BUSCA
BUSCA DOMICILIÁRIA
PROVA PROIBIDA
Sumário

Autorizada judicialmente a busca à residência do suspeito e aos arrumos a esta anexos, o arrombamento prévio da porta dos arrumos, sem a presença daquele, não consubstancia qualquer nulidade ou irregularidade ou método proibido de prova mas apenas uma má prática de procedimento sem qualquer consequência jurídica a nível processual, quanto é certo que o suspeito recebeu, antes do início das buscas, cópia do respetivo mandado e assistiu à execução das mesmas.

Texto Integral

(proc. n º 62/10.2pemts-A.P1)

*
Acordam, em conferência, os Juízes do Tribunal da Relação do Porto:
*
I- RELATÓRIO
1. No inquérito nº 62/10.2pemts, promovido que foi o primeiro interrogatório judicial do arguido detido B…, para aplicação de medidas de coacção, nos termos do art. 141º do CPP, o Sr. Juiz de Instrução do 2º Juízo de Competência Criminal do Tribunal Judicial da Maia, após ter feito o respectivo interrogatório judicial em 31.12.2010, ouvido o Ministério Público e o defensor oficioso, proferiu a seguinte decisão judicial:
"Validação da detenção:
Considerando que foram observadas todas as formalidades legais, nomeadamente a sua constituição como arguidos (Artº 58º, nº 1 alínea b)), a informação dos direitos que lhe assistem (Artº 61º) a comunicação da detenção, a apresentação dos arguidos ao JIC, no prazo de 48 horas e, uma vez que o arguido foi detido em flagrante delito, ao abrigo das seguintes disposições legais, Artº 254º, nº 1 alínea a), 255º, nº 1, al. a) e 202º, nº 1 al. a) do C. P. Penal e Artº 27º, nº 3, al. b) e 28, nº 1 da Constituição da República Portuguesa, julgo a detenção legalmente efectuada.
*
A questão prévia: da nulidade da busca nos arrumos da residência com as letras KM.
Conforme se alcança de fls. 23 a 31 do auto de notícia e detenção e com o valor probatório dos documentos autênticos nos termos das disposições conjugadas pelos artigos 169º e 99º, nº 4, constata-se que no dia de ontem, cerca das 15 e 20H, na execução de mandados de busca cuja cópia consta de fls. 18 a 22, a PSP contactou telefonicamente o então suspeito, tendo este aceite comparecer na sua residência.” Enquanto aguardávamos pela presença do suspeito, optou-se por efectuar, desde logo, a abertura da porta dos arrumos a serem alvo de busca.
Após termos aberto a referida porta, procedendo ao arrombamento da fechadura verificamos a existência no interior de um armário em Madeira o qual estava preparado de forma a servir de estufa para o cultivo de cannabis...”
“Pelas 16:l0h compareceu o suspeito... sendo-lhe entregue cópia doutros despachos que legitimam a nossa acção.
Seguidamente deslocamos ao domicílio do suspeito...”.
Do confronto com o auto de noticia de fls. 28 e seg., constata-se que o órgão de policia criminal na posse de cópia do despacho de fls. 18 e de mandado de fls., 22, decidiu, enquanto aguardava pela presença do suspeito que havia sido contactado previamente, proceder ao arrombamento da fechadura e posteriormente abertura da porta dos arrumos sem que tivesse sido observado no artigo 166° n.° 1 do CPP, conforme aliás foi determinado no próprio despacho que determina a busca cfr. fls. 18.
Assim sendo, e por preterição de tal formalidade, entendemos que a busca aos arrumos da residência do então suspeito padece de nulidade por constituir intromissão no domicilio nos termos do artigo 126°, n° 3, do CPP, constituindo desta forma método proibido de prova, pelo que não releva para efeitos probatórios o que decorre do auto de busca de fls. 41 a 42.»
Factualidade fortemente indiciada
Nos presentes autos, encontra-se fortemente indiciado que:
O arguido B…, casado, motorista (desempregado), nascido a 09/05/1974, na freguesia de …, concelho de Porto, filho de C… e de D… e residente na Rua …, n.º .., Bloco ., Habitação .., …, Maia foi detidos pela PSP da ..ª Esquadra de Investigação Criminal do Porto, pelos seguintes factos:
Pelas 18h30, do dia 30 de Dezembro de 2010, no âmbito de uma busca, autorizada judicialmente, à residência do arguido, sita na Rua …, n.º .., Bloco ., Habitação .., … e, a PSP procedeu à apreensão dos seguintes produtos:
1. Na sala da residência em cima de uma escrivaninha: três frascos com vários pedaços e resíduos de “flor de cannabis”, com o peso de 2,09 gramas;
2. Na cozinha em cima do frigorífico: uma caixa em madeira que continha um pedaço de “pólen de haxixe”, com o peso de 14,41 gramas, e um frasco com “pó de pólen de haxixe”, com o peso de 3,99 gramas;
3. Na varanda: três vasos de plantas de cannabis, cujo peso ainda não foi determinado.
Todos estes objectos e aqueles produtos foram apreendidos e o arguido foi detido.
O arguido conhecia as características de tais produtos e sabia também que não tinha autorização para o seu cultivo e posse.
Sabia ainda que o cultivo e a posse daqueles produtos como acima de descreveu era proibida e penalmente punida por lei.
Porém, apesar de saber tudo isto, quis actuar daquela forma, ou seja, instalar e manter instalada naqueles seus arrumos uma estufa de cultivo de “cannabis”, e ter na sua posse em sua casa “cannabis” e as plantas de “canabis” que destinava ao consumo de terceiros.
*
3 - Elementos do processo que indiciam os factos imputados:
1. Autos de notícia de fls. 28 a 31, auto de busca e apreensão de fls. 39 e 40; e de fls. 43 e 44.
2. Testes rápidos de fls. 53 a 56;
3. Fotografias de fls. 6, 57 a 60;
4. Documentos de fls. 7 a 13.
5. declarações do arguido.
*
Incriminação e aplicação da medida de coacção
A factualidade fortemente indiciada consubstancia, por parte dos arguidos, a prática em autoria material de crime de tráfico de estupefacientes, de menor gravidade, p. e p. pelas disposições conjugadas dos Artº 21º, nº 1 e 25º al. a), do DL 15/93 de 22 de Janeiro, punível com pena de prisão de 1 a 5 anos.
*
Factos concretos que preenchem os pressupostos da aplicação de medida de coacção, incluindo os previstos nos art.ºs 193.º e 204.º, do C.P.P.:
(…)
Nesta perspectiva, e atendendo ao princípio da subsidariedade da prisão preventiva, e considerando os princípios da necessidade de adequação e proporcionalidade, que presidem à aplicação das medidas de coacção, considero suficiente, adequada e proporcional a sanção que previsivelmente venha a ser aplicada a final, que o arguido aguarde os ulteriores termos do processo sujeitos às seguintes medidas de coacção:
- O Termo de Identidade e residência já prestado que deverá ser completado, uma vez que falta a localidade da residência.
- Não contactar com quaisquer pessoas que se dediquem ao tráfico ou consumo de estupefacientes;
- Não frequentar quais locais onde se exerça a actividade de consumo ou tráfico de estupefacientes nomeadamente onde se vendam plantas ou sementes de cannabis, nos termos dos arts. 196º, 200º, nº 1, al. d) e 204º, al. c) do CPP.
Seguidamente o Mmº Procurador pediu a palavra, e sendo-lhe concedida no seu uso requereu:
O despacho que declarou a nulidade da busca é um acto decisório nos termos do art 97, n.° 1 al. b) do CPP,.
Tal acto contém do nosso ponto de vista uma obscuridade ou ambiguidade que importará esclarecer no que diz respeito a sua fundamentação, o que é possível nos termos do art° 380° nº 1 al. b) e n.° 3 do CPP.
Com efeito foi declarada nula a prova obtida na sequência da busca do arrumos KN, nos termos 126° n.°3 do CPP , que consagra os métodos proibidos de prova.
Referindo-se então que a prova é nula por intromissão de domicilio.
Porém, o fundamento da declaração de nulidade acabou por residir por preterição das formalidades da busca, ou seja na violação do disposto no artigo 176° do CPP.
A obscuridade consiste na circunstância de que a nulidade da obtenção de prova com base na intromissão no domicílio só existe se não houver consentimento do titular ou autorização judicial - artigo 126°, n° 3, e 177° do CPP.
No entanto a preterição das formalidades da busca nos termos do artigo 176° integra uma simples irregularidade de acto processual tal como dispõe o artigo 118°, n° 2, e 123°, dado que não consta do elenco da nulidades insanáveis, nem das nulidades dependente de arguição - artigos 119º e 120º do CPP.
Tal irregularidade só determina a invalidade do acto a que se refere se tiver sido arguida pelo interessado no próprio acto ou, se a este não tiver assistido, nos 3 dias seguintes a contar daquele em que tiver intervindo em qualquer acto praticado no processo.
Assim o que se pretende ver esclarecido é se a nulidade da prova decretada tem como fundamento a preterição das formalidades da busca ou se ao invés tem como fundamento a intromissão judicial não autorizado no domicílio.
Seguidamente foi proferido o seguinte Despacho:
Quanto a nós e salvo o devido respeito, entendemos que o despacho supra referido não padece de qualquer ambiguidade ou obscuridade.
Com efeito determinou-se a nulidade da busca ao anexo KN da residência do então suspeito com fundamento na preterição das formalidades que a lei impõe para a realização das buscas domiciliárias e que já havia sido determinado aquando da sua autorização conforme se alcança do despacho judicial de fls. 18.
Entendemos que tal preterição conduz inevitavelmente a violação do domicílio, valor consagrado constitucionalmente nos art. 32° e 34° da Constituição da República Portuguesa, ou seja, um facto é consequência do outro.
Com efeito, e pese embora as nulidades estejam taxativamente previstas na lei art. 118°, constata-se que o seu n° 3 refere que as disposições do presente titulo não prejudicam as normas desse código relativas a proibições de prova, previstas no art. 126° do CPP.
O regime das proibições de prova não se reconduz pura e simplesmente ao regime das nulidades.
A nulidade restante da produção proibida (como é o caso por violação do disposto no art. 126° n.° 3 , uma vez que a simples detenção mandado de busca não legitimava a intervenção do OPC nos termos em que o fez e conforme consta do auto de notícia) é do conhecimento oficioso e só se convivida com o trânsito em julgado da decisão.
Acresce que o regime dos métodos proibidos de prova visam a salvaguarda dos direitos fundamentais do arguido em nome da estrutura acusatória do processo e constituem limites à descoberta da verdade que não pode ser adquirida a todo o custo mas uma verdade material e processualmente válida.
Concluindo, entendemos que a violação do disposto no art. 176° do CPP, por parte do OPC e nos termos constante do auto de notícia que motivou e a condução inevitavelmente a uma intromissão não autorizada no domicilio, pelo que a busca realizada aos arrumos constitui um meio proibido de prova nos termos do já citado 126°, n.° 3, nulidade que se distingue das nulidades previstas no art. 119° e seguintes, por aplicação do disposto no art. 118° n. ° 3.
Consigna-se que neste momento foi o Arguido advertido de que deverá cumprir escrupulosamente as medidas de coação ora impostas sob pena, de o não fazendo, o Tribunal poder impor outra ou outras medidas de coação legalmente admissíveis (artigo 203º do CPP).
Restitua o arguido à liberdade.
Oportunamente devolva os presentes autos aos Serviços de Ministério Publico deste Tribunal."

2. Não se conformando com a decisão que declarou nula a busca efectuada ao anexo KN, da qual solicitou os esclarecimentos acima indicados, objecto do despacho acima transcrito, recorreu o Ministério Público, apresentando as seguintes conclusões:
1.ª) Por despacho de 31 de Dezembro de 2010, o Meritíssimo Juiz de Instrução criminal declarou nula a busca efectuada, no dia 30/12/2010, ao Anexo “KN” com a seguinte fundamentação: Do confronto com o auto de noticia de fls. 28 e seg, constata-se que o órgão de policia criminal na posse de cópia do despacho de fls. 18 e de mandado de fls. 22, decidiu, enquanto aguardava pela presença do suspeito que havia sido contactado previamente, proceder ao arrombamento da fechadura e posteriormente abertura da porta dos arrumos sem que tivesse sido observado no artigo 166° n.° 1 do CPP, conforme aliás foi determinado no próprio despacho que determina a busca cfr. fls. 18.
Assim sendo, e por preterição de tal formalidade, entendemos que a busca aos arrumos da residência do então suspeito padece de nulidade por constituir intromissão no domicilio nos termos do artigo 176°, n° 3, do CPP, constituindo desta forma método proibido de prova, pelo que não releva para efeitos probatórios o que decorre do auto de busca de fls. 41 a 42.»
2.ª) Porém, no auto de busca e apreensão de fls. 41 e 42, em que se documenta a busca efectuada apenas aos arrumos designados pelas letras “KN”, está escrito o seguinte:
«Aos trinta dias do mês de Dezembro de 2010, (...).
O contacto com os arrumos foi pelas 16h00, a busca teve o seu início às 16h10, procedendo-se ao arrombamento da fechadura.
Já no local, o visado B…, nascido, 1974-05-09, casado, motorista (desempregado), filho de C… e de D…, natural de … - Porto, residente na Rua …, n.° .., Bloco ., habitação .., …, titular do Cartão de Cidadão …………, emitido pelo arquivo do Porto, após lhe ter sido dado conhecimento da nossa condição profissional através da exibição das Carteiras Profissionais que nos estão distribuídas, no mesmo acto, foi-lhe dado conhecimento do nosso propósito naquele local, seguido da entrega ao B…, da cópia do competente Mandado Judicial, que legitimava toda a nossa acção, que depois de o ler, ficou ciente de todo o seu conteúdo.
Cumpridas tais formalidades, demos início à busca propriamente dita, cerca das 16h10, na presença do B…. Sublinhado nosso
(...)»
3.ª) Perante a aparente contradição entre o teor dos dois autos (o de notícia de fls. 28 a 31 e o de busca e apreensão aos arrumos “KN” de fls. 41 e 42) com igual valor probatório - cfr. arts. 99.º, n.º 4, e 169.º, ambos do Código de Processo Penal -, o Meritíssimo Juiz deveria ter fundamentado a razão pela qual apenas deu valor ao auto de notícia de fls 28 a 31, em detrimento do auto de busca e apreensão aos arrumos “KN” de fls. 41 e 42, ou deveria ter desenvolvido diligências, nomeadamente, inquirindo os órgãos de polícia criminal subscritores de ambos os autos para concluir acerca da forma concreta como as coisas se passaram (art. 170.º, n.º 1 e 2, do Código de Processo Penal) ou então não poderia sem mais tirar a conclusão de que as formalidades do art. 176.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Penal não foram cumpridas.
4.ª) Porém, ao limitar-se a dar valor apenas ao auto de notícia de fls. 28 a 31, sem atentar no teor do auto de busca e apreensão aos arrumos “KN” de fls. 41 e 42, cometeu um erro de julgamento no que diz respeito à conclusão que tirou de que não foram cumpridas as formalidades do art. 176.º do Código de Processo Penal.
5.ª) Pelo que não poderia ter decretado, mesmo na perspectiva jurídica que defendeu, a nulidade da busca efectuada aos arrumos “KN”.
6.ª) Acresce que as provas obtidas mediante intromissão, não consentida, na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações são nulas, mas podem ser válidas se o titular der o seu consentimento, ou se houver autorização judicial para a utilização de tais métodos de obtenção de prova - cfr. arts. 34.º, n.º 2 e 3, da Constituição da República Portuguesa, 126.º, n.º 3, 177.º, e 187.º, e seguintes, todos do Código de Processo Penal - cfr. Acórdão do S.T.J., de 14/07/2010, Processo n.º 149/07.9JELSB.E1.S1, in http://www.dgsi.pt, Gomes Canotilho e Vital Moreira, in “Constituição da República Portuguesa Anotada”, 2007, em anotação XV ao artigo 32.º, pág. 524, Simas Santos e Leal-Henriques, in “Código de Processo Penal Anotado”, 3.ª edição, 2008, volume I, pág. 832.
7.ª) Os actos processuais levados a cabo para obtenção autorizada de prova mediante a intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações são inválidos (feridos de nulidade relativa ou de irregularidade), se não forem respeitadas as formalidades consagradas na lei processual penal para a sua execução.
8.ª) Tratam-se, não de nulidades insanáveis - arts. 118.º, n.º 1, e 119.º, ambos do Código de Processo Penal -, mas antes, de nulidades dependentes de arguição, tal como resulta do disposto nos arts. 120.º, n.ºs 1, 2 e 3, 174.º, n.ºs 4 e 6, 177.º, n.ºs 1, 5 e 6, 187.º, 188.º, 189.º e 190.º, todos do Código de Processo Penal, ou de meras irregularidades tal como o caso do art. 176.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Penal, que é aquele que aqui nos ocupa.
9.ª) O visado pela busca ao arrumo “KN” assistiu à busca, tal como consta do auto de busca de fls. 41 e 42 e não arguiu qualquer irregularidade, nem o fez no acto do seu interrogatório judicial, antes ou depois do despacho que declarou a nulidade da busca, nem mesmo depois do pedido de esclarecimento efectuado pelo Procurador da República, em que este defendeu expressamente tratar-se de mera irregularidade.
10.ª) A irregularidade do acto, para a hipótese de ter sido praticado nos termos descrito no referido auto de notícia, estaria sanada, nos termos do art. 123.º, n.º 1, do Código de Processo Penal.
11.ª) Mesmo que se entendesse que tal irregularidade era susceptível de afectar o valor do acto praticado, ela estaria sanada, dado que, tal como consta do auto de notícia de fls. 28 a 31, foi reparada com a entrega da cópia do douto despacho que determinou a busca, não havendo necessidade de a mandar reparar - art. 123.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.
12.º) Ao dar como assente que não foi entregue ao visado, antes da busca ao anexo “KN”, cópia do despacho que a determinou, sem ter desenvolvido diligências tendentes a apurar qual dos autos relatava fielmente como foram executadas as operações de busca entender de forma diferente, o Meritíssimo Juiz de Instrução Criminal cometeu um erro de julgamento, dado que o auto de busca de fls. 41 e 42, tem exactamente o mesmo valor probatório que o auto de notícia de fls. 28 a 31, violando assim, o disposto nos arts. 127.º, 99.º, n.º 4, 169.º e 170.º, n.º 1, todos do Código de Processo Penal.
13.ª) Mesmo que, depois de desenvolvidas tais diligências desse como assente que não foi entregue ao visado, antes da busca ao anexo “KN”, cópia do despacho judicial que a determinou, nunca poderia declarar que tal busca constituiria um método proibido de prova e que não relevava para efeitos probatórios o que decorre do auto de busca de fls. 41 e 42, dado que se trataria de mera irregularidade, não arguida, e sanada até pela entrega ao visado, da cópia do despacho que determinou tal busca, tal como consta do auto de notícia de fls. 28 a 31, a que o Meritíssimo Juiz deu valor probatório.
14.ª) Ao entender diferentemente e ao estender ao caso as normas dos métodos proibidos de prova, o Meritíssimo Juiz de Instrução Criminal violou as normas constantes dos arts. 125.º, 126.º, n.ºs 1 e 3, 118.º, n.ºs, 1, 2 e 3, 119.º, 120.º e 123.º, todos do Código de Processo Penal.
Termina pedindo o provimento do recurso, pedindo que o despacho sob recurso seja revogado e substituído por outro que:
1º) dê por assente, tal como consta do auto de busca de fls. 41 e 42, que foi entregue ao visado B… “cópia do competente Mandado Judicial, que legitimava toda a nossa acção, que depois de o ler, ficou ciente de todo o seu conteúdo.
Cumpridas tais formalidades, demos início à busca propriamente dita, cerca das 16h10, na presença do B…”.
2.º) Que, por isso, não foi cometida qualquer nulidade ou irregularidade na busca aos Anexo “KN”;
3.º) Que, caso assim não se entenda e se dê como assente que não foi entregue ao visado B…, cópia do despacho que determinou a busca, antes de esta ser realizada, que se tratou de uma mera irregularidade, que está sanada, quer porque o visado não a arguiu no prazo, quer porque foi sanada pelo próprio órgão de polícia criminal que a levou a cabo, ao entregar-lhe a referida cópia do despacho judicial tal como consta do auto de notícia de fls. 28 a 31 a que o Meritíssimo Juiz de Instrução Criminal deu valor probatório, de acordo com o disposto nos arts. 118.º, n.ºs 1 e 2, e 123.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Penal.

3. Não houve resposta ao recurso.

4. No seu parecer, o Sr. PGA pugnou pelo provimento do recurso.

5. Foi cumprido o disposto no art. 417º, nº 2, do CPP e foram solicitados elementos em falta.
Colhidos os vistos legais realizou-se a conferência.
Cumpre, assim, apreciar e decidir.
*
II- FUNDAMENTAÇÃO
O objecto do recurso é demarcado pelo teor das suas conclusões (art. 412º, nº 1, do CPP).
Assim, incumbe a este Tribunal da Relação pronunciar-se sobre a seguinte questão:
– Determinar se a busca, autorizada judicialmente, realizada aos arrumos designados pelas letras “KN”, anexos à residência do então suspeito B…, foi feita com preterição das formalidades previstas no art. 176º do CPP e, em caso afirmativo, se tal equivale a utilização de método proibido de prova (art. 126º, nº 3, do CPP), acarretando a sua nulidade, não relevando para efeitos probatórios o que foi apreendido, descrito no auto de busca de fls. 41 e 42 (posição sustentado pela decisão sob recurso) ou, se antes pelo contrário, essa busca foi realizada sem terem sido preteridas as referidas formalidades, sendo válida, mas, ainda que tal tivesse sucedido (a preterição das referidas formalidades), tratar-se-ia de mera irregularidade, que estava sanada, quer por não ter sido suscitada pelo respectivo interessado (o referido suspeito) e por entretanto o OPC que realizou a busca ter entregue ao então suspeito cópia do respectivo despacho judicial (posição sustentada no recurso).
A utilidade ou efeito útil do recurso tem a ver com as provas recolhidos através daquela busca, o que releva para efeitos da descrição da conduta do arguido, provas que a sustentam e respectiva qualificação jurídico-penal, caso contra ele venha a ser deduzida acusação, quando for proferido despacho de encerramento do inquérito.
Com relevo para o conhecimento do recurso, importa ter em atenção os seguintes elementos que constam destes autos em separado:
I. Por despacho de 28.12.2010, o Ministério Público ordenou a remessa dos autos ao Sr. Juiz de Instrução, “com a promoção de que, nos termos dos arts. 174º, nºs 2, 3 e 4, 176º, e 178º, nºs 1 e 3, todos do Código de Processo Penal, se determine uma busca, a realizar no prazo de 30 dias, aos seguintes locais:
1. Rua …, nº .., Bloco ., Habitação .., na Rua …, nº .., Bloco ., em …, residência de B… – cfr. fls. 5;
2. Rua …, nº ., Bloco ., arrumos designados pelas letras “KN”, em …, arrumos pertencentes ou utilizados pelo suspeito B… – cfr. fls. 5;
Com vista à apreensão de objectos, produtos e outros relacionados com a actividade de tráfico de estupefacientes, de forma a servirem de meio de prova da actividade criminosa do suspeito, devendo ser certificadas, pelo menos, 3 (três) cópias do despacho que determinar a busca, para cada local.
Tais buscas serão levadas a cabo pela Polícia de Segurança Pública – Divisão de Investigação Criminal do Porto.”
II. Recebidos os autos, foi em 29.12.2010 proferido o seguinte despacho judicial:
O Ministério Público veio requerer seja ordenada a realização de busca domiciliária à residência de B…, sita na Rua …, nº .., Bloco ., Habitação .., …, Maia e ainda aos arrumos designados pelas letras “KN”, sitos na mesma morada, e por aqueles utilizados.
A possibilidade de realização de buscas domiciliárias encontra-se prevista e regulada nos artigos 174º e seguintes do CPP.
No caso dos autos os elementos disponíveis indiciam a prática pelo suspeito B… de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo artigo 21º, nº 1, do DL 15/93, de 22.1.
Ora, tendo em conta os factos indiciados e a forte possibilidade de o suspeito ter na sua residência produto e objectos relacionados com a prática criminosa indiciada, mostra-se pertinente a realização das buscas requeridas.
Assim, por se afigurar adequada e proporcional, autoriza-se a realização das buscas nos exactos termos promovidos a fls. 15.
A busca domiciliária deverá ser realizada obrigatoriamente entre as sete e as vinte e uma horas (artigo 177º, nº 1, in fine do CPP).
À diligência poderá assistir a pessoa que tenha a disponibilidade da residência, podendo fazer-se acompanhar ou substituir por pessoa da sua confiança e que se apresente sem delonga, devendo à mesma, antes de se proceder à realização da busca, ser entregue cópia do presente despacho – artigo 176º, nº 1 do CPP.
Faltando as pessoas mencionadas, ao abrigo do artigo 176º, nº 2, do CPP, a cópia é, sempre que possível, entregue a um parente, a um vizinho, ao porteiro ou a alguém que o substitua.
No decurso da busca, poderão ser realizadas apreensões (artigo 178º, nº 4 do CPP).
Passe os respectivos mandados e entregue os mesmos ao Ministério Público.
Este despacho tem um prazo de validade de 30 dias, sob pena de nulidade.
III. Foram então emitidos os respectivos mandados de busca e apreensão, como se alcança de fls. 5 destes autos de recurso em separado e, no respectivo verso, fez-se constar a seguinte “certidão”, datada de 30.12.2010, a qual foi assinada quer pelo certificante, quer pelo notificado B…:
“Certifico e dou fé de que hoje, pelas 16h10 dei conhecimento do presente mandado de busca e apreensão, ficando o visado do mesmo ficado ciente de todo o seu conteúdo e do qual foi entregue uma das cópias do mesmo.”
IV. Consta do auto de busca e apreensão (fls. 3 e 4 destes autos de recurso em separado) feito nos referidos arrumos designados pelas letras “KN” o seguinte:
«Aos trinta dias do mês de Dezembro de 2010, eu, E…, Chefe …, do efectivo da ..ª Esquadra de Investigação Criminal, pelos motivos narrados nos Autos, com o NUIPC em epígrafe, arrumos designados pelas letras “KN” - …, coadjuvado pelos elementos desta brigada, do efectivo da ..ª EIC, abaixo indicados, no decurso de uma acção policial devidamente planeada, deslocamo-nos para a residência localizada na morada referida anteriormente, com o objectivo de dar cumprimento ao Mandado de Busca e Apreensão doutamente autorizado no âmbito dos presentes autos, dirigido àquela residência, tendo como pessoa visada, B…, nascido, 1974-05-09, casado, motorista (desempregado), filho de C… e de D…, natural de … – Porto, residente na Rua …, n.° .., Bloco ., habitação .., …, titular do Cartão de Cidadão …………, emitido pelo arquivo do Porto.
O contacto com os arrumos foi pelas 16h00, a busca teve o seu início às 16h10, procedendo-se ao arrombamento da fechadura.
Já no local, o visado B…, 1974-05-09, casado, motorista (desempregado), filho de C… e de C…, natural de … - Porto, residente na Rua …, n.° .., Bloco ., habitação .., …, titular do Cartão de Cidadão …………, emitido pelo arquivo do Porto, após lhe ter sido dado conhecimento da nossa condição profissional através da exibição das Carteiras Profissionais que nos estão distribuídas, no mesmo acto, foi-lhe dado conhecimento do nosso propósito naquele local, seguido da entrega ao B…, da cópia do competente Mandado Judicial, que legitimava toda a nossa acção, que depois de o ler, ficou ciente de todo o seu conteúdo.
Cumpridas tais formalidades, demos início à busca propriamente dita, cerca das 16h10, na presença do B….
Iniciou-se a busca sendo encontrada no interior dos supramencionados arrumos, uma estufa composta por; três temporizadores; um termómetro digital; dois reguladores de tensão; um tubo metálico maneável; uma ventoinha savana; um extractor de humidade; cinco ventoinhas pequenas; um ionizador de secretária de marca D’Mail; um sistema de rega HOZLOCK; um saco de substrato Compo; um frasco de concentrado insecticida BUZZ 0FF; uma garrafa com adubo liquido; Um borrifador; um caixote plástico; quatro vasos; um prato de plástico; uma pinça; duas caixas de papelão para secagem; um tubo de iluminação e aquecimento; um conjunto de iluminação de lâmpadas florescentes; um rolo de fita adesiva metalizada; dois reflectores; duas lâmpadas florescentes e uma resistência.
Nada mais foi encontrado.
A busca teve o seu terminus pelas, 17h30, decorrendo toda a operação dentro da normalidade. E para constar elaborei o presente Auto que vai ser assinado por todos os intervenientes.»
V. Esse auto de busca foi assinado quer pelo referido visado B…, quer pelos funcionários (agentes da PSP) que a executaram, a saber, E…, F…, G… e H….
VI. No auto de notícia por detenção, assinado pelo autuante E…, escreveu-se, além do mais, o seguinte:
«Aos 30 dias do mês de Dezembro de dois mil e dez, pelas 18h30 horas, eu, E…, Chefe …, do efectivo da .ª Esquadra de Investigação Criminal dou notícia que procedi à detenção do seguinte indivíduo:
B… (…)
No presente dia, cerca das 15H20, deslocamo-nos à morada sobredita [Rua …, n.º .., Bloco ., Hab. .., …, Maia] e constatamos que o suspeito não se encontrava na sua residência, pelo que foi efectuado contacto telefónico com o mesmo tendo este aceite em ali comparecer.
Enquanto aguardávamos pela presença do suspeito, optou-se por efectuar, desde logo, a abertura da porta dos arrumos a serem alvo de busca.
Após termos aberto a referida porta, procedendo ao arrombamento da fechadura verificámos a existência, no interior, de um armário, em madeira, o qual estava preparado de forma servir de estufa para o cultivo de plantas de “cannabis”. Vide suporte fotográfico anexo, no qual se pode aferir o grau de “profissionalismo” empregue na sua construção e manutenção.
Pelas 16H10, compareceu o suspeito, pelo que de imediato lhe foi dada a conhecer a nossa condição de Agentes de Polícia e os nossos intentos, sendo-lhe entregue cópia dos doutos despachos que legitimam a nossa acção.
Seguidamente, deslocámo-nos ao domicílio do suspeito, tendo este voluntariamente indicado os locais onde ocultava “cannabis” e “pólen de haxixe”.
(…)
Finda a diligência na residência, deslocamo-nos aos arrumos em questão e procedeu-se à busca aos mesmos.
No decorrer desta diligência apreenderam-se todos os artigos envolvidos no cultivo de “cannabis”, nomeadamente, fertilizante, terra, lâmpadas para iluminação e aquecimento, desumidificadores, ventoinhas para ventilação, caixas para secagem das plantas de “cannabis”, isolantes térmicos (prata) e outros utensílios que se juntam. Vide Auto de Busca e Apreensão anexo e Suporte Fotográfico.
Estas diligências tiveram o seu términus pelas 17h30.
Após a consumação das diligências probatórias aqui em causa, foi o suspeito conduzido a este Departamento para continuação e prossecução de diligências.
(…)
VII. O visado na busca, ou seja, o referido B…, assistiu à mesma, quer na residência, quer nos ditos arrumos, tendo sido detido após essas diligências estarem terminadas, não tendo suscitado qualquer vício relativo ao cumprimento das formalidades relativas às buscas (à residência e aos referidos “arrumos”), nem sequer aquando do interrogatório judicial, por si ou através do seu defensor oficioso.
VIII. O Sr. Juiz de Instrução não fez qualquer diligência quando colocou e apreciou a questão prévia que deu origem ao subsequente pedido de esclarecimento pelo MºPº e depois ao presente recurso.
Pois bem.
O Sr. JI não colocou em causa a veracidade do teor do auto de busca e apreensão feito aos referidos arrumos – o qual, nos termos do art. 99º, nº 1, do CPP, é um “instrumento destinado a fazer fé quanto aos termos em que se desenrolaram os actos processuais”, sendo correspondentemente aplicável o disposto no art. 169º do CPP.
Aliás, no despacho sob recurso, apenas se debruçou sobre parte do auto de notícia por detenção, não fazendo qualquer referência ao teor do dito auto de busca e apreensão, que era o que efectivamente documentava aquela diligência e que até foi assinado por todos os intervenientes, isto é, pelo visado B… (que depois veio a ser constituído arguido e detido) e pelos agentes da PSP que nela intervieram.
Também não atentou no teor da certidão que consta do verso do mandado de busca e apreensão, assinado quer pelo certificante, quer pelo visado B…, onde expressamente se refere: “Certifico e dou fé de que hoje, pelas 16h10 dei conhecimento do presente mandado de busca e apreensão, ficando o visado do mesmo ficado ciente de todo o seu conteúdo e do qual foi entregue uma das cópias do mesmo.”
Igualmente o Sr. Juiz de Instrução não leu integralmente o referido auto de notícia e detenção, pois, se o tivesse feito, ter-se-ia apercebido que ali também consta que, após as 16h10, altura em que compareceu o suspeito e lhe deram a conhecer da sua condição de agentes da Polícia e os seus intentos, entregando-lhe cópia dos despachos que legitimavam a sua actuação, é que se deslocaram com o suspeito ao seu domicílio (tendo o mesmo indicado voluntariamente os locais onde ocultava cannabis e pólen de haxixe) e só depois de buscadas todas as dependências da habitação/residência, é que se deslocaram aos arrumos em questão e procederam então à busca dos mesmos, efectuando as apreensões supra referidas.
Portanto, apesar de ter ocorrido o referido arrombamento da porta dos arrumos, o certo é que as buscas quer às dependências da residência, quer aos referidos arrumos, tiveram início na presença do suspeito/visado B…, sempre após serem cumpridas as formalidades previstas no art. 176º do CPP, tal como consta quer da certificação exarada no verso do mandado de busca e apreensão, quer do próprio auto de notícia e detenção, quer do auto de busca e apreensão relativo aos ditos arrumos.
Ou seja, o facto de ter havido o referido arrombamento da porta dos arrumos (que nem eram habitação, nem funcionavam como tal) não significa que a busca aos arrumos se iniciou nessa altura.
Aliás, nem podia haver tal confusão (entre o referido arrombamento da porta e o início da busca aos arrumos), uma vez que do próprio auto de notícia e detenção resulta que, foi na presença do visado (após lhe terem dado cópia dos doutos despachos que legitimavam aquela acção policial) que iniciaram a busca à residência, percorrendo as diferentes dependências e, só depois disso feito (sempre na presença do visado), é que passaram para os arrumos.
E, isso mesmo também é dito no respectivo auto de busca e apreensão, cuja referência o Sr. JI omitiu.
A interpretação feita pelo Sr. Juiz a quo não encontra apoio sequer no próprio auto de notícia e detenção, que é bem claro também no sentido de ter sido, após o cumprimento das formalidades previstas no art. 176º do CPP, na presença do visado, iniciadas as buscas, primeiro na residência e depois nos ditos arrumos.
Se o Sr. Juiz tivesse lido integralmente o referido auto de notícia e detenção, bem como se tivesse procedido à leitura de todos os documentos pertinentes sobre essa matéria (acima referidos), facilmente verificava que incorrera em erro de raciocínio quando concluíra pela inobservância das formalidades previstas no art. 176º do CPP em relação à busca feita nos referidos arrumos (tanto mais que nesse local a busca só se iniciou após ser buscada a residência, sempre na presença do visado, que também assinou a certidão que consta no verso do respectivo mandado de busca e apreensão, onde pelas 16h10 tomou conhecimento do mesmo, ficando ciente de todo o seu conteúdo e do qual foi entregue uma das cópias do mesmo).
Daí que não haja qualquer irregularidade (e muito menos nulidade equivalente a proibição de prova, como sustentado no despacho sob recurso) no cumprimento dos mandados de busca em questão.
E, tudo isso, independentemente de até se poder evidenciar (por não constar dos autos o motivo que levou a tal procedimento) que foi um errado procedimento aquele, de efectuar o arrombamento da porta dos referidos arrumos, mesmo antes do visado chegar ao local.
No entanto, como já se viu, isso não significa nulidade da busca, tanto mais que aquele local (arrumos) não era domicílio, nem era como tal utilizado.
De resto, como sabido, as buscas (tal como as revistas) são autorizadas ou ordenadas por despacho pela autoridade judiciária competente, devendo esta, sempre que possível, presidir à diligência - art. 174º, nº 3, do CPP (note-se que, nem no despacho judicial que autorizou a busca, se fez qualquer menção à impossibilidade do Sr. Juiz presidir à diligência, o que constituirá irregularidade já sanada).
As apreensões são autorizadas, ordenadas ou validadas por despacho da autoridade judiciária (art. 178º, nº 3, do CPP)[1].
A regra é a autorização ou a ordem da busca por despacho da autoridade judiciária competente (art. 174º, nº 3, do CPP).
Excepções a essa regra são desde logo as previstas no art. 174º, nº 5, do CPP e no art. 251º (medida cautelar de polícia) CPP.
Salvo nos casos do art. 174º, nº 5, do CPP, antes de se proceder à busca é entregue, a quem tiver disponibilidade do lugar em que a diligência se realiza, cópia do despacho que a determinou, na qual se faz menção de que pode assistir à diligência e fazer-se acompanhar ou substituir por pessoa da sua confiança e que se apresente sem delonga (art. 176º, nº 1, do CPP).
Estando em causa o direito fundamental à inviolabilidade do domicílio[2] (art. 34º, nº 1, da CRP) – enquanto “forma de tutela do direito à reserva da vida privada”[3] (art. 26º, nº 1, da CRP) – a busca domiciliária segue o regime previsto no art. 177º do CPP.
Assim, conjugando o disposto nos nºs 1 e 2 do art. 177º do CPP, a busca domiciliária tem de ser ordenada ou autorizada pelo Juiz (juiz que é o garante dos direitos fundamentais) e, só nos casos excepcionais podem ser ordenadas pelo MºPº ou ser efectuadas por OPC (órgão de polícia criminal), como resulta do nº 3 do mesmo artigo 177º.
A regra da intervenção jurisdicional em determinados actos na fase de inquérito (arts. 268º e 269º do CPP), v.g. no caso das buscas domiciliárias, justifica-se por estarem em causa direitos fundamentais das pessoas.
O Estado, como titular do ius puniendi, quer que «os culpados de actos criminosos sejam punidos», mas também «está interessado em garantir aos indivíduos a sua liberdade contra o perigo de injustiças»[4].
Por isso, também, em processo penal, a “descoberta da verdade material não pode ser obtida a todo o custo, antes havendo que exigir da decisão que ela tenha sido lograda de modo processualmente válido e admissível e, portanto, com o integral respeito dos direitos fundamentais das pessoas que no processo se vêem envolvidas”[5].
A intervenção jurisdicional com vista à tutela e garantia dos direitos fundamentais das pessoas significa, assim, o acolhimento da “afirmação de que o direito processual penal é verdadeiro direito constitucional aplicado”[6].
No momento em que autoriza a busca domiciliária, o juiz está a permitir a restrição do direito à inviolabilidade do domicílio (direito que não é absoluto, como decorre do art. 34º, nº 2, da CRP), restrição essa que apenas se concretizará quando aquela diligência vier a ser executada[7].
Quando o órgão de polícia criminal realiza (executa) a busca domiciliária, ocorre então efectivamente a restrição do direito à inviolabilidade do domicílio, restrição essa que havia sido antecipadamente autorizada pela decisão judicial.
Isto significa que a partir do momento em que é autorizada judicialmente a busca domiciliária, fica garantida a legalidade da intervenção do OPC que a vier a executar.
Saber se é ou não “boa prática” a nível de procedimentos de investigação, o arrombamento feito naquelas circunstâncias dos referidos arrumos, que nem sequer funcionavam como habitação, é matéria que não tem qualquer implicação ou influência sobre as provas obtidas por meio da busca que ali foi efectuada (tanto mais que a esse arrombamento seguiu-se primeiro o cumprimento das formalidades previstas no art. 176º do CPP e, só depois na presença do visado, é que foram iniciadas as buscas).
De qualquer modo, tendo o arguido recebido, na altura própria (antes do início das buscas) cópia do respectivo mandado, tomando conhecimento que a mesma se ia realizar com prévia autorização judicial e, tendo assistido à sua execução (primeiro na residência e depois nos arrumos designados pelas letras KN, o que indicia que estes até seriam fracção autónoma), não se pode confundir aquele arrombamento prévio da porta dos arrumos com um método proibido de prova (art. 126º do CPP).
Visando a prova a demonstração da realidade dos factos, importa ter presente que os “meios de prova são os elementos de que o julgador se pode servir para formar a sua convicção sobre um facto e, os meios de obtenção da prova são os instrumentos de que se servem as autoridades judiciárias para investigar e recolher meios de prova”[8].
Os meios de prova não se limitam aos indicados expressamente nos artigos 128º a 170º do CPP, visto que, nos termos do artigo 125º do CPP, são admissíveis as provas que não forem proibidas por lei.
Por isso é fundamental distinguir as provas permitidas das proibidas, o que pressupõe atentar no artigo 126º do CPP (cf. ainda artigo 32º, nº 8, da CRP), que trata dos métodos proibidos de prova.
No artigo 126º nºs 1 e 2 do CPP englobam-se as situações que o legislador considera absolutamente intoleráveis, por violarem gravemente direitos fundamentais das pessoas, razão pela qual comina com a “nulidade” as provas obtidas por esses métodos ilegais.
No nº 3 do art. 126º do CPP o legislador prevê situações de “proibições relativas de obtenção de meios de prova”[9] cominadas com a sanção da nulidade ressalvados os casos previstos na lei, bem como o consentimento do respectivo titular.
Essas provas ilegalmente obtidas, não podem ser utilizadas no processo (aqui a sanção da nulidade equivale a proibição) e, por isso, também não podem ser valoradas, ainda que com sacrifício da descoberta da verdade material, na medida em que esta “só pode ser obtida através de meios justos, de meios legalmente admissíveis”[10].
Além disso, para se determinar quais são as provas permitidas, há que distingui-las daquelas outras situações em que se violam regras de produção de prova.
Como diz Costa Andrade, “proibições de prova são «barreiras colocadas à determinação dos factos que constituem objecto do processo», (…) diferentemente, as regras de produção de prova – cfr. v.g., o artigo 341 do CPP – visam apenas disciplinar o procedimento exterior da realização da prova na diversidade dos seus meios e métodos, não determinando a sua violação a reafirmação contrafáctica através da proibição da valoração. As regras de produção de prova configuram, na caracterização de Figueiredo Dias, «meras prescrições ordenativas de produção da prova, cuja violação não poderia acarretar a proibição de valorar como prova (…) mas unicamente a eventual responsabilidade (disciplinar, interna) do seu autor»”[11].
Daí resulta, também, a importância da sua distinção em relação às situações de proibição de valoração de prova que, apenas abrange a primeira das referidas categorias (proibições de prova).
Cada uma dessas categorias de situações tem consequências diferentes a nível processual.
Desde que sejam afrontados de forma grave direitos fundamentais (como sucede, por ex., nos casos do artigo 126º do CPP), a consequência terá de ser a inutilização de tais provas e, portanto, também a proibição da sua valoração.
E isto independentemente de a lei fazer expressa referência à proibição de valoração ou antes apontar simplesmente para a existência de nulidade. É que, em muitas das disposições relacionadas com a prova, a sanção da nulidade quer precisamente significar proibição de valoração[12].
A resolução das questões que se levantam à volta da temática das provas proibidas e permitidas v.g. nos casos ressalvados previstos na lei, aludidos no art. 126º, nº 3, do CPP, terá que passar pela análise conjugada dos princípios da ponderação de interesses e da proporcionalidade, tendo em atenção, por um lado, o interesse público do ius puniendi e por outro, os direitos fundamentais individuais em jogo, para depois se apurar até que ponto estes últimos interesses poderão ser sacrificados em nome daquele outro interesse público.
Porém, nunca poderá haver uma limitação desproporcionada daqueles interesses individuais, ou seja, nunca poderá ser atingido o seu núcleo essencial, revelador da existência de um verdadeiro Estado de direito.
De qualquer modo, voltando ao tema que nos ocupava, podemos concluir que, da conjugação do disposto nos artigos 125º e 126º do CPP, resulta que são admissíveis todas as provas que não forem proibidas[13], tendo, todavia, que ser obtidas legalmente.
No caso dos autos, as provas decorrentes da busca domiciliária e da busca aos arrumos, foram obtidas legalmente na medida em que se realizaram na sequência de autorização judicial prévia.
Foi mediante autorização judicial prévia que foram restringidos, na medida do necessário à execução da busca domiciliária, os direitos fundamentais (inviolabilidade do domicílio e direito à reserva da intimidade da vida privada) que assistiam ao arguido.
Por isso foram válidos os meios utilizados para a obtenção das provas em questão.
O arrombamento da porta dos arrumos (que nem sequer era domicilio, nem funcionava como tal), antes do início da busca que ali foi feita (busca que se iniciou após o cumprimento do formalismo previsto no art. 176º do CPP e na presença do visado) não transforma a prova obtida na execução dessa busca em “prova proibida”, nem equivale a método proibido de prova e, tão pouco constitui violação de qualquer regra de produção de prova.
Do mesmo modo, tendo em vista o princípio da legalidade previsto no art. 118º do CPP, não se verifica qualquer nulidade (insanável ou sanável), nem tão pouco qualquer irregularidade, apenas se evidenciando (na falta de qualquer explicação) uma má prática de procedimento, a qual, contudo, não acarreta qualquer consequência jurídica a nível processual.
Assim, sem necessidade de mais dilatadas considerações, conclui-se pela procedência do recurso, revogando-se o despacho sob recurso, o qual deverá ser substituído por outro que considere válida a busca efectuada aos referidos arrumos.
*
III- DISPOSITIVO
Em face do exposto, acordam os Juízes desta Relação, em conceder provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público e, consequentemente, revogar a decisão sob recurso, a qual deverá ser substituída por outra que considere válida a busca efectuada aos referidos arrumos, com todas as consequências legais daí decorrentes.
Sem custas.
*
(Processado em computador e revisto pela 1ª signatária. O verso das folhas encontra-se em branco – art. 94º, nº 2, do CPP)
*
Porto, 12-10-2011
Maria do Carmo Saraiva de Menezes da Silva Dias
José Alberto Vaz Carreto
____________
[1] As apreensões podem ser feitas no decurso de revistas ou de buscas ou quando haja urgência ou perigo na demora, nos termos previstos no art. 249º, nº 2, al. c), do CPP e, nos dois casos estão sujeitas a validação pela autoridade judiciária, no prazo máximo de 72 horas - art. 178º nºs 4 e 5 do CPP.
[2] Domicílio entendido, nas palavras de Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª ed., Coimbra Editora, 1993, pp. 212 e 213, como «projecção espacial da pessoa» (espaço fechado e vedado a estranhos onde a pessoa desenvolve a sua vida privada e familiar). Defende-se no Ac TC nº 67/97, BMJ nº 464/75 que «O conceito constitucional de domicílio deve ser dimensionado e moldado a partir da observância do respeito pela dignidade da pessoa humana, na sua vertente de reserva da intimidade da vida familiar, de modo a acautelar um núcleo íntimo onde ninguém deverá penetrar sem o consentimento do próprio titular do direito – e sem necessariamente pressupor uma plena e exclusiva disponibilidade do espaço físico que consubstancia o domicílio».
[3] Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, I, Coimbra Editora, 2005, p. 372.
[4] Assim, Ac. do TC nº 578/98, DR II Série de 26/2/1999. Ainda, citando Eduardo Correia, acrescenta: o Estado está, por isso, «interessado, desde logo, em defender [os indivíduos] “contra agressões excessivas da actividade encarregada de realizar a justiça penal”».
[5] Jorge Figueiredo Dias, Direito Processual Penal (lições coligidas por Maria João Antunes), Coimbra: Secção de Textos da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 1988-9, p. 22. Também, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, I, 4ª ed. Revista e actualizada, Verbo, 2000, p. 52, salienta que “a pedra angular do processo penal num Estado de Direito democrático é a tutela efectiva dos direitos individuais e gerais, ou seja, a tutela dos direitos fundamentais da liberdade, igualdade, dignidade e segurança, direitos que hão-de considerar-se na perspectiva individual e colectiva, para o que se impõe uma visão harmónica que combine e concilie as três missões básicas do processo: jurídica, enquanto instrumento para a realização do direito objectivo; política, como garantia do arguido; social, enquanto contribui para a pacífica convivência social”.
[6] Germano Marques da Silva, ob. cit., p. 94.
[7] Também, José António Mouraz Lopes, A Tutela da Imparcialidade Endoprocessual no Processo Penal Português, Coimbra Editora, 2005, p. 153, defende que, “a ratio da intervenção jurisdicional é, neste domínio, de dimensão praticamente garantística. A restrição ao exercício do direito à inviolabilidade do domicílio é exercida posteriormente a uma decisão onde se ponderam os interesses em jogo e se exigiu, para a concretização do juízo de ponderação, um conhecimento factual que permitisse o juízo de proporcionalidade e a consequente fundamentação da restrição.” No mesmo sentido, Ac. do TC nº 114/95, consultado no site www.tribunalconstitucional.pt.
[8] Ac. do TRG de 29/3/2004, CJ 2004, II, 292 ss.
[9] Paulo Sousa Mendes, “As proibições de prova no processo penal”, in Jornadas de Direito Processual Penal e Direitos Fundamentais, coord. Maria Fernanda Palma, Almedina, 2004, p. 137.
[10] Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, II, Verbo, 1993, pp. 101 e 102.
[11] Manuel da Costa Andrade, Sobre as proibições de prova em processo penal, Coimbra Editora, 1992, pp. 83 e 84. Cf., ainda, Germano Marques da Silva, ob. cit., p. 103. Também, Susana Aires de Sousa, «Agent provocateur e meios enganosos de prova. Algumas reflexões», in Liber Discipulorum para Jorge Figueiredo Dias, org. por Manuel da Costa Andrade, José de Faria Costa, Anabela Miranda Rodrigues, Maria João Antunes, Coimbra Editora, 2003, p. 1211, afirma que as regras de produção de prova «têm por objectivo disciplinar o modo e o processo de obtenção da prova, não determinando, se infringidas, a proibição de valoração do material probatório».
[12] Costa Andrade, ob. cit., p. 193, refere que “há uma imbricação íntima entre as proibições de prova e o regime de nulidades (…). Por um lado, é no título dedicado às nulidades que o CPP inscreve o preceito segundo o qual «As disposições do presente título não prejudicam as normas deste Código relativas a proibições de prova» (art. 118, nº 3). Por outro lado e frequentemente, a lei processual portuguesa enuncia as proibições de prova cominando precisamente com a sanção da nulidade a violação dos pertinentes imperativos legais. É o que pode ilustrar-se com o regime previsto para os Métodos proibidos de prova (art. 126), a Recusa de parentes e afins (art. 134, nº 2) e as Escutas telefónicas (art. 189)”.
[13] Mesmo que sejam atípicas isto é, mesmo que não sejam aquelas que estão expressamente previstas na lei, tendo, todavia, que ser obtidas legalmente.