NULIDADE DA SENTENÇA
NULIDADE DE ACÓRDÃO
CATEGORIA PROFISSIONAL
RECLASSIFICAÇÃO
IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
TOT I
SUSPENSÃO DO CONTRATO DE TRABALHO
ACORDO
LIBERDADE CONTRATUAL
RETRIBUIÇÃO
Sumário

I - Por força do estatuído no art. 77.º do Código de Processo de Trabalho, aprovado pelo DL n.º 480/99, de 9 de Novembro, a arguição de nulidades da sentença deve ser feita expressa e separadamente no requerimento de interposição do recurso, sob pena de delas se não conhecer.
II - Tal normativo legal pressupõe que o anúncio da arguição e a corresponde motivação das nulidades devem constar do requerimento de interposição do recurso – que é dirigido ao órgão judicial “a quo”, permitindo ao juiz recorrido aperceber-se, de forma mais rápida e clara, da censura produzida, permitindo-lhe o eventual suprimento das nulidades invocadas.
III - Ainda que se admita que em determinadas situações se apresente desproporcionado que, relativamente aos recursos interpostos das decisões proferidas em 1.ª instância - em que existe uma unidade formal do requerimento de interposição do recurso e das alegações -, o tribunal “ad quem” decline o seu conhecimento naqueles casos em que o recorrente circunscreve no dito requerimento o anúncio, efectivando a sua substanciação na minuta alegatória - comportamento que não observa inteiramente o prescrito no art. 77.º do CPT - mesmo nessas situações impõe-se que a motivação da arguição tenha sido explanada de forma expressa, separada e de molde a facilitar ao juiz a percepção, imediata e sem necessidade de maiores indagações, de que está colocada a questão da nulidade da sentença.
IV - Porém, nos recursos interpostos para o Supremo, havendo uma clara separação formal e temporal entre o requerimento de interposição do recurso e a minuta alegatória, torna-se mister que aquele requerimento contenha a adequada explanação dos motivos a que se arrima a nulidade, por forma a permitir que o órgão recorrido possa pronunciar-se, desde logo, sobre os vícios aduzidos, não fazendo nenhum sentido que aguarde a apresentação das alegações para o fazer, até porque o eventual reconhecimento e consequente reparação do vício podem modificar o objecto do recurso interposto, tornando parcialmente inúteis as alegações.
V - Deve ser reconhecida a categoria de Técnico Operador de Telecomunicações I (TO I), prevista no AE de 1990 outorgado entre os TLP e o Sindicato dos Trabalhadores dos Telefones de Lisboa (publicado no BTE, 1.ª série, n.º 39, de 22-10-1990), à trabalhadora que exerce tarefas de coordenação técnica e disciplinar de outros trabalhadores e, complementarmente, executa tarefas de maior complexidade que seriam inerentes às funções dos seus subordinados.
VI - Sendo reconhecida essa categoria profissional à trabalhadora, não pode posteriormente dela ser retirada ou despromovida com o fundamento de as funções correspondentes a essa categoria terem passado a ser exercidas em comissão de serviço de acordo com o novo AE, pois, face ao princípio da irreversibilidade, uma vez alcançada determinada categoria profissional, o trabalhador não pode dela ser retirado ou despromovido.
VII - No âmbito da vigência do DL n.º 398/83, de 2 de Novembro, ou do Código do Trabalho (art. 330.º, n.º 1), é lícito às partes, por mútuo consentimento e no interesse de ambas, paralisarem temporária e livremente, de forma total ou parcial, os efeitos principais do contrato de trabalho: o dever de trabalhar e, correspectivamente, o dever de retribuir.
VIII - Por isso, estipulado, num acordo de suspensão do contrato de trabalho e ao abrigo do princípio da liberdade contratual, uma prestação regular e periódica a favor da trabalhadora, esta prestação não assume a natureza retributiva, por não ser contrapartida da disponibilidade da trabalhadora, pelo que o seu valor, não beneficiando da protecção legal conferida à retribuição, não tem que ser alterado em consequência de sentença judicial, proferida na vigência da suspensão, que condenou a empregadora a reclassificar a trabalhadora.

Texto Integral

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça


1. RELATÓRIO

1.1.
"AA" intentou, no Tribunal do Trabalho de Lisboa, acção declarativa de condenação, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho, contra “Empresa-A, S.A.”, pedindo que a Ré seja condenada:
- A qualificar a Autora na categoria de Técnica Operadora de Telecomunicações I (TOT I) desde 1 de Março de 1995;
- A observar a evolução profissional da Autora decorrente dessa qualificação, pagando as diferenças salariais devidas desde aquela data, tendo em conta a evolução salarial prevista nos sucessivos AE’s para os níveis de progressão da categoria TOT I, tudo num montante já apurado de € 25.103,69;
- A pagar os juros de mora, à taxa legal, desde a citação sobre as diferenças salariais em dívida.
Alega, em síntese, que exerceu funções enquadráveis na categoria reclamada, desde 1/3/95 até 1/12/99, data a partir da qual se encontra suspenso o contrato de trabalho outorgado entre as partes.
A Ré contraria a versão da Autora, não apenas porque, segundo diz, as funções por esta exercidas, durante o período visado, não se enquadram na categoria profissional peticionada, mas também porque o acordo de suspensão do vínculo laboral – cuja validade se mantém inquestionada –não pode ser alterado sem a vontade expressa dos seus outorgantes.
1.2.
Instruída e discutida a causa, a 1ª instância, na procedência parcial da acção, condenou a Ré:
1- a qualificar a Autora na categoria de Técnica Operadora de Telecomunicações I (TOT I) desde 1 de Março de 1995;
2- a observar a evolução profissional da Autora, decorrente dessa qualificação, e a pagar-lhe as diferenças salariais, reportadas às remunerações mínimas previstas nos AE’s para os níveis de progressão da mencionada categoria, desde 1/3/95 até 30/11/99, a liquidar em execução de sentença;
3- a pagar os juros moratórios sobre as diferenças salariais em dívida, à taxa legal, desde a data da liquidação até integral pagamento.
A Ré apelou da sentença, arguindo a sua nulidade e questionando o segmento decisório que conferiu à demandante a categoria profissional por ela reclamada.
Também a Autora apelou, fazendo-o subordinadamente, impugnando a decisão na parte em que considerou que o acordo de suspensão do contrato obstava a que os efeitos da reclassificação se repercutissem após 1/12/99.
O Tribunal da Relação de Lisboa declinou a apreciação das invocadas nulidades decisórias – com o fundamento de que a sua arguição não observara o mecanismo processual adequado – e, no mais, julgou improcedentes os dois recursos, confirmando na íntegra a sentença em crise.
1.3.
Mantendo-se irresignadas, ambas as partes pedem agora revista para este Supremo Tribunal, em cujas minutas alegatórias convocam os seguintes núcleos conclusivos:

REVISTA DA RÉ

EM CONCLUSÃO:
1. No recurso interposto por Empresa-A, SA, veio a Recorrente indicar as razões pelas quais discordava da decisão do Tribunal de Primeira Instância, fazendo referência ao AE, a diversas regulamentos internos e legislação em vigor.
2. Onde fundamentou as razões pelas quais entendia existirem nulidades e que as iria explanar nas alegações de recurso dirigidas ao Venerando Tribunal “a quo”.
3. Entendendo assim a Recorrente (em desacordo com o Venerando Acórdão do Tribunal “a quo” que de tal modo cumpria a obrigação emanada no artigo 77.º n.º 1 do Código de Processo do Trabalho.
4. Isto porque, S.M.O., não decorre do n.º 1 do artigo 77.º do C.P.T., que seja de exigir ao arguente da nulidade que no requerimento de interposição de recurso apresente as alegações com os fundamentos pelos quais entende que a decisão se encontra ferida de nulidade.
5. Exigindo-se, sim, que a arguição da nulidade seja feita expressa e separadamente no requerimento de interposição de recurso.
6. Até porque, como a Requerente efectuou no presente recurso, é fácil proceder à repetição de alegações as vezes que se queira, através da utilização do computador.
7. Pelo que entendemos que a previsão do n.º 1 do artigo 77° do C.P.T., deve ser lida no sentido de que a arguição no requerimento de recurso das eventuais nulidades, destina-se tão só a alertar o Juiz do Tribunal “a quo” de que no recurso são suscitadas nulidades as quais, querendo, poderão ser supridas ao abrigo do disposto no n.º 4 do artigo 668.° do C.P.C..
8. Não parece razoável o entendimento que coarctasse às partes o direito de verem apreciadas nulidades das sentenças, unicamente porque tal fundamentação não estivesse, do ponto de vista formal, explanadas no requerimento de interposição de recurso.
9. Ora, o não conhecimento pelo Venerando Tribunal “a quo” das nulidades arguidas com um fundamento exclusivamente formal, contraria vários princípios constitucionais, designadamente, os que vêm consagrados nos números 2 e 3 do artigo 18°, 1 e 4 do artigo 20.° e dos artigos 202° e 204° da Constituição da República Portuguesa.
10. Tendo aliás, já sido proferido nesse sentido, Douto Acórdão do Tribunal Constitucional com o n.º 304/05, referente ao processo n.º 413/04 - 3.ª Secção.
11. Pelo que a decisão proferida pelo Venerando Tribunal “a quo” deverá ser revogada. encontrando-se ferida de inconstitucionalidade por violação do disposto nos números 2 e 3 do artigo 18°, 1 e 4 do artigo 20.° e 202° e 204° da C.R.P..
12. Por outro lado, a ora Recorrente entende que, quer a Douta Sentença do Tribunal de 1.ª Instância, quer o Douto Acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, são nulas por violação das seguintes disposições legais:
a. Alínea d) do n.º 1 do Art.º 668.° do C.P.C., designadamente, por entender que ambas as instâncias não se pronunciaram sobre questões pertinentes, que eram o objecto de recurso e que alteravam “in totum” o sentido da decisão.
b. Tais questões têm a ver com a aplicação dos seguintes normativos:
• N.º 2 e 3 da Clausula 1ª, 27.ª e 126.ª e Anexo V do 1.º Acordo de Empresa "Empresa-B, SA", PUBLICADO no BTE, 1ª Série, n.º 3 de 22 de Janeiro de 1995:
• Protocolo do AE/2000, Publicado no B.T.E., 1ª Série, n.º 9, de 8/3/ 000 e rectificado no BTE, 1ª Série, n.º 19, de 22/5/2000,
• Despacho 1688,95 ADCA de 95/10/19;
• Ordem Serviço 65,95 de 95/11/09:
• Despacho 82.97 DON VI de 97/07/14:
• Ordem Serviço 38,97 de 97/09/08:
• Art.º 3° do Decreto-Lei n.º 404/91 de 16 de Outubro:
• Alíneas b) e c) do n.º 1 do art.º 6.°. art.º 7.°, n.º 1 do art.º 10.°, art.º 14° e art.º 15° do Decreto-Lei n.º 519-C1/79 de 29 de Dezembro:
• Alínea d) do n.º 1 do art.º 668.° C.P.C. por via do art.º 1º do C.P.T.:
• Artigos 55.°, 56.°, 202.° n.º 2 e 204.° da Constituição da República Portuguesa
13. Os normativos atrás descritos são importantes para a decisão da causa.
14. Isto porque na sequência da fusão que ocorreu em 1994 (Pontos 1° e 2° da matéria assente), houve necessidade de criar um Acordo de Empresa para a nova Empresa "Empresa-B, SA." de modo a materializar a harmonização das condições de trabalho existentes das três Empresas que se fundiram, o que implicava a criação de novas categorias onde as que existiam ali se pudessem enquadrar.
15. Aliás, tal obrigação resultou da lei, designadamente do Decreto-Lei n.º 122/1994 de 14 de Maio, que estatui no seu artigo 8.º que: "Sem prejuízo do disposto no artigo 5° a artigo 7º, a Empresa-B tornará as medidas que forem adequadas à progressiva harmonização do regime e das condições de trabalho. ...(o sublinhado é nosso).
16. A Recorrente em sincronização com as Organizações Representativas de Trabalhadores deram início ao árduo trabalho de criar o 1 ° Acordo da Empresa-B, S.A., que culminou com a sua publicação no B.T.E., 1.ª Série, n.º 3 de 22 de Janeiro de 1995; 17. Contudo, a sua criação decorreu do acordo celebrado pelas partes outorgantes, designadamente, dum lado a Empresa ora Apelante (então denominada Empresa-B, SA) e do outro lado as Organizações Representativas de Trabalhadores (Sindicatos, Federações e Confederações), num total de 22 Organizações Representativas de Trabalhadores, devidamente representadas e assessoradas.
18. Porém, um dos aspectos que revestiam maior complexidade era, precisamente, o de harmonizar milhares de trabalhadores enquadrados em várias categorias, muitos deles com denominações diferentes e conteúdos funcionais semelhantes.
19. Conhecedores de tal realidade, a Empresa e as Organizações Sindicais organizaram os Grupos Profissionais, as carreiras, categorias e níveis de progressão dando origem ao Anexo V do citado AE, donde surgiram 24 novas categorias em substituição das 89 existentes. (Anexo V do 1° AE da PT).
20. O Primeiro Acordo de Empresa da PT foi considerado globalmente mais favorável do que as constantes dos acordos de empresa que a convenção substituiu (Cláusula 126º do AE).
21. No entanto, algumas das categorias existentes, porque não tinham correlação, mantiveram-se como residuais.
22. Das categorias que deixaram de existir e passaram a ser residuais até extinção dos postos de trabalho, evidencia-se, precisamente, a de Técnico Operador de Telecomunicações I (TOT I) - a categoria que a Autora reivindica.
23. Factos que foram considerados provados no Ponto 11º da Matéria Assente.
24. É neste contexto que a Autora, então detentora da categoria profissional de TOT II, foi integrada na categoria de OAT - Operadora de Serviços de Atendimento de telecomunicações.
25. As novas categorias que foram criadas são as que a partir de tal data passaram a vigorar, pelo que sustentar o contrário, como a Autora pretende, com o patrocínio de um Sindicato que discutiu, negociou e aprovou o novo Acordo de Empresa, representa um inadmissível “venire contra factum proprium”.
26. E a Autora não pode alegar desconhecimento, uma vez que na Revisão do AE de 2000, Publicado no BTE, 1.ª série, n.º 9, de 8/3/2000 e rectificado no BTE, 1ª Série, n.º 19, de 22/5/2000, foi negociado e aceite pelas partes outorgantes (onde se inclui o Sindicato que patrocina a Autora), o "Plano de Mobilidade".
27. Pelo que, caso não tivessem sido desvalorizadas pelo Tribunal “a quo” as Convenções Colectivas como fonte de direito, não teria a Ré sido condenada a qualificar a Autora numa categoria que "não existe".
28. E quanto às Convenções Colectivas como fonte de direito, a nossa douta Jurisprudência é unânime quanto ao seu valor constitutivo, como demonstramos pelos Venerandos Acórdãos que se identificam nas alegações que antecedem.
29. Assim, não tendo o Tribunal de Primeira Instância, assim como o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa se pronunciado quanto ao valor do Acordo de Empresa na definição das categorias profissionais existentes, designadamente na parte em que a categoria reclamada pela Autora não foi considerada o novo desenho das categorias profissionais, violou o disposto na d) do n.º 1 do Art.º 668.° do C.P.C., o que é causa de nulidade da sentença.
30. O Tribunal “a quo” também não se pronunciou sobre o interesse da Convenção Colectiva materilizada no AE/95-PT para esclarecimento e resolução das questões, tendo em conta que no decorrer da acção foram juntos diversos diplomas internos, relativamente aos quais o Tribunal de Primeira Instância não os teve em conta na fundamentação da decisão, e também não foram considerados pelo Venerando TRL.
31. Não concordamos com tais teses, tanto mais que da análise da matéria de facto (na parte que agora interessa), mais concretamente nos Quesitos 9° a 17°, 36° a 38°, 42° e 43° e 45° a 48., resultou como provado elementos que permitem concluir de outro modo.
32. Em primeiro lugar porque como estipula o n.º 4 do artigo 653.° do C.P.C., quanto ao julgamento da matéria de facto, só é possível apresentar reclamação unicamente "contra a deficiência, obscuridade ou contradição da decisão ou contra a falta da sua motivação:".
33. Contudo, da resposta à matéria de facto não se verificava nenhuma das circunstâncias que permitissem a apresentação de reclamações pela Ré Recorrente (n.º 4 d artigo 653.° do C.P.C.).
34. E da conclusão 26ª do recurso interposto resulta apenas que o Tribunal não deu relevância de forma abrangente aos documentos juntos aos autos.
35. Além de que e S.M.O., todos os aspectos relacionados com o exercício de funções em comissão de serviço de "supervisão" se encontram abrangidas pelo objecto do recurso por essa razão deveriam ser apreciados, tanto mais que em tal diploma se encontra fixado o sistema de avaliação e de prémios (vide o preambulo da OS 65,95), o qual, (a posteriori), veio a ser corrigido por outros regulamentos internos.
36. Sendo certo que os vários diplomas identificados referiam-se a matriz remuneratórias e surgiram na sequência do processo de fusão das Empresas que deram origem à então Empresa-B, SA., onde foi necessário materializar uma nova filosofia de gestão empresarial para o sector das telecomunicações .
37. Foi a partir desse momento de viragem, que foram tomadas algumas medidas, das quais se destacam - para efeitos dos presentes Autos - um conjunto objectivo de carreiras, um número reduzido de categorias, e vários níveis de progressão.
38. E é precisamente com a mesma filosofia que foram materializadas as nomeações de chefias não orgânicas para o exercício de funções específicas (onde se incluem os supervisores) e foram redesenhados os sistemas remuneratórios na Empresa, umas, associados ao exercício de funções específicas, outras ao cumprimento de objectivos ou prémios de produção.
39. Aspecto que deveria ter sido considerado porque a materialização do novo sistema remuneratório, designadamente para os supervisores, traduziu-se numa mais valia relativamente aos trabalhadores cuja componente remuneratória assentava apenas na categoria profissional.
40. Pelo que a falta de pronúncia quanto a tais questões feriu as decisões de nulidade, nos termos da alínea d) do n.º 1 do Art.º 668.° do C.P.C., declaração que ora se requer.
41. Por outro lado, a Meritíssima Senhora Doutora Juíza do Tribunal de Primeira Instância centrou-se exclusivamente no exercício de funções que considerou que a Autora desempenhava para, num estrito juízo de direito, ajustar ao caso concreto uma situação de qualificação profissional, quase que desprezando, ou melhor, não valorizando minimamente, os factos que foram considerados provados e que são conclusivos quanto ao exercício das funções pela Autora enquanto nomeada como supervisora.
42. E como resulta da matéria que foi considerada provada (designadamente Quesitos 9° a 17°, 35° a 38°, 42° a 49°), a partir da fusão que deu origem à Empresa-B, SA., os trabalhadores que passaram a desempenhar funções de coordenação no atendimento foram nomeados como supervisores em regime de comissão de serviço, ... independentemente da categoria profissional que tivessem.
43. Ora, a Autora foi nomeada com base nesse regime como decorre da matéria considerada provada e se encontra demonstrado no documento 5 junto com a petição inicial, Despacho 1688,95.
44. E como decorre do Ponto 46. da matéria provada e Doc. 2 junto com a contestação, competia ao supervisor o controle operacional e de gestão da equipa, de modo a garantir a qualidade na prestação do serviço de atendimento.
45. Funções que se adequam às funções efectivamente realizadas pela Autora como se pode verificar do Quesito 47. da matéria provada.
46. Além do mais, na Fundamentação da douta Sentença do Tribunal “a quo”, a Meritíssima Doutora Juíza entendeu ser irrelevante o facto da Autora ter desempenhado funções em regime de comissão de serviço de supervisora, uma vez que não se encontravam verificados os pressupostos para aplicação de tal diploma consagrado no Decreto-Lei n° 404/91 de 16 de Outubro.
47. Parece-nos, contudo, que tal opinião não deve vencer.
48. Desde logo porque a nomeação da Autora foi o culminar dum processo que decorreu por três teses, tal como resulta do Doc. 2 junto com a contestação: a fase de pré-selecção; a fase de avaliação do potencial de desenvolvimento para a função de acordo com critérios pré-definidos; e por fim, a fase de formação: "desenvolvimento de competências ao nível individual e técnico, de acordo com os critérios tidos como desejáveis para o correcto desempenho da função".
49. E para existir todo este processo de avaliação, existiu a aprovação e consentimento da Autora que via assim uma forma de evolução profissional.
50. Depois, caso fosse de considerar que estávamos perante a preterição dum formalismo legal imperativo, o que não se aceita nem concede, a cominação consistiria na obrigação de manter permanentemente a Autora como supervisora, auferindo as mais-valias dali decorrentes, o que tinha, como consequência que a cessão da comissão que se operou em 01/07/1999 (Quesito 49. da matéria de facto provada), manter-se-ia até à data da suspensão do contrato de trabalho materializada em 01/12/1999 (Quesito 6. da matéria de facto provada).
51. O Venerando Tribunal “a quo” vem também sustentar que a Autora já teria direito à categoria de TOT I à luz do AE de 1990, tese com a qual não concordamos.
52. Isto porque, analisando a matéria que foi considerada provada, não resulta como provado que a atribuição de funções à Autora em 01/03/1995 fossem definitivas, tanto mais que a Empresa ora Ré se encontrava precisamente no momento crucial da fusão, porque, face à nova realidade empresarial, as decisões eram provisórias até ao desenho final de organização.
53. De qualquer modo, é incorrecto afirmar que a Autora tinha direito à categoria de TOT I face ao exercício de determinadas funções com início em 1/03/1995.
54. Isto porque, em 01/03/1995 já não existia a categoria profissional de TOT I, tendo em conta que o AE/95-PT foi publicado em 22/01/1995, tendo entrado em vigor em 28/01/1995 – muito antes do início do exercício de funções pela Autora.
55. Depois, porque "A partir de Março desse ano, a A. foi denominada de supervisora" (Quesito 14° da Matéria provada).
56. Pelo que o único aspecto que eventualmente poderia ser objecto de reparo, seria o facto da Autora desempenhar as funções de supervisora sem nomeação formal, embora na verdade se encontrasse nomeada informalmente como decorre do Quesito 14°, o que, na nossa opinião, não era relevante.
57. Ainda assim, as decisões recorridas só avocaram parte da matéria considerada provada, o que conduziria a outro resultado caso tivessem apreciado todos os elementos de prova.
58. De qualquer modo, nunca a Autora deveria ser enquadrada na categoria de TOT I.
59. Não só porque a diferença nuclear da categoria de TOT I assentava no facto dos trabalhadores de tal categoria coordenarem técnica e disciplinarmente a actividade de um ou mais grupos de trabalhadores, tendo ficado demonstrado que a Autora não exercia a função disciplinar a qual estava reservada aos superiores hierárquicos (Quesito 44. da matéria assente).
60. Como também a A. só ficou apta a desempenhar as funções de supervisora após a frequência de formação adequada a que se submeteu.
61. E esta formação era específica para o exercício do cargo de supervisora e não duma categoria qualquer.
62. Como decorre do Doc. 8 junto com a petição inicial. a Autora só começou a receber formação na área da coordenação a partir de 05/07/1995, data posterior à entrada em vigor do 1 ° AE da Empresa-B.
63. Ou seja, o plano de formação de supervisora era próprio e específico para aquela função, o que difere de formação que as TOT' I eventualmente tivessem recebido no âmbito da carreira a que pertenciam.
64. E a prova que a formação de supervisora era específica, demonstra-se pelo facto de que havia supervisoras de várias categorias profissionais, designadamente "OAT"; "TOT I”; "TAG" (vide Doc. 5 junto com p.i.) e todos os trabalhadores, independentemente da categoria em que se encontravam colocados, mesmo as que tinham categoria de TOT I, tiveram que se sujeitar a concurso e formação específica.
65. Outro aspecto que é igualmente relevante prende-se com as contrapartidas que a Autora recebeu enquanto nomeada em comissão de serviço de supervisora, matéria que o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa entendeu não apreciar.
66. Contudo, entendemos que tal aspecto deveria ter sido considerado na ponderação do Acórdão ora em crise tendo em conta o que ficou provado no Quesito 46. - onde é feita expressa menção: ao documento de fls. 57 a 60, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
67. Tal documento que foi considerado na sua totalidade faz menção e regulamenta vários aspectos relacionados com o exercício de funções de supervisor, onde se incluem, precisamente, o aspecto remuneratório, não se tratando de matéria nova como sustenta o VTRL.
68. Isto porque e tal como decorre dos artigos 24° e 25° da contestação, o aspecto da remuneração era essencial, tendo em tal peça sido alegado e demonstrado que a Autora tinha uma remuneração mensal como supervisora muito superior à fixada no Acordo de Empresa para a sua categoria profissional.
69. Além de que no Quesito 47. da matéria considerada provada é feita uma referência ao Documento fls. 57 a 60, cujo teor ali é dado por integralmente reproduzido, onde se encontra estipulado que os trabalhadores nomeados em regime de comissão de serviço como supervisores beneficiavam de regime retributivo próprio.
70. Assim como, do Doc. 2 junto com a contestação, onde no Ponto 4. se faz referência ao sistema de remuneração variável, Doc. 6 junto com petição inicial e Doc. 2 junto com requerimento efectuado em audiência de julgamento, OS 38,97 de 97/09/08.
71. Pelo que tendo a Autora beneficiado de diversas contrapartidas pelo desempenho das funções de supervisora, não pode nem deve ser premiada com quaisquer outros benefícios, sob risco da decisão que viesse a ser proferida nesse sentido ser injusta, ilegal e inconstitucional.
72. Termos pelos quais entendemos que o Douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa violou a lei e a constituição, designadamente as seguintes normas:
• N.º 2 e 3 da Cláusula 1ª, 27.ª e 126.ª e Anexo V do 1.º Acordo de Empresa "Empresa-B, SA", publicado no B.T.E., 1ª Série, n.º 3 de 22 de Janeiro de 1995;
• Protocolo do AE/2000, publicado no B.T.E., 1.ª Série. n.º 9, de 8/3/2000 e rectificado no BTE., 1ª Série. n.º 19, de 22/5/2000.
• Despacho 1688.95 ADCA de 95/10/19:
• Ordem Serviço 65,95 de 95/11/09:
• Despacho 82,97 DON VI de 97/07/14:
• Ordem Serviço 38,97 de 97/09/08;
• Artigo 3° do Decreto-Lei n. ° 404/91 de 16 de Outubro;
• Alíneas b) e c) do n.º 1 do art.° 6.°. art.° 7.°, n.º 1 do art.° 10.°. art.º 14° e art.° 15° do Decreto-Lei n.º 519-C1/79 de 29 de Dezembro;
• Alínea d) do n.º 1 do art.º 668° C.P.C. por via do art.º 1° do C.P.T.;
• Artigos 55.°, 56.°, 202.°, 11.° 2 e 204.° da Constituição da República Portuguesa.
73. Assim como não aplicou correctamente o direito, por desadequada interpretação dos diversos normativos e matéria considerada provada, assim como, pela incorrecta apreciação dos factos que foram considerados provados, os quais conduzem a decisão diversa da que foi proferida.
74. Pelo que, na parte em que é desfavorável à Ré, deverá o Douto Acórdão do Venerando Tribunal “a quo” ser considerado nulo e, em consequência, deverá o mesmo ser revogado e proferido novo Acórdão que absolva a Ré de todos os pedidos contra ela formulados.

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REVISTA DA AUTORA

Em conclusão:
1-O douto Acórdão recorrido veio considerar que a prestação devida pela R. à A. durante a suspensão do contrato não tem natureza retributiva porque não é contrapartida da prestação do trabalho, excluindo, assim a manutenção da relação laboral após a assinatura do acordo de suspensão.
2 - Tal posição não merece, mais uma vez, a nossa concordância.
3 - O referido acordo de suspensão resultou da necessidade, e consequente decisão de gestão da empresa Ré, de redução de efectivos.
4 - Este facto é do conhecimento público, tendo sido noticiado nos diversos órgãos de informação nacionais.
5 - A R. apresentou a milhares de trabalhadores que reunissem determinadas condições, condições essas específicas e pré-definidas, a hipótese de suspensão do seu contrato de trabalho, nos termos previstos no referido acordo. Essas propostas foram apresentadas em diversas fases, consoante os objectivos numéricos de redução do pessoal estabelecidos pela PT.
6 - Não poderá deixar de se dizer, desde já, que deverão ser tidos em conta aqui os mais elementares princípios de direito laboral e, paralelamente, o teor do próprio acordo supra identificado que, esclarece de forma simples e evidente que o vínculo laboral entre a A. e a R. permanece, sendo a relação entre os "outorgantes" uma relação indiscutivelmente laboral.
7 - Conforme referido supra, e como é do conhecimento público, os acordos de suspensão foram propostos pela empresa R. aos trabalhadores que reuniam as condições pré-definidas para a celebração dos mesmos.
8 - A contrapartida apresentada pela empresa foi, nem mais nem menos, o valor da retribuição que as A.A. auferiam à data da assinatura do acordo - "100% do seu vencimento mensal ilíquido (remuneração base e diuturnidades)" (cl. 2.ª do citado acordo e bem assim, doc. 2 junto àquela Contestação).
9 - A A., assim como todos os trabalhadores com acordo de suspensão, continuou a receber a prestação equivalente ao subsídio de férias e ao subsídio de Natal, pagos exactamente nos meses em que são pagos, para a generalidade dos trabalhadores no activo, ou seja, em Julho e Novembro de cada ano (cl. 3.ª).
10 - Paralelamente, o acordo prevê a actualização da "prestação" nos mesmos termos em que é efectuada para a generalidade dos trabalhadores no activo (cl. 4.ª)!
11 - E mantém os descontos relativos à prestação de IRS e Segurança Social.
12 - A cláusula 5.ª vem colocar a prestação recebida pela A. ao nível de qualquer remuneração, logo, sujeita aos mesmos descontos legais.
13 - Assume particular importância o que o acordo prevê em matéria de incumprimento.
14 - Como consequência do incumprimento do acordo na modalidade de falta de pagamento da prestação mensal por parte da empresa Ré, prevê a cláusula 8.ª que o trabalhador, e, note-se, é mantido a identificação como trabalhador, poderá rescindir o contrato (leia-se, contrato de trabalho), com justa causa, tendo a possibilidade de receber uma indemnização correspondente ao montante das prestações que receberia até perfazer a idade mínima legal de reforma.
15 - Em alternativa o trabalhador pode assumir novamente as suas funções, sem prejuízo da antiguidade.
16 - As únicas prestações a que o trabalhador deixa de ter direito correspondem àquelas que dependem do trabalho efectivo, o que, naturalmente, fará todo o sentido. Mantém, no entanto, o direito às restantes prestações de segurança social.
17 - Note-se que a prestação de pré-reforma será actualizada pelo percentual idêntico ao que for sendo fixado para a tabela salarial dos trabalhadores no activo.
18 - A suspensão do contrato só implica a suspensão das obrigações decorrentes da prestação do trabalho. Todas as outras (v.g. o dever de urbanidade ou de lealdade), mantêm-se exactamente nos mesmos termos.
19 - Finalmente, estipula o contrato que o tempo de suspensão conta como tempo de serviço para efeitos de diuturnidades, reforma e prémio de aposentação (cl.ª 9.ª).
20 - Analisado que está o teor do acordo de suspensão, não poderá deixar de se concluir que o vínculo laboral, na sua essência, permanece intocável.
21 - Mais se dirá que a selecção das pessoas para posterior assinatura dos acordos não teve por base o valor da remuneração das mesmas mas, tão somente, o enquadramento daquelas nos requisitos supra referidos.
22 - O acordo tem na sua base a situação remuneratória de facto existente à data da sua assinatura. O que se aplica a largas centenas de trabalhadores que, por interesse e iniciativa da empresa, assinaram os referidos acordos.
23 - O que a A. reclama na acção vertente prende-se com uma situação de facto ocorrida antes da assinatura do acordo e que, naturalmente, provocou uma inexactidão nos pressupostos do mesmo, inexactidão essa que, na falta de entendimento entre as partes, só poderia ser corrigida por decisão judicial.
24 - Pelo que se entende que o que ficar decidido para o período anterior à assinatura do acordo terá, necessariamente, que o influenciar, no sentido da alteração do teor do mesmo que havia sido feito com base numa premissa errada - valor da remuneração de base!
25 - Efectivamente, a situação de facto trazida, e que agora se pretende provar na presente acção, irá, objectivamente, condicionar o valor pago mensalmente à A., previsto no acordo.
26 - De facto, sendo, como se sabe que é, 100% da remuneração base mais diuturnidades, sempre se dirá que, procedendo a presente acção, o valor da remuneração à data do contrato era, efectivamente, outro.
27 - O que bastaria para provocar a correcção do valor previsto no acordo.
28 - Mas ainda se poderá dizer que se assim não fosse, sendo o vínculo que une as duas partes no acordo um vínculo laboral, não poderia a A. prescindir de um valor que fazia parte, a ser provado, da sua remuneração mensal.
29 - Da sua categoria e da sua remuneração o trabalhador não pode dispor. Trata-se, aqui de um direito indisponível.
30 - Efectivamente, a categoria profissional é uma garantia dos trabalhadores.
31 - O contrato de suspensão não extingue a relação laboral entre a empresa R. e a A ..
32 - Nesses termos, nenhum documento poderá vir por em causa uma garantia legal do trabalhador, não podendo, assim, afastar um direito, eventualmente reconhecido por decisão judicial, de enquadramento em categoria superior.
33 - Na relação empregado/trabalhador é a categoria profissional que dá o garante, ao segundo, do valor da sua retribuição.
34 - Ela existe não só para a defesa de um nível salarial, mas também para salvaguarda a posição do trabalhador na hierarquia da empresa.
35 - Se a R., por qualquer motivo, deixasse de proceder ao pagamento da prestação prevista no acordo, não teria a A. direito a ocupar o seu lugar na Empresa como TOT I depois de, na presente acção, se assim for o caso, se concluir que as suas funções eram inerentes a essa mesma categoria profissional?
36 - Havendo essa possibilidade, é razoável a sua colocação em funções inerentes a uma categoria profissional que se provou estar desajustada desde Outubro de 1991?
37 - E nesse caso, o valor a remuneração da A. era o valor que agora recebe ou o que se pratica na empresa para as TOT I?
38 - Como se depreende, nenhum sentido faria a recusa do reconhecimento do seu direito no período posterior à assinatura do acordo.
39 - A suspensão do contrato de trabalho nos termos efectuados pela empresa Ré não tem acolhimento legal expresso.
40 - No entanto, se atentarmos nos preceitos, aplicáveis à data da celebração do acordo, relativos à suspensão do contrato pelos motivos previstos na lei, apercebemo-nos, de imediato, que nunca a retribuição mensal do trabalhador poderá estar em causa, nem, tão pouco, as regalias e as prestações da Segurança Social, calculadas na base da retribuição mensal (art.º 6.° n.º 1 do Decreto-Lei n.º 398/83, de 2 de Novembro, e, bem assim, art.º 341.° n.º 1 do novo Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto).
41 - Vai mais longe a lei dizendo que é, para estes efeitos, considerado retribuição normal a que é constituída pela retribuição base, pelas diuturnidades e por todas as prestações regulares e periódicas inerentes e prestação do trabalho (n.º 4 do citado artigo).
42 - Como muito bem refere o Sr. Prof. Pedro Romano Martinez, "a retribuição surge como contrapartida do trabalho, numa perspectiva sinalagmática, mas há certos factores externos que a condicionam, em especial a política socio-económica do Estado, na qual tem de se ter em conta que o salário corresponde, não raras vezes, à única fonte de rendimento para muitas famílias."
43 - Corresponde, pois, a mais do que a uma mera troca de trabalho por dinheiro.
44 - A lei estabelece um princípio de irredutibilidade da retribuição, no sentido de não poder ser diminuído o vencimento do trabalhador. Isto é, claramente, um princípio basilar do direito do trabalho.
45 - Mesmo depois da assinatura do acordo, não poderá deixar de se entender que se estaria perante uma situação de desigualdade, pois esta afere-se da comparação das trabalhadoras TOT I que, nas mesmas condições celebraram acordos de suspensão, mas desta feita, com base no salário que já auferiam, salário esse que se poderá vir a concluir ter a A. direito, através da prova das situações de facto, ou seja, do exercício efectivo de funções enquadráveis em TOT I.
46 - E como muito bem refere o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, no seu douto Acórdão de 21 de Junho p.p., proferido no processo n.º 1952/06-4 (4.ª Secção), ainda em fase de recurso, relativamente à questão do acordo de suspensão do contrato de trabalho:
"Tal documento reflecte um acordo entre as partes (...) acordo esse mediante o qual a segunda aceitou pagar à primeira, mensalmente, o valor que auferia a título de remuneração base e diuturnidades.
(...) não se está perante um qualquer reconhecimento negativo de dívida, o qual é o negócio declarativo pelo qual o possível ou aparente credor reconhece vinculativamente perante a contra parte que certa obrigação não existe, ou porque nunca existiu ou porque foi extinta entretanto (...) pois a declaração constante do mencionado acordo não consubstancia um reconhecimento de que a obrigação da aqui Ré não existe.
Ao subscrever esse acordo, não foi propósito da Autora renunciar ao direito a quaisquer quantias eventualmente em dívida e emergentes do contrato de trabalho, nem tão pouco emitir uma declaração de quitação.
(...) Do texto do acordo não resulta que a Autora tenha abdicado de reclamar um outro valor de retribuição, designadamente o resultante de diferenças salariais derivadas de atribuição de uma categoria superior.
E ainda que assim se não considerasse, sempre essa renúncia ou declaração de quitação seriam inválidas.
É que a suspensão do contrato de trabalho não significa nem determina a sua extinção, conforme resulta, em primeira linha, do DL 398/83, de 2/11, e foi previsto no próprio clausulado do acordo. E está mais do que assente que, na pendência da relação laboral, o direito à retribuição é irrenunciável, não podendo o trabalhador dispor dela a seu belo prazer. Só com a cessação do contrato adquire o pleno direito à renúncia dos seus direitos, incluindo os de natureza salarial."
1.4.
Cada uma das partes contra-alegou no recurso da parte contrária, sustentando a sua improcedência.
1.5.
A Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta, cujo douto Parecer mereceu, na parte que lhe é desfavorável, a discordância expressa da Ré, entende que devem ser negadas as duas revistas.
1.6.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

2- FACTOS
As instâncias fixaram a seguinte factualidade:
1. A A foi admitida a serviço dos TLP - Telefones de Lisboa e Porto, S.A. em 01/03/1967, trabalhando desde então sob as ordens, direcção e fiscalização desta empresa.
2. Em 1994, ocorreu a fusão dos TLP - Telefones de Lisboa e Porto, S.A e Teledifusora de Portugal, S.A na Empresa-B, S.A, tendo-se transmitido para esta os direitos e obrigações que integrava a esfera jurídica dos TLP - Telefones de Lisboa e Porto .
3. Em 2000, a Empresa-B, S.A constituiu uma nova sociedade denominada Empresa-A, S.A.
4. Os trabalhadores da Empresa-B foram transferidos para a Empresa-A, tendo mantido todos os direitos e obrigações de que eram titulares à data da constituição desta.
5. A A é filiada no Sindicato dos Trabalhadores da Empresa-B, que anteriormente se designava Sindicato dos Trabalhadores dos Telefones de Lisboa e Porto, o qual subscreveu todos os ACT's e AE's com os TLP.
6. Actualmente a A encontra-se na situação de suspensão do contrato de trabalho desde 01/12/99, conforme acordo junto por cópia a fls. 15 a 18 cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
7. Até 31 de Outubro de 1990, a A tinha a categoria profissional de Operadora de Telecomunicações.
8. Nessa data, com a entrada em vigor do AE de 1990 dos TLP, publicado no BTE, 1ª série, n° 39, de 22 de Outubro, houve um enquadramento em novas categorias profissionais, tendo a A sido integrada na categoria de Técnico Operador de Telecomunicações III - TOT III.
9. Em Janeiro de 1995, as categorias de TOT II e TOT III deixaram de existir, sendo que todas as pessoas pertencentes às mesmas foram integradas em OAT's - Operador de Serviços de Atendimento de Telecomunicações.
10. Entre elas a A que passou então a ser OAT 7.
11. Apenas as trabalhadoras que já eram TOT I permaneceram em TOT I.
12. A partir de 1 de Março de 1995 a A foi incumbida de coordenar técnica e disciplinarmente a actividade das operadoras da Central de Pedrouços, operadoras essas também com a categoria de OAT's.
13. A partir dessa data, a A deixou de efectuar o atendimento a clientes, como havia acontecido até aí, e ficou unicamente com as funções de coordenar e supervisionar a actividade das operadoras, sendo assim responsável pelo grupo respectivo, constituído por OAT's.
14. A partir de Março desse ano, a A foi denominada de supervisora.
15. Umas supervisoras tinham a categoria de TOT I e outras não.
16. Eram as operadoras que efectuavam o atendimento aos clientes.
17. Executava a A as tarefas de maior complexidade e responsabilidade inerentes às funções das operadoras sob a sua supervisão.
18. As operadoras trabalhavam na Central de Pedrouços em regime de turnos (8h00-16h00; 9h00-17h00 e 12h00-20h00).
19. Cada turno tinha cerca de 10 operadoras e cada serviço era coordenado por uma ou duas trabalhadoras, entre elas a A.
20. Em determinados turnos a A ficava sozinha a coordenar todo o grupo e o mesmo acontecia em determinadas épocas do ano, nomeadamente em períodos de férias.
21. A A era responsável pela qualidade do trabalho daquelas operadoras, avaliando-as.
22. Fazia auditorias da qualidade, escutando para isso as conversas telefónicas das operadoras com os clientes e, posteriormente, reunindo-se com o chefe do centro e/ou com directores e chefes de departamento para discutirem quais as medidas a tomar em função do resultado dessas auditorias.
23. Elaborava estatísticas do trabalho realizado pelas operadoras do dia anterior.
24. Em casos pontuais de situações difíceis ou mais complexas, os clientes pediam para falar com o responsável e era a A que atendia essa chamada e resolvia a situação, resolvendo eventuais conflitos.
25. Era responsável por escrever no diário todas as ocorrências que considerasse importantes.
26. Quando as operadoras pretendiam ausentar-se do seu posto pediam à A autorização.
27. Como responsável e quando solicitada para isso, a A tinha de dar resposta às dificuldades das operadoras, deslocando-se aos postos concretos de trabalho de cada uma para lhes dar esse apoio.
28. Quando havia avarias nos centros, nomeadamente nas consolas, era a A que redistribuía as operadoras.
29. Fazia também a avaliação dos centros e da sua produtividade.
30. Na Central de Pedrouços havia um chefe de serviço, Sr. Eng. BB, perante o qual a A e restantes coordenadoras respondiam.
31. O chefe de serviço entrava às 9h00 e saía às 17h00-17h30, pelo que a A, quando coordenava fora desse horário, tinha a responsabilidade sob todos os aspectos da actividade do grupo.
32. A A recebia as comunicações das ausências das operadoras, sendo também responsável pelas trocas de horários feitas a pedido das trabalhadoras.
33. A A., tal como as colegas com idênticas funções de responsabilidade, elaborava e distribuía os turnos, indicando para cada um o respectivo número de trabalhadoras.
34. As trabalhadoras CC e DD exerciam funções de coordenação e responsabilidade idênticas à A mas eram TOT I.
50. Foi atribuído à A telefone de serviço.
51. Por despacho de 30/11/99 foi atribuída à A a retribuição base mensal de 181.735$00.
52. A cláusula 13ª do acordo de suspensão do contrato de trabalho celebrado entre as partes dispõe que "O presente acordo é irrevogável e qualquer alteração ao mesmo só produzirá efeitos caso revista forma escrita e seja subscrita igualmente por ambas as partes."
53. Tal contrato foi celebrado por iniciativa da A.
São estes os factos.

3- DIREITO
3.1.
Conforme deflui das conclusões transcritas:
A- a revista da Ré pressupõe a análise das seguintes questões:
- procedimento de arguição das nulidades decisórias em processo laboral e eventual inconstitucionalidade do art. 77º n.º 1 do C.P.T. na interpretação que lhe conferiu o Acórdão impugnado;
- nulidade da sentença da 1ª instância e do Acórdão em crise;
- inexistência do direito, reclamado pela Autora, à categoria de Técnica Operadora de Telecomunicações I (TOT I);
B- a revista da Autora, por seu turno, tem por objecto a questão de saber se o direito, reconhecido à Autora pelas instâncias, da sua reclassificação na categoria profissional de TOT I se repercute temporalmente, na vertente retributiva, para além do início da vigência do acordo de suspensão do contrato de trabalho firmado entre as partes.
3.2.1.
Aquando do seu requerimento de interposição do recurso de apelação, a ora recorrente anunciou que o fazia, além do mais, “… porque entende que a sentença é nula e inconstitucional por violação das seguintes normas:
— n.ºs 2 e 3 da Cláusula 1ª, 27ª e 126ª e Anexo V do 1º Acordo de Empresa "Empresa-B S.A.", publicado no B.T.E. 1ª Série, n.º 3, de 22 de Janeiro de 1995;
— Protocolo do AE/2000, publicado no B.T.E., 1ª Série, de 8 de Março de 2000 e rectificado no B.T.E., 1ª Série, n.º 19, de 22/5/2000;
- Despacho de 1688 ADCA, de 95/10/19;
- Ordem de Serviço 65/95, de 95/11/09;
- Despacho 82/97 DON VI de 97/07/14:
- Ordem Serviço 38,97 de 97/09/08;
- Artigo 3° do Decreto-Lei n. ° 404/91 de 16 de Outubro;
- Alíneas b) e c) do n.º 1 do art.° 6.°. art.° 7.°, n.º 1 do art.° 10.°. art.º 14° e art.° 15° do Decreto-Lei n.º 519-C1/79 de 29 de Dezembro;
- Alínea d) do n.º 1 do art.º 668.° C.P.C. por via do art.º 1° do C.P.T.;
- Artigos 55.°, 56.°, 202.°, 11.° 2 e 204.° da Constituição da República Portuguesa.”
A tanto se cingiu, na parte ora útil, a alegação produzida no falado requerimento.
A esse requerimento seguiram-se, de imediato, as respectivas alegações da revista.
A Relação declinou o conhecimento daqueles pretensos vícios, dizendo:
“… era no requerimento de interposição de recurso que (a recorrente) deveria ter exposto as razões que, em seu entender, põem em evidência a existência das nulidades invocadas. Com efeito, exige o art. 77º n.º 1 do C.P.T. que a arguição de nulidades da sentença seja feita expressa e separadamente no requerimento de interposição do recurso. São razões de celeridade e economia processual que estão na base desta exigência, atenta a natureza dos interesses envolvidos, visando-se, com ela, permitir ao Juiz recorrido (a quem é dirigido o requerimento de interposição do recurso, mas já não as alegações) sanar a(s) nulidade(s), se for caso disso”.
Em sede de revista, a recorrente censura tal entendimento, dizendo que o mencionado art.º 77º n.º 1 não exige ao arguente da nulidade que apresente, no requerimento de interposição do recurso, os fundamentos pelos quais entende que a decisão se encontra ferida de nulidade, bastando-se com a arguição, expressa e separada, do vício naquele requerimento.
Tal como a recorrente coloca a questão, não devemos preocupar-nos em saber se os vícios suscitados na apelação estão, ou não, qualificados correctamente: a nossa pronúncia deve cingir-se ao segmento decisório do Acórdão que discorreu sobre a matéria.

3.2.2.
Dispõe o art.º 77º n.º 1 do Código de Processo do Trabalho, aprovado pelo D.L. n.º 480/99, de 9 de Novembro, que “A arguição de nulidades da sentença é feita expressa e separadamente no requerimento de interposição do recurso”.
Relativamente a preceito idêntico do C.P.T./81 – art.º 72º n.º 1 – o legislador de 99 aditou os vocábulos “expressa e separadamente”: ao fazê-lo, veio afirmar, de uma forma mais impressiva, que a arguição dos mencionados vícios há-de ser feita, de forma autonomizada, no próprio requerimento de interposição do recurso.
Trata-se de uma especificidade do sistema adjectivo laboral, que não encontra correspondência no Código de Processo Civil, em cujo domínio a arguição de nulidades da sentença constitui fundamento de recurso – sempre que a ele haja lugar – devendo a sua adução ser corporizada nas alegações respectivas (arts. 668º n.º 3 e 690º n.º 1).
Essa especificidade é tanto mais surpreendente quanto é certo que, no processo de trabalho, o requerimento de interposição de recurso, relativamente a decisões da 1ª instância, e as alegações correspondentes, devem integrar a mesma peça processual - art. 81º n.º 1.
Por isso, a sua consagração no compêndio de 81, e a sua reafirmação no diploma de 99, só podem ancorar-se em razões necessariamente ponderosas.
Assim acontece.
A celeridade e economia processual constituem preocupação dominante no âmbito das leis regulamentadoras do processo do trabalho: por isso, a arguição de vícios decisórios no requerimento de interposição do recurso, que é dirigido ao Tribunal ““a quo””, permite ao Juiz recorrido aperceber-se, de uma forma mais rápida e clara, da censura produzida, permitindo-lhe o eventual suprimento das nulidades invocadas.
Sem ignorar que o Código de Processo Civil também consagra faculdade idêntica – art. 668º n.º 4 – o certo é que as mencionadas razões levaram o legislador a impor ao recorrente, no âmbito laboral, um cuidado acrescido na delimitação dos fundamentos do recurso, sempre que nele se incluam vícios decisórios da 1ª instância: daí a mencionada exigência formal.
Por entender que aquelas razões se estendem a todas as fases recursórias, tem este Supremo Tribunal vindo a entender, pacífica e reiteradamente, que o comando do art. 77º n.º 1 também deve ser aplicado aos recursos que recaiam sobre os Acórdãos da Relação.
Ainda assim, cabe recordar que a tramitação recursória não é idêntica nas duas instâncias, ao contrário do que sucede no regime adjectivo geral: relativamente à 1ª instância, o próprio requerimento de interposição do recurso deve conter a respectiva alegação – art. 81º n.º 1 – pressupondo uma unidade formal dos dois actos (requerimento e alegações); quanto à 2ª instância, porque se aplica aqui o regime do compêndio processual comum – n.º 3 do mesmo preceito – há uma clara autonomia entre aqueles dois actos, iniciando-se a instância recursiva com o simples requerimento, enquanto o corpo alegatório só carece de ser produzido após a notificação do despacho que tenha admitido o recurso.
A nosso ver, esta destrinça não deixa de se repercutir na temática em análise.
Assim, o falado art. 77º, n.º 1, pressupõe que o anúncio da arguição e a correspondente motivação devem constar do requerimento de interposição do recurso – que é dirigido ao órgão judicial ““a quo””.

Apesar disso, mesmo que se admitisse que, em determinadas situações, pudesse ser manifestamente desproporcionado que, relativamente aos recursos interpostos das decisões tomadas em 1ª instância, o Tribunal “ad quem” declinasse o seu conhecimento naqueles casos em que o recorrente circunscreve no dito requerimento o anúncio, efectivando a sua substanciação na minuta alegatória – comportamento que não observa inteiramente o preceito em análise – o certo é que, mesmo numa tal admissão, se impunha-se que a motivação da arguição tivesse de ser explanada de forma expressa, separada e de molde a facilitar ao juiz a percepção, imediata e sem necessidade de maiores indagações, de que está colocada a questão da nulidade da sentença.

Coisa bem diferente se passa, assim o cremos, nos recursos interpostos para o Supremo:
- nesse caso, havendo uma clara separação formal e temporal entre o requerimento de interposição do recurso e a minuta alegatória, já se torna mister que aquele requerimento contenha a adequada explanação dos motivos a que se arrima a nulidade;
- as mencionadas razões de economia e celeridade processual implicam que o órgão recorrido possa pronunciar-se, desde logo, sobre os vícios aduzidos, não fazendo nenhum sentido que aguarde a apresentação das alegações para o fazer, até porque o eventual reconhecimento e consequente reparação do vício podem modificar o objecto do recurso interposto, tornando parcialmente inúteis as alegações – se entretanto ajuizadas – a menos que a parte contrária desencadeie, na espécie, o mecanismo enunciado no art.º 744º do C.P.C..
3.2.3.
O Tribunal Constitucional já foi chamado a pronunciar-se, por diversas vezes, sobre o exacto alcance – em termos de conformidade com o texto supra-ordinário – do citado art. 77º n.º 1 (como já o fizera relativamente ao art.º 72º n.º 1 do C.P.T./81).
Conferindo os Arestos mais recentes (Ac. N.º 403/2000 – D.R., II Série, de 13/12/00 – Ac. N.º 439/2003 – www.tribunalconstitucional.pt – e Ac. N.º 304/2005 – D.R., II Série, de 5/8/05), em todos se afirma a conformidade constitucional dos falados preceitos, na interpretação segundo a qual, devendo o requerimento de interposição do recurso de apelação (ou de agravo em 2ª instância) ser logo acompanhado das alegações, numa única peça processual, as nulidades da sentença recorrida não podem ser conhecidas pelo Tribunal superior, caso tenham sido apenas arguidas na parte das alegações, e não na parte do requerimento de interposição do recurso.
Como se vê, vem expressamente afirmado que não é inconstitucional o entendimento no sentido de que o tribunal “ad quem” está impedido de apreciar as nulidades da sentença, em processo laboral, sempre que as mesmas não tenham sido expressamente arguidas no requerimento de interposição do recurso.
Porém, aquele último Aresto discorreu expressamente sobre as situações em que o mencionado requerimento se limite a referenciar genericamente a existência de vícios decisórios e em que a correspondente motivação tenha sido relegada para o corpo alegatório.
E fê-lo do seguinte modo:
“O que fundamentalmente levou a não considerar inconstitucional a exigência de inclusão da arguição de nulidades no requerimento de interposição de recurso, sob pena de não se conhecer desse vício, apesar de a mesma peça processual conter as alegações dirigidas ao tribunal superior e de a nulidade da sentença poder ser fundamento do recurso, foi o facto de tal exigência cumprir uma função útil (…): possibilitar ao Tribunal recorrido a sua mais rápida e clara detecção e consequente suprimento, se for o caso.
Ora, essa finalidade já não justifica a solução normativa que corresponde à interpretação que agora apreciamos. A intercalação do endereço aos juízes do Tribunal Superior, antes da substanciação da arguição de nulidades, feita de modo expresso e separado nas alegações, depois de, na parte da peça processual única que comporta a declaração de interposição do recurso se anunciar que se apresentam “arguição de nulidades da sentença” e “alegações”, não dificulta a percepção imediata e sem necessidade de maiores indagações, pelo juiz “a quo”, de que está perante uma arguição de nulidades da sentença, para que possa exercer o poder-dever de reparação. Nem se diga que com o vocativo aos juízes do Tribunal Superior o recorrente introduz automaticamente uma barreira no poder de cognição do juiz “a quo” ou uma baliza inerente à noção de requerimento de interposição do recurso, porque este tem de ser entendido em termos funcionalmente adequados à repartição de poderes entre o juiz recorrido e a instância de recurso, e não em termos materiais ou físicos (…) e que os poderes do juiz de apreciar a arguição de nulidades da sentença, para supri-las antes da subida, é concorrente com o poder do tribunal superior de apreciá-las como fundamento do recurso (artigo 77º n.º 3).
Trata-se, assim, de um obstáculo formal ao conhecimento de um fundamento de impugnação das sentenças por via de recurso que, ao não ser funcionalmente adequado à salvaguarda dos fins visados pela lei – a obtenção de particular celeridade e economia processual nos processos do foro laboral – se traduz numa conformação arbitrária do recurso, restringindo desproporcionadamente, por desrespeito do subprincípio da adequação, a efectividade da garantia da via judiciária. Viola o que pode designar-se por “princípio da funcionalidade e proporcionalidade” dos ónus, comunicações e preclusões impostas pela lei do processo às partes, extraído cumulativamente do artigo 18º n.ºs 2 e 3 e do artigo 20º n.ºs 1 e 4 da Constituição (FIM DE TRANSCRIÇÃO – sublinhado nosso).
3.2.4.
Revertendo ao concreto dos autos, já conhecemos o teor do requerimento de interposição do recurso de apelação (3-2-1 supra de fls. 260 e 261 dos autos).
Em resposta ao Parecer da Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta, vem a recorrente dizer que o seu requerimento de interposição do recurso não se limitou à mera arguição de nulidades, antes dispunha como segue:
“ Assim, pretende que seja apreciado o seguinte:
· A inconstitucionalidade da decisão (…);
· A nulidade do douto Acórdão por violação da alínea D) do n.º 1 do art.º 668º do C.P.C., designadamente por entender que o Tribunal da Relação de Lisboa não se pronunciou sobre questões que eram objecto do recurso, violando, assim, os seguintes normativos (…);
A fundamentação será desenvolvida nas alegações que abaixo se transcrevem e que aqui se dão por reproduzidas (evitando-se a repetição inútil das mesmas), nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 77º do C.P.T.;
· A decisão, por violação da lei substantiva (…)”.
Seguramente por lapso, a recorrente confunde o requerimento de interposição do recurso de apelação – e é apenas desse que agora se trata – com o expediente relativo ao recurso de revista.
Sucede que aquele primeiro requerimento não contém a redacção que ora se invoca mas, tão-somente, aquela que já deixámos anteriormente transcrita.
A diferença é notória.
Aliás, convém precisar que essa redacção também não corresponde sequer à que foi vertida no requerimento de interposição da revista, junto a fls. 448, mas apenas à de um outro requerimento, que acompanhou as alegações do recurso, o que tudo foi ajuizado após a notificação do despacho que admitira a revista (fls. 473 e 474)!
Como quer que seja – e perante o entendimento que já expressámos – não podemos deixar de concluir que o requerimento da apelante cumpre, ainda que no limite mínimo, a exigência contida no art. 77º n.º 1.
Neste particular, divergimos, pois, da tese sustentada no Acórdão em crise.
Em contrapartida, é notório que as alegações da apelação não satisfazem minimamente a exigência contida naquele preceito.
No caso vertente, em vez de delimitar, no corpo alegatório, a parte atinente às pretensas nulidades, separando essa adução das restantes questões que integravam o objecto do recurso, a apelante fundiu toda a sua censura num corpo único.
Neste contexto, não era exigível ao Juiz da 1ª instância que penetrasse no emaranhado alegatório – que, maioritariamente, não lhe era dirigido – tentando descortinar a parte útil dos vícios decisórios.
Admitir o contrário seria subverter, por completo, o comando do art.º 77º n.º 1 e ignorar as razões que lhe estão subjacentes.
Mas, como se isso não bastasse, a apelante nem sequer motivou a mencionada arguição.
Limitou-se a significar, logo no início, que:
“Salvo melhor opinião que muito se respeita, a Meritíssima Sr.ª Dr.ª Juíza do tribunal “a quo” não aplicou correctamente a lei e o direito, sendo a douta sentença nula. Por um lado, porque parte dos fundamentos se encontram em oposição com a decisão; por outro, porque não se pronunciou sobre questões que deveria conhecer, interpretando incorrectamente os factos e não os enquadrando adequadamente à Lei”.
Logo após, entrou na questão de fundo – a reclassificação profissional da Autora – para, decorridas doze (12) folhas, concluir como segue:
“Face ao exposto, verifica-se que a decisão do Tribunal de Primeira Instância, nos termos em que foi proferida, violou a lei e a constituição, designadamente as seguintes normas (…)”.
Este comportamento adjectivo seria bastante para que a Relação declinasse o conhecimento das nulidades arguidas, fundando-se no incumprimento do art.º 77º n.º 1.
Deste modo – e ainda que por razões diversas – confirma-se a pertinência dessa recusa.
3.3.
Ao reagir contra o Acórdão da Relação, a Ré ajuizou requerimento – fls. 448 – em que manifesta o propósito de intentar recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça.
E acrescenta:
Acessoriamente, e porque entendemos que o Douto Acórdão do Tribunal “a quo” padece das nulidades previstas na alínea d) do n.º 1 do art.º 668º do C.P.C., designadamente por não se pronunciar sobre questões que o devia fazer, pretende-se igualmente que sejam apreciadas tais nulidades que serão expostas nas alegações de recurso”.
Retomando a destrinça, que anteriormente fizemos, sobre a exigência legal do art. 77º n.º 1, quando reportada, por um lado, aos recursos das sentenças em 1ª instância e, por outro, aos Acórdãos da Relação, recordaremos que, neste último caso, porque são, mesmo do ponto de vista físico e formal, realidades diversas o requerimento de interposição de recurso e as alegações, a aplicação do preceito leva sempre a que a motivação das nulidades seja expressamente vertida naquele requerimento.
Não tendo sido esse o caso, estamos impedidos de enfrentar os reparos produzidos.
Ainda assim, sempre se dirá que a recorrente questiona, neste âmbito, a pretensa inconsideração, pelo tribunal ““a quo””, dos normativos que ali especifica e, bem assim, de “despachos” e “ordens de serviços”, que também individualiza, emitidos pela recorrente.
Como se vê, o que a recorrente censura é, afinal, o regime jurídico que a Relação entendeu dever aplicar à factualidade provada e a valoração que fez dos ditos “despachos” e “ordens de serviço”.
Estamos, patentemente, em face de um eventual erro de julgamento – corporizado no regime jurídico atendível – mas nunca perante uma qualquer nulidade decisória.
Aliás, esta questão é em tudo idêntica àquela que a recorrente já colocara no recurso de apelação, a propósito das nulidades da sentença, e que foi objecto da nossa pronúncia na rubrica anterior.
3.4.1.
As instâncias convergiram no entendimento de que importava reconhecer à Autora a categoria profissional de TOT I, com efeitos reportados a 1 de Março de 1995, operando a consequente condenação da Ré no pagamento das diferenças salariais daí decorrentes.
Nesse sentido, o Acórdão em crise discorreu que a Autora, a partir daquela data, passou a exercer funções integráveis no descritivo funcional da mencionada categoria:
— foi incumbida de coordenar, técnica e disciplinarmente, a actividade das operadoras da Central de Pedrouços, que detinham a Categoria de OAT’s (correspondente a TOT II e a TOT III ao AE/90), deixando de efectuar o atendimento a clientes, como acontecera até ali, ficando apenas com as funções de coordenar e supervisionar a actividade das operadoras, sendo responsável pelo grupo (n.º 13); passou, entretanto, a ser denominada supervisora (n.º 14); executava as tarefas de maior complexidade e responsabilidade inerentes às funções das operadoras sob a sua supervisão (n.º 17); era responsável pelo trabalho daquelas operadoras, avaliando-as (n.º 21).
Mais salienta que a dita reclassificação se opera à luz do AE/90 que, relativamente à demandante, ainda vigorava então, sendo que o AE/95 não podia retirar-lhe o direito a essa categoria, cujo instrumento manteve, aliás, a categoria de TOT I, ainda que com natureza residual.
Por último, conclui pela total irrelevância da eventual nomeação da Autora em regime de Comissão Serviço, pois que a trabalhadora já adquirira anteriormente o direito ao reconhecimento da sobredita categoria de TOT I.
A Ré dissente da tese expendida no Acórdão, considerando que a Autora se encontrava correctamente classificada.
Para o efeito e em suma, aduz que:
- a diferença nuclear da categoria de TOT I assentava no facto de os trabalhadores dessa categoria coordenarem, técnica e disciplinarmente, a actividade de um ou mais grupos de trabalhadores, tendo ficado provado que a Autora não exercia a função disciplinar, que estava reservada aos superiores hierárquicos;
- em 1 de Março de 1995, já não existia a categoria profissional de TOT I, face ao AE/95 – PT, que entrou em vigor em 28/1/95, muito antes, pois, do exercício das funções iniciadas pela Autora naquela primeira data;
- o AE/95 foi considerado globalmente mais favorável aos trabalhadores, havendo que reportar a categoria profissional da Autora às classificações nele previstas, sob pena de ostensiva desconsideração desse instrumento e de manifesto abuso de direito;
- o cargo de supervisora exigia uma formação específica, a que a Autora se submeteu, e não dependia de qualquer categoria profissional pré-existente;
- os supervisores beneficiavam de um regime retributivo próprio, sendo “injusto”, “ilegal” e “inconstitucional” que a Autora fosse premiada com quaisquer outros benefícios.
3.4.2.
Estão exclusivamente em causa nos autos, para os efeitos reclassificativos em análise, as funções que a Autora passou a exercer a partir de 1 de Março de 1995.
Para esse efeito – e ao invés do que pretende a recorrente – o instrumento atendível é o AE/90 dos TLP, publicado no B.T.E. n.º 39/90, de 22 de Outubro.
Por duas razões:
A- o AE/95 da PT, ainda que publicado no BTE, 1ª Série, n.º 3, de 22 de Janeiro de 1995, só passou a ser aplicável à Autora em 15 de Março de 1995, data em que foi publicado o acordo de adesão a esse instrumento por parte do Sindicato onde a Autora se acha filiada – art. 10º do D.L. n.º 519-C1/79, de 29 de Dezembro;
B- este último instrumento não aboliu a categoria de TOT I, mantendo-a institucionalizada, com a mesma designação e com o mesmo conteúdo funcional, ainda que a tenha classificado como “residual”.
De acordo com o Anexo II do AE de 1990, celebrado entre os “Telefones de Lisboa e Porto (TLP) S.A.” e o Sindicato dos Trabalhadores dos Telefones de Lisboa e outros (publicado no BTE, 1ª Série, n.º 39, de 22/10/90), o “Técnico Operador de Telecomunicações III (TOT III) exerce as seguintes funções:
“Estabelece ligações telefónicas e ocupa-se dos procedimentos inerentes à operação de posições de comutação manual; Procede à observação centralizada de contadores e da qualidade do serviço automático; Desempenha tarefas especiais, como as que são inerentes ao serviço nos locutórios, “despertar”, “informativo” ou outros serviços prestados pela empresa ao utente; Executa funções no âmbito das ocorrências e avarias comunicadas pelo utente, nomeadamente a recepção, registo, manipulação e tratamento das mesmas, contactando telefonicamente os técnicos de conservação para distribuição dos trabalhos a efectuar e a recepção dos que são dados por concluídos; Executa todas as tarefas inerentes e complementares das funções que lhe são atribuídas”.
Por seu turno o “Técnico Operador de Telecomunicações II (TOT II):”
“Exerce as funções de TOT III, assegurando a execução das tarefas de maior complexidade e responsabilidade; Assegura a execução das tarefas inerentes à organização do trabalho e demais assuntos do pessoal; Orienta e coordena tecnicamente, sempre que necessário, a actividade de trabalhadores da sua carreira”.
Finalmente o “Técnico Operador de Telecomunicações I (TOT I)”:
“Coordena técnica e disciplinarmente a actividade de um ou mais grupos de trabalhadores da sua carreira, sendo responsável pela qualidade do trabalho realizado; Executa as tarefas de mais complexidade e responsabilidade inerente às funções dos trabalhadores sob a sua supervisão”.
Conforme decorre do conteúdo funcional supra descrito, o núcleo essencial das funções de TOT II consiste na execução das funções de TOT III, cabendo, porém, aos seus agentes assegurar a realização das tarefas de maior complexidade e responsabilidade e, bem assim, orientar e condenar outros trabalhadores, “sempre que necessário”.
Em contrapartida, o núcleo essencial das funções de TOT I consiste na coordenação técnica e disciplinar de um grupo de trabalhadores, cabendo aos seus agentes exercer, complementarmente, as tarefas de maior complexidade e responsabilidade inerente às funções dos trabalhadores que supervisiona.
3.4.3.
Vejamos o concreto dos autos.
A factualidade provada evidencia, na parte útil, que:
- até 31/10/90, a Autora tinha a categoria profissional de Operadora de Telecomunicações – ponto n.º 7;
- nessa data, com a entrada em vigor do AE/90 dos TLP, houve um enquadramento em novas categorias profissionais, tendo a Autora sido integrada na categoria de TOT III – ponto n.º 8;
- em Janeiro de 1995, as categorias de TOT II e TOT III deixaram de existir, sendo que todas as pessoas pertencentes às mesmas foram integradas em OAT’s – Operador de Serviços de Atendimento de Telecomunicações, passando a Autora a ser “OAT 7” – pontos n.ºs 9 e 10;
- a partir de 1 de Março de 1995, a Autora foi incumbida de coordenar, técnica e disciplinarmente, a actividade das operadoras da Central de Pedrouços, também elas com a categoria de “OAT’s”, deixando de efectuar o atendimento a clientes, como acontecera até aí, ficando unicamente com as funções de coordenar e supervisionar a actividade do grupo respectivo, pelo qual passou a ser responsável – pontos n.ºs 11 e 13;
- ademais, a Autora também executava as tarefas de maior complexidade e responsabilidade inerentes às operadoras sob a sua supervisão – ponto n.º 17.
Esta factualidade evidencia que, a partir de 1 de Março de 1995, a Autora passou a exercer tarefas que se enquadram, patentemente, no conteúdo funcional de “TOT I”: coordenação técnica e disciplinar de outros trabalhadores e, complementarmente, a execução de tarefas mais complexas que seriam inerentes às funções dos seus subordinados.
A recorrente questiona, desde logo, que a Autora coordenasse disciplinarmente qualquer grupo de trabalho.
E, para isso, arrima-se, seguramente, à factualidade constante do ponto n.º 44, segundo a qual “A função disciplinar estava reservada aos superiores hierárquicos da A., designadamente ao Chefe de Serviço, Eng. BB”.
Porém, já vimos que à Autora cabia “coordenar disciplinarmente” a actividade das operadoras sob a sua supervisão.
Quer isto significar que, no contexto da empresa, essa coordenação não correspondia, necessariamente, ao poder de aplicar internamente sanções disciplinares, antes deverá ser perspectivada em termos de organização e disciplina interna na execução do trabalho.
Só assim se compreende que competisse à Autora a responsabilidade pela qualidade do trabalho das subordinadas, avaliando-as, que fizesse auditorias de qualidade, que resolvesse pontualmente situações mais complexas, que anotasse no diário as ocorrências que considerasse mais importantes, que redistribuísse as operadoras quando houvesse avarias e, enfim, que lhe coubesse autorizar as operadoras a ausentarem-se dos seus postos de trabalho (pontos n.ºs 21, 22, 24, 25, 26 e 28).
Neste contexto, será oportuno recordar, aliás, que a categoria profissional deve corresponder ao núcleo essencial das funções a que o trabalhador se vinculou legal ou contratualmente, não sendo necessário que exerça todas as funções que a essa categoria correspondem.
O apelo ao “núcleo essencial” ou à “actividade predominante” constitui o parâmetro atendível quando o trabalhador exerça diversas actividades enquadráveis em diferentes categorias profissionais.
Ademais, em caso de dúvida, deve o trabalhador ser classificado na categoria mais elevada que se aproxima das funções efectivamente exercidas.
“In casu”, não nos restam dúvidas de que a coordenação técnica e disciplinar acima referidas, de par com a dispensa do atendimento a clientes, corporizam funções que se enquadram no conteúdo funcional essencial de “TOT I”.
Objecta também a recorrente que a categoria de “TOT I” já não existia em 1 de Março de 1995.
Não é exacto.
Já anotámos que essa categoria se manteve com o AE/95, sendo que os trabalhadores que já eram “TOT I” permaneceram com essa classificação.
E nunca é demais recordar que a Autora já iniciara as sobreditas funções (1/3/95) quando o AE/95 passou a ser-lhe aplicável (15/3/95).
Esta referência também aproveita para rejeitar a tese da recorrente, na parte em que esta alude à “desconsideração” a que as instâncias votaram aquele Acordo de Empresa e, bem assim, ao pretenso abuso de direito a que se reconduz a petição accionada pela Autora.
Não se ignora que uma nova regulamentação colectiva, tendo vindo substituir a precedente e contendo o expresso reconhecimento da sua maior favorabilidade global aos trabalhadores por ela abrangidos – como aqui acontece no confronto entre o AE/95 com o AE/90 – consequência que os contratos de trabalho foram alterados, designadamente quanto às categorias profissionais.
É dizer que, em caso de sucessão de IRCT’s, não se verifica diminuição de categoria se ao trabalhador for atribuída a categoria a que o novo instrumento faça corresponder aquela que o mesmo anteriormente detinha.
No caso vertente, as instâncias não só não “desconsideraram” o AE/95 como se limitaram a cumpri-lo na íntegra, pois atribuíram à Autora uma categoria que esse instrumento manteve e que correspondia às funções que a trabalhadora já vinha exercendo desde o pretérito.
Por último, vem a recorrente brandir com a formação específica que o cargo de supervisora pressupõe – e a que a Autora se submeteu – para concluir que esse cargo não dependia de qualquer categoria profissional pré-existente, além de que as supervisoras também já beneficiavam de um regime retributivo próprio, sendo ilegítima a cumulação de benefícios.
Quanto ao primeiro reparo, dir-se-á que o princípio da irreversibilidade impede que o trabalhador seja retirado ou despromovido da categoria profissional que já alcançara.
Na óptica das instâncias – com o nosso aplauso – a Autora já adquirira a categoria profissional de “TOT I” quando, em 19/10/95, foi nomeada, em comissão de serviço, para as funções de supervisora de Atendimento – cfr. despacho nº 1688/95, reproduzido a fls. 22 - .
Quanto ao segundo reparo, cabe-nos reproduzir as pertinentes considerações expendidas pela Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta:
“Ficou provado que umas supervisoras tinham a categoria de TOT I e outras não (ponto 15 da matéria de facto) e que as trabalhadoras CC e DD exerciam funções de coordenação e responsabilidade idênticas à Autora, mas eram TOT I (ponto 34), tendo sido nomeadas supervisoras em comissão de serviço (ponto 48).
Daqui resulta que as trabalhadoras da Ré, CC e DD, que tinham a categoria profissional de TOT I, foram nomeadas em comissão de serviço como supervisoras, passando, em consequência dessa nomeação, a usufruir do “regime retributivo próprio” a que se reporta a ordem de serviço nº 69/95 (doc. de fls. 57 a 60) e dos benefícios (combustível e telefone de serviço) atribuídos pela ordem de serviço nº 38/97 (doc. de fls. 143).
Ora, se em 01/03/95, data em que a Autora passou a exercer as funções inerentes à categoria profissional de TOT I, a Ré lhe tivesse reconhecido essa categoria , é manifesto que a Autora, a partir de 19/10/95, data em que foi nomeada supervisora em comissão de serviço … sempre teria direito, tal como as referidas trabalhadoras da Ré que detinham a categoria profissional de TOT I, a usufruir do “regime retributivo próprio” dos trabalhadores nomeados em comissão de serviço como supervisores, bem como dos benefícios reconhecidos a estes trabalhadores.
Consequentemente, não se vislumbra como é que a decisão do Acórdão recorrido, que reconheceu à Autora a categoria profissional de TOT I, é injusta, ilegal e inconstitucional” (“fim de transcrição”).
3.5.1.
Passemos à revista da Autora.
Como sabemos, o seu objecto consiste em apurar se a prestação mensal, fixada no acordo de suspensão do contrato de trabalho outorgado pelas partes, deve ser alterada por virtude da reclassificação profissional da Autora.
As instâncias responderam negativamente, coligindo um duplo fundamento:
- por um lado, a prestação fixada no mencionado acordo não tem natureza retributiva, pois que não é contrapartida da prestação do trabalho;
- por outro, não se mostra invocado qualquer vício da vontade relativamente àquele convénio, cuja cláusula 13ª anuncia a irrevogabilidade do pacto e faz depender a sua eventual alteração do acordo escrito das partes.
A Autora censura este entendimento, considerando que a sua reclassificação profissional implica necessariamente a correcção do valor da prestação mensal fixada no sobredito acordo de suspensão.
Nesse sentido, convoca que a prestação acordada reveste natureza retributiva – logo, irrenunciável – uma vez que o contrato de trabalho se mantém em pleno vigor, sendo que essa prestação foi feita corresponder a 100% da retribuição mensal ilíquida da Autora (remuneração base e diuturnidades).
3.5.2.
A problemática da suspensão do contrato de trabalho só veio a ser integralmente sistematizada pelo Código do trabalho, que lhe dedica uma Secção (IV), inserida no capítulo VII sob a epígrafe “vicissitudes contratuais”.
Essa Secção aborda as várias situações que podem determinar “redução da actividade” “ou” suspensão do contrato”, tanto aquelas que decorram de “facto respeitante ao trabalhador”, como as que derivem de “facto respeitante ao empregador”.
No regime de pretérito, a suspensão do vínculo laboral foi sendo, cumulativa e dispersamente, tratado em três diplomas sucessivos: na L.C.T. (designação abreviada do Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho, aprovado pelo D.L. nº 49.408, de 29 de Novembro de 1969), na L.F.F.F. (diploma relativo ao regime jurídico de férias, feriados e faltas, aprovado pelo D.L. nº 874/76, de 28 de Dezembro, com as alterações introduzidas pelo D.L. nº 398/83, de 2 de Novembro) e no D.L.nº 398/83, de 2 de Novembro (cujo diploma aprovou o regime jurídico da suspensão do contrato de trabalho por motivos respeitantes ao trabalhador ou à entidade empregadora e da redução temporária dos períodos normais de trabalho).
No caso dos autos, é este o regime atendível, uma vez que o acordo de suspensão em causa foi outorgado em 13 de Novembro de 1999.
3.5.2.
Nos termos do art.º 405º do Cod. Civil, é lícito às partes fixarem livremente, dentro dos limites da lei, o conteúdo dos contratos, fixar acordos negociais não tipificados ou incluir nos respectivos vínculos as cláusulas que lhes aprouver.
Em consonância com esse princípio da liberdade contratual, também os negócios aprazados podem ser modificados ou extintos por mútuo consentimento dos contraentes – art.º 406º nº1 do mesmo Código.
Esta faculdade abrange a suspensão, total ou parcial, da execução dos contratos.
Porém, a autonomia da vontade só pode ser exercida “dentro dos limites da lei”, de onde decorre que a vontade das partes cede perante disposição legal imperativa que impeça, por razões formais ou substanciais, a obtenção dos efeitos jurídicos por elas pretendidos.
O ordenamento jurídico laboral é um dos que projecta maiores restrições à autonomia da vontade das partes, face aos interesses de ordem pública que conferem natureza imperativa a muitos dos seus blocos normativos.
Não obstante – e afora os casos de suspensão “ope legis” - nada impede que as partes, por mútuo consentimento e no interesse de ambas, paralisem temporária e livremente, de forma total ou parcial, os efeitos principais do contrato de trabalho: o dever de trabalhar e, correspectivamente, o dever de retribuir.
Esta faculdade vem expressamente prevista no Código de Trabalho – art.º 330º nº1 – e já era, comummente, aceite no sistema legal que o precedeu (cfr. Acórdão desta Secção de 24/10/07, na Revista nº 1045/07) (1).
Segundo a expressão legal, durante o período de suspensão “… cessam os direitos, deveres e garantias das partes, na medida em que pressuponham a efectiva prestação do trabalho” – art.ºs 65º nº3 e 73º nº1 da L.C.T. e 16º nº6 do D.L. 874/76 – o que vale por dizer que “… mantêm-se os direitos, deveres e garantias das partes na medida em que não pressuponham a efectiva prestação do trabalho” – art.ºs 2º nº1 do D.L. 398/83 e 331º do Código do Trabalho.
3.5.3.
No caso dos autos, consignou-se que o respectivo acordo “… se regerá pelo disposto nas cláusulas seguintes e, logo que a trabalhadora preencha as condições da pré-reforma estabelecidas no Decreto-Lei nº 261/91, de 25 de Julho, ou noutro diploma que venha alterar, modificar ou substituir o referido regime, também pelo mesmo diploma”.
Como se vê, o vínculo em análise precede o condicionalismo específico da pré-reforma, cujo regime, por via, disso, não é aqui convocável.
Trata-se, patentemente, de um convénio celebrado pelos outorgantes ao abrigo do princípio da liberdade contratual que lhes é consentido neste domínio.
Deste modo – e porque o litígio dos autos não abarca qualquer vício na formação ou na declaração da vontade negocial das partes – os direitos de cada uma delas são os que expressamente se consignaram no acordo, a menos que algum preceito imperativo prejudique e anule a interpretação que vier a ser alcançada.
Na parte útil, ficou aprazado que:
Cláusula 1ª
“Por efeito do presente Acordo, celebrado por iniciativa da trabalhadora, o contrato de trabalho da 2ª outorgante considera-se suspenso, ficando a trabalhadora dispensada da prestação de trabalho, com a inerente suspensão dos direitos e obrigações decorrentes daquela”.
Cláusula 2ª
“ Durante o período de suspensão anterior à pré-reforma, a 1ª outorgante pagará à 2ª outorgante uma prestação mensal de 214.733$00 (duzentos e catorze mil setecentos e trinta e três escudos), correspondente a 100% da retribuição mensal ilíquida (remuneração base e diuturnidades) auferida à data da celebração do presente acordo.”
Cláusula 4ª
“ O montante da prestação referida na cláusula 2ª será actualizado anualmente, simultaneamente com a actualização salarial dos trabalhadores do activo e com base na aplicação de valor percentual idêntico ao que vier a ser fixado, em termos médios, para a tabela salarial dos mesmos”.
Cláusula 13ª
“O presente Acordo é irrevogável e qualquer alteração ao mesmo só produzirá efeitos caso revista forma escrita e seja subscrita igualmente por ambas as partes”.
Relativamente à prestação a pagar pela Ré, as cláusulas transcritas evidenciam que se consignou um valor – equivalente à retribuição mensal ilíquida da Autora na data do convénio – cuja actualização se processaria anualmente, em simultâneo e com valor percentual idêntico aos dos trabalhadores no activo.
Parece bem claro que o montante estabelecido só sofreria as alterações que decorressem do sistema de actualização também acordado: é esse o sentido que deflui do elemento literal do clausulado, como é igualmente aquele que um declaratário normal dele extrairia.
Como assim, devemos entender que o acordo não consente qualquer interpretação no sentido de que a prestação a cargo da Ré estaria forçosamente correlacionada com a retribuição que a Autora auferiria se permanecesse ao serviço.
Esta interpretação leva ao necessário entendimento de que as actualizações salariais, eventualmente devidas à Autora por virtude da sua reclassificação profissional, em nada alteram a prestação clausulada no acordo da suspensão do contrato de trabalho, sem prejuízo, naturalmente, de (re)adquirirem toda a relevância se a demandante vier a retomar o serviço.
Só assim não seria se essa prestação assumisse natureza retributiva e, consequentemente, irrenunciável, dada a subsistência do vínculo laboral.
Mas não é o caso.
Como se sabe – art.ºs 82º da L.C.T. e 249º do Código do Trabalho – considera-se retribuição aquilo a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito como contrapartida do seu trabalho, incluindo a remuneração de base e todas as prestações regulares e periódicas feitas, directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie, presumindo-se, até prova em contrário, que qualquer prestação do empregador constitui retribuição.
A natureza retributiva da prestação pressupõe, pois, a necessária correspectividade entre ela e a disponibilidade do trabalhador para oferecer a sua contrapartida laboral.
“Em regra – como se diz no citado Acórdão de 24/10/07 – ocorrendo uma situação de indisponibilidade do trabalhador para realizar a sua prestação, cessa o direito à retribuição”.
Mas “… nada impedindo a estipulação, no acordo de suspensão, de uma prestação regular e periódica a favor do trabalhador, essa prestação - convencionada ao abrigo do princípio da liberdade contratual … - não assume a natureza de retribuição, precisamente porque não é contrapartida da disponibilidade do trabalhador”.
Somos a concluir que o Acórdão em crise também nenhuma censura nos merece quanto ao segmento decisório em análise.

4 – DECISÃO
Em face do exposto, negam-se as revistas e confirma-se o Acórdão impugnado.
Custas pelas recorrentes.

Lisboa, 12 de Março de 2008
Sousa Grandão (Relator)
Pinto Hespanhol
Vasques Dinis
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(1) O Ac. citado analisou questão praticamente idêntica à versada na presente revista divergindo do que, em situação análoga, fora decidido no Acórdão desta mesma secção de 17/5/07, na Revista n.º 4193/06.