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PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
DOCUMENTAÇÃO DA PROVA
TRANSCRIÇÃO
NOTIFICAÇÃO
DIREITO AO RECURSO
RECURSO DA MATÉRIA DE FACTO
IRREGULARIDADE
INAUDIBILIDADE DA GRAVAÇÃO
PROVA
DIREITOS DE DEFESA
DIREITO AO SILÊNCIO
CONFISSÃO
ARREPENDIMENTO
MEDIDA CONCRETA DA PENA
HOMICÍDIO
TENTATIVA
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
JUÍZO DE PROGNOSE
Sumário
I - Não assiste razão ao recorrente quando afirma ter sido violado o princípio do contraditório por não ter sido notificado da junção da transcrição, com o envio de cópia, quando é certo que a pretendida notificação não se encontra prevista na lei. II - A transcrição das gravações não constitui mais do que passar a escrito aquilo que oralmente ocorreu na audiência de julgamento, na qual o arguido e o seu defensor estiveram presentes, sendo certo que a essa gravação teve acesso, ou podia ter tido acesso, requerendo a respectiva cópia. III - Tem afirmado este STJ que para a impugnação da matéria de facto não se torna necessário que o recorrente disponha da transcrição, uma vez que tem acesso aos suportes da gravação, que contêm a documentação de toda a prova produzida, podendo o recurso ser fundamentado sem necessidade da transcrição – Acs. de 15-02-06, Proc. n.º 4412/05 - 3.ª e de 08-06-06, Proc. n.º 766/06 - 5.ª. IV - Por outro lado, a alegada não entrega ao recorrente da própria transcrição dos suportes técnicos da gravação não envolve qualquer irregularidade. V - Quanto à invocada imperceptibilidade das gravações, haverá que reconhecer que o Tribunal da Relação, ao aceitar expressamente a fundamentação do Tribunal de 1.ª instância, implicitamente considerou que os segmentos dos depoimentos que não puderam ser transcritos, não põem em causa a inteligibilidade do respectivo depoimento, nem afectaram a prova fixada; aliás, o recorrente não suscitou a questão da irregularidade na audiência na Relação, assim como não a suscitou no prazo previsto no art. 123.º do CPP. VI - Este Supremo Tribunal tem entendido que, se é certo que a circunstância do arguido em julgamento se haver remetido ao silêncio não pode ser valorada em seu desfavor, na medida em que exerce um direito seu (art. 343.º, n.º 1, do CPP), a opção pelo silêncio pode, todavia, ter consequências que não passam pela sua valorização indevida: com efeito, optando pelo silêncio o arguido prescinde de dar a sua visão pessoal dos factos e de, eventualmente, esclarecer determinados pontos de que tem conhecimento pessoal, ficando arredadas a confissão espontânea e o arrependimento, circunstâncias que são especialmente relevantes na medida da pena – Ac. de 15-02-07, Proc. n.º 15/07 - 5.ª. VII - Verificando-se que o arguido foi condenado como autor de um crime de homicídio, na forma tentada, na pena de 3 anos e 9 meses, impõe-se equacionar a suspensão da execução de tal pena de prisão (art. 50.º, n.º 1, do CP): no caso em apreço ficou provado que o mesmo “é primário, é padeiro por conta própria, sendo pessoa considerada e estimada no meio em que se encontra inserido e que tem bom carácter”. VIII - Todavia, o arguido não confessou os factos, tendo-se remetido ao silêncio em audiência e não mostrou arrependimento, nem na audiência, nem no momento seguinte à agressão, pois está provado que “o ofendido pediu ao arguido para o levar ao hospital, tendo este respondido que não, que não se importava que aquele morresse, abandonando o local de imediato”. IX - Daí que não seja possível formar um juízo de prognose favorável: não é despiciendo para este efeito que, em audiência, o arguido se tenha remetido ao silêncio e alheado da imputação que lhe era feita; agiu no exercício de um direito processual que lhe é garantido, mas a sua atitude de omissão não lhe permitiu carrear para os autos circunstâncias que são especialmente relevantes para a formação do juízo de prognose.
Texto Integral
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
1. AA, que havia sido acusado pelo Ministério Público da prática de um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, na pessoa de BB, e de um crime de detenção ilegal de arma de defesa, foi julgado pelo tribunal colectivo da comarca de Leiria, tendo sido absolvido do crime de homicídio qualificado tentado, p. e p. pelos artigos 131°, 132º nºs 1 e 2 al. f), 22°, e 23°, do Código Penal e condenado pela autoria material de um crime de homicídio, na forma tentada, p. e p. pelos artigos 131°, 22°, e 23°, do C. Penal, na pena de 3 anos e 9 meses e por um crime de detenção ilegal de arma de defesa, p. e p. pelo artigo 6°, da Lei n.° 22/97, de 27 de Junho, na pena de 6 meses de prisão e, em cúmulo, na pena conjunta de 4 anos de prisão.
Inconformado, o arguido recorreu para o Tribunal da Relação de Coimbra, suscitando diversas questões, entre as quais a de que houve uma alteração da qualificação jurídica dos factos, sem ter sido dado cumprimento ao disposto no art. 358º nº 3 do Código de Processo Penal, o que levou à anulação da decisão do tribunal colectivo.
Em consequência da decisão da Relação de Coimbra, foi proferido pelo tribunal colectivo novo acórdão, que manteve a absolvição do arguido da prática do crime de homicídio qualificado tentado, condenando-o pela autoria de um crime de autoria de um crime de homicídio, na forma tentada, previsto nos arts. 131º, 22º, 23º e 73º do Código Penal, na pena de 3 anos e 9 meses de prisão e de um crime de detenção ilegal de arma de defesa, previsto no art. 6º da Lei nº 22/97, de 27 de Junho, na pena de 6 meses de prisão, e, efectuado o cúmulo, na pena única de 4 anos de prisão.
Mantendo-se inconformado, recorreu, de novo, para a Relação de Coimbra, que, por acórdão de fls. 848-859, julgou improcedentes todos os fundamentos do recurso, confirmando a decisão recorrida.
Ainda irresignado, o arguido recorre ao Supremo Tribunal de Justiça, tendo apresentado a sua motivação e extraído as respectivas conclusões, que, dado o seu número excessivo, foram, a convite do relator, substituídas pelas que se transcrevem:
1) O arguido foi condenado em 4 anos de prisão efectiva, conforme resulta de fls;
2) O arguido nos termos do disposto no nº 2 do artigo 41º do CPP, foi notificado do Parecer proferido do Ministério Público;
3) O arguido através de requerimento que enviou via correio electrónico no dia 07/04/2005, pelas 21:53 horas, cujo original deu entrada no mesmo Tribunal no dia 11/04/2005, disse o que acima se transcreveu;
4) Até ao momento não foi dada qualquer decisão sobre o requerido pelo arguido;
5) Foi violado o disposto no artigo 3270 do CPP no Acórdão recorrido, visto que o requerido pelo arguido era uma questão incidental, e como tal teria obrigatoriamente de ser apreciada no Acórdão recorrido;
6) Não existe nenhum Despacho, tanto anteriormente ao Acórdão recorrido, como no Acórdão recorrido existe alguma referência a tal questão apresentada atempadamente e previamente pelo arguido;
7) A violação desta norma legal, leva, nos termos do disposto na alínea d) do nº 2 do artigo 1200 do CPP, à nulidade de todo o processado;
8) Tendo em conta o princípio do contraditório era obrigatório que o Tribunal tivesse notificado o Mandatário e o arguido da transcrição das cassetes cujo depoimento das testemunhas se encontra gravado, dado que foi impugnada a matéria de facto pelo arguido;
9) É aplicável ao caso em apreço, o disposto no nº 4 do artigo 4250 e 4310 do CPP;
10) Tem o Acórdão recorrido de ser Revogado, devendo reenviar-se o processo à Segunda Instância - TRC - para suprir a nulidade acima invocada, ou à primeira instância e aí definitivamente se decidirem todas as questões incidentais;
11) Existe no Acórdão recorrido, OMISSÃO de pronúncia, e a omissão de pronúncia gera a nulidade, nos termos do disposto no artigo 410° do CPP e alínea d) do nº 1 do artigo 668° do CPC, aplicável ao caso em apreço;
12) Por Acórdão proferido no Tribunal da Relação de Coimbra, foi declarado nulo o Acórdão proferido em 1ª instância, e ordenado o cumprimento do disposto no artigo 358°, nº 1 e 3 do CPP;
13) Com o cumprimento deste normativo legal, e com a inquirição das testemunhas indicadas, os Meritíssimos Juízes da 1ª instância, mantiveram a deliberação que já tinha sido proferida 2 anos e 8 meses antes;
14) Pelo facto de no Acórdão na 1ª Instância, não se ter dado qualquer relevância aos meios de prova que foram apresentados, nem sequer uma linha se escreveu diferente do que havia sido escrito no anterior Acórdão proferido há 2 anos e 8 meses (com referência àquela data), é sem qualquer dúvida o Acórdão proferido pela 2a vez na primeira Instância, nulo, tendo em conta o disposto nos artigos 118°, 120º, 358°, 359°, 374°, 375°, 379° e seguintes do CPP;
15) As questões apresentadas em recurso, nomeadamente aquelas que são levadas às conclusões têm obrigatoriamente de ser apreciadas, não o tendo sido feito no Acórdão recorrido e daí a sua nulidade;
16) Na primeira instância elaborou-se o segundo Acórdão igual ao primeiro, sem se fazer qualquer referência à prova apresentada pelo arguido - como se de facto o julgamento não tivesse sido realizado e inquirida nova prova - Daí se ter alegado a omissão de pronúncia e nulidade;
17) No Acórdão recorrido, procedeu-se ainda pior, não se conheceu da nulidade invocada;
18) Nulidade esta que aqui e desde já se requer a sua apreciação, pois esta nulidade a ser apreciada e decidida favoravelmente, implica a declaração de nulidade de todo o processado, e o arguido absolvido da condenação que lhe foi aplicada;
19) Para chegar à conclusão indicada no Acórdão recorrido, o Tribunal "a quo" assentou a sua convicção apenas no depoimento do ofendido, como já havia sido feito na 1ª instância por duas vezes - basta ver a descrição a fls. 17 e 18 do Acórdão recorrido;
20) A Lei, não permite que se tirem conclusões desta forma;
21) Depoimento esse que, conforme aliás se reconhece do próprio Acórdão proferido em 1ª Instância, foi vago, impreciso, confuso e não muito coerente, como se poderá também comprovar através da transcrição inserida nas alegações de recurso para o Tribunal recorrido;
22) Como o depoimento do ofendido e das testemunhas foi gravado, se tivesse requerido a renovação da prova, nos termos do artigo 430° do Código do Processo Penal;
23) Tendo o arguido requerido a renovação da prova, o Tribunal recorrido nada disse sobre esta questão;
24) Não foi emitido nenhum Despacho que tivesse conhecido desta questão;
25) Há de facto também neste caso em concreto omissão de pronúncia e de diligências no Acórdão recorrido;
26) É também nulo do Acórdão recorrido, por não ter apreciado esta questão, nos termos do disposto no artigo 120° (n° 1 alínea d) e 410° e 430 do CPP;
27) Conforme consta das alegações de recurso juntas ao processo, transcreveram-se parcialmente o depoimento das testemunhas, porque as duas primeiras cassetes entregues pelo Tribunal, não foi possível transcrever-se o depoimento das testemunhas por deficiências de gravação dessas cassetes - não se ouve o que disseram as testemunhas, não sendo possível transcrever-se o seu depoimento;
28) Como as transcrições obrigatoriamente tem de ser feitas pelo Tribunal, e não o tendo sido feitas, ou as cassetes com as gravações estando impróprias para transcrição, tem o processo de ser reenviado à primeira instância para se poder novamente inquirirem aquelas cujo depoimento não é perceptível;
29) O Tribunal recorrido não apreciou as questões postas em crise, dando apenas como provado o que já tinha sido dado como provado na 1ª Instância; independentemente do arguido ter pedido a renovação da prova ou a reapreciação da matéria de facto;
30) Daí a nulidade que acima se invocou e que este Tribunal tem competência para decidir a questão, tendo em conta o disposto no artigos 410°, 425°, 431 ° e 434°, do CPP;
31) No processo existem elementos suficientes para se poder decidir de forma diferente daquela que decidiu - alterar-se a medida da pena fixada ao arguido, suspendendo-se aquela que for fixada na sua execução, ou reenviando-se o processo à primeira instância para suprir todas as nulidades já acima invocadas cujo conhecimento este Tribunal tem competência;
32) Tendo em conta os depoimentos das testemunhas, ofendido e dos outros elementos de prova nunca se poderia ter deliberado nos termos do Acórdão recorrido; Nomeadamente dando como provados os factos indicados nos n.os 1. 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 10, 13, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26 e 27 dos factos dados como provados no Acórdão recorrido;
33) Foi violado o princípio "in dubio pro reo": dado que com um depoimento feito pelo ofendido confuso e não muito coerente, se decidiu condenar o arguido, e sem mais qualquer meio de prova objectiva;
34) Tratando-se de um depoimento não ajuramentado, conforme consta da acta de fls., o tribunal "a quo" deveria comprovar o que foi dito por parte do ofendido com outros meios de prova que atestassem da veracidade da versão do ofendido; e depois fazer uma interpretação com os restantes meios de prova;
35) As testemunhas de defesa inquiridas atestaram da integridade do carácter íntegro do arguido, tendo sido este facto inclusivamente dado como provado no Acórdão recorrido;
36) O ofendido diz que não era consumidor de drogas, quando foi afirmado por outras testemunhas e consta dos autos que foi encontrado num vaso junto da tenda uma planta de cannabis;
37) O ofendido entra ainda em clara contradição quando diz primeiramente que foi atingido com o pau no braço, sem esclarecer se no esquerdo ou no direito e depois, acabou por dizer que foi atingido no ombro, sem saber esclarecer se foi o direito ou o esquerdo, etc.;
38) Verifica-se que o depoimento do ofendido nunca poderia ter sido valorado, quer por se tratar de uma pessoa que tem interesse directo no processo, quer ainda porque tal depoimento não foi minimamente credível, porque inconclusivo;
39) Ainda que fosse de atender ao depoimento do ofendido, deveria o tribunal "a quo" esclarecer outros pontos essenciais para a descoberta da verdade dos factos, como o facto do ofendido referir que o disparo ocorreu quando ele "fez assim com o braço para o arguido";
40) Não havia assim motivo para considerar que o arguido pressionou de forma intencional o gatilho da pistola;
41) No Acórdão recorrido, entendeu-se que o ofendido agarrou o braço do arguido e baixou-o. O que vai de encontro à percepção de que houve contacto físico entre o arguido e o ofendido e o disparo ocorreu apenas na sequência desse disparo - nas declarações do ofendido isso não resulta;
42) Ficou por esclarecer o facto de se ter dado como provado no Acórdão recorrido que o disparo foi realizado pela pistola semi-automática, de calibre 6,35 mm Browning, modelo Gt 28, quando existem elementos nos autos, que atestam que foi encontrada no local uma munição de calibre de 9,00 mm; E não foi encontrada qualquer outra munição e não se sabe que munição ficou alojada no corpo do ofendido;
43) Não se conhece e percebe, lendo o Acórdão recorrido, como chegou a esta conclusão;
44) Nunca uma arma de calibre 6,35 pode disparar uma munição de calibre 9.00 mm (vide fls. 166 dos autos) - a munição não condiz com a arma apreendida ao arguido na casa do pai deste;
45) Conforme consta dos autos (a fls. 60) nenhuma munição de 9,00 mm foi encontrada na posse do arguido, sendo todas as munições encontradas e apreendidas ao arguido de calibre 6.35 mm;
46) O ofendido referiu ainda que foram disparados dois tiros, não tendo sido encontrado qualquer vestígio no local, nem nenhum outro meio de prova, atestou da veracidade desse facto, excepto a munição de 9,00 mm;
47) Dizer-se como diz no Acórdão recorrido, que o ofendido fez assim com o braço, que o arguido puxou o braço para baixo e disparou, não se pode daqui retirar que o arguido tenha dado qualquer tiro, ou que agiu com intenção de atirar no ofendido no sentido de lhe tirar a vida;
48) Do depoimento da testemunha JM, médico, e relatório médico de fls., não resulta que a lesão provocada pelo disparo sobre o corpo no ofendido causaria a morte do ofendido;
49) Referiu a testemunha JM com interesse que: A situação resolveu-se clinicamente - A zona atingida não tinha nenhum órgão vital - Não está perfeita a afirmação de dizer que há intenção de matar - Não é possível determinar, presumir que há intenção de matar - Não, não mantenho. Quero rectificar, só tínhamos ofensas à integridade física grave Naquela zona (onde o ofendido foi atingido) não há vasos significativos capazes de colocar hemorragias internas, conforme declarações registadas no lado A da cassete 2, de voltas O 115 a 2290); Não se encontram preenchidos os requisitos para punir o arguido por uma tentativa de um crime de homicídio, nos termos do disposto no artigo 131º do CP;
51) No caso dos autos, nunca se iria verificar o resultado pretendido pelo agente, neste caso a morte do ofendido apesar de todo o dolo ou intenção que o arguido demonstrasse e se tivesse provado nos autos, o que não sucedeu até ao presente;
52) E ainda que fosse o arguido o autor dos factos constantes na acusação, resultam elementos dos autos que permitem afirmar que o arguido não teve qualquer intenção de apertar o gatilho da pistola para matar o ofendido;
53) A existir algum tipo de dolo, seria, quanto muito, o dolo eventual, que não é suficiente para preencher o conceito de tentativa;
54) No Acórdão recorrido nada se disse sobre estas questões que foram levantadas no recurso, pelo que existem também omissão de pronúncia nesta parte, violando-se o disposto nos artigos 410° do CPP e 668° do CPP, aplicável ao caso em apreço nos termos do disposto no artigo 4° do C.P.P.;
55) Estamos em direito criminal, e neste ramo de direito incumbe à acusação toda a prova;
56) A acusação não logrou provar os factos suficientes para se poder condenar o arguido quer pelo crime de homicídio na forma tentada, quer pelo crime de detenção ilegal de arma proibida, dado que nada se provou em como a arma pertencia ao arguido, mas apenas que o arguido quando instado pela P.J. entregou uma arma que estava em casa de seus pais - o que é bastante diferente;
57) Daí que, tenha o arguido de ser absolvido por falta de prova; Ou aplicando-se o princípio "in dubio pro reo", como está previsto na Lei;
58) Uma coisa é a PJ se dirigir a casa dos pais do arguido e solicitarem a entrega de uma arma, e este entregar uma arma com munições; Outra coisa é saber de quem era a arma e como foi parar a casa dos pais do arguido, que arma disparou contra o ofendido, etc.;
59) Pelo facto do arguido ter entregue uma arma semanas depois dos factos relatados aos agentes da P.J, sem mais qualquer meios de prova, nomeadamente de que foi daquela arma precisamente que saiu o tiro que atingiu o ofendido, quando este não soube identificar o tipo de ama, nem a acusação soube até ao momento também dizer a razão porque se apreenderam munições que não são do mesmo calibre que aquelas que eventualmente atingiram o ofendido, nunca o arguido pode ser condenado pelos crimes que constam no Acórdão recorrido;
60) Há manifestamente divergência e contradição entre o que consta da matéria de facto dada como provada, dos elementos de prova e da decisão recorrida;
61) O Acórdão recorrido é assim nulo, nos termos do artigo 379° do Código do Processo Penal, por remissão do artigo 379° do Código do Processo Penal, o nº 2 do artigo 374°;
62) Tem o Acórdão recorrido ser revogado, por erro de apreciação das provas produzida em audiência de julgamento, bem como de todos os elementos juntos ao processo;
63) No Acórdão recorrido existe: Insuficiência para a decisão da matéria de facto dada como provada; Contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; Erro notório na apreciação da prova;
64) Lendo, atentamente, o Acórdão recorrido, verifica-se que não se indica nela um único facto concreto susceptível de revelar, informar, e fundamentar, a real e efectiva situação; do verdadeiro motivo da condenação do arguido, tendo em conta as normas legais que lhe foram aplicadas como tendo sido violadas e tendo em conta o depoimento do ofendido e demais elementos do processo;
65) Não se tendo descrito fundamentadamente no Acórdão recorrido, as razões porque não foram os depoimentos das testemunhas arroladas pelo arguido atendidas ou pelo facto das declarações do ofendido serem imprecisas e tem forçosamente de ser dada como não provada a matéria de facto que consta do Acórdão recorrido, tendo este Venerando Tribunal competência para o poder fazer, dado o disposto no artigo 410°, nº 2 do CPP;
66) Sendo o arguido primário, conforme resultou provado na 1ª e 2a Instância, nunca se poderia aplicar-se uma condenação da forma e modo como foi, nomeadamente na pena de efectiva de três anos e nove meses de prisão e na pena de seis meses de prisão pelo crime de detenção ilegal de arma de defesa, aplicando-se o cúmulo jurídico de quatro anos de prisão efectiva;
67) A aplicar-se o cúmulo, tendo em conta a personalidade do arguido, os seus antecedentes criminais, as circunstâncias de vida deste, etc., não poderia ser superior a 3 anos de prisão;
68) Caso se entendesse condenar o arguido pela posse de arma ilegal em prisão, o que não é o caso, pois não está provado que a arma não possa ser legalizada e que foi de facto aquela arma que deflagrou o projéctil que atingiu o ofendido;
69) Como o crime de detenção de arma de defesa ilegal pp. no artigo 6° da Lei n° 22/97, de 27/06, é susceptível de ser aplicada uma pena de prisão até 2 anos ou com multa até 240 dias;
70) Nunca se poderia condenar o arguido na pena de 6 meses de prisão por este crime;
71) Esta pena apenas poderia ser aplicada a quem já tivesse praticado mais vezes o mesmo tipo de crime e não a uma pessoa como o arguido que não tem passado criminal e é a primeira vez que se vê em apuros com a justiça criminal ou civil;
72) A pena de prisão que foi aplicada ao arguido pela detenção ilegal de arma de defesa, forçosamente teria de ser Revogada e apenas, caso se prove que a arma era propriedade e possuída pelo arguido e que deu causa aos factos que estão em discussão neste processo, a uma pena de multa de 50 dias à taxa diária de 3 Euros;
73) Se porventura for alterada a medida da pena a aplicar ao arguido, caso o Acórdão não seja reenviado à 1ª instância, e seja fixada em 3 anos, não existem razões para que esta pena não seja suspensa na sua aplicação, tendo em conta o que dispõe o artigo 70° do CPP e 72° e 73° do CP;
74) Nenhuma destas normas legais foi tida em conta para efeitos de aplicação da pena, sendo certo que, pelo que consta do Acórdão recorrido na 1ª Instância e no Acórdão recorrido na 2a instância, o arguido foi condenado em medida tão gravosa por não ter prestado declarações em audiência de julgamento - é o que consta a fls 13 do acórdão recorrido da 1ª instância e fls. 24 do acórdão recorrido - a falta de colaboração do arguido na descoberta da verdade;
75) Nos termos do disposto no artigo 343° do CPP, o presidente informa o arguido de que tem direito a prestar declarações em qualquer momento da audiência, desde que elas se refiram ao objecto do processo, sem que no entanto a tal seja obrigado e sem que o silêncio possa desfavorecê-lo;
76) Pelo que consta do Acórdão recorrido, o facto do arguido não ter querido prestar declarações, desfavoreceu-o, e não pode ser essa a decisão final;
77) É um direito constitucional o de o arguido não prestar declarações durante a audiência de julgamento, caso assim entenda;
78) Neste caso em concreto esta circunstância foi punitiva para o arguido e não o podia ter sido, sob pena de nulidade - pelo menos da forma como é dito no Acórdão recorrido;
79) As penas fixadas ao arguido são manifestamente excessivas, ultrapassando largamente a medida da culpa do agente;
80) Pois, neste caso em concreto existem fundamentos de facto e de direito que permitem a suspensão da pena de prisão, caso não seja alterado o Acórdão recorrido, na sua totalidade, absolvendo-se o arguido, como acima se requereu;
81) O nosso Código é no sentido de recuperar os arguidos primários, e apenas se podem condenar a pena efectiva quando tais arguidos não reúnem os requisitos para tal, o que não é o caso;
82) Os factos ocorreram há 6 anos e como tal também o tempo decorrido tem de pesar na pena final a ser aplicada favorável ao arguido;
83) No Acórdão recorrido deu-se como provado que o arguido é primário, é padeiro por conta própria, é trabalhador, sendo uma pessoa considerada e estimada no meio social onde se encontra inserido e ainda que tem bom carácter;
84) O Acórdão recorrido viola: artigos 70°, 71 ° e 72° do C.P.; 358°, nº 3, 374°, 379° e 410° do C.P.P.; 13°,32°, nº 1,205°,207°,208° da C. R. P.
Nestes termos, e, melhores de direito, requer-se a V. Exa. a revogação do Acórdão recorrido, Absolvendo-se o arguido dos Crimes por que foi condenado, ou se assim se não entender, alterar a medida da pena, suspendendo-a na sua aplicação, ou em qualquer caso, mesmo que não seja alterada a medida da pena, suspender a sua aplicação pelo período de 1 ano, ou caso assim se não entenda, reenviar-se o processo à primeira instância para suprir as nulidades alegadas, por ser de LEI, DIREITO e: JUSTIÇA.
O Ministério Público, em sintética resposta, pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso.
Remetidos os autos ao Supremo Tribunal de Justiça, no visto inicial o Ministério Público promoveu a realização da audiência.
Realizada a audiência, com observância dos formalismos legais, cumpre decidir:
2. As variadas questões que o recorrente suscita podem ser sintetizadas e agrupadas do seguinte modo:
1.- não foi dada resposta ao que requereu na resposta ao parecer do Ministério Público no Tribunal da Relação de Coimbra;
- não foi notificado da transcrição das gravações;
2. - a Relação omitiu a pronúncia quanto às seguintes questões:
- o segundo acórdão do tribunal colectivo é igual ao primeiro, não obstante terem sido produzidas novas provas;
- a circunstância de o arguido ter requerido a renovação da prova:
- o facto de as gravações serem imperceptíveis;
3. - existe erro na apreciação da prova;
- foi violado o princípio in dubio pro reo; - verifica-se a existência dos vícios dos art. 410º nº 2 als. a), b) e c) do Código de Processo Penal;
4. - a espécie da pena do crime de detenção ilegal de arma;
- na medida da pena foi largamente ultrapassada a medida da culpa;
- a pena foi agravada por o recorrente se ter calado em audiência, o que era um seu direito;
- não se fez reflectir na medida da pena o tempo decorrido desde a prática dos factos.
- a medida da pena única é excessiva.
Os pontos que o recorrente pretenderia ver apreciados por este Supremo Tribunal resumem-se, portanto, a questões interlocutórias, a questões relativas á matéria de facto e à questão da espécie e medida da pena.
3. Os factos considerados provados são os seguintes:
1- No dia 1 de Julho de 2000, cerca das 13,00 horas o arguido dirigiu-se para uma mata sita nas traseiras da empresa "Petroneves", localizada em Cardosos, Arrabal, Leiria.
2- Fê-lo com o propósito de encontrar BB, o qual ali se encontrava acampado, ocupando uma tenda por si montada nesse local.
3- Quando chegou junto à entrada da tenda, o arguido, vendo que Fernando Gaspar se aprestava para sair da mesma, desferiu-lhe, com um pau que empunhava na mão direita, de cerca de sete centímetros de diâmetro e comprimento não apurado, uma pancada que o atingiu na região posterior do braço direito.
4- Já no exterior da tenda e junto da mata de BB que ali estava estacionada, o arguido vibrou, com o referido pau, outra pancada naquele, atingindo-o agora na região posterior do antebraço esquerdo.
5- Entretanto o arguido empunhou, na mão direita, urna pistola semiautomática, de calibre 6.35 mm Browning, de marca Tanfoglio Giuseppe, mod. Gt 28.
6- Instintivamente BB, com o seu braço esquerdo, baixa o braço do arguido.
7- Nesse momento o arguido, de forma intencional, pressiona o gatilho da pistola e desfere um firo.
8- Este, dado a muito curta distância de BB, entrou na base do hemitoráx esquerdo (nível antero-lateral linha axilar anterior).
9- O projéctil disparado perfurou o estômago daquele e ficou alojado na coluna vertebral entre as vértebras L2 e L 3.
10- O arguido ao realizar o disparo imprimiu-lhe uma trajectória de frente para trás, de cima para baixo e da esquerda para a direita.
11- Após ser atingido, BB caiu ao chão ali ficando prostrado.
12- Entretanto BB arrastou-se em direcção à tenda, onde enrolou uma camisa na zona do ferimento e vestiu um casaco de fato de treino.
13- BB pediu ao arguido para o levar ao Hospital, tendo este respondido que não, que não se importava que aquele morresse, abandonando o local de imediato.
14- BB, incapaz de se levantar e caminhar, arrastou-se numa extensão de cerca de cem metros, até à estrada que ali passa.
15- Tendo aí sido recolhido, cerca das 15 horas, e conduzido, de imediato ao Hospital de Leiria.
16- O arguido actuou com o propósito de tirar a vida a BB, atentas as circunstâncias em que foi efectuado o disparo, nomeadamente local atingido, arma utilizada, distância do disparo e intenção manifestada.
17- Caso BB não se tivesse deslocado para a estrada e sido conduzido ao Hospital teria falecido.
18- Em consequência da conduta do arguido, aquele sofreu as lesões referidas a fls. 97 e 149 dos autos, 38, 48, 53 a 59 e 64 dos autos de acompanhamento que aqui se dão por reproduzidas, destacando-se ferida perfurante do abdómen na base do hemitor esquerdo, parestesias dos membros inferiores com certo grau de impotência funcional, hemoperitenus traumático, perfuração ao corpo gástrico, hematoma. rectro-peritoneal, cicatriz para mediana, supra e infra vertical, cicatriz de dagostrorrafia, compressão radicular a nível da LS e SI, determinando incapacidade para realizar cargas; projéctil alojado a nível da L3.
19- As lesões sofridas determinaram um período de doença que se iniciou em 1 de Janeiro de 2000 e se mantêm na actualidade, com incapacidade de exercício da sua actividade profissional.
20- No dia 3 de Julho de 2000, o arguido entregou voluntariamente à PJ. a pistola, acima referida, sem número de série, uma embalagem contendo 36 munições, estando aquela com uma munição na câmara e 2 no carregador.
21- Esta arma era, bem como as munições, pertença do arguido.
22- A mesma foi objecto de transformação, deixando de deflagrar munições de gás lacrimogéneo ou alarme para passar a disparar munições com projéctil conforme exame de fls. 104 que aqui se dá por reproduzido.
23- A arma em referência não se encontrava manifestada nem registada.
24- O arguido não possuía licença de uso e porte de arma.
25- Sabia o mesmo que a arma se encontrava em situação irregular.
26- Cerca de quinze dias antes da prática dos factos referidos, o arguido estivera a discutir com BB, estando convencido que este lhe subtraíra uma carteira contendo quinhentos mil escudos ou que saberia quem a tinha subtraído.
27- O arguido agiu de forma livre, consciente e voluntária sabendo que as suas condutas eram proibidas por lei.
28- O arguido é primário (certificado de folhas 154).
29- O arguido é padeiro por conta própria.
30- O arguido é trabalhador, sendo uma pessoa considerada e estimada no meio social onde se encontra inserido.
31- Tem bom carácter.
Factos não provados
1- E, encostando o cano à testa de BB, disse-lhe: "dou-te já um tiro".
2- O arguido após efectuar o disparo, apontou a pistola à zona do coração de BB, referindo que lhe dava outro tiro.
Previamente à apreciação do recurso impõe-se referir que o Código de Processo Penal foi recentemente revisto pela Lei nº 48/07, de 29 de Agosto, tendo sido introduzidas alterações em matéria de recursos, nomeadamente no art. 432º, onde se encontram enunciadas as decisões susceptíveis de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça. Não obstante, nos termos do art. 5º do Código de Processo Penal, a lei processual ser de aplicação imediata, o número 2 estatui que a lei processual penal não se aplica imediatamente quando da sua aplicabilidade imediata possa resultar agravamento sensível e ainda evitável da situação processual do arguido, nomeadamente uma limitação ao seu direito de defesa.
Segundo a al. b) do art. 432º, pode recorrer-se para o Supremo Tribunal de Justiça das decisões que não sejam irrecorríveis, proferidas pelas relações nos termos do art. 400º. Esta norma foi alterada pela Lei nº 48/07, considerando-se agora irrecorríveis os “acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos”. Todavia, na versão anterior do Código de Processo Penal, era admissível recurso para o Supremo de acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, em processo por crime a que seja aplicável pena de multa ou pena de prisão não superior a cinco anos, mesmo em caso de concurso de infracções, ou em que o Ministério Público tenha usado da faculdade prevista no artigo 16.º, n.º 3; bem como de acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1.ª instância, em processo por crime a que seja aplicável pena de prisão não superior a oito anos, mesmo em caso de concurso de infracções. A nova lei, ao considerar irrecorríveis as decisões da relação que confirmem decisão de 1ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos, introduziu, assim, uma limitação do direito ao recurso e, consequentemente, do direito de defesa do arguido, não devendo, por isso, ser de aplicar nos processos em curso. Daí que haja que fazer apelo à norma do art. 432º do Código de Processo Penal, na redacção da Lei nº 58/98, de 25 de Agosto, para verificar da admissibilidade do recurso, relativamente a cada um dos crimes por que o arguido foi condenado.
Ora, segundo a al. b) do referido normativo, recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça das decisões que não sejam irrecorríveis, proferidas pelas relações em recurso, nos termos do art. 400º. Face ao disposto na al. e), deste último artigo, não é admissível recurso de acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, em processo por crime a que seja aplicável pena de multa ou pena de prisão não superior a cinco anos, mesmo em caso de concurso de infracções, ou em que o Ministério Público tenha usado da faculdade prevista no artigo 16.º, n.º 3.
Conforme a previsão do art. 6º da Lei nº 22/97, de 27 de Junho, na redacção dada pela Lei nº 98/2001, de 25 de Agosto, o crime de detenção de arma de defesa não manifestada ou registada, ou sem a necessária licença, é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias. Ora, sendo tal crime punível, em abstracto com pena de multa ou com pena de prisão inferior a 5 anos, a decisão da Relação que dele conheceu em recurso é irrecorrível, o que acarreta a respectiva rejeição, conforme as disposições combinadas dos arts. 420º nº 1, 414º nºs 2 e 3 e 400º nº 1 al. e), todos do Código de Processo Penal.
Já quanto ao crime de homicídio na forma tentada, cuja pena de prisão é, no seu limite máximo, a de 10 anos e 8 meses, daquela decisão sempre haveria recurso apesar de a Relação ter confirmado a decisão condenatória de 1ª instância, por, segundo a previsão do art. 400º al. e) em vigor à data dos factos, o limite superior da respectiva moldura penal exceder 8 anos de prisão.
O primeiro grupo de questões suscitadas no recurso diz respeito à alegada circunstância de nada ter sido decidido relativamente ao que o arguido requereu quando, notificado do parecer do Ministério Público no Tribunal da Relação de Coimbra, solicitou que lhe fosse notificada a transcrição do depoimento das testemunhas prestado em audiência, ou a transcrição desse depoimento, pedindo que, se não tivesse sido levado a efeito, que se procedesse, depois da respectiva junção aos autos, ao envio de fotocópia ao mandatário do arguido. (fls. 680).
A leitura dos autos mostra, contudo, com referência a tal requerimento, que, por despacho de fls. 691, foram os autos mandados baixar à 1ª instância a fim de ser regularizado o processo, de forma a proceder-se à transcrição, que já havia sido ordenada a fls. 612. Por conseguinte, não corresponde à realidade o que o recorrente refere na conclusão 4 da sua motivação.
Acrescenta o recorrente que foi violado o princípio do contraditório porque não foi notificado da junção da transcrição, com o envio de cópias, conforme tinha requerido. Invoca para tanto o disposto nos arts. 425ºnº 4 e 431º do Código de Processo Penal. Estas normas, contudo, nada têm a ver com a pretendida notificação, que, de resto, não se encontra prevista na lei, Por outro lado, não se verifica qualquer violação do princípio do contraditório, pois a transcrição das gravações não constitui mais do que passar a escrito aquilo que oralmente ocorreu na audiência de julgamento, à qual o arguido e seu defensor estiveram presentes, gravação a cujos suportes o recorrente teve acesso, ou podia ter acesso, requerendo a respectiva cópia. Na verdade, conforme tem afirmado este Supremo Tribunal (cfr. acs. de 15/02/2006 - proc. 4412/05-3 e de 08/06/2206 - proc 766/06-5), para a impugnação da matéria de facto não se torna necessário que o recorrente disponha da transcrição, uma vez que tem acesso aos suportes da gravação, que contêm a documentação de toda a prova produzida, podendo, portanto, o recurso ser fundamentado sem necessidade da transcrição. Sendo certo também que a alegada não entrega à recorrente da própria transcrição dos suportes técnicos da gravação não envolve qualquer irregularidade.
Mas, ainda que assim não fosse, o arguido teve oportunidade de suscitar essa questão na audiência na Relação e não o fez, pois quanto a tal é omissa a acta de fls. 846. Do que resultaria que qualquer nulidade ou irregularidade que existisse, teria ficado sanada.
Improcedem, assim, as questões a que se reportam as conclusões 1 – 11.
O segundo grupo de questões respeita a aspectos acerca dos quais o recorrente considera que a Relação de Coimbra, no acórdão que apreciou o recurso, deixou de se pronunciar.
Assim, considera o recorrente que, uma vez anulado o acórdão por força da decisão da Relação, a 1ª instância, perante quem foi produzida nova prova, não poderia ter repetido a decisão e que, invocada essa nulidade perante a Relação, esta omitiu a respectiva apreciação.
Antes de mais, importa referir que, de facto, o arguido e recorrente, no recurso para a Relação, sustentou, na conclusão 6, que “no Acórdão recorrido, obrigatoriamente, ter-se-ia de ter feito menção à prova apresentada pelo arguido, ao que disseram as testemunhas, em que medida o seu depoimento foi favorável ou não, em que termos, ou então porque é que se manteve tudo na mesma, sem se ter feito qualquer relevância ás testemunhas inquiridas, e aos meios de prova requeridos”, concluindo que “é assim, e sem dúvidas nenhuma, o Acórdão recorrido, nulo” (conc. 7).
A Relação, porém, ao contrário do que o recorrente ora sustenta, não deixou de apreciar a questão, conforme evidencia a seguinte passagem do acórdão ora recorrido: “O recorrente parece ver violação do art.° 374°, n.° 2, do CPP, por não se ter, agora, feito qualquer referência às testemunhas ouvidas após a anulação do acórdão, face ao decidido a fls. 547. Tal como já se deixava antever no referido acórdão, não seria necessário reabrir a audiência. Contudo o arguido requereu, após a notificação a que se refere o art.° 358°, a inquirição de mais testemunhas a que o tribunal concedeu. Não só porque já a anterior prova fundamentava a referida alteração não substancial, mas também porque a nova prova indicada em nada alteraram a prova anterior, não havia nem há que fazer referência a tal prova. E que assim é, resulta da circunstância de o próprio recorrente não indicar um único ponto em que tal nova prova tenha contribuído para a descoberta da verdade. A obrigação imposta pelo n.° 2, do referido artigo 374°, não inclui a de se referirem provas inócuas. Por outro lado, lendo a motivação escrita pelo tribunal (acima transcrita), dela resulta que apreciou toda a prova com interesse para a descoberta da verdade. Não se mostra violado o referido artigo.”
Improcede, assim, a questão a que se referem as conclusões 12 – 18.
Diz ainda o recorrente que a Relação deveria ter-se pronunciado acerca da renovação de prova que lhe foi requerida.
Nos termos do art. 430º do Código de Processo Penal, quando deva pronunciar-se de facto e de direito, a relação admite a renovação de provas se se verificarem os vícios referidos no nº 2 do art. 410º e desse modo se evitar o reenvio do processo.
Ora, tendo-se afastado no ponto F do acórdão recorrido a alegada existência dos referidos vícios, não se verificava o pressuposto para a renovação da prova., não sendo necessário, por isso, que a Relação se tivesse expressamente pronunciado acerca da não renovação da prova.
Quanto à invocada imperceptibilidade das gravações haverá que reconhecer que a Relação, ao aceitar expressamente a fundamentação do tribunal colectivo, conforme se pode ler no ponto A.3 do acórdão recorrido - lendo a motivação escrita pelo tribunal (acima transcrita), dela resulta que apreciou toda a prova com interesse para a descoberta da verdade – implicitamente considerou que os segmentos dos depoimentos que não puderam ser transcritos não põem em causa a inteligibilidade do respectivo depoimento, nem afectaram a prova fixada. Aliás, nem o recorrente o afirma, nem suscitou a questão da irregularidade na audiência a Relação, assim como não a suscitou no prazo previsto no art. 123º do Código de Processo Penal.
São, portanto, manifestamente improcedentes as questões agrupadas no ponto 3, atrás referido.
No ponto 4, foram agrupadas as questões que se relacionam com a matéria de facto.
Assim, e desde logo, a do erro de apreciação das provas produzidas em audiência, nomeadamente o valor probatório do depoimento do ofendido Francisco, a questão de o disparo ter, ou não, sido feito pela arma apreendida, a interpretação do relatório pericial em face do depoimento do perito médico, a modalidade do dolo.
Conforme se afirmou no ac. de 14-12-2006 - Proc. n.º 4356/06 - 5.ª Secção, relatado pelo Conselheiro Carmona da Mota, “tendo os recorrentes ao seu dispor a Relação para discutir a decisão de facto do Tribunal colectivo, vedado lhes ficará pedir ao Supremo Tribunal a reapreciação da decisão de facto tomada pela Relação. E isso porque a competência das Relações, quanto ao conhecimento de facto, esgota os poderes de cognição dos tribunais sobre tal matéria, não podendo pretender-se colmatar o eventual mau uso do poder de fazer actuar aquela competência, reeditando-se no STJ pretensões pertinentes à decisão de facto que lhe são estranhas, pois se hão-de haver como precludidas todas as razões quanto a tal decisão invocadas perante a Relação, bem como as que o poderiam ter sido”. O que significa que, decidido o recurso pela Relação, ficam esgotados os poderes de apreciação da matéria de facto. Esta tem-se por definitivamente adquirida, a menos que a decisão se tenha apoiado em prova proibida, ou se haja decidido contra prova vinculada, ou se ocorrer algum dos vícios do art. 410º nº 2 do Código de Processo Penal de que este Supremo Tribunal de Justiça deva oficiosamente conhecer. Tal conhecimento, todavia, não constitui mais do que uma válvula de segurança a utilizar pelo Supremo Tribunal nas situações em que não lhe é possível tomar uma decisão sobre a matéria de direito, em virtude de a matéria de facto se revelar ostensivamente insuficiente, ou fundada em erro de apreciação ou assente em premissas contraditórias, o que significa que, tal como vem sendo uniformemente decidido, o conhecimento desses vícios seja um poder oficioso do Supremo Tribunal”
O que o recorrente alega e que respeita à matéria de facto é, pois, questão que se deve ter como definitivamente resolvida pela Relação, tanto mais que não se verifica nenhum dos vícios do art. 410º de que oficiosamente cumpra conhecer. E disse-se oficiosamente porque, conforme tem sido decidido uniformemente, não é consentida no recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça a arguição pelas partes de qualquer desses vícios.
Por poder configurar questão de direito, dir-se-á, quanto à alegada violação do princípio in dubio pro reo, que a mesma não se verifica. Conforme tem sido repetidamente reafirmado pelo Supremo Tribunal de Justiça, a violação do referido princípio tem como pressuposto a subsistência no espírito do tribunal após a produção da prova, de uma dúvida positiva e invencível acerca da existência ou da inexistência de determinado facto. Não sendo permitido o non liquet, justifica-se que a decisão seja tomada a favor do réu se o tribunal, depois de valorar a prova, se confrontou com uma dúvida razoável e insanável que impede a respectiva convicção.
Ora, tal como se referiu no acórdão da Relação de que se recorre, quando foi apreciada a questão da alegada violação do princípio in dubio pro reo, “lendo todo o acórdão, não se descortina que em qualquer ponto o tribunal tenha sido colocado perante qualquer daquelas dúvidas, nem que elas se lhe impusessem. Se assim é, não se pode ter violado tal princípio.”
Pelas razões referidas, manifestamente improcedem as suscitadas questões.
Finalmente, coloca o recorrente, como questão de direito, a da espécie e medida das penas, quer parcelares, quer única.
Conforme se referiu, dado tratar-se de crime punível com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa e ter havido decisão tomada em recurso pela Relação, encontra-se subtraída ao conhecimento do Supremo Tribunal de Justiça a questão relativa à pena a aplicar pelo crime de detenção ilegal de arma.
Para o recorrente, a medida da pena em que foi condenado resultou da circunstância de não ter prestado declarações em audiência de julgamento. Esta matéria constituiu um dos objectos do recurso que o arguido interpôs para a Relação. Acerca deste ponto considerou a Relação de Coimbra: ”ao contrário do que o recorrente alega, o tribunal não o condenou por não ter querido falar. O que o tribunal disse, e é verdade, é que o arguido no uso de um direito que lhe assiste não quis prestar declarações, pelo que não contrariou a versão do queixoso, nem explicou como os mesmos, na sua óptica, teriam ocorrido. Não há aqui, como é evidente, qualquer nulidade. Nem tal se pode considerar o facto de o tribunal, aquando da determinação da medida da pena, ter considerado a falta de colaboração na descoberta da verdade. Mesmo que o não devesse fazer, tal não constituiria qualquer nulidade. De qualquer modo, tal circunstância não deixa de ser elemento a considerar na apreciação da personalidade do arguido e só nisso.”
É a decisão ora transcrita que neste momento está em causa. Todavia, o arguido em vez de, no presente recurso a pôr em causa, motivando a discordância acerca do que a Relação decidiu, uma vez mais afirma que “no acórdão recorrido não se apreciou esta questão como se impunha”, quando a Relação, conforme se referiu na citação levada a efeito, interpretou a afirmação feita pelo tribunal de 1ª instância, fixando o respectivo sentido, afirmando que foi cometida qualquer nulidade e que a circunstância em causa sempre deverá ser um elemento a ter em conta no juízo acerca da personalidade do arguido, prévio à fixação da medida da pena. Quanto ao juízo formulado pela Relação, o arguido nada disse para o criticar, podendo por isso afirmar-se que, nesta parte, o recurso carece mesmo de motivação. (neste sentido, cfr., entre outros, os acs. de 15-02-2007 – proc. 4687/06 e de 19-04-2007 – proc. 620/07)
De todo o modo, sempre se dirá que este Supremo Tribunal tem entendido que se é certo que a circunstância de o arguido em julgamento se haver remetido ao silêncio não pode ser valorada em seu desfavor, na medida em que exerce um direito seu – art. 343.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, a opção pelo silêncio pode, todavia, ter consequências, que não passam pela sua valorização indevida. Com efeito, optando pelo silêncio, o arguido prescinde de dar a sua visão pessoal dos factos e de eventualmente esclarecer determinados pontos de que tem conhecimento pessoal, sendo certo que, por outro lado, ficam arredadas a confissão espontânea, e o arrependimento, circunstâncias que são especialmente relevantes na medida da pena. (Cfr. ac. de 15-02-2007 – proc. 15/07-5, relatado pelo Cons. Simas Santos e jurisprudência ali citada).
É, pois, manifestamente improcedente a questão a que se reportam as conclusões 75-78.
O recorrente defende que a pena pelo crime de homicídio tentado não deve exceder 3 anos de prisão, considerando que a pena aplicada – 3 anos e 9 meses de prisão pelo crime de homicídio na forma tentada – excede a medida da culpa.
Ficou provado que o arguido quis matar o ofendido, agindo, pois, com dolo directo, embora a morte não tenha ocorrido como resultado dessa conduta. A ilicitude desta conduta é elevada, pois os disparos com a arma de fogo foram precedidos das agressões com um pau. Tendo o arguido agido com dolo directo, não deixa de ser intenso o seu dolo. A medida da pena, situando-se ainda no quarto inferior da moldura legal abstracta não merece, portanto, qualquer censura.
Igualmente não merece o mínimo reparo a pena única que, fixada em 4 anos de prisão, não deixou de respeitar os critérios legais, atendendo à globalidade dos factos e à personalidade do agente.
Improcede, assim, o recurso também na parte em que respeita à medida da pena.
5. Já depois de designada a audiência para apreciação da matéria do presente recurso, o arguido veio requerer que, no caso de ser mantida a condenação em pena de prisão, a pena seja declarada suspensa, face à redacção do art. 50º do Código Penal, introduzida pela Lei nº 59/2007, de 4 de Setembro, ou, caso, assim o não entenda, seja ordenado o envio do processo à 1ª instância, para reabertura da audiência, com vista à aplicação da lei penal mais favorável, nos termos do disposto no art. 371º-A do Código de Processo Penal.
De harmonia com o disposto no art. 50º do Código Penal, na sua actual redacção, é agora possível a suspensão da execução de pena de prisão não superior a 5 anos. Tal norma, embora não estivesse em vigor ao tempo da prática do facto, porque cria um regime da suspensão da execução da pena que, em concreto, favorece o arguido, tem aplicação imediata, nos termos do disposto no nº 4 do art. 2º do Código Penal.
Haverá, pois, que, por força da alteração legislativa, formular um juízo de prognose acerca do comportamento do arguido, o qual este Tribunal pode levar a efeito, uma vez que os autos contém os necessários elementos fácticos, sendo certo que a circunstância de nenhuma das penas parcelares ter sido declarada suspensa não obsta a que a pena única seja declarada suspensa, se para tanto se verificarem os respectivos pressupostos.
O art. 50º n.º 1 do Código Penal, estabelece que o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. Trata-se dum comando dirigido ao julgador face ao qual, nas palavras do Prof. Figueiredo Dias, “o tribunal, perante a determinação de uma medida da pena de prisão não superior a 3 anos [actualmente, 5 anos], terá sempre de fundamentar especificamente, quer a concessão, quer a denegação da suspensão, nomeadamente no que toca ao carácter favorável ou desfavorável da prognose e (eventualmente) às exigências de defesa do ordenamento jurídico”. (Direito Penal Português, II Consequências Jurídicas do Crime, § 523).
Exige a lei que o tribunal conclua por um prognóstico favorável relativamente o comportamento futuro do delinquente, de modo que a simples censura do facto, ou a ameaça da pena, sejam ou não acompanhadas de deveres ou regras de conduta, sejam suficientes para afastar o delinquente do cometimento de novos crimes. Procura-se desse modo, conforme tem salientado a doutrina, afastar o delinquente da prática de novos crimes e não uma qualquer correcção da sua concepção sobre a vida.
Na formulação desse juízo, que se reporta ao momento da decisão, o tribunal terá de se reflectir sobre a personalidade do agente, sobre as suas condições de vida, sobre a sua conduta, quer anterior, quer posterior ao crime e sobre o circunstancialismo que rodeou a infracção
Mesmo que seja formulado um juízo de prognose favorável, a suspensão da execução da pena não será decretada se a tanto se opuserem as necessidades de reprovação e prevenção do crime
No caso em apreço, verifica-se que ficou provado que o arguido é primário, é trabalhador (padeiro por conta própria), sendo pessoa considerada e estimada no meio em que se encontra inserido e que tem bom carácter. Todavia, o arguido não confessou os factos, tendo-se remetido ao silêncio em audiência e não mostrou arrependimento, nem na audiência, nem no momento seguinte à agressão, pois, conforme ficou provado no facto nº 13, o ofendido “BB pediu ao arguido para o levar ao Hospital, tendo este respondido que não, que não se importava que aquele morresse, abandonando o local de imediato”.
Daí que não seja possível formar um juízo de prognose favorável ao arguido. Como se referiu, não é despiciendo para este efeito, que, em audiência, o arguido se tenha remetido ao silêncio e alheado da imputação que lhe era feita. Agiu no exercício dum direito processual que lhe é garantido, como acima se referiu, mas a sua atitude de omissão não lhe permitiu carrear para os autos circunstâncias que são especialmente relevantes para a formação do juízo de prognose.
Numa situação de homicídio voluntário tentado, em que, perpetrada a agressão a tiro, num sítio ermo, o arguido abandona o ofendido sem lhe prestar qualquer assistência, não obstante os rogos deste, obrigando-o, a face à incapacidade para se levantar e caminhar, a arrastar-se numa extensão de cerca de 100 mts., até à estrada, onde foi recolhido por um transeunte, que providenciou pelo transporte ao hospital, o sentimento de reprovação social do crime é elevado, não sendo suficiente uma pena de prisão suspensa na sua execução para se atingir a finalidade da pena que consiste na prevenção geral de integração, entendida como o reforço do sentimento de segurança da comunidade face à ocorrência da violação da norma. O arguido terá, assim, de cumprir pena de prisão.
Dir-se-á, finalmente, que não há que providenciar pela aplicação do disposto no art. 371º-A do Código de Processo Penal, visto que tal norma tem como pressuposto que a condenação tenha transitado em julgado, o que não se verifica ainda no caso dos autos.
Termos em que acordam no Supremo Tribunal de Justiça em julgar improcedente o recurso, mantendo a condenação do arguido na pena de prisão efectiva de 3 (três) anos e 9 (nove) meses pelo crime de homicídio, na forma tentada, previsto nos arts. 131º, 22º e 23º do Código Penal, bem como na pena de 6 (seis( meses de prisão pelo crime de detenção ilegal de arma de defesa, previsto no art. 6º da Lei nº 22/97, de 27 de Junho e, em cúmulo, na pena única de 4 (quatro) anos de prisão.
Custas pelo recorrente, com taxa de justiça de 10 €.