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CESSAÇÃO DA COMISSÃO DE SERVIÇO
RESOLUÇÃO PELO TRABALHADOR
DENÚNCIA DO CONTRATO DE TRABALHO
AVISO PRÉVIO
Sumário
I - A resolução do contrato de trabalho pressupõe a verificação de uma “justa causa” que frusta as legítimas expectativas da parte que a invoca para fundamentar a cessação do contrato de trabalho.
II - Ao invés, a denúncia do contrato de trabalho, porque é livre, exige a necessária observância de um aviso prévio legal, diferindo os seus efeitos para o termo do prazo correspondente. III - Deve qualificar-se como denúncia do contrato de trabalho, o acto extintivo do trabalhador que, depois de comunicada pelo empregador a intenção de pôr termo à prestação de trabalho em comissão de serviço, nos termos do art. 246.º do CT e com a antecedência legal, vem “resolver o contrato com efeitos imediatos”, ainda na vigência da comissão de serviço, pondo fim imediato ao contrato de trabalho pré-existente (e destinado a retomar o seu pleno vigor após a cessação da comissão de serviço), e à própria comissão, que ainda não havia cessado. IV - À referida denúncia aplica-se a regra constante do n.º 2 do art. 247.º do CT, pelo que não assiste ao trabalhador o direito à indemnização prevista na alínea c) do n.º 1 do mesmo preceito legal.
Texto Integral
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: 1 – Relatório 1.1
AA intentou, no Tribunal do Trabalho de Lisboa, acção declarativa de condenação, com processo comum, contra a “Santa Casa da Misericórdia de Lisboa”, pedindo que a Ré seja condenada a pagar-lhe, com os respectivos juros moratórios, a quantia de € 23.870,61 – a título de indemnização pela cessação do vínculo laboral existente entre as partes e que a Autora resolveu, com efeitos imediatos, na sequência da deliberação da Ré em fazer cessar a comissão de serviço que, ao tempo, também vigorava transitoriamente entre elas – bem como o montante de € 1.570,88 – que a Ré lhe deduziu no acerto de contas, com o fundamento de que a Autora incumprira, aquando da operada cessação, o prazo legal de aviso prévio.
A demandada contraria a pretensão da Autora, dizendo, em suma, que esta, ao resolver o vínculo laboral originário sem aguardar pela cessação efectiva da comissão de serviço, perdeu o direito à indemnização reclamada, do mesmo passo que pôs termo, ela própria, a essa comissão, pois não observou o prazo de pré-aviso, cominado legalmente para o efeito. 1.2.
Considerando-se habilitado, desde logo, a conhecer “de meritis”, o M.mo Juiz julgou a acção totalmente improcedente, absolvendo a Ré do pedido.
Para o efeito e em síntese, entendeu que “… a carta rescisória da Autora não integra a faculdade de resolução do contrato de trabalho prevista no artigo 247º n.º 1 alínea B) do C.T., mas uma situação de denúncia unilateral do contrato de trabalho na pendência da comissão de serviço, prevista no artigo 447º do CT, pelo que a pretensão indemnizatória, com fundamento na alínea a) do n.º 1 do citado artigo, não pode merecer acolhimento”.
A Autora apelou da decisão, fazendo-o com pleno êxito, visto que o Tribunal da Relação de Lisboa revogou a sentença e, na procedência integral da acção, condenou a Ré no pedido.
Para tal, coligiu a seguinte fundamentação:
- “… a apelante, na sequência e com fundamento na decisão unilateral da apelada de fazer cessar a comissão de serviço, procedeu à resolução do seu contrato de trabalho, nos termos previstos na al. b) do n.º 1 do art.º 247º do CT, e não à denúncia de contrato, assistindo-lhe o direito à indemnização prevista na al. c) do mesmo preceito …”;
- “além disso, a apelante não tinha que dar qualquer aviso prévio, uma vez que a resolução ao abrigo da al. b) do n.º 1 do art. 247º do CT corresponde a um caso especial de resolução com justa causa, que tem efeitos imediatos, razão pela qual a apelada não tinha o direito de lhe descontar, como descontou, a quantia de € 1.570,88 a título de aviso prévio em falta …”. 1.3.
Desta feita, o inconformismo provém da Ré, que pede a presente revista, onde convoca o seguinte núcleo conclusivo:
1- a letra da lei, na al. b) do n.º 1 do art. 247º do CT, é omissa acerca dos efeitos imediatos ou mediatos a atribuir à aí prevista resolução do contrato de trabalho pelo trabalhador;
2- pese embora tal omissão, a lei claramente pretende que essa resolução venha a diferir ou postergar os seus efeitos para quando, efectivamente, venha a ocorrer o fim da comissão de serviço, não sendo, pois, prejudicado o normal decurso da comissão até que ocorra o seu termo;
3- a lei não pretende como, in casu sucedeu, que, sob o pretexto desse direito à resolução do contrato de trabalho, previsto nessa al. b do n.º 1 do art. 247º do CT, o trabalhador faça também cessar de imediato o decurso duma comissão sem aguardar, sequer, pelo termo desta, deixando de cumprir com os seus deveres enquanto prestador de um trabalho em comissão de serviço, da qual, frise-se, defende e deriva em absoluto aquele direito à resolução. Senão e para tanto, repare-se:
4- sendo a epígrafe do art.º 247º “Efeitos da cessação da comissão de serviço”, assim, e desde logo, a letra da lei faz defender o direito à resolução do contrato de trabalho, por parte do trabalhador, (previsto na al. b) desse artigo) dos “Efeitos da cessação da comissão”; acresce que,
5- também a letra da lei, na al. c) do n.º 1 desse art. 247º, aí faz depender o recebimento dessa indemnização por parte do trabalhador “… sempre …” e tão só para o caso da “… extinção da comissão de serviço …” determinar “… a cessação do contrato de trabalho …”, que não, pelo contrário, “… sempre …” que a “… cessação do contrato de trabalho …” determine “… a extinção da comissão de serviço …”;
6- e tanto assim que, por isso mesmo, logo de seguida o legislador, no n.º 2 desse art.º 247º, vem sancionar o trabalhador como não tendo direito a essa indemnização, no caso dele fazer cessar “… o contrato de trabalho na pendência da comissão de serviço …”, o que significa que já não o sancionaria se ele denunciasse o contrato de trabalho para depois do fim da comissão de serviço;
7- por outro lado, a letra da lei, na al. b) do n.º 1 desse art. 247º, não prevê que o trabalhador possa fazer cessar imediatamente o contrato de trabalho através dessa resolução, como já sucede no direito de resolução também facultado ao trabalhador no art. 441º do CT, aqui se estipulando sim, “ipsis verbis”, que “… pode o trabalhador fazer cessar imediatamente o contrato …”,
8- sendo, pois, bem significativo que, no caso específico da resolução no âmbito do regime da comissão de serviço, aí se não estipule que a resolução possa ser imediata, tal como já sucede na letra da lei – art. 441º n.º 1 – para todos os demais casos de resolução, independentemente desta ser subjectiva ou objectiva;
9- no caso presente, a comissão de serviço acabou por acto unilateral da A. e não por efeito da “… decisão de empregador que ponha termo à comissão de Serviço …”, conforme o estipulado na al. b) do n.º 1 do art. 247º;
10- sendo inquestionável que não existiu uma qualquer decisão da Ré a pôr termo à comissão em 4/04/06. Existiu, sim, uma decisão da A. em pôr termo à comissão em 4/04/06, tornando automaticamente inútil, e sem efeitos a anterior decisão da Ré;
11- independentemente de se considerar, como é o nosso caso, que essa faculdade de resolver o contrato de trabalho nos termos da al. b) do n.º 1 do art. 247º é um “tertio genus” em relação aos “normais” dois casos de resolução previstos, respectivamente, nos n.ºs 2 e 3 do art. 447º, certo é que com este não se confunde, tanto assim que a lei ali não refere que constitua “justa causa de resolução”o facto do empregador fazer cessar a comissão como, no entanto, já sucede nos casos do art.º 441º, no qual se prevê que os comportamentos do empregador, aí elencados, constituem “… justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador …”, independentemente dessa justa causa ser subjectiva (n.º 2 do art. 441º) ou objectiva (n.º 3 desse artigo);
12- os “Efeitos” da resolução legal e facultativa prevista na al. b) do n.º 1 do art.º 247º, a ser operada por acto de vontade do trabalhador, só podem ocorrer após já se terem verificado os “Efeitos” da cessação da comissão de serviço, sob pena de violação, por erro de interpretação ou de aplicação do disposto, quer na epígrafe, quer no corpo do n.º 1, quer na al. c) desse n.º 1, quer ainda no n.º 2 do art.º 247º, como fez o Acórdão recorrido;
13- o direito de resolução a ser exercido nos termos da al. b) do n.º 1 do art.º 247º “… porque tem como fundamento a extinção da comissão de serviço, só opera após verificada esta e não na pendência da mesma …”, como decidiu a 1ª instância;
14- quer da letra, quer do ratio da lei, nenhuma razão válida se extrai para que se considere lícito o comportamento de um trabalhador que de imediato ponha fim ao contrato e à comissão que, entretanto, ainda decorra e sem que esta comissão tenha terminado, não cumprindo, pois e em virtude desse seu comportamento, por si também denominado de “resolução” (cfr. teor da Carta da A. de 4/04/06), com os seus deveres de prestador dum trabalho no âmbito duma comissão de serviço, a qual deveria ser pontual e reciprocamente cumprida até ao seu efectivo terminus;
15- considerar-se lícito que o trabalhador pusesse fim imediato ao contrato de trabalho e à comissão, perante o aviso prévio da sua empregadora de que a comissão terminaria dentro de 30, 60 ou mais dias, seria tornar inútil o estipulado, para mais imperativamente, no art.º 246º do CT, no qual se prevê o respeito dum período mínimo para se efectivar a cessação da comissão de serviço;
16- sem prejuízo do exposto, refira-se também que o prazo legal de 30 dias, fixado na al. b) de n.º 1 do art.º 247º para o exercício do direito de resolução, tem como sua razão de ser não se pretender que esse específico direito esteja sujeito, durante um superior ou maior número de dias, à incerteza a que advém da falta da declaração de resolução, não se confundindo, pois, esse prazo com os efeitos ou data de produção dos efeitos dessa resolução;
17- dito de outro modo, a finalidade desse prazo é a de que, findo o mesmo, o respectivo direito à resolução caduca, não se confundindo, assim, com a produção de efeitos da declaração de resolução do contrato de trabalho, feita pelo trabalhador à empregadora;
18- assim, e conforme dispõe a citada alínea, no caso do trabalhador pretender “… resolver o contrato de trabalho ..” por virtude “… da decisão do empregador que punha termo à Comissão de serviço …”, deverá fazê-lo “… nos 30 dias seguintes …” a essa decisão do empregador, sob pena de caducidade desse direito à resolução, e tudo com vista a não se sujeitar a empregadora, durante mais tempo que esse prazo de 30 dias, à incerteza que para ela adviria da falta dessa declaração;
19- imagine-se o que seria permitir-se ao trabalhador que, passados meses ou anos após a cessação da comissão de serviço, ainda pudesse, a qualquer momento, vir a resolver o contrato por motivo dessa anterior cessação, ocorrida, pois, vários meses ou anos antes;
20- a comunicação efectuada pela A., em 4/04/06, não integra a situação prevista na al. b) do n.º 1 do art.º 247º, não tendo, contudo, deixado de produzir o efeito extintivo do vínculo laboral;
21- na sequência dessa comunicação, a A., a partir de 5/04/06, não mais compareceu nas instalações da R. para aí exercer as suas funções inerentes ao cargo que detinha em regime de comissão de serviço, o qual de Directora dos Serviços de Aprovisionamento do Hospital de Sant’ Ana, na Parede;
22- essa comunicação constitui uma denúncia unilateral do contrato de trabalho na pendência da comissão de serviço, pelo que não tem a mesma direito, nos termos do art. 247º n.º 2, a receber a indemnização prevista na al. C) do n.º 1 desse artigo;
23- ao denunciar a A. o contrato de trabalho sem ter cumprido o respectivo aviso prévio, a R. tinha direito a receber a indemnização de € 1.570, 88, quantia que lhe foi deduzida nas contas finais e é inferior, inclusive, à retribuição base mensal da A., que era de € 1.659,73, como a mesma admitiu no art. 10º da P.I.;
24- mesmo a admitir-se, por mera hipótese, que a A. teria direito à indemnização prevista na al. c) do n.º 1 do art.º 247º, nunca seria de considerar, para o cálculo da indemnização, um montante superior ao da sua retribuição base mensal, que era, ultimamente, de € 1.659,73, o que corresponde, atenta a sua antiguidade de 13 anos e 8 meses, a € 22.682,99 e não aos peticionados € 23.870,61, em que erradamente se incluiu o subsídio de refeição.
Assim, também o Acórdão nunca poderia ter condenado a R. em quantia superior a € 24.253,87, correspondente à soma daquela quantia com os € 1.570,88 deduzidos. 1.4.
A Autora contra-alegou, sustentando a improcedência do recurso. 1.5.
No mesmo sentido se pronunciou, sem reacção das partes, a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta. 1.6.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
2- FACTOS
As instâncias fixaram pacificamente a seguinte factualidade: 1- a A. celebrou com a R. o acordo que consta do doc. junto a fls. 23, apelidado pelas partes de “Contrato de trabalho a termo certo”, datado de 9/7/92, através do qual foi admitida por esta para, ao serviço e sob a autoridade da mesma, exercer funções de 3º oficial administrativo, no Hospital Ortopédico de Sant’Ana (HOSA), pertencente e gerido por esta, pelo período de 9/7/92 a 31/1/93, com um período experimental de 15 dias, actividade que a A. iniciou, ao serviço e sob a autoridade da R., em 9/7/92; 2- a A. continuou a prestar serviço à R., sem qualquer interrupção, sob as ordens e orientação desta, até 9/1/94; 3- a A. celebrou com a R. o acordo que consta do doc. junto a fls. 24 e 25, apelidado pelas partes de “Contrato de Trabalho Sem termo”, datado de 9/1/94, com início em 9/1/94 e por tempo indeterminado, do qual consta que à A. é atribuída “… a categoria de Assistente Administrativa de Grau I, Escalão 1” – cl.ª 2ª; 4- em 1/1/05, foi celebrado o acordo que consta do doc. junto a fls. 26 a 29, apelidado de “Acordo para prestação de trabalho em regime de comissão de serviço entre Autora e Ré”, de cujo teor consta, entre outras, as seguintes cláusulas:
“Cláusula Primeira:
A Segunda outorgante aceita desempenhar, em regime de comissão de serviço, o cargo de Directora de Núcleo de Aprovisionamento do Hospital de Sant’Ana (HOSA) na Parede”.
“Cláusula Segunda:
A Segunda outorgante auferirá mensalmente a quantia total ilíquida de € 1.600,00 (mil e seiscentos euros), correspondente ao Nível 5 da estrutura remuneratória aprovada pela deliberação de Mesa n.º 754/2002, de 23 de Dezembro, e um subsídio de Refeição de montante e condições iguais às dos restantes trabalhadores da S.C.M.L.”.
“Cláusula Quarta:
1- A presente comissão de serviço tem início em 1 de Janeiro de 2005, é feita pelo período de dois anos, cessando automaticamente no final do referido período, dependendo a sua eventual renovação de comunicação escrita e efectuada pela Primeira Outorgante com a antecedência mínima de 30 (trinta) dias relativamente à data do seu termo.
2- Qualquer das partes poderá ainda fazer cessar a presente comissão de serviço, mediante comunicação escrita à outra, com antecedência mínima de 30 (trinta) ou 60 (sessenta) dias, consoante a prestação de trabalho neste regime tenha durado, respectivamente, até dois anos ou por período superior …”; 5- a partir de 1/1/05, a A. passou a desempenhar, na R., pelo período de 2 anos, o cargo de Directora do Núcleo de Aprovisionamento do Hospital de Sant’Ana (HOSA), na Parede, em regime de comissão de serviço, exercendo, na Ré, antes do início dessa comissão, as funções correspondentes à categoria de Assistente Administrativa, grau I, escalão I, na sequência de contrato de trabalho sem termo celebrado a 9/1/94; 6- o vencimento mensal referido em 4- foi aumentado para € 1.659,73, com início em 1/1/06; 7- o subsídio de refeição da A., a incluir no seu vencimento, foi aumentado, em Janeiro de 2006, para a quantia diária de € 3,95; 8- por deliberação n.º 449/2006, de 23 de Março, a R. decidiu fazer cessar o Acordo de comissão de serviço, mencionando que “… o acordo cessa em 30 de Abril de 2006”; 9- em 27/3/06, a A. foi notificada de que “… ao abrigo da deliberação n.º 449/2006, de 23 de Março (…) e nos termos do n.º 2 da cláusula 4ª do Acordo de Comissão de Serviço que celebrou em 1 de Janeiro de 2005 (…) o acordo cessa no próximo dia 30 de Abril de 2006 …”; 10- a A. entregou à R., que recebeu em 4/4/06, a carta datada da mesma data, que está junta a fls. 31 e de cujo teor consta, entre o mais, que:
“… tendo sido notificada da comunicação dessa Misericórdia, vossa referência n.º 000393, datada de 27 de Março de 2006, da cessação unilateral, no próximo dia 30 de Abril de 2006, do acordo de prestação de trabalho em regime de comissão de serviço, o qual foi celebrado com a Misericórdia em 1 de Janeiro de 2005, vem, para os devidos e legais efeitos e nos termos do disposto no Artigo 247º n.º 1, alíneas B) e C) do Código do Trabalho, informar que resolve o contrato de trabalho sem termo celebrado com a Misericórdia em 9 de Janeiro de 1994, com efeitos reportados a 1992, tudo com as devidas e necessárias consequências legalmente previstas na legislação aplicável, nomeadamente a indemnização prevista na referida alínea c).
A presente resolução tem efeitos imediatos, nos termos do disposto no artigo 441º do Código do Trabalho …”; 11- por carta datada de 4/4/06, que está junta a fls. 30, a A. deu conhecimento à Administradora do Hospital de Sant’Ana, de que havia entregue à R. a carta referida no ponto anterior, constando da mesma, entre o mais, que:
“…para conhecimento(…) anexo à presente um exemplar da carta de resolução do contrato de trabalho que nesta data enderecei ao Ex.mo Senhor Provedor da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa …”; 12- a partir de 5/4/06 e até à data da apresentação da contestação, a A. não compareceu nas instalações da R., para aí exercer as suas funções, inerentes ao cargo que detinha; 13- a A. sempre foi uma trabalhadora dedicada e o seu desempenho mereceu classificações muito satisfatórias; 14- a A. recebia, à data da resolução do contrato, a retribuição base mensal de € 1.746,63, acrescida da importância diária de € 3,95, a título de subsídio de refeição; 15- a R., em 19/5/06, pagou à A. os montantes correspondentes aos proporcionais de subsídio de férias e de Natal e férias não gozadas, deduzidos da quantia de € 1.570,88, a título de “aviso prévio (vencimento)”; 16- na 1ª declaração/modelo 346, emitida para a A. apresentar com vista à obtenção de subsídio de desemprego, a R. fez constar, quanto à causa de motivo de cessação: “Denúncia do contrato de trabalho por tempo indeterminado na pendência de comissão de serviço – n.º 2, art. 247º do Código do Trabalho”; 17- na sequência da carta da A. de 17/4/06, a R. emitiu nova declaração para aquela apresentar na Segurança Social, fazendo acompanhar, por anexo, a carta com Ref. ............., 21/4/96, com o seguinte teor:
“Ex.ma Senhora
Na sequência da s/carta de 17 de Abril p.p., junto se remete em anexo a V.ª Ex.ª novo impresso de modelo 346, referente à Declaração da Situação de Desemprego.
Esclarece-se, no entanto, que é nosso entendimento que a posição adoptada por V.ª Ex.ª, quanto à decisão de colocar termo, com efeitos imediatos, ao respectivo contrato de trabalho celebrado com a SCML/HOSA, configura uma situação de denúncia unilateral do mesmo napendênciade Comissão de Serviço, com as consequências referidas no n.º 2 do art.º 247º do Código do Trabalho”.
São estes os factos. 3- DIREITO 3.1.
A questãonuclear, a dirimir na presente acção, consiste em saber se a “denúncia” patronal de uma comissão de serviço, envolvendo uma trabalhadora pré-vinculada à empresa por vínculo laboral de duração indeterminada, confere, ou não, a essa trabalhadora o direito de “resolver o contrato de trabalho com efeitos imediatos” – ainda, pois, na vigência da referida comissão – e de simultaneamente reclamar, nesse contexto, a indemnização prevista no art. 247º n.º 1 al. c) do Código do Trabalho.
Sabemos, pelas razões já sumariadas, que as instâncias divergiram na solução dessa controvérsia:
- a 1ª instância considerou que a “resolução” imediata do vínculo laboral, operada pela Autora, configurava uma “denúncia” desse vínculo, a enquadrar na previsão do n.º 2 daquele art.º 247º, não lhe sendo devida, por via disso, a indemnização reclamada;
- a Relação, pelo contrário, entendeu que a denúncia patronal da comissão de serviço habilitava a Autora a resolver o contrato de trabalho – com a inerente indemnização – nada obstando a que o fizesse de e com efeitos imediatos, uma vez que a faculdade resolutiva deve ser exercida “… nos 30 dias seguintes à decisão do empregador e não a partir da data do termo da comissão de serviço”.
Em função das teses perfilhadas:
A- a 1ª instância rejeitou na íntegra a pretensão da Autora, considerando ilegítima a falada indemnização e, a par disso, plenamente justificada a dedução salarial operada pela Ré, visto que a demandante incumpriu o pré-aviso legal de denúncia;
- a 2ª instância conferiu inteiro ganho de causa à Autora, atribuindo-lhe a indemnização peticionada e o reembolso da quantia deduzida.
Vencida na Relação, a Ré pretende agora ver repristinada a sentença da 1ª instância.
Subsidiariamente – e para o caso de assim se não entender – questiona ainda o montante da indemnização fixada, considerando que o seu cálculo incluiu, erradamente, o subsídio de refeição.
São estas, pois, as questões colocadas na revista. 3.2.1.
A comissão de serviço é uma figura oriunda do direito administrativo, na vertente relativa ao funcionalismo público.
Tendo sido inicialmente admitida no direito do trabalho com carácter meramente pontual, por virtude de alguns instrumentos de regulamentação colectiva no âmbito das empresas públicas – art.º 32º do D.L. n.º 260/76, de 8 de Abril – acabou por ser consagrado no direito laboral privado, com carácter geral, através do D.L. n.º 404/91, de 16 de Outubro.
Este diploma adoptou um regime excepcional de recrutamento para o desemprego de cargos que exigem uma relação especial de confiança entre a entidade empregadora e o trabalhador.
E explicou, na sua parte preambular, a motivação que lhe subjaz:
“… reconhece-se que a necessidade de assegurar níveis cada vez mais elevados de qualidade, responsabilidade e dinamismo na gestão das organizações empresariais implica soluções adequados à salvaguarda da elevada e constante lealdade, dedicação e competência em que se traduz a confiança que o exercício de certos cargos exige”.
Logo de seguida, conclui:
“Por outro lado, sendo estes atributos de natureza marcadamente interpessoal, o seu desaparecimento concorre, normalmente, para o desenvolvimento de situações degradadas de relacionamento no trabalho, com consequências prejudiciais para ambas as partes e para outros trabalhadores, dada a especial responsabilidade dos cargos em causa”.
Em consonância com essa motivação, o instituto em análise veio romper com alguns princípios basilares do direito laboral, designadamente os que se prendem com a tutela da categoria profissional e com o carácter duradouro do vínculo, para privilegiar a natureza transitória da função, a reversibilidade do respectivo título profissional e a facilidade da sua extinção.
Bem se compreende a flexibilização da contratação laboral inerente às “Comissões de Serviço”: é que elas permitem, desde logo, que o empregador ocupe, através de nomeações transitórias, postos de trabalho que exigem uma relação especial de confiança, do mesmo passo que facultam ao trabalhador o exercício de funções a que, de outro modo, dificilmente lograria ascender. 3.2.2.
O regime introduzido pelo D.L. n.º 404/91 não difere substancialmente daquele que o veio substituir – e aqui aplicável – enunciado nos arts. 244º a 248º do Código do Trabalho.
Aqui, como ali:
1- exige-se a redução a escrito do respectivo acordo, com a necessária identificação dos contraentes, do cargo ou funções a desempenhar – com menção expressa do regime de comissão de serviço, sob pena, na eventual omissão dessa referência, de se entender que o vínculo fica submetido ao regime-regra da contratação laboral – e, bem assim, das funções exercidas anteriormente pelo trabalhador ou, não estando este já vinculado à entidade empregadora, daquelas que o mesmo irá exercer, se for esse o caso, quando cessar a comissão de serviço – arts. 3º do D.L. n.º 404/91 e 245º do C.T.;
2- consigna-se que qualquer das partes pode fazer cessar, a todo o tempo, a Comissão de Serviço, mediante comunicação à outra, com a antecedência mínima de 30 ou de 60 dias, consoante a prestação de trabalho naquele regime tenha durado, respectivamente, até dois anos ou por período superior – arts. 4º n.ºs 1 e 2 do D.L. n.º 404/91 e 246º do C.T.;
3- cessando a comissão de serviço:
A- faculta-se ao trabalhador interno que retome as funções anteriormente exercidas ou passe a exercer aquelas que correspondam à categoria profissional a que tenha sido entretanto promovido;
B- se o trabalhador for externo, é-lhe conferido o direito de passar a exercer a actividade laboral que, sendo caso disso, tiver sido convencionada;
C- se a comissão cessar por iniciativa do empregador, pode o trabalhador interno optar pela resolução do contrato de trabalho (falava-se anteriormente em “rescisão”), devendo fazê-lo nos 30 dias seguintes à decisão do empregador que ponha termo à comissão, assistindo-lhe, neste caso, o direito a uma indemnização, correspondente a um mês de retribuição base auferida no desempenho da dita comissão, por cada ano ou fracção de antiguidade na empresa;
D- idêntica indemnização é conferida ao trabalhador externo, para quem a extinção da comissão de serviço determine a cessação simultânea do vínculo laboral ao empregador (cfr., para todas as situações enumeradas, os arts. 4º n.º 3 als. a), b) e c) do D.L. n.º 404/91 e 247º n.º 1 als. a), b) e c) do C.T.N.
O regime de pretérito ressalvava que essa indemnização não seria devida se a cessação da comissão resultasse de despedimento justificado do trabalhador – al. c) daquele citado art. 4º n.º 3.
O regime actual, para além de contemplar previsão idêntica – art. 247º n.º 3 – consigna ainda que, salvo acordo em contrário, o trabalhador também não terá direito à falada indemnização se denunciar o contrato de trabalho na pendência da comissão de serviço – art. 247º n.º 2.
Como decorre da incursão legal que nos propusemos, o regime jurídico da “comissão de serviço” constitui uma verdadeira excepção à regra do despedimento causal, reintroduzindo o “despedimento ad nutum”. 3.2.3.
É sabido que a “resolução” e a “denúncia” são conceitos civilistas com um significado preciso, aos quais correspondam regimes substantivos e adjectivos também diferenciados.
Conforme refere Pedro Romano Martinez, “… uma das principais novidades do Código do Trabalho, em matéria de cessação do contrato de trabalho por iniciativa do trabalhador, consistiu na alteração das designações utilizadas para referir as suas modalidades, uma clara aproximação ao direito civil e à respectiva elaboração dogmática: a rescisão com justa causa e com aviso prévio, que vinham da primitiva L.C.C.T. (Dec.-Lei 372-A/75, de 16/06), foram substituídas respectivamente, pela resolução (arts. 441º e ss.) e pela denúncia (arts. 447º e ss.)”.
E acrescenta:
“A resolução, ao contrário da denúncia, que é livre, é sempre vinculada, pois pressupõe a verificação de um facto superveniente, que frustra as legítimas expectativas da parte que a invoca para fundamentar a cessação do Contrato de trabalho” (in “Código do Trabalho”, 2ª ed., pág. 649).
É dizer que a resolução pressupõe a verificação de uma “justa causa” e produz efeitos imediatos, enquanto a denúncia, porque não é motivada, exige a necessária observância de um pré-aviso legal, diferindo os seus efeitos para o termo do prazo correspondente.
O aviso prévio, em clara ligação com o princípio da boa fé na execução dos contratos, destina-se a prevenir a parte contrária para a desvinculação iminente, garantindo-lhe um prazo que lhe permita adaptar-se à nova situação.
Mas, conforme adverte Monteiro Fernandes, “… o aviso prévio – designação pela qual é também conhecida o prazo de antecipação a observar – é, por outro lado, um período em que a relação de trabalho se mantém de pé, agora como que sujeita a termo resolutivo, permanecendo, por conseguinte, de modo integral, os direitos e obrigações recíprocas das partes. Significa isto, basicamente, que o desenvolvimento das relações contratuais pode, no decorrer de tal lapso de tempo, gerar situações que (porventura) confiram a qualquer das partes justa causa para romper antecipadamente o vínculo” (in “Direito do Trabalho”, 12ª ed., pág. 604 – sublinhado nosso). 3.2.4.
No caso dos autos, estamos perante uma trabalhadora pré-vinculada à Ré por um contrato de trabalho com duração indeterminada.
Ainda que coexistentes, trata-se de dois convénios negociais distintos.
Para cada um deles, a lei prevê um único tipo de acto extintivo, não motivado, por banda do trabalhador, sempre subordinado à observância de um prazo de aviso prévio que, aliás, é idêntico nas duas situações:
- quanto à comissão de serviço, a sua cessação, nos termos do art.º 246º;
- quanto ao contrato de trabalho, a sua denúncia, nos termos dos arts. 447º e segs..
A resolução contratual, por outro lado, deve submeter-se, em qualquer dos contratos e por regra, ao regime geral enunciado nos arts. 441º e segs.: a cessação do vínculo por esta via pressupõe a existência de uma “justa causa” e produz efeitos imediatos.
Porém, a lei contempla um caso especial de resolução do contrato de trabalho por iniciativa do trabalhador, justamente aquele a que se reporta, nos termos já anteriormente descritos, o art. 247º n.º 1 al. b).
Esta modalidade de cessação “… assenta numa motivação já valorada pelo legislador, é imediata e confere o direito a uma indemnização, traços característicos da resolução do contrato de trabalho com justa causa”: o trabalhador “… deve observar a forma escrita” (á semelhança do preceituado no art. 442º n.º 1 e, não lhe sendo exigível que descreva os factos motivadores da resolução, impõe-se-lhe contudo, referir “… que a cessação do contrato de trabalho ocorre por consequência da extinção da comissão de serviço por iniciativa do empregador” (Irene Gomes, no seu estudo “A Comissão de Serviço” in “A Reforma do Código do Trabalho”, Coimbra, 2004, pags. 337 e 338 e nota 9).
Como se vê, o acto extintivo do empregador, dirigido à comissão de serviço, integra, afinal, o facto constitutivo da resolução do contrato de trabalho por banda do trabalhador.
Dito de outro modo, a cessação do contrato de trabalho é consequência da extinção da comissão de serviço por iniciativa do empregador.
Este regime logo aponta para que a resolução do vínculo laboral, ainda que necessariamente accionada nos 30 dias seguintes àquela decisão do empregador – por isso se diz “imediata” – nunca deva produzir efeitos antes da efectiva cessação da comissão de serviço.
De resto, não podemos ignorar que o descrito regime vem, todo ele, contemplado no art. 247º, cuja epígrafe, sintomaticamente, é a seguinte: “Efeitos da cessação da Comissão de Serviço”.
Recordemos, por outro lado, que a relação laboral se mantém em pleno vigor durante o prazo do aviso prévio – dado aqui, pelo empregador – subsistindo integralmente no seu decurso, por via disso, os direitos e obrigações assumidos contratualmente pelas partes.
É altura de conferir também a “ratio” da indemnização prevista no art. 247º n.º 1 alínea c).
Em qualquer das circunstâncias – trabalhador interno ou trabalhador externo sem convénio de continuidade – essa indemnização destina-se a compensá-lo pela perda de emprego em decorrência da cessação da comissão de serviço.
No caso de comissão de serviço com garantia de emprego, o legislador tutela a posição do trabalhador que, não querendo regressar às funções correspondentes à categoria profissional de base (do que resultaria uma espécie de “despromoção”), decide desvincular-se definitivamente, conferindo-lhe o direito de resolução do contrato de trabalho com a mencionada indemnização.
No caso da comissão de serviço sem garantia de emprego, a indemnização compensa o trabalhador pela perda do seu posto de trabalho, que surge como consequência directa e imediata da cessação da comissão.
Por isso, faz todo o sentido que o art. 247º n.º 2 prescreva, ressalvando acordo em contrário, que “o trabalhador que denuncie o contrato de trabalho na pendência da comissão de serviço não tem direito à indemnização prevista na alínea c) do número anterior”.
Retornando ao concreto dos autos, parece-nos fora de dúvida que, não obstante a denúncia da Ré, a Autora mantinha-se vinculada a oferecer-lhe a sua prestação laboral até ao final da comissão de serviço.
Perante essa denúncia, apenas lhe assistia a faculdade de resolver o contrato de trabalho, nos trinta dias subsequentes à comunicação mas com efeitos reportados no final da dita comissão.
Em contrário deste entendimento, sustenta a Autora – com o apoio da Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta – que, podendo o empregador denunciar o vínculo com uma antecedência superior à legal, sempre o trabalhador estaria sujeito a prosseguir a sua prestação “… durante largos meses (ou anos) …”, numa situação particularmente penosa, pois que se quebrara já a necessária confiança entre as partes.
Mas, em contrário disso, apenas recordaremos que o trabalhador também possui a mesma faculdade de denúncia que, num cenário como o descrito, não deixaria certamente de exercer, antecipando, ela própria, o final da comissão.
Deste modo, somos a concluir como segue:
O acto extintivo do trabalhador que, depois de comunicada pela empregador a intenção de pôr termo à prestação de trabalho em comissão de serviço, nos termos do art.º 246º do Código do Trabalho, com a antecedência legal, vem “resolver o contrato de trabalho com efeitos imediatos”, ainda na vigência da comissão de serviço, pondo fim imediato ao contrato de trabalho pré-existente (e destinado a retomar o seu pleno vigor após a cessação da comissão de serviço) e à própria comissão, que ainda não havia cessado, deve qualificar-se como uma denúncia do contrato de trabalho, aplicando-se-lhe a regra constante do art. 247º n.º 2 do mesmo diploma, pelo que não assiste ao trabalhador o direito à indemnização prevista na al. c) do mesmo preceito.
Procede, pois, a tese da recorrente quanto à questão em análise.
Ademais, configurando-se o comportamento da Autora como uma denúncia sem cumprimento de pré-aviso legal (e convencional), tinha a Ré fundamento bastante para deduzir – como fez – a quantia correspondente a essa omissão. 3.3.
Perante a solução dada à questão anterior, fica naturalmente prejudicada a emissão de qualquer pronúncia sobre o quantitativo da questionada indemnização
4- DECISÃO
Em face do exposto, concede-se a revista, revogando-se o Acórdão da Relação e repristinando-se integralmente a sentença da 1ª instância.Custas pela Autora.Lisboa , 13 de Fevereiro de 2008