SEPARAÇÃO DE MEAÇÕES
PROCESSO DE INVENTÁRIO
ACÇÃO EXECUTIVA
PENHORA
BENS COMUNS DO CASAL
TRANSACÇÃO JUDICIAL
PARTILHA DOS BENS DO CASAL
CONFERÊNCIA DE INTERESSADOS
Sumário

I - Efectuado o requerimento para separação de meações (inventário que segue as normas adjectivas próprias do inventário, com as especificidades dos arts. 1404.º a 1406.º do CPC), a instância executiva fica suspensa até à partilha. A partir deste momento prosseguirá sobre os bens penhorados se ficarem a pertencer ao executado, ou sobre outros que lhe tenham cabido, caso os penhorados não lhe couberem (mas fiquem a pertencer ao seu cônjuge).

II - Neste inventário, o cônjuge do executado tem o direito de escolha dos bens que hão-de formar a sua meação. Mas nesse caso, os credores podem reclamar contra essa escolha, fundamentando a sua queixa, inferindo-se do n.º 2 do art. 1406.º que o fundamento da reclamação só pode ser a má avaliação dos bens.

III - Teve aqui o legislador evidentes preocupações com os credores, pois, como é evidente, uma avaliação incorrecta, pode resultar em manifesto prejuízo deles. Note-se que o que se trata aqui é a possibilidade de o exequente vir a penhorar bens que couberam ao executado, sendo evidente o dano se existir uma avaliação por defeito dos bens escolhidos pelo cônjuge deste.

IV - Hoje o inventário pode findar na conferência de interessados (em caso de acordo dos interessados e quando o juiz, atendendo à simplicidade da partilha, o consinta). Porém, mesmo nesta circunstância, a partilha terá que ser concretizada e depois judicialmente homologada em acta, onde constarão os elementos relativos à composição dos quinhões e a forma da partilha (art. 1353.º, n.º 6, do mesmo Código).

V - Mesmo que se entenda que o processo pode terminar com uma transacção, nela têm que intervir, para além dos interessados no inventário, os credores exequentes cuja penhora em bens comuns do casal originou a instauração do processo (para separação de meações - art. 293.º, n.º 2, do CPC).

VI - Tendo os interessados, no presente inventário para separação de meações, chegado a acordo, sem que estivesse presente a credora, exequente no processo principal, vindo a ser homologada por sentença a referida transacção, fazendo-se terminar o processo, inviabilizou-se a realização da partilha e a consequente ajudicação dos bens a cada um dos cônjuges (ou seja, o preeenchimento dos respectivos quinhões), não se permitindo, assim, o prosseguimento da execução com penhora de bens.

VII - Deverá, pois, revogar-se a sentença homologatória da transacção, realizando-se nova conferência de interessados e subsequente partilha.

Texto Integral




Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

I- Relatório:
1-1- Por apenso à execução que o Banco Nacional Ultramarino (hoje Caixa Geral de Depósitos) move a seu marido AA, veio BB, residente na Quinta da Albergaria, ..., ... Mangualde, requerer inventário para separação da sua meação (nos termos do art. 825º nº 2 do C.P.Civil).
1-2- O processo seguiu os seus regulares termos até que na conferência de interessados se procedeu a uma transacção, que foi homologada por sentença (fls. 193 a 195).
1-3- A Caixa Leasing e Factoring – Instituição Financeira de Crédito, S.A., (sucessora da Sociedade Portuguesa de Leasing S.A.) interessada no inventário, veio interpor recurso da sentença que homologou o acordo que BB e AA celebraram no inventário.
1-2- Depois de diversas incidências processuais sem interesse para aqui salientar, o recurso foi recebido e decidido no Tribunal da Relação de Coimbra, tendo sido julgado improcedente.
1-3- Inconformada por esta decisão, dela recorreu Caixa Leasing e Factoring para este Supremo Tribunal que, por acórdão de 8-3-2007, decidiu fazer baixar o processo ao tribunal recorrido a fim de aí, se possível com os mesmo juízes, se fixarem os factos provados com relevância para a decisão da causa, efectuando-se novo julgamento.
1-4- Realizado novo julgamento no Tribunal da Relação de Coimbra, outra vez a apelação foi julgada improcedente.
1-5- Novamente não se conformando com esta decisão, dela veio recorrer a Caixa Leasing e Factoring para este Supremo Tribunal, recurso que foi admitido como revista e com efeito devolutivo.
1-6- A recorrente alegou, tendo das suas alegações retirado as seguintes conclusões:
1ª- O presente recurso vem interposto do douto Acórdão da Relação de Coimbra que manteve a douta sentença homologatória de transacção efectuada em conferência de interessados no âmbito do processo n° 157-E 995 do 1° Juízo do Tribunal da Comarca de Mangualde.

2ª- A transacção homologada extravasa o objecto do apenso em que foi apresentada.

3ª- Na transacção os recorridos além de decidirem acerca da divisão de bens comuns, dispõem de imóvel penhorado nos autos para pagamento de dívida de um dos credores.

4ª- A recorrente tem um direito de crédito sobre o recorrido AA, reconhecido e graduado no apenso de reclamação de créditos.

5ª- A recorrente penhorou e registou o imóvel em causa no âmbito do processo executivo que move ao recorrido para satisfação do seu direito de crédito.

6ª- A recorrente não esteve presente na transacção apresentada nos autos, não foi ouvida nem aceitou a mesma.

7ª- Na acta de conferência de interessados, na transacção consta na cláusula 6 “Pelas razões referidas na anterior cláusula no 3, ambos os interessados acordam em eliminar a verba n° 3 da relação de bens de fls. 15”.

E na cláusula 9ª consta: “conhecedores do valor da proposta apresentada dos interessados, desde já, acordam que a distribuição do produto da venda seja afectado ao pagamento do crédito da Caixa Geral de Depósitos e o sobejante para a interessada BB”.

Na clausula 11ª “caso, inexistem propostas ou os valores não sejam aceites, os interessados acordam em adjudicar a verba n° 2 de fls. 15 com valor de € 499.000,00 conforme referido na cláusula 7 ao interessado AA e a verba n° 1 das mesmas fls. à interessada BB”.

8ª- Com estas cláusulas os interessados estão a dispor de um bem penhorado pela ora recorrente e que garante a satisfação do seu direito de crédito, reconhecido e graduado nos autos.

9ª- O art. 819° do CC.: “Sem prejuízo das regras do registo, são ineficazes em relação ao exequente os actos de disposição ou oneração dos bens penhorados.”

10ª- O art. 819° CC. diz «em relação ao exequente», mas também perante os credores reclamantes, o comprador dos bens, o próprio tribunal, o acto é ineficaz, sendo pura e simplesmente, inoponivel à execução. Trata-se duma inoponibilidade objectiva ou situacional, diversa da inoponibilidade meramente subjectiva, isto é, em face dum certo terceiro” Prof. Castro Mendes, Acção, p 96, nota 2.

11ª- Criando a penhora essa limitação à disposição do bem dentro do próprio processo, não podemos entender que os recorridos por transacção venham determinar os fins do bem penhorado sem que todos os credores aceitem esses termos.

12ª- A recorrente titular de direito de garantia sobre o imóvel, não foi parte na presente transacção, mas é parte no apenso de reclamação de créditos.

13ª- No processo de inventário as partes apenas tinham legitimidade para determinar a partilha dos seus bens comuns.

14ª- Ora, os bens que fossem atribuídos ao AA seriam para pagamento das dívidas, conforme determinado na sentença de graduação de créditos do apenso F.

15ª- Mas as partes além da partilha dos bens decidem sobre a venda desses bens e imputação do produto para pagamento de divida de um dos credores.
16ª- Ora, considera a recorrente que se os credores podem reclamar contra a escolha destinada à formação da meação feita pelo conjugue do executado, mais podem reclamar acerca da decisão sobre a imputação dos bens que são atribuídos ao executado.
17ª- O douto Acórdão recorrido, ignora a questão fundamental in caso, pois não estamos perante uma mera decisão sobre as meações dos cônjuges,

18ª- As partes foram mais longe e além de decidirem qual a meação de cada um, decidem como pagar a um dos credores com o produto do bem do cônjuge executado.

19ª- E estamos perante um bem imóvel que é constituído por dois artigos matriciais que foram autonomamente avaliados e um deles a verba 2 de fls. 15 avaliado em € 499000,00 foi adjudicado ao requerente executado AA.

20ª- Decidindo as partes que essa verba será vendida e o produto utilizado para pagamento do credito da Caixa Geral de Depósitos, cfr. clausula 9ª da transacção de fls.

21ª- Ora, conforme se diz no douto acórdão recorrido, logo nessas situações (...) o credor apenas terá que aguardar que nos autos de inventário seja feita a partilha, para ficar a saber quais os bens que efectivamente ficaram a pertencer ao executado e depois executá-los, sem qualquer tipo de constrangimentos, semelhantes àqueles que motivam a suspensão da sua execução.”

22ª- No casa sub judice tal possibilidade é completamente prejudicada, porque se aceita que as partes do inventário e um dos credores determinem o destino do bem atribuído à parte devedora/executado.

23ª- Como poderá a ora recorrente ir executar a parte do devedor, se foi aceite que o mesmo determine o seu destino.

24ª- O que é mais flagrante é existirem elementos nos autos que demonstram que a parte atribuída ao devedor será suficiente para pagamento do credor graduado em primeiro lugar e ainda para parte do crédito da ora recorrente, graduado em segundo lugar.

25ª- A sentença recorrida apenas podia homologar um acordo sobre a partilha dos bens e não também o fim dos mesmos.

26ª- Viola o princípio da equidade homologar a transacção com a extensão que tem de determinar o próprio devedor o fim da parte que lhe cabe na partilha efectuada nestes autos de inventário.

27ª- A transacção não podia ser homologada, uma vez que extravasa o objecto do apenso em que foi efectuada, faltando o requisito do n° 2 do art. 293° do CPC.

28ª- O douto Acórdão recorrido viola o art. 293°, no 2 do CPC e o princípio subjacente à regulação do art. 819° do CPC.

1-7- Não houve contra-alegações.
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir:

II- Fundamentação:
2-1- Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes, apreciaremos apenas as questões que ali foram enunciadas (arts. 690º nº1 e 684º nº 3 ex vi do art. 726º do C.P.Civil).
Nesta conformidade, será a seguinte a questão a apreciar e decidir:
- Se a transacção em causa poderia, ou não, ser homologada por sentença.
2-2- Com vista à decisão, no acórdão da Relação de Coimbra deram-se como assentes as seguintes circunstâncias:
1- Nomeada cabeça de casal no inventário que requereu para separação de meações nos termos do art. 825.º do CPC, veio BB relacionar a fls. 43, entre outras, duas dívidas tituladas por duas letras, indicando como credora a ora recorrente.
2- Ainda a fls. 43, a requerente BB deu conta de que o pagamento daquelas duas letras fora reclamado na execução ordinária n.º 9038/95 a correr termos na 2.ª Secção da 13.ª Vara Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, à qual deduzira embargos de executado.
3- Convocada conferência de interessados, a ela compareceu a requerente do inventário e cabeça de casal, BB, acompanhada pelo seu mandatário. O requerido AA e a credora Caixa Geral de Depósitos, estiveram representados por mandatários.
4- Na referida conferência de interessados, os presentes puseram termo ao inventário mediante o acordo que consta da respectiva acta inserta a fls. 193, 194 e 195 que, logo, foi homologado por sentença.
5- Na dita conferência foi acordada a composição dos quinhões da requerente e requerido e, atendendo a que a requerente não reconheceu a existência da dívida da ora apelante, acordaram em eliminá-la da relação apresentada.
6- O crédito reclamado pela recorrente é da exclusiva responsabilidade do executado requerido no inventário, AA.
De sublinhar ainda que (art. 659º nº 3 do C.P.Civil):
7- A ora recorrente, por apenso à execução apensa, reclamou o seu crédito, nos termos do art. 871º, tendo sido proferida sentença de graduação de créditos, sendo que o crédito reclamado, foi graduado em segundo lugar (Apenso F).
8- No processo de execução, a instância encontra-se suspensa até que se encontre efectuada a partilha a que estes autos dizem respeito (fls.301 do proc.de execução157/95)
2-3- O presente processo de inventário foi instaurado de harmonia com o disposto no art. 825º nº2 do C.P.Civil (na redacção então vigente). Segundo esta disposição em execução movida contra um só dos cônjuges e em caso de penhora dos bens comuns do casal, “qualquer dos cônjuges pode requerer, dentro de 15 dias, a separação de bens, ou juntar certidão comprovativa da pendência da acção em que a separação já tenha sido requerida, sob pena de a execução prosseguir contra os bens penhorados” (1) ”.. Portanto, numa execução por uma dívida de responsabilidade apenas de um dos cônjuges, se o credor pretender penhorar bens comuns do casal (por os bens do devedor serem insuficientes ou não se conhecerem), então terá o cônjuge não devedor de ser citado para requerer a separação dos bens (ou juntar certidão comprovativa da pendência da acção em que a separação já tenha sido requerida).

Foi na sequência dessa citação que a requerente BB (esposa do executado) veio requerer este inventário.

Estabelece o nº 7 do art. 825º (actual redacção) que “apensado o requerimento em que se pede a separação, ou junta a certidão, a execução fica suspensa até à partilha; se, por esta, os bens penhorados não couberam ao executado, podem ser penhorados outros que lhe tenham cabido, permanecendo a anterior penhora até à nova apreensão”.

Quer isto dizer que, efectuado o requerimento para separação de meações, a instância executiva fica suspensa até à partilha. A partir deste momento prosseguirá sobre os bens penhorados se ficarem a pertencer ao executado, ou sobre outros que lhe tenham cabido, caso os penhorados não lhe couberem.

O inventário a que se procedeu segue as normas adjectivas próprias do inventário, com as especificidades dos arts. 1404º a 1406º do C.P.Civil. De salientar, para o que aqui importa, que o exequente, no caso do artigo 825º, tem o direito de promover o andamento do inventário, não podendo ser aprovadas dívidas que não estejam devidamente documentadas (als. a) e b) do nº 1 do art. 1406º) e “o cônjuge do executado ou falido tem o direito de escolher os bens que há-de ser formada a sua meação; se usar desse direito, são notificados da escolha os credores, que podem reclamar contra ela, fundamentando a sua queixa” (al. c) do mesmo art. 1406º). “Se julgar atendível a reclamação, o juiz ordena a avaliação dos bens que lhe pareçam mal avaliados” (nº 2 do mesmo art. 1406º).

De sublinhar, face a estes dispositivos, que o cônjuge do executado tem o direito de escolha dos bens que hão-de formar a sua meação. Isto para evitar “que a família fique privada, pelo acaso do sorteio, dos bens que lhe são absolutamente indispensáveis” (Alberto dos Reis, Breve Estudo, pág. 727, citado por Lopes Cardoso in Partilhas Judiciais, Vol. III, 4ª edição, pág. 433). O direito de escolha deverá ser exercido após a relacionação dos bens ou na conferência de interessados, e deve ser realizado por simples requerimento em que tal objectivo se mencione, indicando-se aí os bens concretos escolhidos. “Substancialmente, a escolha não tem outros limites que não sejam respeitantes ao valor da meação do optante, dentro desse limite este tem plena liberdade de fazer indicação concreta dos bens que a hão-de constituir. Quer isto dizer que nesta fase não há que tomar em consideração a natureza deles e que as meações não têm que necessariamente formadas por bens da mesma espécie e qualidade. Este segundo aspecto só é de levar em conta quando inexiste direito de escolha ou quando sobrevém a desistência dele, hipótese em que se procederá a sorteio” (Lopes Cardoso obra citada pág. 434).

Mas como se viu, em caso de escolha, os credores podem reclamar contra ela, fundamentando a sua queixa. Como se infere do nº 2 do art. 1406º, os fundamentos da reclamação só poderá ser a má avaliação dos bens. Teve aqui o legislador evidentes preocupações com os credores, pois, como é evidente, uma avaliação incorrecta, pode resultar em manifesto prejuízo deles. Note-se que o que se trata aqui é a possibilidade de o exequente vir a penhorar bens que couberam ao executado, sendo evidente o dano se existir uma avaliação por defeitos dos bens escolhidos pelo cônjuge deste.

No caso vertente, verifica-se que na conferência de interessados os interessados chegaram a um acordo, não estando aí presente a credora, ora recorrente. Nesse acordo, observa-se, de essencial, que os interessados definiram os bens a partilhar (cláusula 1ª), o interessado AA reconheceu duas dívidas, uma à Caixa Geral de Depósitos e a outra à Sociedade Portuguesa de Leasing (cláusulas 2ª e 4ª), consideraram os interessados compensada (extinta) uma outra dívida por adjudicação de uma verba relacionada que, por isso, a decidiram eliminar (cláusulas 3ª e 6ª), alteraram o conteúdo das verbas nºs 1 e 2 da relação de bens de fls. 15 (cláusula 7ª), informaram existir um interessado na aquisição deste bem e que, caso a respectiva proposta fosse aceite, acordaram em atribuir o produto da venda para solver o Crédito da Caixa Geral de Depósitos, ficando o que restasse para a interessada BB, proposta aceite por esta instituição de crédito, nos termos na cláusula exarados (cláusulas 9ª e 10ª), acordaram, no caso de não existirem propostas de aquisição das verbas (nºs 1 e 2 da relação de bens de fls. 15) ou caso os valores não serem aceites, em adjudicar as verbas aos interessados AA e BB, sendo adjudicada ainda a esta outras verbas (cláusulas 11ª e 12ª).

Porque existiu um acordo, não se poderá dizer que a interessada BB procedeu à escolha de verbas destinadas a preencher o seu quinhão. Por outro lado, dado que o preenchimento do seu quinhão está dependente de circunstâncias factuais incertas, não está determinado, em concreto, o quinhão dessa interessada. Pelas mesmas razões também não está concretizado o quinhão do outro interessado, o executado.

O objectivo da instauração deste processo de inventário foi, como se viu, a separação/partilha de bens dos cônjuges, em virtude de o credor pretender penhorar bens comuns do casal, sendo que a dívida é própria do cônjuge devedor. Também já se viu que, nos termos do nº 7 do art. 825º, “apensado o requerimento em que se pede a separação, ou junta a certidão, a execução fica suspensa até à partilha” sendo que depois desta “se os bens penhorados não couberam ao executado, podem ser penhorados outros que lhe tenham cabido, permanecendo a anterior penhora até à nova apreensão”. Ou seja, após a partilha o processo de execução prosseguirá, mantendo-se a penhora dos mesmos bens (caso estes fiquem a pertencer ao executado), ou penhorando-se outros que tenham cabido ao executado (caso os penhorados fiquem a pertencer ao seu cônjuge).

Ora no caso dos autos, ao homologar-se por sentença a transacção, transacção (onde não interveio a credora Sociedade Portuguesa de Leasing) fazendo-se terminar o processo (note-se que até as custas se fixaram), inviabilizou-se a realização da partilha e a consequente adjudicação dos bens a cada um dos cônjuges, não se permitindo, outrossim, o prosseguimento da execução com penhora de bens nos termos expostos (2). Sublinhe-se que o objectivo de um inventário divisório é, precisamente, a descrição e partilha de bens, finalidade que no presente processo acabou por se gorar, ao fazer-se terminar por transacção os autos (3).

, sendo que nesta não interveio a dita credora.

Os próprios quinhões dos interessados não estão concretizados, razão porque, também por esse motivo, a partilha não se poderá realizar (arts. 1373º e 1374º do C.P.Civil).

Haverá, pois, que fazer prosseguir os autos, com vista à partilha e à adjudicação de bens aos interessados, com o objectivo de satisfazer o crédito da Sociedade Portuguesa de Leasing.

Não se desconhece que hoje o inventário pode findar na conferência de interessados (em caso de acordo dos interessados e quando o juiz, atendendo à simplicidade da partilha, o consinta). Porém, mesmo nesta circunstância, a partilha terá que se concretizada e depois judicialmente homologada em acta, onde constarão os elementos relativos à composição dos quinhões e a forma da partilha (art. 1353º nº 6 do mesmo Código).

Mas mesmo que se entenda que o processo pode terminar com uma transacção, sem qualquer dúvida diremos que nela têm que intervir, para além dos interessados no inventário, os credores exequentes cuja penhora em bens comuns do casal, originou a instauração do processo (para separação de meações – art. 293º nº 2 do C.P.Civil -). Evidentemente que não tendo intervido a Sociedade Portuguesa de Leasing nessa transacção, a mesma é ineficaz em relação a ela, razão por que, igualmente por este prisma, o processo terá que prosseguir com vista à partilha e à adjudicação de bens aos interessados, a fim de a execução prosseguir para se satisfazer o crédito dessa Sociedade.

Um pequeno reparo ao acórdão da Relação de Coimbra.

Não se discute, nem isso é relevante para aqui, se a dívida do ora recorrente deve ou não ser relacionada nos autos. O ponto da questão está na circunstância de a decisão recorrida ter inviabilizado a partilha dos bens e a seguinte adjudicação dos bens e, consequentemente, não ter permitido o prosseguimento da execução com a penhora dos mesmos ou de outros bens do executado.

O acórdão que serviu de inspiração à decisão recorrida, versou sobre uma questão diversa da discutida nestes autos. Incidiu esse aresto sobre a necessidade, ou não, de se relacionar no inventário dívidas de responsabilidade exclusiva de um dos cônjuges. Depois de se ter decidido que tais dívidas não deveriam ser relacionadas, disse-se, de forma correcta, que o esse tipo de inventário visa essencialmente proteger o interesse do cônjuge do executado permitindo-lhe, desse modo, proceder à separação dos bens do casal”, acrescentando-se depois que “logo, nessas situações (...) o credor apenas terá que aguardar que nos autos de inventário seja feita a partilha, para ficar a saber quais os bens que efectivamente ficaram a pertencer ao executado e depois executá-los, sem qualquer tipo de constrangimentos, semelhantes àqueles que motivaram a suspensão da sua execução”. Ou seja, nesse acórdão, defendendo-se embora a desnecessidade de relacionar as dívidas de responsabilidade exclusiva de um dos cônjuges (questão não debatida nestes autos) (4), reconheceu-se a precisão de realizar a partilha no inventário, verificar os bens que ficam a pertencer ao executado e depois, sobre eles, prosseguir a execução. Isto é, entendeu-se, igualmente, a indispensabilidade de realizar a partilha.

Quer dizer que, se bem que pelas ditas razões, a revista será concedida.

III- Decisão:

Por tudo o exposto, revoga-se a sentença recorrida que deverá ser substituída por outra que ordene o prosseguimento dos autos de inventário com vista à partilha dos bens, realizando-se (nova) conferência de interessados.

Custas pelos interessados na partilha.

Supremo Tribunal de Justiça, 22 de Janeiro de 2008

Garcia Calejo (Relator)

Moreira Alves

Mário Mendes

_________________________

(1) A actual redacção do art. 825º nº 1 é a seguinte: “quando em execução movida contra só um dos cônjuges, sejam penhorados bens comuns do casal, por não se conhecerem bens suficientes próprios do executado, cita-se o cônjuge do executado para, no prazo de que dispões para a oposição, requerer a separação de bens ou juntar certidão comprovativa da pendência da acção em que a separação já tenha sido requerida.

(2) Note-se que, como se disse acima, o processo de execução está com a instância suspensa até à partilha a efectuar nestes autos.

(3) Sublinhe-se que a requerente do inventário chama à transacção sentença homologatória da partilha (fls. 228), o que, na realidade, não é, já que não existiu qualquer partilha.

(4) De notar que a própria cabeça de casal entendeu relacionar a dívida da recorrente (fls. 43), sendo também certo que, precisamente, em razão de a dívida ser da responsabilidade de só um dos cônjuges e a penhora ter incidido sobre bens comuns, é que se procedeu à instauração do presente inventário.