I - O princípio da irredutibilidade da retribuição reporta-se ao seu valor global, independentemente do modo de cálculo das parcelas componentes, não sendo impeditiva da aplicação desse critério a circunstância de a determinação do valor de uma das parcelas depender da incidência de uma percentagem sobre o valor da remuneração base da retribuição.
II - Por isso, não viola aquele princípio a entidade empregadora que, tendo, durante algum tempo, pago suplementos remuneratórios de 200%, por trabalho prestado em Domingos e dias feriados, passa, posteriormente, a remunerar o mesmo trabalho com acréscimos de 100%, desde que o trabalhador não veja diminuído o montante global das importâncias recebidas a título de retribuição.
III - Decorre dos artigos 14.º, n.º 1, do Regime Jurídico da Regulamentação Colectiva do Trabalho, constante do Decreto-Lei n.º 519-C1/79, de 29 de Dezembro (LRCT), e 531.º do Código do Trabalho, que as disposições dos instrumentos de regulamentação colectiva são imperativas, só podendo ser afastados pelo contrato individual de trabalho quando este estabeleça condições mais favoráveis para o trabalhador, o que não impede a prevalência do estipulado em instrumento de regulamentação colectiva, em aspectos particulares da relação laboral, sobre contrato individual pré-vigente, ainda que este, nesses aspectos, se apresente mais favorável para o trabalhador.
IV - As referidas normas não contendem com a possibilidade consignada no artigo 21.º, n.º 1, alínea c), Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 49 408, de 24 de Novembro de 1969 (LCT), ou no artigo 122.º, alínea d), do Código do Trabalho, de redução da retribuição, quando tal resulte expressamente de instrumento de regulamentação colectiva aplicável.
V - Tendo o autor invocado factos tendentes à demonstração da redução da sua retribuição, imputada à aplicação de um novo sistema de cálculo do valor do trabalho no período em causa, à ré competia alegar e provar que essa redução se deveu a outros factores, designadamente à prestação de menos horas de actividade (n.º 2 do artigo 342.º do Código Civil).
VI - Não é sindicável pelo Supremo, por se tratar de juízo sobre questão de facto submetido ao princípio da livre apreciação da prova (artigos 712.º, n.º 6, 721.º, n.º 2, 722.º, n.º 1 e n.º 2, 1.ª parte e 729.º, n.º 2, 1.ª parte, todos do Código de Processo Civil), a ilação extraída pela Relação, nos termos das disposições combinadas dos artigos 349.º e 351.º do Código Civil, e com base em determinados factos, que a diminuição global da retribuição do autor resultou da alteração das regras de cálculo ou das percentagens remuneratórias atinentes ao trabalho por ele prestado em dias de domingo e feriado, e não de outro qualquer factor.
VII - Dedicando-se a ré à exploração de supermercados, actividade que implica o funcionamento de estabelecimentos em Domingos e dias feriados, tendo o autor sido contratado para servir a ré de acordo com as exigências dessa actividade nos seus estabelecimentos, e tendo prestado trabalho em Domingos e dias feriados, em número variável, assumem natureza retributiva os suplementos remuneratórios auferidos nesses períodos, dado o seu carácter regular e periódico.
VIII - Tais suplementos remuneratórios, como parcelas variáveis da retribuição, devem ser considerados, para efeito de cálculo da retribuição de férias e do subsídio de férias, atendendo-se aos respectivos valores médios recebidos, nos termos previstos nos artigos 82.º, n.º 2 e 84.º, n.º 2, da LCT, quanto às prestações vencidas até 1 de Dezembro de 2003, e 249.º, n.º 2 e 252.º, n.º 2, do Código do Trabalho, quanto às prestações vencidas posteriormente a essa data.
IX - Os referidos suplementos remuneratórios devem também ser considerados para efeitos de cálculo dos subsídios de Natal vencidos até 1 de Dezembro de 2003, por força do disposto no artigo 2.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 88/96, de 3 de Julho, e artigos 82.º, n.º 2, e 84.º, n.º 2, da LCT, mas já não quanto aos subsídios de Natal vencidos a partir dessa data, uma vez que face ao previsto nos artigos 254.º, n.º 1 e 250.º, n.º 1, do Código do Trabalho, e com a entrada em vigor deste, a base de cálculo daquele subsídio – salvo disposição legal, convencional ou contratual em contrário – passou a incidir apenas sobre a retribuição base e diuturnidades.
I
1. "AA" intentou, em 12 de Dezembro de 2005, no Tribunal do Trabalho de Lisboa, contra “Empresa-A, S.A.”, acção com processo comum emergente de contrato individual de trabalho, para ver a Ré condenada no pagamento da quantia € 43.281,94, correspondente a diferenças de retribuição vencidas até à data da propositura da acção, bem como das que vierem a vencer-se posteriormente e, ainda, dos respectivos juros de mora.
Para fundar tal pretensão, alegou, em resumo, que:
– Foi admitido ao serviço da Ré em 27 de Fevereiro de 1990 para, sob as suas ordens, direcção e autoridade, desempenhar funções, como Oficial Cortador de Carnes de 1.ª, na Loja de Linda-a-Velha, estando, actualmente, a desempenhar as funções de Subchefe de Talho;
– As retribuições por si auferidas desde 1993, incluindo as médias dos acréscimos pagos pelo trabalho prestado aos Domingos, enquanto dias de trabalho normal, pelo trabalho nocturno prestado e pelo trabalho prestado em dias de feriado, foram os que se enunciam no artigo 6.º da petição;
– Trabalhando, desde a sua admissão, ao Domingo de duas em duas semanas, como dia de trabalho normal, a Ré sempre lhe pagou o trabalho prestado nesses Domingos e feriados com o acréscimo de 200%, seguindo, nessa matéria, o que se encontrava estipulado no CCT do Comércio de Carnes aplicável por força da Portaria de Extensão publicada no BTE n.º 3/92;
– No trabalho prestado aos Domingos, a Ré, para além da retribuição mensal, pagava, até Abril de 1994, o trabalho do próprio Domingo e ainda o acréscimo de 200%;
– A partir de Maio de 1994, no entanto, a Ré passou a pagar-lhe o trabalho prestado aos Domingos e feriados com acréscimo de somente 100%;
– A Ré passou a pagar-lhe o trabalho prestado aos Domingos somente com acréscimo de 100%, deixando, por isso, de pagar o dia de trabalho e reduzindo a um terço o acréscimo que até Abril de 1994 pagava;
– Quanto aos feriados, a Ré procedia do mesmo modo, isto é, pagava o dia trabalhado e mais o acréscimo de 200%, mas, a partir de Maio de 1994, passou a pagar-lhe só o dia trabalhado e o acréscimo de 100%;
– Este comportamento da Ré constitui autêntica diminuição da retribuição do Autor;
– Acresce que, em violação ao disposto na lei, a Ré não lhe pagava nas férias, subsídio de férias e de Natal, as médias dos acréscimos pagos pelo trabalho prestado aos Domingos e feriados nem a prestação de trabalho nocturno;
– A Ré viola também o princípio de que a trabalho igual corresponde salário igual, porquanto a Ré paga ao trabalhador BB, também oficial de carnes (Chefe de Talho), quer o trabalho prestado aos domingos e feriados com aquele acréscimo, quer com inclusão, nas férias, subsídio de férias e de Natal, do trabalho prestado aos Domingos e feriados. Com efeito, tendo aquele trabalhador intentado acção idêntica à dos presentes autos, veio a Ré a ser condenada no pedido, quer em primeira instância, quer por Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa;
– Deve-lhe, deste modo, a Ré e a título de acréscimo devido a trabalho prestado aos Domingos, desde Maio de 1994 a Novembro de 2004 as quantias discriminadas no artigo 21.º da petição e pelo trabalho prestado nos feriados de Maio de 1994 a Outubro de 2005, as quantias discriminadas no artigo 22.º da petição;
– A título de médias de acréscimos pagos nos termos constantes das alíneas b) a m) do artigo 6.º da petição e devidos pelo trabalho prestado aos Domingos e feriados a incluir nas férias e subsídio de férias, deve-lhe a Ré, desde 1994 as quantias discriminadas no artigo 23.º da petição e desde 1993, deve-lhe a Ré idênticas médias a serem incluídas no subsídio de Natal, devendo-lhe, por isso, as quantias discriminadas no artigo 24.º da mesma peça processual, sem prejuízo das que se vencerem até decisão final;
– A partir de Outubro de 1998, passou a exercer as funções de Subchefe de Secção de Talho, substituindo o Chefe nas ausências do mesmo, estando a substitui-lo, há cerca de um ano e meio, devido a baixa médica;
– Nos termos da cláusula 5.ª do CCT aplicável, deveria ter sido integrado na categoria profissional de Subchefe de Secção de Talho, auferindo, pelo nível VII do anexo IV do mesmo CCT as remunerações especificadas no artigo 27.º da petição;
– Em vez disso, auferiu, no mesmo período, as retribuições discriminadas no artigo 28.º da referida peça, assistindo-lhe, por isso, o direito a receber, a título de diferenças de retribuição e até Outubro de 2005 a quantia de € 10.493,70.
Na contestação, a pugnar pela improcedência da acção, a Ré disse, em síntese, que:
– O Autor não tem razão pois, no que tange aos Domingos, não corresponde à realidade que percebesse da Ré, à parte da retribuição mensal, a retribuição/hora correspondente ao dia de trabalho acrescido de um plus de 200%, pois que, enquanto correspondendo o Domingo a um dia normal de trabalho, como o próprio Autor reconhece, a respectiva remuneração sempre esteve e está incluída na retribuição base global mensal;
– Assim, para além da imputação das “médias” na retribuição e subsídio de férias e subsídio de Natal, a verdadeira discussão entre o Autor e a Ré cinge-se, nesta matéria, à questão de saber se podia ou não a ré diminuir os acréscimos percentuais com base nos quais se calculam os chamados subsídio de Domingo, subsídio de feriado e a remuneração do trabalho nocturno e, tal como a jurisprudência vem assinalando, para que se verifique a diminuição da retribuição não basta que a empregadora tenha alterado a fórmula de cálculo do montante de prestações efectuadas para além da retribuição base;
– De acordo com o que resulta da simples soma das quantias remuneratórias recebidas pelo Autor e que o mesmo alega na petição, verifica-se que não ocorreu a invocada diminuição remuneratória;
– Por outro lado, também não pode proceder a alegação feita pelo Autor de que se encontra violado o princípio de que a trabalho igual corresponde salário igual, não vindo, sequer, alegados os termos e as condições que regulam a relação de trabalho entre a Ré e o trabalhador BB;
– Não corresponde à verdade que, a partir de Outubro de 1998, o Autor tenha passado a exercer as funções de Subchefe da Secção de Talho, que se ocupasse de serviços especializados, que coadjuvasse o Chefe de Talho, que coordenasse os trabalhadores da Secção de Talho e que tenha substituído o Chefe de Secção durante as suas ausências, razão pela qual nenhum fundamento lhe assiste no pedido de condenação no pagamento de diferenças salariais alegadamente decorrentes do exercício de funções próprias de categoria de Subchefe de Secção, cujo reconhecimento, aliás nem pede nesta acção.
Efectuado o julgamento, foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e condenou a Ré a pagar ao Autor:
1 - [A]s diferenças registadas entre o valor global das retribuições efectivamente pagas a partir de Maio de 1994 até à data da decisão final e a média mensal de retribuição global efectivamente paga nos doze meses anteriores (a Maio de 1994) em valor a apurar em liquidação de sentença;
2 - [A]s retribuições de férias e inerente subsídio referentes à média das parcelas respeitantes à prestação de trabalho em Domingos e feriados (acrescidas das diferenças entre o valor global das retribuições efectivamente pagas a partir de Maio de 1994 e a média mensal da retribuição global efectivamente paga nos doze meses anteriores) devidas desde 1994 até à data da decisão final em montante a apurar em liquidação de sentença;
3 - [O] subsídio de Natal referente à média das parcelas respeitante à prestação de trabalho em Domingos e feriados (acrescidas das diferenças entre o valor global das retribuições efectivamente pagas a partir de Maio de 1994 e a média mensal da retribuição global efectivamente paga nos doze meses anteriores) devidas desde 1993 até à data da decisão final em montante a apurar em liquidação de sentença.
4 - [J]uros de mora, à taxa legal, sobre os valores referidos em 1, 2 e 3 desde a data da citação até integral pagamento.
2. A Ré apelou da sentença e o Autor interpôs recurso subordinado.
O Tribunal da Relação de Lisboa, por seu douto acórdão, decidiu:
[...]
A) Julgar em parte procedente a apelação principal, alterando-se a sentença recorrida nos seguintes termos:
a) Condena-se a ré a pagar ao autor as diferenças registadas entre o valor global das retribuições efectivamente pagas a partir de Maio de 1994 até Agosto de 1996, inclusive, e a média mensal de retribuição global efectivamente paga nos doze meses anteriores (a Maio de 1994), diferenças essas a apurar em liquidação de sentença por carência de elementos que o permitam fazer neste momento;
b) Condena-se a ré a pagar ao autor as retribuições de férias e inerentes subsídios na parte referente à média das parcelas pagas por prestação de trabalho em dias de Domingo e feriado até à decisão final – sendo que no cálculo dos valores dessa média entre Maio de 1994 e Agosto de 1996 se deve levar em consideração a média mensal de remunerações efectivamente pagas a esse título nos doze meses anteriores a Maio de 1994 – retribuições essas a apurar em sede de liquidação de sentença;
c) Condena-se a ré a pagar ao autor o subsídio de Natal respeitante aos anos de 1996 e seguintes na parte referente à média das parcelas pagas a partir de então a título de trabalho prestado em dias de Domingo e feriado e igualmente a apurar em sede de liquidação de sentença.
d) No mais confirma-se a sentença recorrida.
B) Considerar prejudicada a apelação subordinada pela decisão proferida em relação à apelação principal,
[...]
Ambos os litigantes vêm pedir revista do acórdão da Relação.
– O Autor, para ver decretada a condenação da Ré no pagamento do trabalho prestado aos Domingos e dias feriados com o acréscimo de 200%;
– A Ré, a pugnar pela revogação do acórdão impugnado na parte em que a acção foi julgada procedente e consequente absolvição de todos os pedidos.
Formularam, a terminar as respectivas alegações, conclusões, nos termos que se transcrevem:
Da revista do Autor:
1. Tendo-se dado como provado que a R. até Abril de 1994 sempre pagara o trabalho prestado aos Domingos e feriados com o acréscimo de 200%, esses pagamentos verificados com regularidade ao A. pelo menos a partir de Janeiro de 1994, tal procedimento criou no A. a legítima expectativa de continuar a ser remunerado por essa forma nos termos e com as consequências previstas no art. 82.º do Dec.-Lei 49.408;
2. Aceitando-se a tese da aplicação do princípio da irredutibilidade da retribuição defendida pelo Acórdão recorrido, como sendo de aplicação global e não aferido pela distribuição das parcelas que a compõem, permitindo pois ao empregador distribuir as diversas componentes retributivas desde que o montante global da retribuição não seja afectado;
3. Entendendo-se no entanto que esse critério não pode ser aplicado quando uma das parcelas da retribuição é calculada de forma percentual sobre o montante da retribuição base;
4. É que não está aqui em causa uma diminuição global da retribuição do A. porquanto, tratando-se, como se trata, de acréscimos retributivos, é manifesto que os mesmos incidiam sobre a retribuição de base sendo por isso proporcionalmente aumentados sempre que a retribuição de base sofria aumentos;
5. E quando assim não sucede mostra-se violado o art. 21.º, n.º 1, c), do mesmo diploma legal;
6. É verdade que na cláusula 18.º do CCT para os Supermercados se esclarece que as percentagens estabelecidas para os acréscimos retributivos decorrentes de trabalho prestado aos Domingos e feriados vigoram ainda que valores superiores estivessem já em vigor nas empresas a que o CCT se aplicava;
7. Mas a validade de tal norma tem de ser conciliada com o princípio estatuído no art. 14.º, n.º 1, do Dec.-Lei 519-C1/79 e também do art. 531.º do Código do Trabalho, normas segundo as quais as convenções colectivas cedem perante contratos individuais de trabalho que estabeleçam tratamento mais favorável para os trabalhadores, como é indubitavelmente o caso;
8. Devendo circunscrever-se o âmbito de aplicação daquela cláusula do CCT a novas admissões ocorridas após a sua entrada em vigor;
9. O douto Acórdão recorrido ao decidir em sentido contrário ao que acima vem exposto, violou por isso os arts. 21.º, n.º 1, c), com referência ao art. 82.º, ambos do Dec.-Lei 49.408, o art. 14.º, n.º 1, do Dec.-Lei 519-C1/79 e os arts. 122.º, d), e 531.º do Código do Trabalho.
Da revista da Ré:
I - Não podia o Venerando Tribunal a quo basear-se na constatação dos valores totais que constam dos recibos de fls. 16 a 189 para daí concluir, crê-se que precipitadamente, de que houve efectiva diminuição da retribuição global, impondo-se que, para tanto, se cuidasse saber se, durante todo aquele período, foram sempre as mesmas circunstâncias, maxime o mesmo esquema temporal, da prestação de trabalho aos domingos e aos feriados.
II - Ao entender de modo diferente, considera a Ré que o Venerando Tribunal a quo não terá feito adequada interpretação e aplicação do Direito atinente, deste modo violando o disposto nos Art.os 21.º, n.º 1, al. c) e 82.º e seguintes da LCT e nos Art.os 122.º, al. d) e 249.º e seguintes do Código do Trabalho.
III - Encontra-se violado o disposto no Art.º 342.º do Código Civil pelo douto Acórdão recorrido, porquanto era ao Autor e não à Ré que incumba alegar e demonstrar que, perante o mesmo número de horas trabalhadas e face a uma alteração da percentagem calculada sobre a remuneração/hora, a Ré diminuiu-lhe a retribuição global.
IV - As retribuições das férias e os subsídios de férias e de Natal não devem incluir as médias anuais da remuneração de trabalho prestado em dias feriados e da remuneração de trabalho prestado aos Domingos, pelo que, ao condenar a Ré no respectivo pagamento, o douto Acórdão terá violado o disposto no Art.º 6.º do Regime Jurídico das Férias, Feriados e Faltas (RJFFF), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 874/76, de 28 de Dezembro, no Art.º 2.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 88/96, de 3 de Julho, e no Art.º 82.º da LCT, bem como o disposto nos Art.os 254.º e 255.º do Código do Trabalho.
Houve contra-alegações de ambas as partes.
Neste Supremo Tribunal, a Exma. Magistrada do Ministério Público pronunciou-se, em parecer que não foi objecto de qualquer resposta, no sentido de ser concedida, parcialmente, a revista pedida pela Ré, e negada a pedida pelo Autor.
3. Nas conclusões das alegações, vêm suscitadas as seguintes questões:
1.ª - Saber se o trabalho prestado aos Domingos e dias feriados deveria, a partir de Maio de 1994, continuar a ser pago com acréscimo de 200% sobre a remuneração base (recurso do Autor).
2.ª - Saber se os factos provados permitem concluir que, a partir de Maio de 1994, foi devido à alteração no modo de cálculo do acréscimo de remuneração do trabalho prestado aos Domingos e feriados que a retribuição global do Autor sofreu diminuição (recurso da Ré);
3.ª - Saber se os acréscimos remuneratórios devidos pelo mesmo trabalho devem ser incluídos no cálculo das atribuições patrimoniais correspondentes à retribuição de férias e aos subsídios de férias e de Natal (recurso da Ré).
Corridos os vistos, cumpre decidir.
II
1. O acórdão impugnado declarou, nos termos que se transcrevem, provados os seguintes factos:
A) A R. é uma empresa que se dedica ao comércio e distribuição de produtos alimentares, tendo diversos estabelecimentos de venda ao público;
B) Nesses estabelecimentos a R. tem talhos;
C) Em 22 de Fevereiro de 1990, Autor e Ré outorgaram o acordo constante de fls. 232 dos autos, que aqui se dá por integralmente transcrito, tendo o primeiro entrado ao serviço da segunda no dia 26 desse mês para a Loja de Linda-a-Velha, como oficial cortador de carnes de 1.ª; (1) .
D) Actualmente o Autor desempenha funções de Subchefe de talho;
E) Desde 26-2-1990 que o Autor desempenha as suas funções sob as ordens, direcção e autoridade da Ré;
F) Desde a sua admissão ao serviço da Ré o Autor teve entre outros como locais de trabalho as Lojas da R. sitas em Linda-a-Velha, Restelo e Miraflores;
G) Entre Janeiro de 1993 e Outubro de 2005 (rectificando-se aqui, ao abrigo do disposto no art.º 249.º do Código Civil, evidente lapso material que a alínea em apreço continha ao referir o ano de 1995 em vez de 2005), a Ré pagou ao Autor os montantes referidos nos recibos constantes de fls. 16 a 189 dos autos que aqui se dão por integralmente transcritos;
H) Os acréscimos devidos pelo trabalho prestado aos Domingos, feriados e por trabalho nocturno são processados e pagos pela R. na retribuição do mês seguinte;
I) Em 6 de Junho de 2002, realizou-se uma reunião na Delegação do IDICT, em Lisboa, entre um representante da Ré e um representante do Sindicato dos Trabalhadores da Indústria e Comércio de Carne tendo sido elaborada a acta constante de fls. 192 e 193 dos autos que aqui se dão por integralmente transcritas;
J) Quando o Autor substituía o chefe de talho do estabelecimento da Ré, sito em Miraflores, entrava às 7h e trabalhava até às 12h e das 14h às 17h. Nos dias em que o Autor não operava tal substituição praticava um horário das 12 h às 15h e das 17 às 22 horas (1);
K) O Autor alternava uma semana de trabalho em que o dia de descanso semanal era ao Domingo com outra em que o dia de descanso semanal era à 2.ª feira (2);
L) De Janeiro de 1993 até Outubro de 2005, a Ré pagou ao Autor os valores referidos nos recibos constantes de fls. 16 a 189 dos autos, que aqui se dão por integralmente transcritos, sob as diversas rubricas ali mencionadas, nomeadamente pela prestação de trabalho em domingos e feriados (3 e 4);
M) A Ré paga ao seu trabalhador BB, Chefe de Talho, o trabalho prestado aos Domingos e feriados com um acréscimo que outros trabalhadores reputam de 200%, atribuindo tal facto a uma condenação judicial (5);
N) E com inclusão nas férias, subsidio de férias e de Natal do trabalho prestado aos Domingos e feriados (6);
O) A partir de Outubro de 1998, o A. passou a substituir o Chefe de Talho na sua ausência, nomeadamente nas respectivas férias, folgas e situações de doença, sendo reputado pelos colegas como um “segundo” do chefe de talho, um sub chefe de talho (7 e 8);
P) O A. desempenhava as suas funções na dependência do Chefe de Secção de Talho (9);
Q) Além das suas responsabilidades de oficial de carnes, o Autor na ausência do Chefe de talho exerce as suas funções, ocupando-se de serviços especializados, reportando sobre os stocks, zelando pela observância das normas de sanidade e higienização da actividade ali levada a cabo e coordenando os trabalhadores do Talho (10);
R) O Autor esteve a substituir o Chefe de Talho cerca de um ano e meio devido a baixa por doença daquele (11).
Por ter sido alegado e constar do documento de fls. 234, não impugnado, nos termos do art. 659.º n.º 3 do C.P.C., o Tribunal a quo considerou ainda o seguinte facto na sentença recorrida:
S) A Ré encontra-se inscrita na “APED – Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição” desde 4 de Dezembro de 1981.
2. Quanto à primeira questão:
2. 1. As instâncias, na sequência de pertinentes considerações sobre o conceito de retribuição e a projecção do princípio da irredutibilidade, concluíram que, sendo lícito ao empregador diminuir o valor de uma das parcelas integrantes da retribuição, desde que disso não resulte a diminuição da retribuição global, esta condição não foi, no caso, respeitada pela Ré, na constatação de que a média da retribuição mensal global auferida pelo Autor a partir de Maio de 1994 (reflectindo os novos moldes de cálculo da remuneração do trabalho prestado aos Domingos e dias feriados) passou a ser inferior à auferida anteriormente, sem que se mostrasse alterado o condicionalismo da prestação do trabalho.
Daí que tenham reconhecido ao Autor o direito a receber os valores necessários à eliminação da indevida redução global, sendo que, na 1.ª instância se entendeu serem tais valores devidos até à sentença final, e na Relação, apenas, até Agosto de 1996, inclusive.
O Autor, aceitando o critério segundo o qual a proibição de diminuir a retribuição se reporta à retribuição global, e não às parcelas componentes, sustenta que esse critério não pode ser aplicado quando uma das parcelas é calculada de forma percentual sobre a remuneração base, dado que, tratando-se de acréscimos retributivos, em relação a cujo factor percentual de cálculo foi gerada legítima expectativa de manutenção, não podem os respectivos valores deixar de ser proporcionalmente aumentados sempre que a remuneração base sofra aumentos, sob pena de violação do artigo 21.º, n.º 1, alínea c), da LCT (2).
Este preceito consagra o princípio da irredutibilidade da retribuição, compreendendo esta, nos termos do artigo 82.º, n.os 1 e 2, do mesmo diploma, a remuneração base e todas as outras prestações regulares e periódicas, feitas como contrapartida do trabalho.
Os acréscimos em causa constituem parcelas variáveis da retribuição, cujo valor dependia do tempo de trabalho efectivamente prestado, naquelas condições, em cada período mensal.
Como se observou no Acórdão deste Supremo de 3 de Maio de 2006 (Revista n.º 4025/05-4.ª Secção) (3), o princípio da irredutibilidade da retribuição reporta-se ao seu valor global, independentemente do modo de cálculo das parcelas componentes (4), daí que a circunstância de a determinação do valor de uma das parcelas depender da incidência de uma percentagem sobre o valor da remuneração base não seja impeditiva da aplicação do referido critério.
É, por conseguinte, lícito ao empregador alterar a estrutura da retribuição, se esta não lhe for imposta por lei, por instrumento de regulamentação colectiva ou pelo contrato.
Não se vislumbra fundamento legal para conferir a garantia de irredutibilidade a umas parcelas da retribuição e não a outras, em função da sua forma de cálculo.
Decorre do que acima se deixou dito que a lei só protege a expectativa relativamente à manutenção do valor global da retribuição, por isso que não pode acolher-se o argumento aduzido pelo Autor quanto à “legítima expectativa de continuar a ser remunerado”, no tocante ao trabalho prestado em Domingos e feriados com o acréscimo de 200% sobre a remuneração base.
2. 2. Da proibição de diminuir a retribuição excluem-se, por força do disposto no citado artigo 21.º, n.º 1, alínea c), os casos expressamente previstos na lei e nos instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho.
O acórdão impugnado considerou que, à luz de tal preceito, a Ré não estava impedida de reduzir a retribuição global, a partir de Setembro de 1996, inclusive, face ao clausulado do Contrato Colectivo de Trabalho (CCT) celebrado entre a “ANS – Associação Nacional dos Supermercados” e a “FEPCES – Federação Portuguesa de Comércio, Escritório e Serviços”, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego (BTE), n.º 12, 1.ª Série, de 29 de Março de 1994, com alterações publicadas no BTE n.º 27, 1.ª Série de 22 de Julho de 1995, que a Portaria de Extensão (PE), publicada no BTE n.º 31, de 22 de Agosto de 1996, mandou aplicar aos trabalhadores e empresas do sector não filiados nas entidades subscritoras daquele CCT (sendo esse o caso do Autor).
De acordo com o n.º 2 da Cláusula 16.ª do referido CCT, “[o] trabalho prestado em dias de descanso semanal, obrigatório ou complementar e em feriado será pago com o acréscimo de 100% sobre a remuneração base do trabalhador”.
E na Cláusula 18.ª estipulou-se:
1 – Os trabalhadores cujo período normal de trabalho inclui a prestação ao domingo terão direito por cada domingo de trabalho a um subsídio correspondente a um dia normal de trabalho, calculado segundo a fórmula seguinte:
RH = | Retribuição base X 12 |
![]() | Número de horas de trabalho semanal X 12 |
O Autor discorda do entendimento expresso pela Relação, alegando que o âmbito de aplicação desta última cláusula deve circunscrever-se a novas admissões, não sendo válida para casos, como o presente, em que o contrato de trabalho estabelece condições mais favoráveis para o trabalhador, em face do disposto nos artigos 14.º, n.º 1, da LRCT (5) , e do artigo 531.º do Código do Trabalho.
O que decorre destas normas é que as disposições dos instrumentos de regulamentação colectiva são imperativas, só podendo ser afastados pelo contrato individual de trabalho quando este estabeleça condições mais favoráveis para o trabalhador, o que não impede a prevalência do estipulado em instrumento de regulamentação colectiva, em aspectos particulares da relação laboral, sobre contrato individual pré-vigente, ainda que este, nesses aspectos, se apresente mais favorável ao trabalhador.
As referidas normas não contendem, por conseguinte com a possibilidade, consignada no artigo 21.º, n.º 1, alínea c), da LCT – também no artigo 122.º, alínea d), do Código do Trabalho – de redução da retribuição, quando tal resulte expressamente de instrumento de regulamentação colectiva aplicável.
Ora, por força da Portaria de Extensão, publicada em 22 de Agosto de 1996, cuja vigência se iniciou cinco dias depois, as supra referidas cláusulas passaram a regular o contrato entre as partes, quanto ao modo de calcular os valores dos acréscimos remuneratórios referentes ao trabalho prestado em Domingos (tidos como período normal de trabalho) e dias feriados, sendo, pois esse o sistema remuneratório que a Ré estava obrigada a respeitar, a partir de Setembro de 1996, inclusive.
Improcede, por conseguinte, a revista do Autor.
3. A segunda questão (primeira suscitada no recurso da Ré) prende-se com o ónus de alegação e prova de factos que permitam o reconhecimento do direito do Autor a receber diferenças salariais, na decorrência de uma efectiva diminuição da retribuição global, imputada à redução da remuneração correspondente ao trabalho prestado em Domingos e dias feriados.
Cotejando os valores efectivamente pagos ao Autor nos anos de 1993 a 1995, discriminados nos recibos juntos aos autos, incluídos na referência constante da alínea G) dos factos provados, o acórdão impugnado, tendo assinalado que se demonstrou que ele alternava uma semana de trabalho em que o dia de descanso semanal era ao Domingo com outra em que era à Segunda-Feira, concluiu, como fizera a sentença, “pela verificação de uma diminuição em termos globais, na retribuição do trabalho paga pela ré/apelante ao autor/apelado a partir de Maio de 1994, quando comparada com a que aquela lhe vinha pagando anteriormente, que [...] se deveu ao nítido abaixamento da remuneração correspondente, precisamente, ao trabalho prestado em dias de Domingo e de feriado”.
Observou-se no acórdão:
[...]
Na verdade, se bem atentarmos, enquanto que a retribuição-base paga pela ré/apelante ao autor/apelado teve sempre uma variação crescente a partir de Janeiro de 1993, já em termos de retribuição global (integrada pela retribuição-base, retribuição por trabalho prestado em dias de Domingo, a retribuição por trabalho prestado em dias de Feriado e subsídio de alimentação), se verificou precisamente o inverso. Com efeito, enquanto que entre Maio de 1993 e Abril de 1994 – com excepção do mês de Agosto de 1993 já que se desconhece quais as importâncias pagas nesse mês – a ré pagou ao autor uma remuneração global que variou entre um mínimo de 92.685$00 em Maio de 1993 e um máximo de 132.626$00 em Janeiro de 1994 e que, em média, durante aquele período de tempo, se cifrou em 116.579$00 mensais, essa remuneração global, entre Maio de 1994 e Abril de 1995, com uma variação entre um máximo de 121.347$00 em Julho de 1994 e um mínimo de 81.809$00 em Novembro de 1994 decresceu para uma média mensal de 107.525$00 e para uma média mensal de 111.329$00 se tivermos em consideração o período mais alargado que mediou entre o aludido mês de Maio de 1994 e Dezembro de 1995.
Como referimos, este decréscimo remuneratório deveu-se, sobretudo, a um abaixamento, a partir de Maio de 1994, dos valores mensais pagos pela ré/apelante ao autor/apelado em relação ao trabalho prestado por este em dias de Domingo e feriado ao serviço daquela. Com efeito e relativamente ao trabalho prestado em dias de Domingo, podemos verificar que, enquanto que entre Maio de 1993 e Abril de 1994 aquela pagou a este remunerações que variaram entre um mínimo de 17.745$00 em Maio de 1993 e um máximo de 44.371$00 em Setembro e Novembro de 1993 e Fevereiro de 1994, respectivamente, numa média mensal de 33.883$00, já entre Maio de 1994 e Abril de 1995 pagou, a esse mesmo título, entre um máximo de 14.437$00 em Maio, Junho, Julho, Agosto, Setembro de 1994 e Fevereiro, Março e Abril de 1995, respectivamente, e um mínimo de 3.609$00 em Novembro de 1994, numa média mensal de apenas 12.621$00 ou de 12.981$00 se atendermos ao referido período mais alargado de Maio de 1994 a Dezembro de 1995.
Por seu turno e relativamente ao trabalho prestado em dias de feriado, enquanto que no período que mediou entre Maio de 1993 e Abril de 1994 a ré/apelante pagou ao autor/apelado entre um mínimo de 8.874$00 em Julho, Novembro e Dezembro de 1993, respectivamente, e um máximo de 17.749$00 em Janeiro de 1994, numa média mensal de 11.093$00, já entre Maio de 1994 e Abril de 1995 pagou entre um máximo de 14.437$00 em Julho de 1994 e mínimo de 4.512$00 em Março de 1995, numa média de apenas 9.745$00 mensais ou de 10.203$00 se atendermos ao referido período de tempo mais alargado.
Ora, tudo isto se passou sem que se tivesse alegado e demonstrado ter havido qualquer alteração quanto às circunstâncias atinentes à prestação do trabalho por parte do autor/apelado ao serviço da ré/apelante, designadamente no que respeita ao trabalho prestado em dias de Domingo e feriado, sendo certo que, a ter ocorrido uma qualquer alteração, competiria à ré/apelante a alegação e demonstração em que termos a mesma se havia verificado de forma a justificar um tal decréscimo remuneratório (art. 342.º n.º 2 do Cod. Civil).
Deste modo, estamos convictos que uma tal diminuição retributiva se ficou a dever a uma alteração ou das regras de cálculo ou das percentagens remuneratórias atinentes ao trabalho prestado pelo autor/apelado em dias de Domingo e feriado, alteração essa feita, unilateralmente, pela ré/apelante com efeitos a partir de Maio de 1994, ao arrepio da lei ou de qualquer instrumento de regulamentação colectiva de trabalho e, portanto, de uma forma ilícita.
[...]
Na revista, a Ré não põe em causa a efectiva diminuição dos valores pagos, quer globalmente, quer relativamente ao trabalho prestado em Domingos e feriados.
A sua discordância centra-se na alegação de que não é possível extrair dos recibos em causa, nem do facto considerado provado na alínea G) do elenco dos factos provados, qualquer facto da vida real que permita aferir qual o condicionalismo, designadamente o esquema temporal necessário para operar o cálculo (a efectuar em função das horas de trabalho), da prestação do trabalho, naqueles particulares dias, a partir de Maio de 1994, sendo que, no entendimento da Ré, ao Autor competia alegar e provar que, “perante o mesmo número de horas trabalhadas e face a uma alteração da percentagem calculada sobre a remuneração/hora, a Ré diminuiu-lhe a retribuição”.
Alegando desse modo, o que a recorrente critica é a ilação que o acórdão extraiu de determinados factos para ter como demonstrado que a diminuição global da retribuição resultou da alteração das regras de cálculo ou das percentagens remuneratórias atinentes ao trabalho prestado pelo autor/apelado em dias de Domingo e feriado, e não de outro qualquer factor.
Essa ilação, consentida pelas disposições combinadas dos artigos 349.º e 351.º do Código Civil, está patente no discurso do texto do acórdão que se transcreveu, sendo vedado ao Supremo Tribunal, por se tratar de juízo sobre questão de facto submetido ao princípio da livre apreciação da prova, exercer sobre o mesmo qualquer censura, atento o disposto nos artigos 712.º, n.º 6, 721.º, n.º 2, e 722.º, n.º 1, 722.º, n.º 2, 1.ª parte e 729.º, n.º 2, 1.ª parte, todos do Código de Processo Civil (CPC).
Importa registar que, tendo o Autor invocado factos tendentes à demonstração da redução da retribuição, imputada à aplicação de um novo sistema de cálculo do valor do trabalho naqueles dias, à Ré competia alegar e provar que essa redução se deveu a outros factores, designadamente à prestação de menos horas de actividade, por força do disposto no artigo 342.º, n.º 2, do Código Civil.
Não merece, por conseguinte, censura, neste ponto, a decisão impugnada.
4. A última questão a resolver é a de saber se o acréscimo correspondente à remuneração do trabalho prestado, pelo Autor, em Domingos e dias feriados, deve ser considerado como retribuição e, consequentemente, o valor médio do respectivo acréscimo integrar-se no cálculo da retribuição de férias e dos subsídios de férias e de Natal.
As instâncias responderam afirmativamente.
A Ré discorda, sustentando que o acórdão impugnado “terá violado” o disposto no artigo 6.º do Regime Jurídico das Férias, Feriados e Faltas (LFFF), constante do Decreto-Lei n.º 874/76, de 28 de Dezembro, o artigo 2.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 88/96, de 3 de Julho, e o artigo 82.º da LCT, bem como o disposto nos artigos 254.º e 255.º do Código do Trabalho.
De harmonia com os factos provados, a Ré dedica-se à exploração de supermercados, actividade que implica o funcionamento de estabelecimentos em Domingos e dias feriados, e o Autor foi contratado para servir a Ré de acordo com as exigências dessa actividade nos seus estabelecimentos.
Nessa situação laboral, também de harmonia com a factualidade provada, o Autor, prestou – naturalmente porque a tal o obrigava o contrato celebrado, e em função do horário normal a que estava adstrito, ligado ao horário de funcionamento do respectivo estabelecimento –, trabalho em Domingos e dias feriados, nos anos de 1993 a 2005, em número variável, tendo recebido, em cada um daqueles anos, os correspondentes suplementos remuneratórios.
Perante uma tal situação, parece claro que a prestação de trabalho aos Domingos e dias feriados não era uma obrigação meramente eventual e esporádica, sendo pacífico o carácter de periodicidade e regularidade das correspondentes prestações e, por conseguinte, a legítima expectativa do seu recebimento, em cada ano, não obstante a eventual discrepância entre o número de dias de trabalho prestado nessas circunstâncias (6).
Conclui-se, pois, que os ditos suplementos configuram, pelo seu carácter regular e periódico, retribuição de tipo variável.
De acordo com o disposto no artigo 6.º da LFFF, a retribuição correspondente ao período de férias não pode ser inferior à que o trabalhador auferiria se estivesse em serviço efectivo (n.º 1) e, além disso, o trabalhador tem direito a um subsídio de férias de montante igual a essa retribuição (n.º 2).
O Código do Trabalho, aplicável às vicissitudes da relação laboral em causa ocorridas a partir de 1 de Dezembro de 2003 (7), reproduziu no n.º 1 do seu artigo 255.º a norma do n.º 1 do citado artigo 6.º; e, quanto ao subsídio de férias explicitou que o seu montante “compreende a retribuição base e as demais prestações retributivas que sejam contrapartidas do modo específico de execução do trabalho” (n.º 2 do mesmo artigo 255.º).
Atendendo ao que dispõem os artigos 82.º, n.os 2 e 84.º, n.º 2, da LCT, aplicável às prestações vencidas até 1 de Dezembro de 2003, e 249.º, n.º 2 e 252.º, n.º 2, do Código do Trabalho, aplicável às vencidas posteriormente, os valores médios recebidos, como acréscimos por trabalho prestado em Domingos e dias feriados, devem, ser tidos em conta, no cálculo da retribuição de férias e dos subsídios de férias.
Neste aspecto sufraga-se o entendimento expresso pelo Tribunal da Relação, que condenou a Ré a pagar ao Autor “as retribuições de férias e inerentes subsídios na parte referente à média das parcelas pagas por prestação de trabalho em dias de Domingo e feriado até à decisão final – sendo que no cálculo dos valores dessa média entre Maio de 1994 e Agosto de 1996 se deve levar em consideração a média mensal de remunerações efectivamente pagas a esse título nos doze meses anteriores a Maio de 1994 – retribuições essas a apurar em sede de liquidação de sentença”.
Quanto ao subsídio de Natal:
No domínio da vigência do Decreto-Lei n.º 88/96, de 3 de Julho, suscitaram-se dúvidas, particularmente na doutrina, quanto à inclusão na base do cálculo do subsídio de Natal, previsto no seu artigo 2.º, n.º 1, dos valores que, embora correspondentes a prestações regulares e periódicas, não constituíssem remuneração certa (8).
A jurisprudência deste Supremo orientou-se no sentido de considerar tal inclusão (9).
Esta interpretação, assente desde logo nas palavras da lei e na presunção de que o legislador consagrou a solução mais acertada e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, é também a que se coaduna com a unidade e harmonia do sistema jurídico.
Em matéria de retribuição o Código do Trabalho, em vigor desde 1 de Dezembro de 2003, alterou a disciplina dos diplomas a que sucedeu.
Nos termos do seu artigo 249.º, “[s]ó se considera retribuição aquilo a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito como contrapartida do seu trabalho” (n.º 1); “[n]a contrapartida do trabalho inclui-se a retribuição base e todas as prestações regulares e periódicas feitas, directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie (n.º 2); “[a]té prova em contrário, presume-se constituir retribuição toda e qualquer prestação do empregador ao trabalhador” (n.º 3).
Dispõe o n.º 1 do artigo 250.º que “[q]uando as disposições legais, convencionais ou contratuais não disponham em contrário, entende-se que a base de cálculo das prestações complementares e acessórias nelas estabelecidas é constituída apenas pela retribuição base e diuturnidades”. O n.º 2 do mesmo artigo define a retribuição base como “aquela que, nos termos do contrato ou instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, corresponde ao exercício da actividade desempenhada pelo trabalhador de acordo com o período normal de trabalho que tenha sido definido” [alínea a)]; e diuturnidade, como “a prestação pecuniária, de natureza retributiva e com vencimento periódico, devida ao trabalhador, nos termos do contrato ou instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, com fundamento na antiguidade” [alínea b)].
No que diz respeito ao valor do subsídio de Natal, o n.º 1 do artigo 254.º do Código do Trabalho dispõe que “[o] trabalhador tem direito a subsídio de Natal de valor igual a um mês de retribuição que deve ser pago até 15 de Dezembro de cada ano”.
Como se observou no Acórdão deste Supremo de 17 de Janeiro de 2007 (10), face à disciplina consignada no Código do Trabalho, a base de cálculo do subsídio de Natal – salvo disposição legal, convencional ou contratual em contrário – reconduz-se ao somatório da retribuição base e das diuturnidades, delas se excluindo os complementos salariais, ainda que auferidos regular e periodicamente, já que “o mês de retribuição” a que se refere o n.º 1 do artigo 254.º do Código do Trabalho terá de ser entendido de acordo com a regra supletiva constante no n.º 1 do artigo 250.º do mesmo Código, nos termos do qual a respectiva base de cálculo se circunscreve à retribuição base e diuturnidades (11) .
Não se ignora que há quem sustente que a norma que se extrai da conjugação dos citados preceitos do Código do Trabalho, ao limitar a base de cálculo do subsídio de Natal tem natureza interpretativa (12).
Para que uma lei assuma a natureza de lei interpretativa, “[é] necessário que o legislador a qualifique expressamente como tal ou que, pelo menos, essa intenção resulte em termos suficientemente inequívocos; e isto porque nem toda a decisão legal de uma controvérsia gizada em torno do significado de certo preceito legal se deve tomar como interpretação autêntica. Publica-se uma lei que suscita dúvidas; formam-se em torno delas duas ou mais correntes; o legislador intervém em ordem a pôr termo à incerteza gerada. Isto não quer dizer necessariamente que estejamos perante uma lei interpretativa; bem pode acontecer que o legislador tenha pretendido afastar as dúvidas para o futuro, não o movendo a intenção de considerar a nova lei como o conteúdo ou a expressão da antiga. Tal intenção só existirá se se tiver querido realmente explicar a lei anterior e impor como obrigatória essa explicação”(13).
É função da lei interpretativa fixar uma das interpretações possíveis da lei anterior, com que os interessados podiam e deviam contar, sem violar expectativas seguras e legitimamente fundadas, por isso que se a lei nova consagra uma solução contrária à corrente jurisprudencial constante e pacífica, entretanto formada, na vigência da lei antiga, não pode aquela considerar-se lei interpretativa (14) .
Ora, não resulta do Código do Trabalho, inequivocamente, a intenção do legislador de desfazer as dúvidas sobre o sentido do preceito a que sucedeu o n.º 1 do artigo 254.º, interpretado em conjugação o n.º 1 do artigo 250.º.
Essa eventual intenção parece ser de afastar, considerando a preocupação do legislador em inserir na Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, que aprovou o Código do Trabalho, uma norma sobre a sua aplicação no tempo – o artigo 8.º –, que reflecte, no essencial os princípios consignados no artigo 12.º do Código Civil.
Acresce que, havendo orientação jurisprudencial deste Supremo já sedimentada no sentido de que, no domínio da vigência da lei antiga, as prestações complementares ou acessórias de montante variável, auferidas regular e periodicamente, integravam a base de cálculo do subsídio de Natal, deve considerar-se que a norma em causa do Código do Trabalho não tem a natureza de lei interpretativa, sendo antes uma disposição inovadora (15) .
Dispõe o n.º 1 do artigo 8.º da Lei n.º 99/2003 que, “[s]em prejuízo do disposto nos artigos seguintes, ficam sujeitos ao regime do Código do Trabalho, os contratos de trabalho e os instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho celebrados ou aprovados antes da sua entrada em vigor, salvo quanto às condições de validade e aos efeitos de factos ou situações totalmente passados anteriormente àquele momento”.
Desta norma decorre, no que agora releva, que o Código do Trabalho não se aplica aos subsídios de Natal vencidos antes da sua entrada em vigor, que, como já se referiu, ocorreu em 1 de Dezembro de 2003, por força do n.º 1 do artigo 3.º da referida Lei Preambular.
Sucede que a regulamentação colectiva aplicável, já na vigência do Código do Trabalho – Contrato Colectivo de Trabalho celebrado entre a “APED – Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição” e a “FEPCS – Federação Portuguesa dos Sindicatos do Comércio, Escritórios e Serviços” e outros, publicado no BTE, 1.ª Série, n.º 33, de 8 de Setembro de 2000, com alterações publicadas nos BTE’s n.os 32, de 29 de Agosto de 2001, 13, de 8 de Abril de 2004, e 13, de 8 de Abril de Abril de 2005, objecto de Portaria de Extensão, publicada no BTE n.º 2, de 15 de Janeiro de 2001, o primeiro, e de Regulamentos de Extensão, publicados nos BTE’s, n.os 5, de 8 de Fevereiro de 2005, e 38, de 15 de Outubro de 2005, respectivamente, as alterações – não contém qualquer cláusula em contrário do disposto no n.º 1 do artigo 250.º daquele diploma, pelo que esta norma supletiva tem inteira aplicação ao caso dos autos, no que concerne à base de cálculo do subsídio de Natal.
Contemplando esta atribuição patrimonial, o referido Contrato Colectivo de Trabalho, nas versões publicadas nos BTE’s n.os 33/2000 e 13/2005, dispõe, no n.º 1 da Cláusula 17.ª, que “[o]s trabalhadores têm direito a receber, até ao dia 30 de Novembro de cada ano, um subsídio de valor correspondente a um mês de retribuição”, sendo a data do vencimento a única divergência em relação ao regime estipulado na lei, antes e depois da entrada em vigor do Código do Trabalho.
Assim, aos créditos respeitantes a subsídio de Natal, vencidos até 1 de Dezembro de 2003, aplica-se o regime da lei antiga, que acima se deixou caracterizado, estando os vencidos posteriormente sujeitos ao regime do Código.
Devendo, por força da regulamentação colectiva, o subsídio de Natal ser pago até 30 de Novembro do ano a que dizia respeito, o que significa que é essa a data do respectivo vencimento (16), os subsídios respeitantes aos anos de 2004 e seguintes devem ser calculados de harmonia com a norma que resulta da conjugação do preceituado nos artigos 250.º, n.º 1 e 254.º, n.º 1, do Código do Trabalho, tomando por base, apenas o valor da retribuição base e diuturnidades.
Quanto aos subsídios respeitantes aos anos anteriores (1996 a 2003), porque vencidos antes da entrada em vigor do Código do Trabalho, a base de cálculo deve incluir as médias dos valores recebidos a título de trabalho prestado em Domingos e dias feriados.
Em conformidade com o que se deixou explanado, há que concluir pela procedência parcial das conclusões e pretensão formuladas na revista.
Merece, assim, nesta parte, ser concedida a revista da Ré.
III
Em face do exposto, decide-se:
– Negar a revista do Autor;
– Conceder, parcialmente, a revista da Ré, limitando-se o alcance da condenação relativa ao subsídio de Natal, constante da alínea c) do dispositivo do acórdão recorrido, ao período que compreende os anos de 1996 a 2003;
– Confirmar, em tudo o mais, o acórdão impugnado.
As custas da acção e dos recursos serão suportadas por Autor e Ré, na proporção do vencimento já apurado, sem prejuízo do acerto a efectuar em função do efectivo decaimento, que será apurado em liquidação de sentença.
Lisboa, 26 de Março de 2008.
Vasques Dinis (Relator)
Bravo Serra
Mário Pereira
-------------------------------------------------------------------
(1) Trata-se de um denominado contrato de trabalho a termo certo, nos termos do qual, a partir de 26 de Fevereiro de 1990, o Autor se obrigava a prestar serviço à Ré, em qualquer estabelecimento desta, como “praticante de talho”, mediante determinada retribuição, cumprindo um horário a estabelecer por ela, de Segunda-Feira a Domingo, entre a 7:00 e as 22:00 horas.
(2) Designação abreviada do Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 49 408, de 24 de Novembro de 1969.
(3) Disponível em www.dgsi.pt, Documento n.º SJ200605030040254.
(4) Sublinhado agora.
(5) Designação abreviada do Regime Jurídico da Regulamentação Colectiva do Trabalho, constante do Decreto-Lei n.º 519-C1/79, de 29 de Dezembro.
(6) Acórdão deste Supremo de 11 de Maio de 2005 (Processo n.º 478/05), em www.dgsi.pt, Documento n.º SJ200505110004784.
(7) Por força do disposto nos artigos 3.º, n.º 1 e 8.º, n.º 1, 1.ª parte, da Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto.
(8) Cfr. António Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 10.ª Edição, Almedina, Coimbra, 1998, p. 411; Bernardo da Gama Lobo Xavier, Curso de Direito do Trabalho, 2.ª Edição (Reimpressão com aditamento de actualização), Verbo, Lisboa, 1996, p. 563.
(9) Cfr. Acórdãos desta Secção Social de 11 de Abril de 2000, (Revista n.º 9/00), sumariado em www.stj.pt, Jurisprudência/Sumários de Acórdãos; de 4 de Julho de 2002 (Revista n.º 2396/01), disponível em www.dgsi.pt Documento n.º SJ200207040023964; de 4 de Dezembro de 2002 (Revista n.º 3606/02), em www.dgsi.pt, Documento n.º SJ200212040036064; de 19 de Fevereiro de 2003 (Revista n.º 3740/02), de 19 de Fevereiro de 2003, sumariado em www.stj.pt, Jurisprudência/Sumários de Acórdãos; de 19 de Março de 2003 (Revista n.º 4074/02), Colectânea de Jurisprudência – Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, Ano XI, Tomo I, 271; de 17 de Janeiro de 2007 (Revista n.º 2967/06), em www.dgsi.pt, Documento n.º SJ200701170029674; e de 9 de Maio de 2007 (Revista n.º 3211/06), em www.dgsi.pt, Documento n.º SJ200705090032114.
(10) Citado na nota que antecede.
(11) Este é, também, o entendimento de Pedro Romano Martinez, Direito do Trabalho, 4.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2007, p. 597, de António Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 13.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2006, p. 470., e de Bernardo da Gama Lobo Xavier, Iniciação ao Direito do Trabalho, 3.ª Edição, Verbo, Lisboa, 2005, p. 334. Propendendo para interpretação diferente, no sentido que a jurisprudência vinha afirmando, à luz do regime anterior, Júlio Manuel Vieira Gomes, Direito do Trabalho, Volume I, Coimbra Editora, 2007, pp. 779-780.
(12) Cfr. Abílio Neto, Código do Trabalho e Legislação Complementar – Anotados, 2.ª Edição, Ediforum, Lisboa, 2005, p. 442.
(13) Inocêncio Galvão Telles, Introdução ao Estudo do Direito, Volume I, 11.ª Edição, Coimbra Editora, 1999, pp. 241-242.
(14) Cfr. J. Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 11.ª Reimpressão, Almedina, Coimbra, 1999, pp. 246-247.
(15) Neste sentido, a anotação de Joana Vasconcelos, Código do Trabalho Anotado, 4.ª Edição, de Pedro Romano Martinez e outros, Almedina, Coimbra, 2006, pp. 458-459, ao considerar como “novidade, relativamente ao direito anterior”, a limitação da base de cálculo do subsídio de Natal. Também, Pedro Romano Martinez, obra e local citados na nota 11, ao concluir que “actualmente” não devem ser incluídas no subsídio de Natal, as prestações complementares, ainda que de carácter retributivo, salvo disposição convencional em sentido contrário.
(16) Acórdão deste Supremo de 16 de Janeiro de 2008, na Revista n.º 3790/07, em www.dgsi.pt, Documento n.º SJ20080116037904.