 1984, o consumo de drogas duras constitui um dos factores criminógenos mais importantes, sendo causador da maior parte da criminalidade violenta contra a propriedade.
(7)- Tenha-se em vista que uma dose de cocaína é habitualmente constituída por ¼ de grama, pelo que a quantidade transportada corresponde a mais de 4.000 doses.
(8) - Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, 306/307.
(9) - Com efeito, nem sequer existe um direito à unidade da jurisprudência ou à não mudança da jurisprudência, muito menos o direito de o arguido exigir, face a um acto ilegal ou injusto do tribunal, a prática no futuro de acto de conteúdo idêntico – cf. Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada (4ª edição), I, 346, e Jorge Miranda/Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, I, 126.
(10)- Com efeito, nem sequer existe um direito à unidade da jurisprudência ou à não mudança da jurisprudência, muito menos o direito de o arguido exigir, face a um acto ilegal ou injusto do tribunal, a prática no futuro de acto de conteúdo idêntico – cf. Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada (4ª edição), I, 346, e Jorge Miranda/Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, I, 126.
(11)- Com efeito, no caso de meros correios, em situações de transporte internacional de drogas duras, em quantidade significativa (não inferior a 1 quilograma), tem este Tribunal aplicado penas entre 4 anos e 6 meses de prisão e 6 anos e 6 meses de prisão, consoante o concreto quadro circunstancial, com clara prevalência de penas entre 5 e 6 anos de prisão – cf. entre muitos outros, os acórdãos de 03.10.01, Recurso n.º 2846/03 (5 anos de prisão), de 03.11.05, Recurso n.º 2638/03 (6 anos de prisão), de 03.11.05, Recurso n.º 2315/03 (5 anos e 6 meses de prisão), de 04.01.15, Recurso n.º 3766/03 (6 anos de prisão), de 04.02.04, Recurso n.º 4251/03 (5 anos de prisão), de 04.07.1, Recurso n.º 2026/04 (5 anos e 6 meses de prisão), de 05.01.13, Recurso n.º 4705/05 (5 anos e 6 meses de prisão), de 05.04.27, Recurso n.º 1446/05 (5 anos de prisão), de 05.05.19, Recurso n.º 1287/05 (6 anos de prisão), de 06.01.12, Recurso n.º 4393/05 (6 anos de prisão), de 06.01.18, Recurso n.º 3895/05 (5 anos e 6 meses de prisão), de 06.04.27, Recurso n.º 797/06 (5 anos de prisão), de 07.01.10, Recurso n.º 3108/06 (6 anos de prisão) e de 07.02.07, Recurso n.º 22/07 (5 anos de prisão).
(12)- A cocaína é uma das mais perigosas e nefastas drogas duras. Como nos noticia Sequeros Sazatornil, ibidem, 877, a cocaína pode criar dependência em 48 horas e ao contrário dos opiáceos produz um efeito excitante, eliminando os mecanismos de inibição psíquica.
(13)- Cf. entre muitos outros, o acórdão de 04.06.09, publicado na CJ (STJ), XII, II, 221.
(14) - Conforme notícia do jornal “Público” de 27 do passado mês de Novembro, nos últimos anos, em conexão com o consumo de estupefacientes, ocorreram os seguintes óbitos: 1999 – 369; 2000 – 318; 2001 – 280; 2002 – 156; 2003 – 153; 2004 – 156; 205 – 219 e 2006 – 216.
(15)- Estudo publicado no Jornal Público de 19 de Novembro de 2006
(16)- Acórdão de 07.09.27, proferido no Recurso Penal n.º 3297/07. No mesmo sentido os acórdãos de 07.10.03, 07.11.14 e de 07.11.15, proferidos no Recursos n.ºs 2701/07, 3410/07 e 3761/07.
(17) - Ao tempo a pena de suspensão da execução da prisão só era admissível para penas aplicadas em medida não superior a 3 anos de prisão.