ASSISTENTE
RECURSO PENAL
LEGITIMIDADE
CONDIÇÃO DA SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
PRAZO
PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE
Sumário


I - A legitimidade do assistente para interpor recurso em caso de sentença condenatória, desacompanhado do MP, maxime estando em causa a medida da pena, foi objecto de controvérsia, tendo-se desenhado na jurisprudência do STJ três soluções:
- uma primeira, negando essa possibilidade, considerando que ou a decisão não o afectava ou não tinha interesse em agir;
- uma segunda, reconhecendo legitimidade ao assistente;
- uma terceira, defendendo que a solução para decidir da legitimidade ou ilegitimidade para o recurso deve ser encontrada caso a caso, apreciando se a posição do assistente é afectada pela natureza da condenação ou pela espécie da medida da pena aplicada ao arguido.
II - Sobre esta querela veio este Supremo Tribunal a tomar posição, em 30-10-1997, através de assento que firmou a seguinte jurisprudência: «O assistente não tem legitimidade para recorrer, desacompanhado do Ministério Público, relativamente à espécie e medida da pena aplicada, salvo quando demonstrar um concreto e próprio interesse em agir».
III - O interesse em agir é a necessidade concreta de recorrer à intervenção judicial, à acção, ao processo e, em regra, o assistente só pode reagir à afectação do seu direito mediante a interposição de recurso.
IV - No caso dos autos, a assistente não pretende questionar a espécie de pena, nem a sua medida, nem a aplicação da pena de substituição de suspensão da execução da pena de prisão, nem tão-pouco o estabelecimento de condicionamento ao pagamento da quantia arbitrada a título de indemnização, mas apenas o prazo da suspensão da execução dentro do qual terá de ser cumprida a obrigação imposta ao arguido (na anterior decisão o prazo de pagamento da indemnização era de 3 anos, passando para 5 na decisão ora recorrida e a única discordância da assistente prende-se com o alargamento do prazo).
V - Dir-se-ia que, mais do que uma intervenção no plano da responsabilidade criminal, o que move a assistente é o almejar de desiderato que releva mais do campo da responsabilidade civil conexa com a criminal. Veja-se que, caso não tivesse funcionado o princípio da adesão, a assistente teria proposto acção cível baseada em responsabilidade aquiliana, que, a merecer provimento, levaria a ver reconhecida a sua pretensão, com a declaração de um direito de crédito, sendo-lhe conferido título executivo, a que se seguiria pagamento subsequente espontâneo ou coercivo, através de processo executivo, não se colocando a questão de pagamento faseado, a menos que as partes se concertassem mediante contrato de transacção nesses moldes.
VI - É nesta perspectiva, e considerada a interdependência entre as duas componentes da instância enxertada (da acção civil conexa com a criminal) e da ambivalência das pretensões da lesada/assistente, que deverá ser encarada a legitimidade da recorrente.
VII - Ao impor como condição de suspensão da execução da pena o pagamento de determinada quantia monetária, o juiz deve averiguar da possibilidade de cumprimento dos deveres impostos, ainda que, posteriormente, no caso de incumprimento, deva apreciar da alteração das circunstâncias que determinaram a impossibilidade, para o efeito de decidir sobre a revogação da suspensão. Não devem, por isso, ser fixados ao arguido deveres, nomeadamente o de indemnizar, cujo cumprimento não seja viável, sob pena de, como refere Germano Marques da Silva (Direito Penal Português, III, pág. 208), apenas se estar a adiar a execução da pena de prisão.
VIII - Estando em causa, como condição de suspensão da execução da pena, o pagamento de uma indemnização no montante de € 42 000, acrescida de juros de mora desde 31-05-2003, e auferindo o arguido um salário mensal de € 500, não cumpre os critérios de razoabilidade a [primeira] decisão que fixa o prazo de 3 anos para pagamento integral da indemnização. A manutenção de tal prazo redundaria em previsível, natural, óbvio e inexorável incumprimento, que daria lugar a uma de duas soluções: ou era dada nova hipótese ao arguido, com novo enquadramento da condição, ou teria de cumprir sem apelo a pena de prisão, solução de todo desproporcionada e inadequada.
IX - Mais razoável se mostra a decisão recorrida, proferia na sequência da anulação parcial do primeiro julgamento, onde, perante o mesmo valor indemnizatório e o, agora apurado, rendimento mensal do arguido de € 2153,09 – destinado ao sustento próprio e dos que estão a seu cargo, duas filhas e companheira –, se fixou o prazo de 5 anos para cumprimento daquela condição de suspensão da execução da pena.
X - Aliás, a imposição, como condicionante da suspensão da execução da pena de prisão, do pagamento da indemnização arbitrada, não descaracteriza a sentença condenatória como título executivo, não paralisa os seus efeitos – art. 467.º, n.º 1, do CPP –, nada impedindo que a assistente promova, ou tivesse já promovido, a competente execução do crédito.

Texto Integral



No âmbito do processo comum colectivo nº 484/01.0GAMCN do 2º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Marco de Canavezes foi submetido a julgamento o arguido AA, melhor identificado nos autos.
O arguido fora acusado e posteriormente pronunciado pela autoria material de um crime de homicídio, p. p. pelo artigo 131º do Código Penal, tendo a assistente, viúva da vítima, por si e em representação do filho menor, deduzido pedido cível de indemnização, pedindo a condenação do arguido no pagamento da indemnização de € 103. 870, 40 e € 57. 482,00 a si e ao filho, respectivamente.
Por acórdão do Colectivo do Círculo Judicial de Penafiel, de 5 de Fevereiro de 2004, foi deliberado:
«Absolver o arguido da prática do crime de homicídio por que vinha acusado.
- Como autor de um crime de ofensa à integridade física agravada pelo resultado, p. e p. pelo artigo 145°, n.º 1, alínea a), do Código Penal, condena o arguido na pena de dois anos de prisão.
Mais o condena no pagamento da taxa de justiça de 3UCs, e nas custas com o mínimo de procuradoria e em 1% da taxa de justiça agora aplicada a reverter para o Cofre Geral dos Tribunais.
Condena o arguido a pagar à assistente a quantia de quarenta e dois mil euros (€ 42.000,00), acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a notificação para contestar o pedido de indemnização civil.
Absolve o arguido do demais peticionado.
As custas do pedido serão suportadas pelos demandantes e arguido na proporção de decaimento.
Condena o arguido a pagar ao Instituto da Solidariedade e Segurança Social a quantia de seis mil oitocentos e cinquenta e dois euros e sessenta e cinco cêntimos (6.852,65).
Nos termos do disposto no artigo 50° do Código Penal, suspende a execução da pena agora aplicada ao arguido pelo período de três anos e com a condição do arguido pagar aos demandantes a quantia arbitrada a título de indemnização, nos termos acima expostos».

Antes do dispositivo consignara-se: “A suspensão pelo prazo de três anos será, contudo, condicionada à obrigação de o arguido efectuar o pagamento da indemnização supra referida, devendo fazê-lo à razão de 1/3 por cada ano de suspensão”.

Inconformado, o arguido interpôs recurso, pugnando por a subordinação de suspensão da pena de prisão ao pagamento ser considerada como não escrita, ou a concessão de um prazo razoável para o cumprimento da obrigação de indemnização.
Por acórdão deste Supremo Tribunal de 1 de Julho de 2004, por insuficiência da matéria de facto, foi anulado o julgamento no segmento em que decidiu do condicionamento da suspensão da pena, ordenando o reenvio do processo para julgamento, a fim de que aí se indagasse, com a necessária profundidade, da situação sócio-económica do arguido e conforme fosse apurado, se decidisse pelo condicionamento ou não, da suspensão da pena nos termos decretados na decisão recorrida ou outro tido por mais adequado.

Realizado o julgamento determinado por reenvio, foi elaborado pelo Colectivo do Círculo de Penafiel, necessariamente com outra composição, novo acórdão datado de 22 de Junho de 2005, constante de fls. 694 a 713, em que, na parte sequencial à razão que determinou o novo julgamento, foi decidido:
«Nos termos do disposto no artigo 50° do Código Penal, suspende a execução da pena agora aplicada ao arguido pelo período de cinco anos e com a condição do arguido pagar aos demandantes a quantia arbitrada a título de indemnização, nos termos acima expostos».
A exposição deste ponto na fundamentação de direito no segmento “Da suspensão da execução da pena”, a fls. 712, era do seguinte teor: “A suspensão pelo prazo de três anos será, contudo, condicionada à obrigação de o arguido efectuar o pagamento da indemnização supra referida, devendo fazê-lo à razão de 1/5 por cada ano de suspensão”(sic).
Desta decisão interpuseram recurso o arguido e a assistente.
O recurso do arguido, por intempestivo, não foi admitido, sendo mandado desentranhar o respectivo requerimento e motivação, por despacho de 02-03-2006.

A assistente apresentou a motivação de fls. 727 a 732, que remata com as seguintes conclusões (em transcrição):
a) O douto acórdão condenou o Arguido na pena de prisão de 2 anos, suspensa pelo período de 5 anos com a condição de pagar à assistente e ao filho desta, a título de indemnização a quantia de 42.000 € acrescida de juros legais desde a citação para contestação do pedido cível, à razão de 1/5 por cada ano de suspensão;
b) Provou-se em audiência de julgamento que o Arguido recebe 2.153,09 € por mês e que o mesmo não alegou qualquer despesa mensal.
c) O Arguido omitiu ao tribunal o valor mensal que recebia e recebe de uma pensão vitalícia, no valor de l000 € mensais, tal como resultou provada na segunda audiência de julgamento,
d) O douto acórdão proferido incide sob uma premissa "ab initio" errada, já que, o douto acórdão proferido em sede do 1º julgamento, teve por base os 500 € auferidos pelo Arguido para cálculo do período de suspensão pelo período de 3 anos e, o douto acórdão ora recorrido tem por base 2.153,09€ para determinar o período de suspensão pelo período de 5 anos (elevando ao máximo o período de suspensão).
e) O Arguido fica com 1.473.09 € para os seus gastos normais e diários, ou seja, um salário muito acima da média do cidadão comum equiparado ao Arguido,
f) A suspensão da execução da pena com a condição de pagar a indemnização aos lesados, funciona não só para uma adequada protecção do bem jurídico em causa, mas também como uma finalidade da punição.
g) O Tribunal a quo, ao determinar o pagamento da indemnização em tão longo prazo, não satisfaz as finalidades da punição, uma vez que não há por parte do Arguido qualquer esforço ou sacrifício no pagamento da quantia de 42.000 € no período de cinco anos.
h) O douto acórdão recorrido viola, por excesso, os princípios gerais de direito de adequação, proporcionalidade equidade, fazendo uma errada interpretação e aplicação da norma jurídica contida no art. 50° do Código Penal.
Pede a revogação do acórdão recorrido.

O Exmo. Procurador da República junto do Círculo Judicial de Penafiel respondeu, conforme fls. 750 a 754, terminando com estas conclusões:
1 - Não se questiona a pena de prisão aplicada, nem a sua medida, ou seja, de dois anos.
2 - Não se questiona a suspensão da sua execução, nem a sua subordinação ao pagamento da indemnização do montante de 42.000 Euros, a favor dos lesados.
3 - O que está em causa é o aumento de três para cinco anos, da duração do prazo de suspensão da execução da pena e, consequente cumprimento da condição suspensiva, por se entender, como o faz a assistente, que o alargamento desse prazo viola os princípios gerais de direito de adequação, proporcionalidade e equidade, fazendo-se assim uma errada interpretação do artigo 50.º do Código Penal.
4 - Se é certo que numa primeira abordagem, o aumento desse prazo favorece o arguido, já que o esforço financeiro por ele suportado, porque repartido por um prazo mais dilatado, é menor, por outro lado, o aumento do prazo da suspensão da execução da pena prejudica-o porque aumenta a possibilidade de poder vir a cumprir a pena em que foi condenado, em caso de prática de novos crimes.
5 - Por isso, não vemos que ao aumentar aquele prazo de três para cinco anos, o acórdão recorrido viole os princípios gerais de direito de adequação, proporcionalidade e equidade e se interprete erradamente o artigo 50.º do Código Penal.
Termina defendendo a manutenção do acórdão recorrido.

Por diversos atrasos verificados no processamento dos autos na 1ª instância, apenas em 15 de Fevereiro de 2008, foram os autos remetidos a este Supremo Tribunal.

O Exmo. Procurador-Geral Adjunto teve vista dos autos, pronunciando-se pela tempestividade do recurso, dizendo nada obstar ao seu conhecimento e promovendo a designação de dia para julgamento – fls. 788.
Como é jurisprudência assente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação apresentada, onde resume as razões do pedido (artigo 412º, nº 1 do CPP), que se delimita o âmbito do recurso.

Colhidos os vistos e realizada a audiência de julgamento, cumpre apreciar e decidir.

Questão a decidir

A questão colocada, como resulta das conclusões de recurso, é a de saber se pode ser reduzido o prazo de suspensão da execução da pena de prisão imposta ao arguido, como pretende a assistente.

FACTOS PROVADOS

1) Por intermédio de BB, à data sua esposa e de quem o mesmo já se encontrava separado, o arguido teve conhecimento que, no início de Novembro de 2001, o CC tinha tentado apropriar-se de objectos que se encontravam na residência daquela.
2) O arguido conhecia há alguns anos o CC e sabia que o mesmo era toxicodependente. I
3) No dia 17 de Novembro de 2001, alguns dias depois de ter tido conhecimento deste episódio, o arguido, pelas 13.30 horas, encontrou o CC nas escadas exteriores de acesso ao piso menos um do Edifício "Marco Shopping", sito no centro desta cidade.
4) Ao avistá-lo o arguido aproximou-se do CC, encontrava no patamar subsequente ao último degrau daquelas escadas, advertindo-o para não voltar a repetir o que tinha feito.
5) Acto contínuo desferiu dois golpes com as mãos que atingiram o CC na cabeça, o que determinou a sua queda.
6) O CC, após a queda, ficou prostrado no chão e o arguido desferiu um pontapé que o atingiu nas nádegas, após o que abandonou o local.
7) Em consequência daquela conduta e da queda o CC sofreu equimoses dos tecidos moles do couro cabeludo centímetros na região parietal esquerda e no encéfalo, duas extensas áreas equimóticas com coágulos localizados em ambos os hemisférios cerebrais na região parieto-occiptal e equimose presença de coágulo ao nível do cerebelo.
8) Estas lesões foram causa directa e necessária da morte do CC, que ocorreu no mesmo dia.
9) O arguido conhecia o CC há alguns anos e sabia que o mesmo consumia produtos estupefacientes.
10) Sabia que essa dependência era susceptível de o debilitar fisicamente.
11) O arguido agiu voluntária e conscientemente, querendo ofender no corpo e na saúde o CC, como efectivamente aconteceu.
12) O arguido não chegou a representar como possível que da sua actuação poderia resultar a morte da vítima, mas poderia e devia tê-lo previsto, uma vez que a mesma era toxicodependente, e por mais frágil fisicamente.
13) O arguido é um homem alto e forte, bem constituído e o local onde ocorreram os factos é um patamar em cimento.
14) Sabia que a sua conduta era proibida por lei.
15) Confessou a apurada conduta.
16) O arguido tem dois filhos de maior idade do anterior casamento.
17) Tem a seu cargo duas filhas menores da sua actual companheira.
18) O arguido encontra-se presentemente a trabalhar no Luxemburgo, ao serviço da empresa Express Services, S.A. auferindo o vencimento líquido mensal de € 1153,09.
19) O arguido recebe ainda uma pensão vitalícia de doença resultante de um acidente de trabalho de que foi vítima na Suíça onde esteve emigrado, de montante não concretamente apurado, mas não inferior a mil euros por mês.
20) É primário, e bem considerado no meio onde vive.
21) Tem a 4ª classe da instrução primária.
22) O CC era casado com a assistente e era pai do RR.
23) À data da morte, o CC tinha 35 anos de idade.
24) A assistente e o filho sentiram a morte do CC, tendo ficado abalados com a mesma.
25) A assistente trabalha aos dias.
26) O RR é estudante.
27) O Instituto de Segurança Social pagou à assistente (por si e na qualidade de representante legal do menor RR) a quantia de € 6.852,65, a título de subsídio por morte e pensões de sobrevivência.

Questão prévia
Legitimidade da assistente

Parece-nos ser de colocar a questão prévia de saber se a assistente, face à sua atitude anterior no processo e tendo em vista o objectivo específico que pretende, tem legitimidade para o presente recurso.
Antes convirá passar em revista alguns aspectos da tramitação dos autos.
DD, casada que foi com a vítima, em 21-05-2002 requereu a sua admissão a intervir nos autos como assistente - fls. 195.
Em 28-06-2002 o Mº Pº deduziu acusação contra o arguido - fls. 215/7.
A referida DD, por si e em representação de seu filho menor, deduz pedido cível de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais em 9-07-2002, dando então como integralmente reproduzida a acusação do Mº Pº - fls. 225 a 229.
Entretanto o arguido requereu a abertura de instrução, sendo proferida decisão instrutória de pronúncia em 12-02-2003 – fls. 284/290.
A referida DD vem a ser admitida a intervir como assistente quase um ano após a dedução do pedido, em despacho de 23-04-2003, após ser classificado o processo e ordenada a remessa ao Círculo para marcação de dia para julgamento, vindo a ser notificada desse despacho através de carta registada emitida em 27-05-03, conforme fls. 313.
*
Estabelece o artigo 69º do CPP:
1. Os assistentes têm a posição de colaboradores do Ministério Público, a cuja actividade subordinam a sua intervenção no processo, salvas a s excepções da lei.
2. Compete em especial aos assistentes:
c) Interpor recurso das decisões que os afectem, mesmo que o Ministério Público o não tenha feito.
E o artigo 401º do CPP:
1. Têm legitimidade para recorrer:
b) O arguido e o assistente, de decisões contra eles proferidas;
2. Não pode recorrer quem não tiver interesse em agir.

A legitimidade do assistente para interpor recurso em caso de sentença condenatória, desacompanhado do Mº Pº, maxime, estando em causa a medida da pena, foi objecto de controvérsia, tendo-se na jurisprudência do STJ desenhado três soluções:
Uma primeira, negando essa possibilidade, considerando que a decisão não o afectava, ou por não ter interesse em agir, de que são exemplos os acórdãos de 22-11-1995, CJSTJ 1995, tomo 3, 240, de 09-10-1997, BMJ 470, 364, de 18-12-1997, CJSTJ 1997, tomo 3, 216.
Uma segunda, reconhecendo legitimidade ao assistente – como nos casos dos acórdãos de 03-07-1991, BMJ 409, 355, de 22-05-1996, processo 243/96, de 09-04-2007, CJSTJ 1997, tomo 2, 172 e BMJ 466, 366.
Uma terceira posição, defendendo que a solução para decidir da legitimidade ou ilegitimidade para o recurso deve ser encontrada, apreciando, caso a caso, se a sua posição é afectada pela natureza da condenação ou pela espécie da medida da pena aplicada ao arguido - acórdãos de 30-03-1995, CJSTJ 1995, tomo 1, 235, de 15-01-1997, CJSTJ 1997, tomo 1, 188, de 09-04-1997, CJSTJ 1997, tomo 2, 177.
Sobre esta querela veio tomar posição o assento de 30 de Outubro de 1997, que firmou a seguinte jurisprudência: «O assistente não tem legitimidade para recorrer, desacompanhado do Ministério Público, relativamente à espécie e medida da pena aplicada, salvo quando demonstrar um concreto e próprio interesse em agir».
Arguida nulidade do assento, sobre a mesma recaiu o acórdão de 12-03-1998, e formulado posteriormente pedido de aclaração, sobre o mesmo veio a recair o acórdão de 02-07-1998.
Foi ainda interposto recurso para o Tribunal Constitucional, que não conheceu do respectivo objecto, sendo publicado o assento no DR - Iª Série, de 10-08-1999 (e BMJ 470, 39).
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No caso em apreciação, a assistente não deduziu acusação, mas esse argumento não valerá de muito, na medida em que não é forçoso que assim seja, pois o assistente pode intervir em qualquer altura do processo, aceitando-o no estado em que se encontrar - n º 2 do artigo 68º do CPP - sendo que a assistente só foi admitida como tal já com o julgamento marcado e ademais declarou acompanhar a acusação pública aquando da dedução do pedido cível.
No caso concreto, a assistente não pretende questionar a espécie de pena, nem a sua medida, nem a aplicação da pena de substituição de suspensão da execução da pena de prisão, nem tão pouco o estabelecimento de condicionamento ao pagamento da quantia arbitrada a título de indemnização.
A recorrente não vem reclamar uma determinada dosimetria punitiva em função das suas expectativas pessoais nesse específico campo e para satisfação destas.
Não impetra agravamento punitivo no quantum de pena, nem questiona o benefício da suspensão, mas apenas o prazo da suspensão da execução dentro do qual terá de ser cumprida a obrigação imposta ao arguido.
No caso vertente, estando em causa e sendo objecto do processo, aquando da sua admissão nos autos, um crime de homicídio, a assistente intervém, obviamente, não como titular do bem jurídico protegido, dos interesses que a lei especialmente quis proteger com a incriminação (artigo 68º, nº 1, alínea a), do CPP), mas ao abrigo da alínea c) do mesmo preceito, como cônjuge sobrevivo, em regime de substituição, não estando em causa aqui e agora, a legitimidade para se constituir assistente, nessa qualidade já reconhecida e como tal admitida, mas a legitimidade para recorrer de decisão, que na sua perspectiva, conquanto indirectamente atingida pelo crime, a afecta, por forma a assistir-lhe legitimidade para dela recorrer.
Para além da legitimidade, derivada da titularidade do interesse especialmente protegido pela incriminação e afectado pela decisão, é normal a existência do requisito do interesse em agir - nº 2 do artigo 401º, do CPP - e a sua verificação em concreto.
O interesse em agir é a necessidade concreta de recorrer à intervenção judicial, à acção, ao processo e, em regra, o assistente só pode reagir à afectação do seu direito mediante a interposição de recurso.
No caso que nos ocupa, o que no fundo está em causa é a dimensão do prazo de pagamento da indemnização.
Caso não tivesse funcionado o princípio da adesão, a assistente teria proposto acção cível baseada em responsabilidade aquiliana, que a merecer provimento, veria reconhecida a sua pretensão, com a declaração de um direito de crédito, sendo-lhe conferido título executivo, a que se seguiria pagamento subsequente espontâneo ou coercivo, através de processo executivo, não se colocando a questão de pagamento faseado, a menos que as partes se concertassem mediante contrato de transacção nesses moldes.
É nesta perspectiva e considerada a interdependência entre as duas componentes da instância enxertada (da acção civil conexa com a criminal) e da ambivalência das pretensões da lesada/assistente, que deverá ser encarada a legitimidade da recorrente, sobrelevando sobremaneira, aqui e agora, até tendo por pano de fundo a aquiescência da assistente relativamente à anterior definição do quadro temporal a observar, a defesa de interesses, que têm mais a ver com a esfera da lesada do que com o vector da assistente.
Dir-se-ia que mais do que uma intervenção no plano da responsabilidade criminal o que move a assistente é o almejar de desiderato que releva mais do campo da responsabilidade civil conexa com a criminal - dentro desta lógica, muito provavelmente, tivesse a pretensão indemnizatória sido objecto de contrato de transacção, e a assistente não teria razões para recorrer do mero alargamento do prazo.
Na anterior decisão o prazo de pagamento da indemnização era de 3 anos, passando para 5 na decisão ora recorrida e a única discordância da assistente prende-se com o alargamento do prazo, havendo que atentar no facto de que da precedente decisão não recorreu, pelo que há da sua parte interesse em agir no presente caso, tendo pois, legitimidade para recorrer.
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Assegurada a legitimidade da recorrente, há que apreciar a questão colocada.

O que move a assistente é a sua discordância relativamente à ampliação para cinco anos do período de suspensão da execução da pena de prisão imposta ao arguido, pois, como se referiu, não recorreu do primeiro acórdão, visando o prazo então fixado em três anos, com o qual estaria assim de acordo.
Defende que o alargamento do prazo implica a violação dos princípios da proporcionalidade, da adequação e equidade, partindo o acórdão recorrido de uma premissa errada, pois se o anterior acórdão para cálculo dos 3 anos teve por base os 500 euros auferidos pelo arguido, não se justificaria ampliar o prazo quando agora a base é de 2.153,09 euros.
Analisada a situação presente, em que há uma coincidência total entre a indemnização devida ao lesado e a indemnização resultante do pedido cível deduzido nos autos, seria de colocar a questão de saber se em tese pode ser imposta como condição de suspensão da execução da pena de prisão o pagamento da totalidade de crédito de demandante, incluindo juros de mora, principalmente quando estamos perante crédito com alguma envergadura, como é o caso, funcionando de certo modo a condição suspensiva como pretensa “garantia” de pagamento integral do crédito civil …
No caso foi essa a solução, que aqui não está em equação, pois o arguido não recorreu (rectius, foi desatendido o seu recurso), mas manifesto é que se deverão extrair algumas consequências para a questão a tratar.

Vejamos o direito aplicável.

Estabelece o artigo 50º do Código Penal, na redacção do DL 48/95, de 15 de Março, que vigorava à data da decisão:
1 - O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 3 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
2 - O tribunal, se o julgar conveniente e adequado à realização das finalidades da punição, subordina a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos dos artigos seguintes, ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, ou determina que a suspensão seja acompanhada de regime de prova.
3 - Os deveres, as regras de conduta e o regime de prova podem ser impostos cumulativamente.
4 - A decisão condenatória especifica sempre os fundamentos da suspensão e das suas condições.
5 – O período de suspensão é fixado entre 1 e 5 anos a contar do trânsito em julgado da decisão.

E o artigo 51º do mesmo Código:

1 - A suspensão da execução da pena de prisão pode ser subordinada ao cumprimento de deveres impostos ao condenado e destinados a reparar o mal do crime, nomeadamente:
a) Pagar dentro de certo prazo, no todo ou na parte que o tribunal considerar possível, a indemnização devida ao lesado, ou garantir o seu pagamento por meio de caução idónea;
b)…………………………………………………………………………………………
c)………………………………………………………………………………………….
2 – Os deveres impostos não podem em caso algum representar para o condenado obrigações cujo cumprimento não seja razoavelmente de lhe exigir.
3 – Os deveres impostos podem ser modificados até ao termo do período de suspensão sempre que ocorrerem circunstâncias relevantes supervenientes ou de que o tribunal só posteriormente tiver tido conhecimento.

Em confronto com o correspondente artigo 49º da versão anterior, a originária de 1982, verifica-se que o nº 2 corresponde a uma inovação, que foi introduzida pela reforma de 1995 - cfr. artigo 3º, 15), alínea e), da Lei de autorização legislativa nº 35/94, de 15-09, ao abrigo da qual surgiu a Lei nº 48/95, de 15-03 (3ª alteração ao Código Penal).
Consagra-se no nº 2 o princípio da razoabilidade, a que tem de obedecer a imposição dos deveres.
Comentando-o diz Maia Gonçalves “O texto tem um conteúdo algo vago, e nem poderia ser de outro modo, dada a amplitude dos deveres que podem ser impostos. Trata-se de exprimir um princípio de orientação para o tribunal, de modo a habilitá-lo a delimitar o domínio em que há-de mover-se na sua faculdade de determinação dos deveres a cumprir pelo condenado em vista da reparação do mal causado pelo crime”.
Fazendo uma aplicação concreta deste princípio veja-se o acórdão do STJ, de 11-02-1999, CJSTJ 1999, tomo 1, 212.
No acórdão ora recorrido, aliás, na esteira do anterior, a imposição da condição, seus termos e prazo, surge sem qualquer fundamentação, sem invocação sequer das normas aplicáveis ao caso, o que não foi posto em discussão por parte do arguido/demandado.
Há que ter em consideração que o montante a pagar pelo arguido e demandado não é só de capital, a este havendo que adicionar a obrigação acessória de juros de mora, a computar desde a notificação do arguido para contestar o deduzido enxertado pedido cível, o que pressupõe que no caso não foi actualizada na decisão a dívida de valor em causa (artigo 566º, nº 2, do C. Civil), o que por si, estando-se face a indemnização por danos não patrimoniais, ainda constitui observância do decidido no acórdão de uniformização de jurisprudência, nº 4/2002, de 9 de Maio de 2002, in DR- Iª Série, de 27-06-2002.
Ora, atendendo ao dies a quo do prazo de pagamento da obrigação acessória, marcado no já longínquo dia 31 de Maio de 2003, significará que o volume da dívida actualizada do arguido é bem superior ao apontado montante de € 42 000 - note-se que na conclusão 5ª do anterior recurso o arguido referia já então a quantia de € 48. 852,65, certamente computando os juros moratórios vencidos até então, sendo hoje a dívida, volvidos cerca de quatro anos, muito superior.
Ao impor a condição de pagamento ou outra, o juiz deve averiguar da possibilidade de cumprimento dos deveres impostos, ainda que, posteriormente, no caso de incumprimento, deva apreciar da alteração das circunstâncias que determinaram a impossibilidade, para o efeito de decidir sobre a revogação da suspensão.
Não devem ser impostos ao arguido deveres, nomeadamente o de indemnizar, sem que seja viável a possibilidade de cumprimento desses deveres.
Como pondera Germano Marques da Silva, Direito Penal Português, III, p. 208, prática contrária significaria apenas adiar a execução da pena de prisão.

Para melhor análise da questão não poderá deixar de fazer-se o confronto com a anterior decisão.
No anterior acórdão do Colectivo de Marco de Canavezes, de 5 de Fevereiro de 2004, foi dado como provado, com interesse para este ponto específico, o seguinte:
«O arguido tem a seu cargo duas filhas menores da sua actual companheira.
Trabalha com um cunhado e efectua casamentos, baptizados e outras festas, no que retira em média cerca de € 500».
Com base nestes elementos, o Colectivo condicionou a suspensão da execução da pena de prisão imposta ao pagamento da indemnização arbitrada aos demandantes, no âmbito de pedido cível deduzido nos autos, embora no segmento da condenação do pedido cível se refira condenação a pagar na sua totalidade à assistente (e não aos demandantes, conforme o seu direito) mantendo-se no novo acórdão estas incongruências, pois que retirando a nova parte resultante do novo julgamento, a última decisão é uma reposição integral do anterior acórdão, não totalmente revisto e adaptado, de tal modo que, muito embora agora tivesse marcado o prazo de 5 anos, na fundamentação de direito manteve a anterior referência a 3 anos ... - cfr. supra, fls. 2, in fine.
A anterior decisão não cumpriu minimamente os critérios de razoabilidade pressupostos no preceito do nº 2 do artigo 51º do Código Penal, estando muito longe disso, na medida em que com um salário do arguido de € 500, partindo-se do pressuposto de que se referia a retribuição mensal (o que de resto, é confirmado pelo arguido na motivação do primeiro recurso), era manifestamente impossível dar cumprimento à obrigação imposta, sendo de todo irrealista a condição imposta, pois que auferindo o arguido anualmente 6 000 euros (500 x 12), teria de pagar mais do dobro, ou seja, o equivalente a 14 000 euros por ano, para dar satisfação ao determinado no acórdão, mesmo sem se ter em conta que o arguido para continuar a ser devedor necessitaria de se alimentar, para além de ter outras obrigações legais, o que redundaria em previsível, natural, óbvio e inexorável incumprimento, e então, de duas, uma: ou era-lhe dada nova hipótese, com novo enquadramento da condição, ou teria de cumprir sem apelo a pena de prisão, solução que era de todo desproporcionada e inadequada, perfeitamente excessiva, mas igualmente previsível atentos os contornos do caso.
Como então referia o arguido no recurso que interpôs, a condição imposta era objectivamente impossível de cumprir, por não dispor de condições económicas para o fazer, pedindo então que fosse considerada como não escrita a subordinação ou concedido prazo razoável para cumprimento da obrigação de indemnização.

Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, p. 350, § 533, antes da revisão de 1995 que introduziu o nº 2 do artigo 51º do Código Penal, observava que a imposição de deveres e regras de conduta haveria forçosamente de sofrer uma dupla limitação: “a de que, em geral, eles sejam compatíveis com a lei, nomeadamente com todo o asseguramento possível dos direitos fundamentais do condenado; e a de que, além disso, o seu cumprimento seja exigível no caso concreto”.
Acrescentava, a p. 351, § 535: “Quanto à exigibilidade de que, em concreto, devem revestir-se os deveres e regras de conduta, o critério essencial é o de que eles têm de encontrar-se numa relação estrita de adequação e de proporcionalidade com os fins preventivos almejados”.
Quanto à obrigação do condenado de pagar dentro de certo prazo a indemnização devida ao lesado enquanto condição de suspensão da execução da pena consagrada no art. 49º, nº 2, alínea a) da versão originária (actual artigo 51º, nº 1, alínea a)) entendia o mesmo Prof., a p. 352, § 537, que “Conexionando esta obrigação com a cláusula de exigibilidade contida no artigo 49º, nº 3, parece dever concluir-se que a suspensão é ainda compatível com um pagamento parcial, se o tribunal concluir que só este é concretamente exigível”.
Foi já colocada a questão da inconstitucionalidade ou não da norma constante do artigo 51º, nº1, alínea a), do Código Penal, na parte em que permite ao juiz condicionar a suspensão da execução da pena de prisão à efectiva reparação dos danos causados ao ofendido, tendo o Tribunal Constitucional emitido pronúncia pela negativa, afastando o entendimento de previsão de uma situação de prisão por dívidas, no acórdão nº 596/99, de 02-11-1999, in DR, II - Série, de 22-02-2000.
Neste sentido, reportando-se ao artigo 49º da versão originária, pronunciou-se o acórdão do Tribunal Constitucional nº 440/87, de 4-11-87, in DR, II - Série, de 17-02-1988 e BMJ 371, 178.
A propósito da caracterização da indemnização atribuída ao lesado, Figueiredo Dias, ob. cit., p. 352/3, focando as dúvidas que se podem colocar à correlacionação entre este dever e o pedido de indemnização civil afirma: “… do que se trata em suma, neste dever de indemnizar, é da sua função adjuvante da realização da finalidade de punição, não de reeditar a tese do carácter penal da indemnização civil proveniente de um crime que o artigo 128º quis postergar”.
No acórdão do STJ de 11-06-1997, CJSTJ 1997, tomo 2, 226, toma-se posição sobre a natureza jurídica da indemnização, dizendo-se: «A quantia cujo pagamento pelo arguido ao lesado é condição da suspensão da pena não constitui aqui uma verdadeira indemnização, mas uma compensação destinada principalmente ao reforço do conteúdo reeducativo e pedagógico da pena de substituição e a dar satisfação suficiente às finalidades da punição, respondendo nomeadamente à necessidade de tutela dos bens jurídicos e estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias.
Por isso a modificabilidade do quantum arbitrado se tal vier a justificar-se – cfr. artigo 49º, 3, do CP de 1982 (artigo 51º, 3 do CP de 1995).
E por isso também que o montante assim arbitrado não tenha de corresponder ao que resultaria da fixação de indemnização segundo os critérios estabelecidos na lei para a responsabilidade civil e para a obrigação de indemnizar (artigos 483º e segs. e 562º e segs. do Código Civil), ou seja, a determinação do montante do quantum compensatório não está sujeito aos estritos critérios da lei civil e processual civil para a fixação da indemnização».
Sobre a questão de saber se a indemnização devida ao lesado a que se refere o artigo 51º, 1, a), do Código Penal tem diferente natureza da que é objecto do pedido de indemnização cível, debruçou-se o acórdão do Tribunal Constitucional nº 305/2001, processo 412/2000, de 27-06-2001, in DR, II - Série, de 19-11-2001, onde se analisa a jurisprudência do STJ sobre o tema, retirando-se que a compensação ou indemnização é tida como que um tertium genus, com uma natureza jurídica própria (cumprindo a «função adjuvante da realização da finalidade da punição»), onde desde logo avulta como traço diferenciador o facto de ela não ser exigível pelo lesado.
O sancionamento pelo não cumprimento do dever económico imposto como condição da suspensão é o que deriva das regras do próprio instituto da suspensão da pena, não ficando subordinado aos condicionalismos específicos substantivos e processuais próprios do direito civil - acórdãos do STJ, de 31-05-2000, CJSTJ 2000, tomo 2, 208, de 19-02-2003 e de 26-02-2003, CJSTJ 2003, tomo 1, 201 e 220.

A perspectiva da assistente não pode proceder, pois como refere o MºPº na conclusão 4ª da resposta apresentada, se ao alargar-se o prazo de suspensão/pagamento, o arguido fica com mais tempo para pagar, reduzindo-se o esforço financeiro que terá de fazer, por outro lado, o aumento de prazo pode prejudicá-lo, pois que exactamente em função desse maior período aumenta a possibilidade ou risco de poder vir a cumprir a pena em que foi condenado, em caso de prática de novos crimes.
A ter-se em conta apenas o capital do montante em dívida, o arguido terá de pagar € 8 400 anuais, ou seja, € 700 mensalmente, ficando com € 1473,09 para sustento próprio e dos que estão a seu cargo - duas filhas menores e companheira, como resulta do ponto de facto provado nº 17 – o que é mais razoável que a anterior solução.
Vistas as coisas de outra perspectiva, a imposição como condicionante da suspensão da execução da pena de prisão, do pagamento da indemnização arbitrada, não descaracteriza a sentença condenatória como título executivo, não paralisa os seus efeitos - artigo 467º, nº 1, do CPP – nada impedido que a assistente promova, ou tivesse já promovido, a competente execução do seu crédito e de seu filho.
Por tudo quanto se expôs, dentro do condicionalismo presente, tem-se por mais adequada a solução encontrada no acórdão recorrido, porque sempre terá maiores hipóteses de exequibilidade do que a anterior, apresentando-se como mais razoável.
Assim sendo, não pode proceder a pretensão da assistente.

Pelo exposto, acordam no Supremo Tribunal em negar provimento ao recurso, confirmando-se o acórdão recorrido.

Custas pela recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário concedido.

Consigna-se que foi observado o disposto no artigo 94º, nº 2 do CPP.

Lisboa, 30 de Abril de 2008


Raul Borges (relator)
Fernando Fróis
Armindo Monteiro
Henriques Gaspar