TRABALHO SUPLEMENTAR
RETRIBUIÇÃO
FÉRIAS
SUBSÍDIO DE FÉRIAS
SUBSÍDIO DE NATAL
DESCANSO COMPENSATÓRIO
Sumário


1. Provando-se o carácter regular e periódico dos suplementos remuneratórios auferidos pelo trabalhador, no período de 1985 a 2005, a título de trabalho suplementar, o correspondente valor releva para o cômputo da retribuição de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal.
2. No domínio do Código do Trabalho, em vigor desde 1 de Dezembro de 2003, a base de cálculo do subsídio de Natal, salvo disposição legal, convencional ou contratual em contrário, reconduz-se ao somatório da retribuição base e das diuturnidades, donde, aqueles suplementos remuneratórios não relevam para o cômputo dos subsídios de Natal vencidos após aquela data.
3. O pagamento de trabalho suplementar a motorista de veículos pesados de transporte de mercadorias, que presta, regularmente, trabalho suplementar, configura-se como contrapartida do modo específico da execução de trabalho.
4.Provando-se a prestação de trabalho em dias de descanso compensatório com conhecimento da empregadora e sem a sua oposição, esta deve pagar o acréscimo remuneratório previsto no n.º 6 do artigo 9.º do DL n.º 421/83, de 2 de Dezembro, e no n.º 2 do artigo 203.º do Código do Trabalho.

Texto Integral




Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

I

1. Em 31 de Março de 2006, no Tribunal do Trabalho do Porto, AA instaurou acção declarativa, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho contra BB, L.da, em que pediu a condenação da ré a pagar-lhe: a) € 25.274,68 respeitante à integração da média do trabalho suplementar prestado na retribuição de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal referentes aos anos de 1985 a 2005; b) € 11.022,14, a título de trabalho prestado em dias de descanso compensatório não gozados nos anos de 1985 a 2005; c) juros de mora, à taxa legal, até efectivo e integral pagamento.

Alega, em suma, que foi admitido ao serviço da ré, em 1 de Agosto de 1984, na qualidade de motorista de veículos pesados de transporte de mercadorias, funções que exerceu até 30 de Setembro de 2005, data em que passou à situação de reforma por velhice, sempre tendo prestado, diariamente, trabalho suplementar, que lhe foi pago pela ré, mas que esta não considerou as quantias pagas a esse título no cálculo da retribuição de férias, subsídio de férias e de Natal, referentes aos anos de 1985 a 2005, acrescendo que a ré não lhe pagou qualquer suplemento remuneratório a título de trabalho prestado em dias de descanso compensatório não gozados.

A ré contestou, excepcionando a prescrição dos créditos vencidos até 30 de Setembro de 2001, sustentando que não tinha que considerar as quantias pagas pelo trabalho suplementar prestado nas retribuições de férias, subsídio de férias e de Natal e que os dias de descanso compensatório não eram gozados por vontade do autor, a fim de auferir maior retribuição, tendo deduzido, ainda, pedido reconvencional.
O autor respondeu, concluindo como na petição inicial.

No despacho saneador, julgou-se improcedente a invocada excepção de prescrição e não foi admitido o pedido reconvencional.

Realizado julgamento, exarou-se sentença, que julgou a acção parcialmente procedente e condenou a ré a pagar ao autor: (a) a quantia de € 23.919,56, a título de diferenças salariais relativas a retribuição de férias, subsídio de férias e de Natal entre 1985 e 2005; (b) a quantia de € 11.022,14, a título de dias de descanso compensatório não gozados e não pagos, relativo a trabalho suplementar prestado entre 1985 e 2005; (c) juros de mora, desde 2001, à taxa legal, sendo os já vencidos no montante de € 1.454,23 e os vincendos a partir da citação e até integral pagamento.

2. Inconformada, a ré apelou, tendo a Relação julgado o recurso de apelação improcedente, confirmando a sentença recorrida, sendo contra esta decisão que a ré agora se insurge, mediante recurso de revista, em que pede a revogação do acórdão recorrido ao abrigo das seguintes conclusões:

«1. As normas do Código do Trabalho, os usos e o costume da Empresa limitam o conceito de retribuição à remuneração base;
2. Existem complementos regulares que acrescem à retribuição base, tais como, subsídio de férias, subsídio de Natal e gratificações de diversa natureza, mas para tal, têm que revestir uma dupla qualidade: a regularidade e independência em relação ao trabalho efectivamente produzido;
3. O quantitativo a receber por força da realização de trabalho suplementar depende da prestação efectiva de trabalho nessa qualidade;
4. Traduz, nessa medida e pela sua própria natureza, prestação irregular, variável, não integrando o conceito de retribuição para efeitos de cálculo do valor remuneratório de férias e respectivo subsídio;
5. O cálculo da remuneração pelo período de férias e do pertinente subsídio é feito com base numa ficção de prestação de trabalho, nada se presumindo quanto à prestação de trabalho, nada se presumindo quanto à prestação efectiva do mesmo a título de trabalho suplementar;
6. No período de férias, a inexistência de trabalho efectivo, em regime de trabalho suplementar, torna insustentável a contabilização e pagamento de qualquer quantia a esse título, por ausência dos respectivos pressupostos materiais que serviram de base a tal contabilização;
7. Dos usos e costumes das empresas do sector ao longo do tempo resulta inequívoco o entendimento que o subsídio de Natal seria definido por um cálculo assente na remuneração base;
8. O subsídio de Natal não pode ter um valor superior à denominada “remuneração de base”, devendo contabilizar-se “apenas a remuneração certa ou mesmo de base”;
9. Para a atribuição do subsídio de Natal, não existe qualquer ficção de prestação de trabalho que justifique a contrapartida directa desse valor, pois que este apenas é atribuído e legitimado pelo facto de, nesta época, existir um acréscimo de despesas em relação às correntes;
10. O direito e gozo ao descanso compensatório não se efectivaram na sequência do pedido dirigido à entidade patronal nesse sentido pelo próprio recorrido;
11. O recorrido na vigência de todo o seu contrato de trabalho jamais manifestou qualquer intenção de gozo daquele direito;
12. O recorrido, apesar de lançar mão daquele direito, sempre foi devidamente remunerado e compensado pela sua entidade patronal;
13. Pelo que a injusta reclamação de tais valores deveria ser atentamente ponderada pela inércia do recorrido durante 20 anos de trabalho, que apenas pretende, com a sua actuação apunhalar indevidamente uma relação de confiança efectivamente consolidada no âmbito da sua relação laboral, cujo desfecho, nesta questão, poderia ser outro.»
O recorrido contra-alegou, defendendo a manutenção do julgado.

Neste Supremo Tribunal, verificando-se que não constavam das conclusões da alegação do recurso as especificações previstas no n.º 2 do artigo 690.º do Código de Processo Civil, mormente as normas jurídicas violadas, a recorrente foi convidada a completar aquelas conclusões, sob pena de não se conhecer do recurso.

Respondendo àquele convite, a recorrente aduziu o seguinte:

«A) A recorrente considera que no Acórdão da Relação do Porto se faz uma incorrecta aplicação do direito e que viola as normas infra mencionadas no que concerne à integração da média do pagamento do trabalho suplementar na retribuição de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal:
– O número 2 do artigo 82.º do Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 49408, de 1969, LCT, estabelecia: “A retribuição compreende a remuneração de base e todas as outras prestações regulares e periódicas feitas, directa ou indirectamente, em dinheiro ou espécie”; e no número 3 do mesmo preceito: “Até prova em contrário, presume-se constituir retribuição toda e qualquer prestação da entidade patronal ao trabalhador”;
– Actualmente, estipula o número 2 do artigo 249.º do CT: “Na contrapartida do trabalho inclui-se a retribuição base e todas as prestações regulares e periódicas feitas, directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie”; e o número 3 do mesmo artigo: “Até prova em contrário, presume-se constituir retribuição toda e qualquer prestação do empregador ao trabalhador”;
– Ora, a recorrente entende que o conceito de “retribuição” deve ser entendido como o pagamento, em dinheiro ou em espécie, que a entidade patronal confere ao trabalhador, de forma a compensar o trabalho efectivamente prestado;
– Por conseguinte, terá de existir necessariamente a reciprocidade entre as prestações, pois o contrato de trabalho caracteriza-se por ser sinalagmático;
– Assim sendo, a ser considerada a integração da média [d]o pagamento do trabalho suplementar na retribuição de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal, pergunta-se, neste caso, qual a contrapartida da entidade patronal?
– Pelo que a recorrente considera que o Acórdão [d]a Relação do Porto viola as normas supra referidas, pois a lei não inclui no conceito de retribuição a integração da média do pagamento do trabalho suplementar na retribuição de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal;
– Mais, o douto Acórdão contraria de forma indubitável o que consagrava o número 1 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 874/76, de 28 de Dezembro: “A retribuição correspondente ao período de férias não pode ser inferior à que os trabalhadores receberiam se estivessem em serviço efectivo e deve ser paga antes do início daquele período”; e o número 2 do mesmo preceito: “Além da retribuição mencionada no número anterior, os trabalhadores têm direito a um subsídio de férias de montante igual ao dessa retribuição”;
– Actualmente, prescreve o número 1 [do] artigo 255.º do CT: “A retribuição do período de férias corresponde à que o trabalhador receberia se estivesse em serviço efectivo”; e o número 2 do mesmo artigo: “Além da retribuição mencionada no número anterior, o trabalhador tem direito a um subsídio de férias cujo montante compreende a retribuição base e as demais prestações retributivas que sejam contrapartida do modo específico da execução de trabalho”;
– Por último, consigna o número 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 88/96 de 3 de Julho: “Os trabalhadores têm direito a subsídio de Natal de valor igual a um mês de retribuição, que será pago até 15 de Dezembro de cada ano”;
– Actualmente, o número 1 do artigo 254.º do CT [estabelece]: “O trabalhador tem direito a subsídio de Natal de valor igual a um mês de retribuição, que deve ser pago até 15 de Dezembro de cada ano”;
– Resultando daqui, de forma incontestável, que, em nenhuma das normas supra mencionadas, o legislador impõe à entidade patronal o pagamento a integração da média do pagamento [sic] do trabalho suplementar na retribuição de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal;
– Pelo que a entidade patronal deverá apenas proceder ao pagamento do trabalho efectivamente prestado pelo trabalhador, pois em nenhuma norma legalmente consagrada se estipula expressamente ou até implicitamente o direito ao pagamento da média do trabalho suplementar prestado na retribuição das férias, no subsídio de férias e no subsídio de Natal;
B) Por último, relativamente ao pagamento dos descansos compensatórios não gozados por realização de trabalho suplementar, não obstante a lei prescrever nesta matéria no número 6 do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 421/83, de 2 de Dezembro, e número 2 do artigo 203.º do CT, “[q]uando o descanso compensatório for devido por trabalho suplementar não prestado em dias de descanso semanal, obrigatório ou complementar, pode o mesmo, por acordo entre o empregador e o trabalhador, ser substituído por prestação de trabalho remunerado com um acréscimo não inferior a 100%”, o descanso não foi efectivamente gozado a pedido do trabalhador, este nunca procedeu a qualquer reclamação do pagamento junto da entidade patronal, pois se o fizesse a entidade patronal tinha a possibilidade de escolher entre pagar ou exigir ao trabalhador que gozasse o seu descanso compensatório, consoante o que fosse mais benéfico à empresa.
Pese embora a atribuição de tal direito ao gozo do descanso compensatório ou em sua alternativa o pagamento, no caso “sub judice”, a aplicação da norma jurídica seria inadequada, porque seria atribuir um direito ao trabalhador que nunca antes o tinha reclamado e que poderia tê-lo feito no decurso dos 20 anos em que perdurou a relação laboral.
Sucede porém que, a entidade patronal não pode exercer a faculdade que a lei lhe conferia e confere, e, em alternativa, ter optado em impelir a que o trabalhador gozasse necessariamente o descanso compensatório.
Pelo que a aplicação da referida norma ao caso concreto violaria os princípios basilares da boa fé e premiaria a inércia do trabalhador que nunca procedeu à devida reclamação junto da entidade patronal.»

O recorrido respondeu, afirmando que «a Recorrente não deu cumprimento do disposto no n.º 4 do artigo 690.º do Código de Processo Civil, porquanto, além do mais, não concluiu de forma sintética, nos termos do n.º 1 do mesmo artigo, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração da decisão proferida», sendo que, de todo o modo, «a recorrente carece de razão, pois quer a decisão proferida em primeira instância, quer o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, julgaram correctamente o pleito, com plena observância das normas legais», pelo que não se deverá conhecer do recurso, mas, caso dele se conheça, deverá negar-se provimento.

Continuados os autos com vista, a Ex.ma Procuradora-Geral-Adjunta neste Supremo Tribunal pronunciou-se no sentido de ser negada a revista, parecer que, notificado às partes, não suscitou qualquer resposta.

3. No caso vertente, as questões suscitadas são as que se passam a enunciar:

Não conhecimento do recurso (questão prévia suscitada pelo recorrido);
– Saber se o acréscimo remuneratório pago pela ré ao autor, no período de 1985 a 2005, a título de remuneração de trabalho suplementar releva ou não para o cômputo da retribuição de férias e respectivo subsídio e para o subsídio de Natal [conclusões 1) a 9) da alegação do recurso de revista e alínea A) das conclusões aditadas];
Saber se o autor tem direito ao pagamento de acréscimo remuneratório a título de trabalho por ele prestado em dias de descanso compensatório não gozados, entre 1985 a 2005 [conclusões 10) a 13) da alegação do recurso de revista e alínea B) das conclusões aditadas].

Corridos os vistos, cumpre decidir.

II

1. Antes de mais, há que apreciar a questão prévia suscitada pelo recorrido no sentido de que «a Recorrente não deu cumprimento ao disposto no n.º 4 do artigo 690.º do Código de Processo Civil, porquanto, além do mais, não concluiu de forma sintética, nos termos do n.º 1 do mesmo artigo, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração da decisão proferida», termos em que haveria fundamento para não se conhecer do recurso de revista.

É certo que a recorrente, ao produzir o aditamento às conclusões do recurso, não concluiu, de forma sintética, como determina o n.º 1 do artigo 690.º do Código de Processo Civil, nem englobou as especificações a que alude o n.º 2 do mesmo artigo no conjunto das conclusões já formuladas, por forma a que os fundamentos do recurso constassem de uma única síntese conclusiva.

Porém, tendo a recorrente correspondido, em substância, ao convite que lhe foi endereçado para completar as conclusões apresentadas, com as especificações a que se refere o n.º 2 do artigo 690.º citado, designadamente, indicando as normas jurídicas que considera violadas, não há fundamento para não se conhecer do recurso.

Improcede, pois, a questão prévia enunciada.

2. As instâncias deram como provada a seguinte matéria de facto:

1) O A. foi admitido pela R., em 01.AGO.84, para, sob as ordens, direcção e fiscalização dos seus legais representantes, exercer as funções de motorista na condução de veículos pesados de transportes de mercadorias, funções que ininterruptamente desempenhou desde a sua admissão até 30.SET.05, data em que passou à situação de reforma por velhice;
2) O A., enquanto ao serviço da R., auferiu os vencimentos mensais referidos no artigo 6.º da petição inicial, bem como praticou os horários de trabalho referidos no artigo 7.º da referida peça processual […], cujo teor se dá aqui por reproduzido para os legais efeitos;
3) O intervalo para almoço verificou-se sempre entre as 12 horas e as 13 horas, sendo os dias de descanso:
– De 01AGO.84 a 30.NOV.96: o sábado de tarde (descanso complementar) e o domingo (descanso semanal);
– A partir de 01.DEZ.96: o sábado (descanso complementar) e o domingo (descanso semanal);
4) O A. prestou à R. trabalho fora do horário referido no ponto 3. [deve ler--se «ponto 2.»], tendo-lhe sido tal trabalho pago pela ré conforme se refere no artigo 23.º da petição inicial […], cujo teor se dá aqui por reproduzido para os legais efeitos;
5) As quantias pagas pela R. a título de trabalho suplementar eram mencionadas nos recibos de vencimento sob as rubricas «prémio» e «ajudas de custo s. IRS», sendo que esta última rubrica abrangia o pagamento de despesas do trabalhador com deslocações e/ou refeições; sob a rubrica «prémio extra» passou a ser pago, a partir de 1988/1989, o trabalho suplementar que excedesse as 200 horas anuais;
6) A R. incluía na rubrica «ajudas de custo» as despesas efectuadas pelo A. com refeições, bem como, até 1988/1989, o pagamento do trabalho suplementar prestado pelo autor;
7) O A. prestou à R. as seguintes horas de trabalho fora do seu horário de trabalho:
– 1.010 horas, em 1985;
– 1.010 horas, em 1986;
– 598 horas, em 1987;
– 1.175 horas, em 1988;
– 1.263 horas, em 1989;
– 1.507 horas, em 1990;
– 1.394 horas, em 1991;
– 1.334 horas, em 1992;
– 1.558 horas, em 1993;
– 1.200 horas, em 1994;
– 1.364 horas, em 1995;
– 1.226 horas, em 1996;
– 1.226 horas, em 1997;
– 1.216 horas, em 1998;
– 1.229 horas, em 1999;
– 981 horas, em 2000;
– 862 horas, em 2001;
– 1.014 horas, em 2002;
– 806 horas, em 2003;
– 1.098 horas, em 2004;
– 620 horas, em 2005;
8) O A., enquanto ao serviço da R., gozou um mês de férias nos anos de 1985 a 2005;
9) A R. não proibiu que o A. gozasse os dias de descanso compensatório a que tinha direito, não tendo o A. gozado tal descanso compensatório por sua conveniência, para não ver reduzida a sua remuneração;
10) A R., no cálculo da retribuição de férias, dos subsídios de férias e de Natal do A., não considerou as quantias que lhe pagou a título de «prémio» e «ajudas de custo s. IRS»;
11) A R. encontra-se inscrita na ANTRAM – Associação Nacional de Transportadores Públicos Rodoviários de Mercadorias, encontrando-se o autor inscrito no STRUN – Sindicato dos Trabalhadores de Transportes Rodoviários e Urbanos do Norte.

Os factos materiais fixados pelo tribunal recorrido não foram objecto de impugnação pelas partes, nem se vislumbra qualquer das situações referidas no n.º 3 do artigo 729.º do Código de Processo Civil, por conseguinte, será com base nesses factos que hão-de ser resolvidas as questões suscitadas no presente recurso.

3. A recorrente alega que a retribuição «a receber por força da realização de trabalho suplementar depende da prestação efectiva de trabalho nessa qualidade», traduzindo «nessa medida e pela sua própria natureza, prestação irregular, variável, não integrando o conceito de retribuição para efeitos de cálculo do valor remuneratório de férias e respectivo subsídio», pelo que «a entidade patronal deverá apenas proceder ao pagamento do trabalho efectivamente prestado pelo trabalhador, pois em nenhuma norma legalmente consagrada se estipula expressamente ou até implicitamente o direito ao pagamento da média do trabalho suplementar prestado na retribuição das férias, no subsídio de férias e no subsídio de Natal».

As instâncias, por sua vez, decidiram que o suplemento remuneratório auferido pelo autor, a título de trabalho suplementar, por forma regular e periódica, deverá relevar para o cálculo da retribuição de férias e dos subsídios de férias e de Natal, salvo quanto aos subsídios de Natal vencidos após 1 de Dezembro de 2003.
3.1. O direito a férias periódicas pagas tem consagração constitucional na alínea d) do n.º 1 do artigo 59.º da Lei Fundamental, constando o seu actual regime jurídico, bem como a disciplina da retribuição do período de férias e do respectivo subsídio de férias, dos artigos 211.º a 223.º e 255.º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, em vigor desde 1 de Dezembro de 2003.

Em matéria de subsídio de Natal, a norma disciplinadora é agora o artigo 254.º do Código do Trabalho.

A Lei n.º 99/2003 contém normas transitórias que delimitam a vigência do Código do Trabalho quanto às relações jurídicas subsistentes à data da respectiva entrada em vigor, pelo que, para fixar a eficácia temporal daquele Código, há que recorrer aos critérios sobre aplicação da lei no tempo enunciados naquelas normas.

No que agora releva, estipula o n.º 1 do artigo 8.º da Lei n.º 99/2003 que, «[s]em prejuízo do disposto nos artigos seguintes, ficam sujeitos ao regime do Código do Trabalho, os contratos de trabalho e os instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho celebrados ou aprovados antes da sua entrada em vigor, salvo quanto às condições de validade e aos efeitos de factos ou situações totalmente passados anteriormente àquele momento», assim, o Código do Trabalho não se aplica às retribuições de férias e subsídios de férias e de Natal vencidos antes da sua entrada em vigor (dia 1 de Dezembro de 2003 — n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 99/2003).

Assim, em relação às retribuições de férias e subsídios de férias e de Natal que deveriam ter sido pagos entre 1985 e 1 de Dezembro de 2003, há que ter atender ao disposto no anterior Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho, anexo ao Decreto-Lei n.º 49.408 de 24 de Novembro de 1969, adiante designado por LCT, no anterior regime jurídico das férias, feriados e faltas, estabelecido no Decreto-Lei n.º 874/76, de 28 de Dezembro, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 397/91, de 16 de Outubro, e pela Lei n.º 118/99, de 11 de Agosto, e na lei do subsídio de Natal, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 88/96, de 3 de Julho, bem como no contrato colectivo de trabalho (CCT) celebrado entre a ANTRAM – Associação Nacional dos Transportes Públicos Rodoviários de Mercadorias e a Federação dos Sindicatos de Transportes Rodoviários e outros, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, 1.ª Série, n.º 9, de 8 de Março de 1980, com a revisão publicada no mesmo Boletim, 1.ª Série, n.º 16, de 29 de Abril de 1982 (objecto de posteriores alterações, que não relevam para o caso), que é aplicável a todos os trabalhadores ainda que não inscritos naqueles Sindicatos, por força das Portarias de Extensão publicadas no Boletim do Trabalho e Emprego, 1.ª Série, n.º 30, de 15 de Agosto de 1980, e no mesmo Boletim, 1.ª Série, n.º 33, de 8 de Setembro de 1982.

Já quanto às retribuições de férias, subsídios de férias e de Natal vencidos entre 1 de Dezembro de 2003 e 30 de Setembro de 2005, há que aplicar o Código do Trabalho e o referido CCT.

3.2. O artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 874/76 estabelecia que «[a] retribuição correspondente ao período de férias não pode ser inferior à que os trabalhadores receberiam se estivessem em serviço efectivo» (n.º 1), tendo os trabalhadores «direito a um subsídio de férias de montante igual ao daquela retribuição» (n.º 2).

Por seu turno, o n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 88/96 previa que «[o]s trabalhadores têm direito a subsídio de Natal de valor igual a um mês de retribuição, que será pago até 15 de Dezembro de cada ano».

Decorre do exposto que a solução do problema submetido à apreciação deste Supremo Tribunal passa, necessária e fundamentalmente, pela interpretação do termo «retribuição» empregue pelo legislador na lei das férias, feriados e faltas e na lei do subsídio de Natal, termo esse que pode corresponder, tão só, à retribuição base ou abranger a retribuição base e todas as outras prestações regulares e periódicas auferidas pelo trabalhador como contrapartida do seu trabalho.
A interpretação jurídica tem por objecto descobrir, de entre os sentidos possíveis da lei, o seu sentido prevalente ou decisivo.

A apreensão literal do texto, ponto de partida de toda a interpretação, é já interpretação, embora incompleta, pois será sempre necessária uma «tarefa de interligação e valoração, que excede o domínio literal» (cf. JOSÉ OLIVEIRA ASCENSÃO, O Direito, Introdução e Teoria Geral, 11.ª edição, revista, Almedina, 2001, p. 392).

Nesta tarefa de interligação e valoração que acompanha a apreensão do sentido literal, intervêm elementos lógicos, apontando a doutrina elementos de ordem sistemática, histórica e racional ou teleológica (sobre este tema, cf. KARL LARENZ, Metodologia da Ciência do Direito, 3.ª edição, tradução, pp. 439-489; BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 12.ª reimpressão, Coimbra, 2000, pp. 175-192; FRANCESCO FERRARA, Interpretação e Aplicação das Leis, tradução de MANUEL ANDRADE, 3.ª edição, 1978, pp. 138 e seguintes).

Em matéria de interpretação das leis, o artigo 9.º do Código Civil consagra os princípios a que deve obedecer o intérprete ao empreender essa tarefa, começando por estabelecer que «[a] interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada» (n.º 1); o enunciado linguístico da lei é, assim, o ponto de partida de toda a interpretação, mas exerce também a função de um limite, já que não pode «ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso» (n.º 2); além disso, «[n]a fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados» (n.º 3).

Conforme estipula o artigo 82.º da LCT, o conceito de retribuição abrange «aquilo a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito como contrapartida do seu trabalho» (n.º 1), compreendendo «a remuneração de base e todas as outras prestações regulares e periódicas feitas directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie» (n.º 2), sendo que «[a]té prova em contrário, presume-se constituir retribuição toda e qualquer prestação da entidade patronal ao trabalhador» (n.º 3).

A retribuição representa, assim, a contrapartida, por parte do empregador, da prestação de trabalho efectuada pelo trabalhador, sendo que o carácter retributivo de uma certa prestação exige regularidade e periodicidade no seu pagamento, o que tem um duplo sentido, por um lado apoia a presunção da existência de uma vinculação prévia do empregador, por outro lado assinala a medida das expectativas de ganho do trabalhador.

Ora, nos termos do n.º 1 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 874/76, «a retribuição correspondente ao período de férias não pode ser inferior à que os trabalhadores receberiam se estivessem em serviço efectivo», o que significa que o legislador teve em vista que o trabalhador em férias não fosse penalizado em termos retributivos, sendo-lhe por isso devida a retribuição como se estivesse ao serviço.

Doutro passo, o subsídio de férias, nos termos do n.º 2 do artigo 6.º citado, é precisamente igual à retribuição durante as férias.

Assim, face ao teor literal das normas examinadas e tendo sobretudo em conta a unidade intrínseca do ordenamento jurídico e o fim visado pelo legislador ao editar as anteditas normas (ratio legis), tem, necessariamente, de considerar-se que na retribuição de férias e no respectivo subsídio deve atender-se ao todo retributivo.

Do mesmo modo, o n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 88/96, ao prever que os trabalhadores têm direito a subsídio de Natal de valor igual a um mês de retribuição, pelo seu teor literal e tendo ainda em consideração a unidade do sistema jurídico, pretendeu assegurar que o subsídio de Natal fosse, em todos os casos, de valor igual a um mês de retribuição, apontando no sentido de que, para efeito do pagamento do subsídio de Natal, deve também atender-se a todas as prestações retributivas que sejam contrapartida da execução do trabalho.

Também de harmonia com o CCT aplicável, «[a] todos os trabalhadores será concedido um período de férias em cada ano civil, sem prejuízo da sua remuneração normal, de trinta dias de calendário, com início no 1.º dia a seguir aos dias de descanso do trabalhador, a partir do dia 1 de Janeiro, com referência ao ano anterior» (cláusula 23.ª, n.º 1), sendo que «[o]ito dias antes do início das suas férias, os trabalhadores abrangidos por este CCTV receberão da empresa um subsídio igual ao montante da retribuição correspondente ao período de férias a que têm direito» (cláusula 43.ª, n.º 1) e que «[t]odos os trabalhadores abrangidos por este CCTV têm direito a um subsídio correspondente a um mês de retribuição, o qual será pago ou posto à sua disposição até 15 de Dezembro de cada ano, […]» (cláusula 44.ª, n.º 1).

Resulta, assim, claro que a remuneração de férias, o respectivo subsídio e o subsídio de Natal deverão ser de montante igual à da retribuição que é normalmente processada a favor do trabalhador, nela se incluindo os componentes que, nos termos previstos no artigo 82.º, n.º 2, da LCT a devam integrar, como seja o suplemento remuneratório auferido pelo autor a título de trabalho suplementar, o que significa que a lei ficciona, para o apontado efeito, a correspectividade entre essa retribuição e a efectiva prestação do trabalho.

3.3. O Código do Trabalho disciplina a matéria respeitante à retribuição na Secção I («Disposições gerais») do Capítulo III («Retribuição e outras atribuições patrimoniais») do Título II («Contrato de Trabalho») do Livro I («Parte geral»).
Nos termos do seu artigo 249.º, considera-se retribuição «aquilo a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito como contrapartida do seu trabalho» (n.º 1), incluindo-se na contrapartida do trabalho «a retribuição base e todas as prestações regulares e periódicas feitas, directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie» (n.º 2), sendo que «[a]té prova em contrário, presume-se constituir retribuição toda e qualquer prestação do empregador ao trabalhador» (n.º 3).

Por seu turno, o n.º 1 do artigo 250.º seguinte determina que, «[q]uando as disposições legais, convencionais ou contratuais não disponham em contrário, entende-se que a base de cálculo das prestações complementares e acessórias nelas estabelecidas é constituída apenas pela retribuição base e diuturnidades», cuja noção é dada pelas alíneas a) e b) do n.º 2 do mesmo artigo.

Especificamente quanto ao valor do subsídio de Natal o n.º 1 do artigo 254.º do Código do Trabalho dispõe que «[o] trabalhador tem direito a subsídio de Natal de valor igual a um mês de retribuição que deve ser pago até 15 de Dezembro de cada ano».

Tal como refere PEDRO ROMANO MARTINEZ (Direito do Trabalho, 3.ª edição, Almedina, Coimbra, 2005, p. 576) «os complementos salariais representam acrescentos à retribuição base e são devidos ao trabalhador, isto é, constituem-se verificadas as respectivas circunstâncias e, após o vencimento, é devido o seu pagamento. De entre os complementos salariais importa distinguir aqueles que são certos dos incertos. Os complementos salariais certos correspondem a prestações fixas que se vencem periodicamente, sendo, por via de regra, pagas ao mesmo tempo que a remuneração base. Como complementos salariais certos podem indicar-se os subsídios anuais, com destaque para o subsídio de férias (artigo 255.º, n.º 2, do CT) e o subsídio de Natal (artigo 254.º do CT), podendo ainda aludir-se ao subsídio da Páscoa.»
Face ao enquadramento jurídico enunciado, conclui-se que, no domínio do Código do Trabalho, a base de cálculo do subsídio de Natal — salvo disposição legal, convencional ou contratual em contrário — reconduz-se ao somatório da retribuição base e das diuturnidades, já que o «mês de retribuição» a que se refere o n.º 1 do artigo 254.º do Código do Trabalho terá de ser entendido de acordo com a regra supletiva constante no n.º 1 do artigo 250.º do mesmo Código, nos termos do qual a respectiva base de cálculo se circunscreve à retribuição base e diuturnidades.

Consequentemente, à luz do regime do Código do Trabalho, o suplemento remuneratório auferido pelo autor a título de trabalho suplementar não releva para o cômputo dos subsídios de Natal vencidos nos anos de 2003 a 2005, cuja base de cálculo se cinge à retribuição base e diuturnidades, conforme decidiram as instâncias.

Quanto à retribuição do período de férias, o Código do Trabalho continua a estabelecer no artigo 255.º que «a retribuição do período de férias corresponde à que o trabalhador receberia se estivesse em serviço efectivo» (n.º 1), daí que, para esse efeito, há que considerar o suplemento remuneratório auferido pelo autor a título de trabalho suplementar.

Relativamente ao subsídio de férias, o n.º 2 do citado artigo 255.º estatui que «o trabalhador tem direito a um subsídio de férias cujo montante compreende a retribuição base e as demais prestações retributivas que sejam contrapartida do modo específico da execução de trabalho».

Ora, o autor desempenhava as funções de motorista de veículos pesados de transporte de mercadorias e prestava, regularmente, trabalho suplementar para a ré, já que tais funções «não são compatíveis com uma rígida observância de um horário de trabalho fixo», tal como se acentua na sentença proferida em primeira instância.

Assim, o suplemento remuneratório conferido pela prestação desse trabalho suplementar configura-se como contrapartida do modo específico da execução de trabalho (cf., neste sentido, JÚLIO GOMES, Direito do Trabalho, vol. I, Relações Individuais de Trabalho, Coimbra Editora, 2007, p. 781), devendo a correspondente retribuição média relevar para o cômputo do valor do subsídio de férias.

3.4. No caso, provou-se que o autor prestou à ré trabalho fora do seu horário de trabalho em todos os anos que mediaram entre 1985 e 2005, verificando-se o seu valor mais elevado em 1993 (1558 horas) e o seu menor valor em 1987 (598 horas) [factos provados 4) e 7)], trabalho suplementar que a ré pagou [factos provados 4) a 6)], mas cujo valor não considerou «no cálculo da retribuição de férias, dos subsídios de férias e de Natal do A.» [facto provado 10)].

Deste modo, está demonstrado que, nos períodos concretamente assinalados, as prestações questionadas assumiram o carácter de prestações pecuniárias, regulares e periódicas, embora de valor naturalmente variável, que integravam legitimamente a expectativa de ganho do autor, fazendo parte da respectiva retribuição mensal.

Nesta conformidade, os suplementos remuneratórios auferidos pelo autor a título de trabalho suplementar, por forma regular e periódica, entre 1985 e 2005, relevam para o cômputo da retribuição de férias e do respectivo subsídio, bem como dos subsídios de Natal vencidos anteriormente a 1 de Dezembro de 2003.

Não há, pois, motivo para alterar o julgado.

Apenas se acrescentará, porque a recorrente defende que «[…] os usos e o costume da Empresa limitam o conceito de retribuição à remuneração base» [conclusão 1) da alegação do recurso de revista] e que «[d]os usos e costumes das empresas do sector ao longo do tempo resulta inequívoco o entendimento que o subsídio de Natal seria definido por um cálculo assente na remuneração base» [conclusão 7) da alegação do recurso de revista], que a recorrente não alegou nos articulados, nem provou, como lhe competia, factos conducentes à existência de qualquer uso ou prática da empresa no sentido propugnado, pelo que carece de fundamento a invocação dos sobreditos usos e costumes para efeitos do disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 82.º, n.º 1, da LCT e 1.º e 249.º, n.º 1, do Código do Trabalho.

Improcedem, pois, as conclusões 1) a 9) da alegação do recurso de revista e alínea A) das conclusões aditadas a convite do relator.

4. Em derradeiro termo, a ré alega que o descanso compensatório não foi gozado na sequência de pedido do próprio autor e que este, durante os vinte anos em que perdurou a relação laboral, nunca reclamou a correspondente remuneração, pelo que o reconhecimento de tal direito «violaria os princípios basilares da boa fé e premiaria a inércia do trabalhador».

Relativamente ao descanso compensatório devido por trabalho suplementar não prestado em dias de descanso semanal, obrigatório ou complementar, dispunha o n.º 6 do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 421/83, de 2 de Dezembro, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 398/91, de 16 de Outubro, e pela Lei n.º 118/99, de 11 de Agosto, norma reproduzida no n.º 2 do artigo 203.º do Código do Trabalho, que o mesmo pode, «por acordo entre o empregador e o trabalhador, ser substituído por prestação de trabalho remunerado com um acréscimo não inferior a 100%».

Ora, tendo-se provado que a ré «não proibiu que o A. gozasse os dias de descanso compensatório a que tinha direito, não tendo o A. gozado tal descanso compensatório por sua conveniência, para não ver reduzida a sua remuneração» [facto provado 9)], deve concluir-se, tal como se entendeu no acórdão recorrido e se extrai da factualidade provada, «que houve acordo, pelo menos tácito, nos termos do art. 217.º, n.º 1, do CC, para que tal descanso não fosse gozado, mas antes “trabalhado”, optando-se, assim, pela sua substituição por remuneração».
Justifica-se, por isso, que, provando-se que o autor prestou trabalho em dias de descanso compensatório com conhecimento da ré e sem a sua oposição, esta deva pagar-lhe o acréscimo remuneratório previsto nos citados normativos.

É que, tal como salienta a Ex.ma Procuradora-Geral-Adjunta neste Supremo Tribunal, «a Recorrente sabia perfeitamente que o Autor não gozava os dias de descanso compensatório a que tinha direito e que nesses dias lhe prestava trabalho. Ora, sendo a Ré conhecedora destes factos, sobre ela impendia a obrigação de pagar ao Autor o acréscimo remuneratório a que ele tinha direito, sem necessidade de este reclamar junto da Ré o seu pagamento.»

Tudo para concluir que não se vislumbra, no caso, a alegada «violação dos princípios basilares da boa fé» ou o invocado prémio à inércia do trabalhador.

Improcedem, pois, as conclusões 10) a 13) da alegação do recurso de revista e alínea B) das conclusões aditadas a convite do relator.

III

Pelo exposto, decide-se negar a revista e confirmar o acórdão recorrido.

Custas da revista a cargo da recorrente.

Lisboa, 16 de Janeiro de 2008

Pinto Hespanhol (relator)
Vasques Dinis
Bravo Serra