CONTRATO DE ARRENDAMENTO
DIREITO A NOVO ARRENDAMENTO
SENHORIO
DENÚNCIA
CADUCIDADE
BENFEITORIAS
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR
BAIXA DO PROCESSO AO TRIBUNAL RECORRIDO
Sumário

I - A invocação pelos AA. na carta de resposta à comunicação pela R. do falecimento do arrendatário, seu pai, de disposição legal não aplicável ao caso de denúncia, em nada invalida o alcance da sua manifestação de vontade de denúncia do contrato, pois não se tratava da oposição a um novo contrato mas da denúncia do já existente, denúncia essa inteiramente livre, apenas acarretando a obrigação de pagamento de uma indemnização correspondente a dez anos de renda, sempre sem o prejuízo do arrendatário ter direito a indemnização por benfeitorias e de retenção nos termos gerais.
II - Com efeito, nem tinham os AA, leigos em direito, necessidade alguma de reportar o fundamento jurídico da denúncia, mas única e simplesmente de comunicar a sua vontade de não pretender que o contrato se mantivesse nos termos propostos pela R , a qual não está subordinada a qualquer ritualismo específico, sendo certo que o fizeram dentro do prazo previsto e pela via própria - carta registada com AR - tanto bastando para afastar a arguida caducidade.
III - A cláusula onde se estabelece que incumbia ao inquilino “manter a casa sempre em bom estado de limpeza tudo quanto se partir, vidros ou portas ter que arranjar por sua conta e algumas alterações mais, todas por sua conta; não tendo o direito de desmanchar um dia quando sair”, não desonera o senhorio do dever de pagar ao inquilino as obras de conservação do prédio especificadas, após vistoria, na deliberação camarária.
IV - Porque o Tribunal da Relação não tomou conhecimento das questões que considerou prejudicadas pela diferente solução dada ao pleito - relativas à impugnação da matéria de facto, relegação da matéria dos gastos feitos com tais obras e enriquecimento sem causa dos senhorios - ordena-se que o processo baixe ao Tribunal da Relação para tal efeito.

Texto Integral

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


I . AA, viúva, doméstica, BB, solteiro, empregado de restauração, CC, casado, condutor de articulados e DD, casado, electricista, todos com domicílio escolhido na Rua da Oliveira, nº ..., Lagos, intentaram no tribunal de Lagos, acção de despejo contra EE, solteira, residente na R. Marreiros Neto, ..., Lagos, pedindo a condenação da R a:
- despejar o prédio que identificam;
- pagar a quantia de € 199,52 por mês, por cada mês de atraso na entrega do prédio, desde a data que lhe foi fixada para a restituição dele, ou seja, 15/1/03, até à efectiva entrega, quantia esta a compensar com a que os A.A. ainda lhe devem ao abrigo do disposto na parte final do nº 1 do artº 89º-C do R.A.U. e que é de € 11.971,20.
- pagar aos A.A. as despesas judiciais e extra-judicias com a acção, também a compensar nos termos referidos;
- abster-se de remover ou levantar quaisquer benfeitorias que seu pai ou ela hajam feito no prédio.
Os fundamentos dos pedidos foram, resumidamente os seguintes:
Em 19/2/76 o pai da A. AA deu de arrendamento ao pai da Ré o prédio que identificam, sendo agora os A.A. os senhorios;
O pai da Ré faleceu em 17/3/02 e em 21/3/02, os A.A. receberam uma comunicação da Ré, informando que não pretendia renunciar ao arrendamento;
Seguiu-se troca de correspondência entre as partes, até que os A.A. informaram a R que pretendiam denunciar o contrato, pagando a indemnização nos termos do nº 2 do artº 89º-B do R.A.U..
Os A.A. procederam atempadamente ao depósito da metade da indemnização referida no nº 1 do artº 89º-C do R.A.U.;
Acontece que a R não entregou o prédio no prazo de 6 meses referido no nº 3 do artº 89º-C do R.A.U., apesar da notificação judicial avulsa que lhe foi feita nesse sentido em 30/10/02, alegando ter direito a ser ressarcida de benfeitorias feitas pelo seu pai, o que não se verifica, porque logo no contrato ficou previsto a inexistência desse direito.
A R contestou, alegando, também em resumo, o seguinte:
Caducou o direito dos A.A. à denúncia do contrato pois que deixaram passar o prazo de 30 dias previsto no nº 2 do artº 89º-A do R.A.U..
E reconvencionalmente, reclamou dos AA. o pagamento da quantia de € 46.912,17 a título de benfeitorias feitas no arrendado pelo seu pai, bem como a declaração do seu direito de retenção sobre o imóvel arrendado até ao pagamento da indemnização que lhe era devida
O processo seguiu termos até ao julgamento e realizado este foi proferida douta sentença que julgou improcedente a excepção da caducidade, procedente em parte o pedido inicial e improcedente o reconvencional, condenando a R :
- despejar de imediato o prédio arrendado
- pagar aos AA mensalmente a quantia de 199, 52 desde a data indicada
- Abster-se de remover ou levantar quaisquer benfeitorias feitas no prédio
Inconformada a R recorreu de apelação para o Tribunal da Relação de Évora, o qual por acórdão de fls 839 e ss confirmou a decisão da 1ª instância, sem chegar a apreciara a impugnação da matéria de facto no que respeita ao custos das despesas com benfeitorias, por entender não ter direito a elas direito a recorrente, tão pouco se pronunciando sobre a não relegação do respectivo montante para liquidação em execução de sentença.
A R, de novo irresignada, interpôs, então recurso de revista, tendo nas respectivas alegações extraído as conclusões que seguem:
A ) Os AA. denunciaram o contrato de arrendamento por carta de 30/04/2002, passados 30 dias fixados no artº 89º nº2 para o efeito , pois os AA receberam a comunicação da R em 26/03/2002 e que fora enviada em 35/03
B) Tanto mais que a comunicação dos AA referidos na carta enviada anteriormente alegava que tinha por motivo o facto de um dos AA. ( BB) pretender habitar o prédio.
C ) Não basta entender que um senhorio quer reaver um prédio arrendado para se entender que é irrelevante a forma como o faz que fundamentos invoca que normas indica e que prazo usa para exercer os seus direitos .
D) Não é a mesma coisa recusar um novo arrendamento alegando o pretender reaver o local para nele ser instalado um dos AA. e denunciar o contrato existente que se transmite pagando uma indemnização , pois a única coisa que é idêntica é a entrega da casa .
E) Pelo que o direito de denuncia conferido pelo citado artº 89-A nº2 que os AA. pretendiam exercer caducara.
F) Os prazos fixados não são indicativos e para as comunicações não é bastante uma mera intenção.
G ) A interpretação viola o artº 9º, nº2 do CCivil e o princípio da certeza jurídica .
H ) A cláusula inserida no contrato de manter sempre a casa em bom estado e de serem por conta do inquilino os arranjos e alterações não pode desonerar o senhorio das obrigações de efectuar as reparações ordinárias e extraordinárias que lhe competem por lei
I) Como não pode desobrigar o senhorio de pagar todas as obras que i o inquilino fizer devido a recusa ou inércia do senhorio em as efectuar.
J) De acordo com os artºs 9º, 10º e 12º do RGEU , os proprietários c são obrigados a reparar e beneficiar as edificações pelo menos uma vez em cada período de 8 anos, o que os recorridos nunca fizeram, como se encontra provado.
K ) – O artº 1031º do CCivil estipula que é obrigação do locador assegurar ao locatário o gozo da coisa locada para o fim a que esta se destina e o senhorio deve actuar de forma a que esse gozo não seja significativamente reduzido.
L) Ora a condenação ilíquida tanto é possível no caso de se ter provado pedido genérico, como no de ser formulado pedido específico e não se ter conseguido fazer prova da especificação .
M) Especialmente quando os sucessivos donos do prédio nunca procederam a qualquer obra e tendo sido instaurado processo na Câmara para a realização de obras no decurso do qual os AA foram sendo notificados para realizar as obras, bem como das vistorias .
N) Tendo os AA recusado sempre realizar as obras com os mais diversos fundamentos ( cfr fls 358/9 ) apesar de notificados da necessidade de serem efectuadas cfr fls 354 a 357, e 362 a 364 e 376)
O) Assim a cláusula referida não pode ser entendida como uma renuncia antecipada do inquilino de ser pago das benfeitorias.
P) A lei não exige que o recibo seja documento idóneo e necessário para prova do pagamento das obras.
G) O próprio juiz na decisão reconhece que para além dos orçamentos a até os docs referente a devoluções, apresentou a R prova testemunhal do recebimento de diversas quantias .
T) Face a estes factos, deveria o tribunal ter dado resposta diversa aos quesitos 12º, 14º, 16º, 19º, 21º, 23º, 25º, 27º, 29º 31º, 33º, 37º, 40º, 42º, 44º e 49º e especialmente ao quesito 50º, pois a única que faltou segundo o tribunal foi a de recibo.
U) Como também não se entende, como tendo sido aceite pelo tribunal a realização da perícia , sendo a mesma ordenada nos moldes em que o foi, venha agora a decisão referir que a mesma careça de qualquer sentido, nem tem qualquer utilidade .
V) Nem sequer a R. terá de indicar a matéria constante da gravação, porque o próprio tribunal reconhece expressamente que algumas das testemunhas declararam ter recebido determinadas quantias sem no entanto indicar , quer na decisão de facto quer a que factos referiam nos respectivos quesito.
W) Devendo o julgamento ser repetido.
X) O 2º período do artº 661º prevê a hipótese de não haver elementos para se fixar o objecto ou a quantidade da condenação e prescreve que em tal caso a sentença condene no que se liquidar em execução de sentença.
Y ) Em face deste factos, não é admissível que a sentença absolva os AA. do pedido, como também não seria razoável que os condenasse à toa com qualquer valor .
Z) Em ultima ratio deveria condenar-se os A no que se liquidasse em execução de sentença.
AA) Também por outro lado, mesmo que não se tivesse apurado o custo das obras, a verdade é que as mesmas e a reconstrução parcial do edifício valorizou o prédio dos A, aos quais seria entregue como uma ruína
BB) Para esta valorização concorreram os gastos do pai da R e de que são beneficiários os AA.
CC) Havendo pois uma deslocação patrimonial de que resultou o enriquecimento e o empobrecimento da R.
DD) Foram violados os artºs , 9º, 13º e 89º do RAU , 388º 392º e 661º do CPC , 9º e 1031º do CCivil e 9º, 100º e 12º do RGEU
Os AA. contra alegaram para dizer que a recorrente reeditou, à excepção as conclusões das alns f), g), j), e k) que nem eram verdadeiras conclusões, o recurso de apelação o que devia obstar à procedência do recurso.

II -Neste Tribunal, foram colhidos os vistos, depois de verificada inexistência de questões prévias.
Cumpre decidir.

IIIOs factos assente e provados são os seguintes :

Em 19 de Fevereiro de 1976 FF acordo ceder a GG o uso do rés-do-chão do nº ...da Rua Marreiros Neto, sito em Lagos, freguesia de S. Sebastião, inscrito na matriz predial urbana da mesma freguesia sob o artigo 2709º e descrito na Conservatória do Registo Predial de Lagos, sob o nº 02288/180393, pelo período de um ano sucessivamente renovável por iguais períodos e mediante o pagamento por parte deste último de Esc. 2.500$00, em asa do primeiro ou de quem o representasse, no primeiro dia útil do mês anterior àquele a que respeita. (A)

Tal montante é actualmente de € 44,00. (B)

FF e mulher HH faleceram. (C)

Em 1 de Abril de 1993, faleceu CC, marido da 1ª A.. (D)

Os restantes A.A. são filhos. (E)

GG faleceu em 17 de Março de 2002. (F)

A R. EE enviou aos A.A. uma carta registada com aviso de recepção, datada de 21 de Março de 2002, comunicando o falecimento de GG e anunciando que pretendia continuar a ocupar o lugar do mesmo no acordo referido em A), a qual foi enviada a 25/3/02 e recebida pela 1ª A. em 26/3/02. (G)

Através de várias cartas que trocaram com a R. EE, os A.A. opuseram-se ao referido em G). (H)

Os A.A. depositaram na conta da R. da Empresa-A € 11.971,20, em 26 de Junho de 2002. (I)

Em 12 de Julho de 2002, os A.A. enviaram à R. uma carta registada com aviso de recepção a comunicarem-lhe o depósito referido em K). (J)

Em 30 de Outubro de 2002, os A.A. solicitaram a notificação judicial avulsa da R. para que procedesse à entrega do prédio referido em A) em 15 de Janeiro de 2003 e que nesse dia estaria à sua disposição os restantes € 11.971,20. (K)

No acordo referido em A) refere-se numa cláusula manuscrita que GG deverá “manter a casa sempre em bom estado de limpeza, tudo quanto se partir, vidros ou portas ter que arranjar por sua conta, e algumas alterações mais, todas por sua conta; não tendo direito de desmanchar um dia quando sair”. (L)

A R. não procedeu ao levantamento da quantia depositada pelos A.A. e referida em K). (M)

A R. tem efectuado o depósito das rendas na Empresa-A em nome da A. AA na conta nº 719140009862964. (N)

O prédio é anterior a 1951. (O)

A única casa de banho existente situava-se no quintal. (P)

Não procederam os sucessivos donos do prédio referido em A) a quaisquer obras. (Q)

A A. AA mandou encerrar a conta referida em N) (e não P), como por manifesto lapso se refere a fls. 305). (R)A R. passou a efectuar depósitos na Empresa-A no montante de € 199,52, na conta nº 20630018184350, desde Outubro de 2002. (S)

Caíam pingas do telhado (2º)

O telhado ruiu. (3º)

O pai da ora Ré deu entrada na Câmara Municipal de Lagos do processo para realização de obras o qual assumiu o nº SOP 9/95. (5º)

Foi efectuada vistoria camarária. (6º)

A C.M. de Lagos autorizou a realização de obras nos termos dos documentos de fls. 383 e 387. (7º)

Tais obras foram orçamentadas. (8º)

Segundo o orçamento de fls. 161 o valor das obras era de 430.560$00. (9º).

Tal orçamento foi notificado pela Câmara Municipal aos A.A.. (10º)

O Pai da Ré procedeu à reconstrução do telhado, tendo sido substituída pelo menos parte da estrutura em madeira existente e colocadas novas telhas. (11º)

O Pai da Ré substituiu a conduta de evacuação de gases de combustão do esquentador para o exterior. (13º)

Procedeu à substituição das escadas em madeira por escadas em tijoleira. (15º)

A escada estava em mau estado. (17º)

Substituiu o soalho do 1º andar em madeira, com a colocação de todo o chão em madeira nova. (18º)

O Pai da Ré procedeu ao arranjo de paredes. (20º)

Colocou azulejos nas paredes, de modo a evitar o contínuo esboroamento e quedas das mesmas. (22º)

O chão do rés-do-chão em madeira foi substituído por tijoleira. (24º)

O Pai da Ré substituiu a janela da cozinha. (28º)

Procedeu o Pai da Ré à colocação de instalação eléctrica na casa, pois a que lá se encontrava tinha mais de 20 anos e esteve sujeita a humidades das infiltrações das paredes e tectos. (30º)

O Pai da Ré procedeu à reparação de paredes interiores, rebocando-as e pintando-as. (32º)

Procedeu à substituição de toda a canalização da casa na cozinha, casa de banho e quintal. (34º)

Pelo menos as paredes exteriores foram pintadas pelo Pai da Ré. (36º)

Pintou as madeiras das janelas e portas. (39º)

Procedeu à colocação de azulejos em todas as divisões da casa, para evitar a criação de salitre e desmoronamento dos rebocos. (41º)

Colocou novas loiças sanitárias, tijoleira e azulejos na casa de banho existente. (43º)

O Pai da Ré e a ora Ré tiveram que sair de casa durante as obras e ir morar em casa, respectivamente, do filho e irmão. (45º)

O Pai da Ré tinha 71 aos quando adoeceu gravemente, o que o impedia de se deslocar. (46º)

Pelo referido, procedeu à construção de uma casa de banho no interior da asa, aproveitando uma despensa no rés-do-chão. (47º)

Efectuou as canalizações, colocação de loiças sanitárias, tijoleira, azulejos e instalação eléctrica. (48º)

Os A.A. tiveram conhecimento das obras. (51º)

A Câmara Municipal notificou os A.A. nos termos dos documentos de fls. 355, 367 e 378. (52º)

Os A.A. responderam por carta enviada a 5/4/02, cujo teor se dá por reproduzido. (53º)

A R enviou a carta de fls. 88, pelo menos registada, no dia 23/4/02. (54º)

Os A.A. enviaram à R a carta de fls. 89 com data de 30/4/02. (55º)

A R. enviou aos A.A. a carta datada de 27/5/02, enviada a 28/5/02 e recebida a 29/5/02. (56º)

Os A.A. enviaram à R. a carta datada de 14/6/02, enviada a 17/6/02 e recebida a 18/6/02. (57º)
A R. enviou aos A.A. a carta datada de 8/1/03 e enviada no mesmo dia. (59º).

IV – São as conclusões da alegação que delimitam as questões a apreciar no recurso, conforme o disposto nos arts 684º, nº2 e 690º, nº1 do CPCivil e no caso , como bem se depreende da sua leitura, resumem-se elas às seguintes :
- Caducidade do direito de denúncia;
- Interpretação e validade da cláusula e suas repercussões no pedido reconvencional,
- impugnação das respostas aos quesitos pertinentes ao custo das obras feitas no arrendado;
- relegação de tal matéria para execução de sentença;
- enriquecimento sem causa com a valorização do arrendado, sendo que estas três últimas questões não foram objecto de apreciação pelo acórdão por prejudicadas

V - Reliminarmente à respectiva análise, importa que tomemos posição quanto à alegação dos recorridos de que a reprodução parcial neste recurso de revista das conclusões do anterior recurso de apelação implicará o não conhecimento do objecto por este Supremo.
Com o devido respeito, a corrente jurisprudencial que defende a inocuidade do recurso de revista, quando as conclusões do mesmo reeditam as constantes do recurso interposto para a Relação e não expressem a discordância específica relativamente ao por esta decidido, não refere que isso seja motivo de não conhecimento do recurso, antes meramente razão de improcedência, como de resto decorre do sumário transcrito do Ac de 7/11/2007 no proc nº 07P 3990 e na Internet em www djsi.pt./jst nem tão pouco constitui jurisprudência unânime sequer maioritária, havendo é verdade acórdãos que num entendimento mais radical propendem para essa repetição se traduzir numa verdadeira falta de alegações, implicando a deserção do mesmo
Em sentido divergente podem citar-se, entre outros, os Acs de 28/03/2000, in Sumários, 39, 24 e mais recentemente os de 27/03/2007 e de 17/05/2007, proferidos nos processos nºs 06ª4002 e 07B12 352, acessíveis na Internet in www djsi. pt., no primeiro fazendo-se a resenha de vários outros nesse sentido, ou seja no sentido de considerar esse procedimento como mera irregularidade e que justificará a que se use a faculdade remissiva do artº 713º nº3 , aplicável ex-vi do artº 726º do CPC caso se concorde neste tribunal com a solução jurídica dada pela Relação.
E é este último entendimento o que perfilhamos, sendo certo que no caso vertente nem exacto é que se verifique uma reedição da discordância manifestada contra a sentença da 1ª instância, já que a recorrente apresentou contra o decidido pela Relação argumentação jurídica não utilizada no recurso de apelação, caso da aln f) embora no essencial seja as mesmas as questores delimitadas por ambos os recursos, algumas é certo inadequadas para um recurso de revista.
Deste modo iremos, como é óbvio, apreciar as questões que foram colocadas no presente recurso e com uso da faculdade remissiva se for esse o caso.

A questão da caducidade.
O Tribunal da Relação rejeitou a argumentação da R. de que os AA. não haviam cumprido os prazos para denunciar o contrato nos termos do artº 89º-A do revogado RAU em função da comunicação por ela feita da morte do arrendatário seu pai e da sua intenção de lhe ser transmitido o arrendamento.
Como é bem sabido e no âmbito do RAU em alternativa à aplicação do regime de renda condicionada prescrita para os casos de transmissão por morte do contrato de arrendamento, o senhorio pode optar pela denúncia do contrato, pagando uma indemnização correspondente a 10 anos de renda, sem prejuízo dos direitos do arrendatário à indemnização por benfeitorias e da retenção nos termos gerais.
Para tal, deve essa denuncia ser feita por carta registada com aviso de recepção no prazo de 30 dias após a recepção da comunicação da morte do primitivo arrendatário ou do cônjuge sobrevivo ou da comunicação prevista no artº 87º, nº3 , conforme os casos.
Por sua vez, o arrendatário pode opor-se à denuncia propondo em carta registada com AR nova renda, no prazo de 60 dias.
Recebida a oposição, o senhorio tem no prazo de 60 dias de optar ou pela manutenção do contrato com a renda proposta ou pela denúncia, sendo que se optar por esta terá de suportar uma indemnização calculada com base na renda proposta pelo arrendatário.
Ora no caso em apreço o que apenas está em discussão é se na carta de resposta dos AA à comunicação pela R do falecimento do arrendatário, seu pai, carta essa de 5/04/2002 ( resp. ao qº 53º) sendo aquela comunicação recebida em 26/03/2002 pela 1ª A administradora da herança por óbito do seu falecido marido em que se integrava o prédio arrendado (aln G) ficou devidamente entendido que os mesmos se opunham a essa transmissão.
E isto por nessa carta, junta a fls os AA. invocarem disposição legal não aplicável ao caso, dizendo que careciam de reaver o arrendado para nele um dos AA se instalar.
Com efeito e após tecerem algumas considerações sobre o seu direito ao prédio por via sucessória, declararam ai os AA. “ não pretenderem efectuar novo arrendamento, antes sim pretendendo reaver o local para nele se instalar um deles, por não ter casa própria” e por isso “ na qualidade de senhorios recusamos o novo arrendamento com base nas excepções previstas nas alns b) e c) do artº 93º do RAU”.
Não se duvida, por certo, ter havido erro na invocação de tais normativos, que respeitam aos pressupostos da recusa de novo arrendamento pelos senhorio às pessoas que estando nas condições previstas no artº 89º , no caso do contrato de arrendamento caducar com a morte do inquilino, pretendam fazer valer esse direito, o qual segue porém a mesma tramitação, pois o interessado deve comunicar ao senhorio o facto constitutivo da caducidade e a sua vontade de firmar um novo contrato no prazo de 30 dias, sob pena de caducidade e o senhorio responder a recusar a celebração do contrato se estiver em condições de invocar qualquer das excepções previstas na lei, igualmente no prazo de 30 dias sob pena de caducidade.
No entanto esse erro, em nada salvo o devido respeito, invalida o alcance da sua manifestação de vontade de denúncia do contrato, pois não se tratava da oposição a um novo contrato mas da denúncia do já existente, denúncia essa inteiramente livre, apenas acarretando a obrigação de pagamento de uma indemnização correspondente a dez anos de renda, sempre sem o prejuízo do arrendatário ter direito a indemnização por benfeitorias e de retenção nos termos gerais.
E era isso que importava no caso, não sendo exigível sequer que os senhorios sem suficientes conhecimentos jurídicos, pudessem enquadrar na lei, com exactidão aquela sua tomada de posição ou sequer justificar porque entendiam não aceitar a proposta da R de se manter como arrendatária.
A recorrente percebeu perfeitamente essa declaração de vontade sendo de todo inaceitável por desrazoável pretender ela que o erro cometido na invocação das disposições legais atinentes não à oposição da manutenção do arrendamento por não caducável com a morte do primitivo inquilino, mas à recusa de novo arrendamento que a lei confere a pessoas que vivam no arrendado em arrendamentos que caduquem com essa morte, tiraria toda a eficácia à referida comunicação.
Com efeito, nem tinham os AA, leigos em direito, necessidade alguma de reportar o fundamento jurídico da denúncia, mas única e simplesmente de comunicar a sua vontade de não pretender que o contrato se mantivesse nos termos propostos pela R , a qual não está subordinada a qualquer ritualismo específico, sendo certo que o fizeram dentro do prazo previsto e pela via própria – carta registada com AR - tanto bastando para afastar a arguida caducidade.
Mas o mais importante é que a R, apesar de declarar na resposta a essa comunicação que rejeitava a oposição, depois de tecer considerações de ordem jurídica para destrinçar as duas situações ( oposição à transmissão do arrendamento ou recusa de novo arrendamento, consoante a morte do arrendatário fizesse ou não caducar o contrato ) nem por isso deixou de dar seguimento ao processo de troca de correspondência que determinou a ulterior recusa dos AA em aceitar a nova renda por ela proposta.
De resto e pela carta remetida logo de seguida pelos AA, em 30/04/02, estes corrigiram o erro cometido.
Logo, julgamos tal como as instâncias, não ter cabimento a invocada caducidade do direito, vertida nas conclusões das alns A) a G) .

A questão da cláusula contratual e sua repercussão no pedido reconvencional.
Questão mais complexa é da validade e interpretação da cláusula contratual sobre as benfeitorias.
Com efeito a R peticionou a quantia global de € 46.912,17 respeitante a benfeitorias realizadas no arrendado, tidas por necessárias para manter o prédio em estado de habitabilidade e indispensáveis para a sua conservação senão mesmo para evitar a sua perda ou destruição.
Entenderam tanto a douta sentença, como o acórdão que a R não tinha direito a qualquer indemnização, face ao teor da cláusula referida na aln L) dois factos assentes e segundo a qual, incumbia ao inquilino “manter a casa sempre em bom estado de limpeza tudo quanto se partir, vidros ou portas ter que arranjar por sua conta e algumas alterações mais, todas por sua conta; não tendo o direito de desmanchar um dia quando sair”
A R volta no presente recurso a opinar que a dita cláusula não tinha o condão de desonerar o senhorio do dever de pagar ao inquilino as obres que lhe competia fazer nos termos gerais do artº 1031º do CCivil, ainda afirmando que os antecessores dos AA sempre se haviam recusado a fazê-lo, apesar de notificados para o efeito.
Vejamos .
Não se ignora que a partir do Dec-Lei nº 46/85 passou a estar a cargo do senhorio o dever de proceder a obras de conservação ordinária do prédio, nos termos do seu artº 16º tendo o RAU no seu artº 12º nº1 estabelecido essa regra, sem prejuízo do estabelecido no artº 1043º do CCivil, sobre o dever do locatário de manter e restituir o prédio no estado em que o recebeu e que se presume como estando bom e do artº 4º do mesmo RAU sobre as pequenas deteriorações tidas por lícitas executada pelo arrendatário para assegurar o seu conforto e comodidade.
As obras de conservação ordinária estão enumeradas no artº 11ºe compreendem:
“ a) A reparação e limpeza geral do prédio e suas dependências
b) As obras impostas pela Administração Pública nos termos da lei geral ou locasl e as que visem conferir ao prédio as características apresentadas aquando da cio cessão da licença de utilização
c) Em geral as destinadas a manter o prédio as condições requeridas pelo fim do contrato e existentes à data da sua celebração “
Como é sabido discute-se na doutrina e na jurisprudência se as partes podem estipular no contrato ficarem tais obras de conservação do prédio a cargo do locatário.
Para o Prof Romano Martinez é aceitável a validade de uma tal cláusula, como tal se devendo entender a constante do contrato dos autos e mesmo no chamado arrendamento habitacional, visto não contrariar nenhuma disposição legal e não ofender princípios fundamentais do respectivo regime de arrendamento. ( Contratos em Especial, 2ª ed., 248 ,nota 13)
Opinião divergente tem, porém, Aragão Seia (Arrendamento Urbano 7ª ed., 213) o qual refere resultar o contrário do artº 12º do RAU e ainda dos artºs 13 ( obras de conservação extraordinária) e 40ºdo mesmo diploma , trazendo igualmente á colação o artº 1030º do C Civil, enquanto reporta que os encargos da coisa locada ficam sempre a cargo do locador, sem embargo de estipulação em contrário.
Ou seja, a estipulação em contrário, quererá significar “ embora o contrário tenha sido acordado”.

Propendemos para adoptar esta posição, divergente da adoptada na sentença e no acórdão, recentemente defendida no Ac da R Coimbra de 9/11/2005, CJ 2005, Tº V, 9 e nesse ponto dissentindo da adoptada no Ac da R Évora de 25/02/1999. Col.Jur 1999, Tº V, 274 e que julgamos também ter o apoio da Menezes Leitão ( Direito das Obrigações , Vol III, 315) de A.Varela (RLJ , anos 100º, 379 e 119º, 276) partindo da interpretação dos normativos conjugados dos artº 1031º, aln b) e 1043º,nº1 do CCivil e ainda do Ac deste Supremo de 15/11/1998, BMJ 481º, 484, perfeitamente claro em dizer que “ o locador é obrigado a realizar todas as reparações ou outras despesas essenciais ou indispensáveis para assegurar o gozo da coisa locada , de harmonia com o fim contratual (…) quer a sua necessidade resulte do simples desgaste do tempo, de caso fortuito ou de facto de terceiro”
No entanto, mesmo admitindo esta hipótese, a sentença e o acórdão reconhecendo serem parte das obras dadas por provadas de conservação ordinária e não de mera beneficiação, consideraram que o locatário não podia proceder a elas, sem previamente ter pedido ao senhorio que as realizasse, tendo em conta o disposto no artº 1038º aln h) do CCivil.
Outra coisa não reporta Aragão Seia ( op. cit. 306) o qual refere que o inquilino deve em princípio pedir ao senhorio as reparações, já que de harmonia com a citada aln h) do artº 1038º do CCivil, é sua obrigação avisá-lo imediatamente sempre que tenha conhecimento de vícios da coisa ou saiba que a ameaça algum perigo.
Essa reparações respeitam às obras de limpeza geral do prédio e todas as que se destinem a manter o prédio nas condições requeridas pelo fim do contrato e existentes à data da sua celebração.
E se não forem urgentes e o senhorio as não efectuar, o arrendatário terá de propor acção judicial contra o senhorio pedindo que este seja condenado a realizá-las, seguindo-se se for caso disso, a execução para prestação de facto
Apenas se o senhorio estiver em mora quanto à obrigação de fazer reparações ou outras despesas e umas e outras pela sua urgência se não compadecerem com as delongas de procedimento judicial, tem o locatário a possibilidade de as fazer extrajudicialmente, com direito a reembolso.
Mas se a urgência não consentir qualquer dilação, o locatário pode fazer as reparações ou despesas também com direito a reembolso, independentemente da mora do locador, contanto que o avise ao mesmo tempo - artº 1036º do CCivil.
Concluíram a sentença e o acórdão que os donos do prédio posto que não procedendo a quaisquer obras desde a celebração do contrato em 1976 ( donde não ser de estranhar a sua degradação) não foram avisados da necessidade da sua realização, tendo o arrendatário, pai da recorrente optado por requerer as mesmas à Câmara Municipal de Lagos (resp. aos qºs 5º a 9ª) sem o cumprimento prévio daquela obrigação. Ora isto é verdade, só que a Câmara, como decorre dos doc.s juntos, notificou o senhorio, aliás a A. AA em 1995 para proceder a obras após deliberação nesse sentido, obras que consistiam conforme o respectivo orçamento e de acordo com a vistoria, em trabalhos de reparação geral da cobertura e na instalação da canalização / conduta de evacuação de gases de combustão do esquentador para o exterior.
Ou seja, os donos do prédio, através da A. AA tinham perfeito conhecimento de que o prédio carecia de obras prementes de conservação acima especificadas, foi-lhe até fixado um prazo, sendo que por obras nenhumas terem sido executadas que o pai da R. resolveu, como consta de fls 380, tomar a seu cargo a mesmas, ainda que solicitando apoio em materiais e mão de obra o que esta aceitou com disponibilização de 50% dos materiais.
Ora, com o devido respeito, não teria o primitivo arrendatário de avisar o senhorio caso optasse como fez por uma queixa directa à Câmara Municipal e esta notificasse a senhoria, como ficou provado e está documentado para proceder às ditas obras, posto que circunscritas à reparação da cobertura e expulsão dos gases de combustão do esquentador para o exterior, pois apenas essas foram objecto de queixa entendendo aquela Câmara Municipal, no âmbito da sua competência própria e mediante deliberação como sendo necessárias para manter o arrendado em condições elementares de salubridade e segurança ( v. neste sentido Aragão Seia , op. cit., 206 e Acs concordantes da RLxa de 25/02/86 e de Évora de 9/02/1989, referenciados em nota in Arrendamento Urbano , 7ªed., 206 )
Dito de outra forma, a R tinha, pois, direito a reclamar o custo efectivo de tais obras que são as constantes das respostas aos quesitos 11º e 13º, e que importavam, conforme o orçamento feito em 440.560$00 mas não as demais quesitadas de conservação ordinária algumas e de beneficiação outras, visto ficaram à margem da intervenção camarária e não seguir para elas o primitivo arrendatário o “iter procedimental” supra enunciado, não lhe cabendo assim o direito de reclamar o dinheiro com elas alegadamente dispendido.

A questão da impugnação da matéria de facto
O Tribunal da Relação não chegou a apreciar a impugnação da matéria de facto, por via da qual a R entendia deverem ser alterados as respostas aos quesitos em que se descriminavam em separado os encargos do falecido arrendatário seu pai no custeio das obras que efectuou, para o caso apenas interessando as atinentes à reparação do telhado (11º) e à substituição da conduta para a evacuação dos gases para o exterior (13º).
E do mesmo modo não apreciou as demais questões acima enunciadas, relegação da matéria dos gastos feitos com tais obras e enriquecimento sem causa dos senhorios, compreensivelmente por as ter considerado prejudicadas pela solução dada ao pleito.
E o Supremo não pode, agora, solucionar tais questões e tão pouco lhe caberia pronunciar-se sobre a impugnação da matéria da facto nos moldes pretendidos, por tal incumbência pertencer à 2ª instância.
À mingua de texto legal que directamente preveja a situação, nada obsta a que se aplique a disciplina do artº 731º, nº2 do CPC , procedendo-se ao reenvio do processo à Relação , afim de se conheceram as mesmas e que relevam para a decisão final do pleito, no tocante à reconvenção e pelos mesmos Senhores Desembargadores, se possível ( cfr , neste sentido o Ac. deste Supremo de 12/03/1996 CJ , Ano IV , Tº 1, 143 e resenha doutrinal ali espelhada e mais recentemente o Ac de 15/03/2005 , proc. nº 04B3876 djsi.net).

VI - Nos termos expostos, acordam neste Supremo em conceder, apenas em parte a revista e ordenar que o processo baixe ao Tribunal da Relação de Évora, para com os mesmos Senhores Desembargadores se possível conhecer das questões de que se não chegou a tomar conhecimento, por prejudicadas e dentro dos limites apontados para o direito reconhecido à R de reaver dos AA. o que o seu antecessor no arrendamento terá dispendido nas obras de conservação do prédio especificadas, após vistoria, na deliberação camarária documentada nos autos, com custas a cargo da parte vencida a final.

Lisboa, 1 de Abril de 2008
Cardoso de Albuquerque
Azevedo Ramos
Silva Salazar