BANCÁRIO
PENSÃO DE REFORMA
REGIME GERAL DA SEGURANÇA SOCIAL
RETRIBUIÇÃO DE REFERÊNCIA
Sumário


1. A cláusula 116.ª do ACT do Grupo BCP aplica-se aos trabalhadores bancários que deixaram de o ser antes de atingirem a situação de reforma, tal como reflecte a respectiva epígrafe («Benefícios em caso de invalidez ou invalidez presumível fora do sector bancário») e evidencia o primeiro segmento da norma do seu n.º 1.
2. Naquela situação, o trabalhador, em caso de invalidez ou de invalidez presumível fora do sector bancário, tem direito ao pagamento pela entidade patronal subscritora, na proporção do tempo de serviço nela prestado, da importância necessária para que venha a auferir uma pensão de reforma igual à que lhe caberia se o tempo de serviço prestado no sector bancário fosse considerado como tempo de inscrição no regime geral de segurança social ou outro regime especial mais favorável que lhe seja aplicável, independentemente de o trabalhador chegar ou não a adquirir direitos nos referidos regimes.
3. Tendo o trabalhador adquirido direitos no regime geral de segurança social, como acontece no caso, a retribuição de referência para cálculo da pensão proporcional ao tempo de serviço prestado no sector bancário deverá ser a que foi fixada pela Centro Nacional de Pensões para cálculo da sua pensão de reforma no âmbito daquele regime geral e não a prevista no n.º 2 da cláusula 116.ª citada.

Texto Integral




Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

I

1. Em 12 de Setembro de 2005, no Tribunal do Trabalho de Lisboa, AA instaurou acção declarativa, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho contra o BANCO COMERCIAL PORTUGUÊS, S. A., pedindo: (a) que lhe seja reconhecido «o direito às pensões de reforma desde 16 de Dezembro de 2003, sendo as mesmas calculadas de forma a que possa auferir uma pensão de reforma igual àquela que lhe pagaria o regime geral da Segurança Social se o tempo de serviço prestado no sector bancário fosse considerado como tempo de inscrição no regime da Segurança Social»; (b) seja a sua pensão «calculada com o mínimo de anos civis aos 55 anos de 41 anos donde resulta o direito à pensão de 208,13 € (2.312,54 € – 2.104,41 €) a partir de 16 de Dezembro de 2003»; (c) seja a ré condenada a pagar-lhe «as pensões em dívida desde 16 de Dezembro de 2003 até Julho de 2004 e as diferenças entre aquelas que pagou a partir de Julho de 2004 e as devidas, perfazendo […] 3.104,09 € até Agosto de 2005, bem como os juros de mora à taxa legal desde a citação e as pensões vincendas».

A acção, contestada pela ré, foi julgada parcialmente procedente, sendo a ré condenada «a pagar ao Autor a quantia referente à pensão correspondente ao período de 16/12/2003 a Julho de 2004, a liquidar nos termos dos artigos 661.º, n.º 2, e 378.º, n.º 2, do CPC, a que acrescerão os juros de mora vencidos desde 19/7/2004 e vincendos até integral pagamento, à taxa legal, que está fixada em 4%», e absolvida quanto ao mais que era pedido pelo autor.

2. Inconformados, a ré e o autor apelaram, alegando a primeira que a pensão complementar de reforma era apenas devida desde Julho de 2004 e propugnando o segundo pelo reconhecimento do montante da pensão de reforma indicado na petição inicial, tendo a Relação de Lisboa julgado procedentes ambos os recursos, revogando a decisão recorrida e condenando a ré «a pagar ao autor a pensão de reforma no montante mensal de € 208,13, a partir de Julho de 2004, com dedução da quantia de € 116,29 que lhe vem sendo liquidada mensalmente, acrescida de juros de mora vencidos sobre a respectiva diferença a partir do vencimento de cada uma das prestações e vincendos até efectivo pagamento, à taxa legal».

É contra esta decisão que a ré agora se insurge, mediante recurso de revista, em que formula as seguintes conclusões:

«1. O Recorrido reformou-se com apenas 62 anos de idade, em 16.12.2003, ao abrigo do regime de flexibilização da pensão de velhice previsto no Decreto-Lei n.º 9/99, de 8 de Janeiro — facto julgado provado no ponto 6.
2. Por essa razão, viu penalizada a pensão de reforma que veio a auferir da Segurança Social, tal como decorre dos factos julgados provados nos pontos 7, 8 e 9.
3. Salvo o devido respeito, tal factualidade não foi devidamente valorada pelo douto Acórdão recorrido, porquanto, sendo certo que o Recorrente aceitou pagar ao Recorrido uma pensão de reforma ainda antes deste atingir 65 anos de idade,
4. A verdade é que o Recorrido não reunia as condições para beneficiar, sem penalizações, de qualquer pensão de reforma, fosse ela do Regime Geral da Segurança Social, fosse ela do Regime de Segurança Social do Sector Bancário.
5. A vingar o entendimento sufragado pelo douto Acórdão recorrido, o Recorrente ver-se--ia obrigado a suportar a penalização da pensão do Recorrido, por força do regime de flexibilização ao qual o Recorrente é absolutamente alheio, sendo certo que tal regime de flexibilização não encontra paralelo no regime de segurança social do sector bancário.
6. Ainda assim, no caso do Recorrido, e aceitando a sua reforma antecipada (muito embora a isso não estivesse obrigado), o Recorrente aplicou o Acordo Colectivo de Trabalho (ACT) do Grupo BCP, publicado no BTE, n.º 48, 1.ª Série, de 29 de Dezembro de 2001, que contém um regime peculiar, munido de regras específicas, sobre o cálculo das pensões de reforma, o valor mínimo das mesmas e respectivas actualizações.
7. A pensão de reforma que o Recorrido aufere foi calculada nos termos da Cláusula 116.ª do citado ACT do Grupo BCP.
8. Nos termos do disposto no n.º 2 da citada Cláusula 116.ª do ACT, que define o modo de cálculo da “parte da pensão a cargo da Entidade Patronal”, o Banco [Recorrente], aplicando a percentagem do Anexo VI à retribuição do Anexo III (Nível 6), a que somou diuturnidades e anuidades, apurou a base de cálculo da pensão que correspondeu a 830,67 €.
9. Aplicou de seguida a fórmula do regime geral da segurança social (base de cálculo x 2% x n.º de anos) e obteve o valor de 116.29 €, como montante da pensão a pagar ao Recorrido.
10. Tal procedimento, ao contrário do que decidiu o douto Acórdão recorrido, está inteiramente correcto, dado que cumpre integralmente o disposto nos n.os 1 e 2 da Cláusula 116.ª do ACT do Grupo BCP.
11. Reitera-se aqui que aquilo que o Recorrido pretende nos presentes autos tem dois pressupostos errados:
12. Primeiro, o Recorrido pretende que o Banco Recorrente suporte a redução da pensão que lhe foi aplicada pela Segurança Social, por força da antecipação da idade da reforma, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 9/99 de 8 de Janeiro, regime que não tem consagração no ACT do Grupo BCP;
13. Segundo, o Recorrido pretende beneficiar do melhor de cada um dos dois regimes de segurança social que lhe são aplicáveis: Regime Geral de Segurança Social e regime de segurança social do ACT do Grupo BCP.
14. Salvo o devido respeito, não pode proceder a interpretação que o douto Acórdão recorrido faz da conjugação do disposto nos n.os 1 e 2 da Cláusula 116.ª do ACT do Grupo BCP, sobretudo no caso dos presentes autos, porquanto não pode o Recorrente ser prejudicado pelo facto do Recorrido ter beneficiado de um regime de antecipação de reforma que não encontra paralelo no regime de segurança social do sector bancário.
15. A pensão que o Recorrente vem pagando ao Recorrido encontra-se correctamente calculada.
16. Decidindo como decidiu, o douto Acórdão recorrido violou o disposto nos n.os 1 e 2 da Cláusula 116.ª do ACT do Sector Bancário [deverá ler-se, «do ACT do Grupo BCP»].

Termina pedindo que seja revogado o acórdão recorrido, «decidindo-se que o Recorrente nada deve ao Recorrido, como é de inteira Justiça».

O autor contra-alegou, defendendo a confirmação do julgado.
Neste Supremo Tribunal, a Ex.ma Procuradora-Geral-Adjunta concluiu que se devia negar a revista, parecer que, notificado às partes, não suscitou resposta.

3. No caso, a única questão suscitada é a de saber qual a remuneração de referência a considerar para o cálculo da pensão de reforma proporcional ao tempo de serviço prestado pelo autor à ré, a que aquele tem direito nos termos da cláusula 116.ª do ACT do Grupo Banco Comercial Português, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, 1.ª Série, n.º 48, de 29 de Dezembro de 2001.

Corridos os vistos, cumpre decidir.

II

1. O tribunal recorrido deu como provada a seguinte matéria de facto:

1) O Autor foi admitido ao serviço do Banco Pinto & Sotto Mayor (BPSM) em 17/9/1962, trabalhando, desde então, sob as ordens, direcção e fiscalização desta instituição,
2) Tendo cessado o seu contrato de trabalho, por sua iniciativa, com o referido BPSM, em 23/6/1971;
3) O Banco Pinto & Sotto Mayor foi adquirido pelo Banco ora Réu;
4) Os direitos e obrigações do Banco Pinto & Sotto Mayor transmitiram-se para o Réu;
5) O Autor nasceu em 21/5/1941;
6) Ao abrigo do regime de flexibilização da pensão de velhice previsto no Decreto-Lei n.º 9/99, de 8 de Janeiro, o Autor reformou-se pela Segurança Social com 62 anos de idade, em 16/12/2003;
7) Para cálculo da pensão, o Centro Nacional de Pensões considerou os seguintes elementos:
– Número de anos civis aos 55 anos: 34 anos;
– Pensão estatutária: 2.312,54 euros;
– Factor de redução: 0,910;
8) O número total de anos civis considerado para a Taxa de Formação foi de 41 anos;
9) Considerando o factor de redução de 0,910 (2.312,54 euros x 0,910) a pensão do Autor foi calculada em 2.104,41 euros, a partir de 16/12/2003;
10) Se fossem considerados os 8 anos e 9 meses de serviço do Autor no Banco Pinto e Sotto Mayor para efeitos de carreira contributiva da Segurança Social, o Autor não teria qualquer factor de redução da sua pensão estatutária pois aos 55 anos de idade teria 41 anos civis;
11) O Réu enviou ao Autor a carta de 30/9/2004, cuja cópia consta como doc. 5 a fls. 16 com o seguinte teor:
«Assunto: Pensão de reforma – Cl.ª 116.ª ACT/Grupo BCP
Ex.mo Senhor
Em nome e representação do Banco Comercial Português, S.A., informamos que a sua pensão de reforma foi calculada em conformidade com a Cl.ª 116.ª do ACT/Grupo BCP.
Para esclarecimento, remetemos em anexo os elementos de cálculo da sua pensão de reforma nos termos da referida cláusula.»
12) O Réu calculou a pensão do Autor no valor de 116,29 euros a partir de Julho de 2004;
13) O Réu não pagou ao Autor a pensão desde a data da sua reforma em 16/12/2003;
14) Quando entrou em vigor o ACT do Grupo BCP, em 1/1/2002, o Autor já se encontrava inscrito no Regime Geral da Segurança Social;
15) O Réu procedeu ao cálculo da pensão de reforma do Autor aplicando a percentagem do Anexo VI do ACT à retribuição do Anexo III (Nível 6) a que somou diuturnidades e anuidades, tendo assim apurado a base de cálculo da pensão que correspondeu a 830,67 euros e aplicou de seguida a fórmula do regime geral da segurança social e obteve o valor de 116,29 euros como montante a pagar ao Autor (base de cálculo x 2% x n.º de anos) ou seja (830,67 x 0,02 x 7 = 116,29 euros);
16) O Autor apenas em 19/7/2004 requereu ao Réu o pagamento da pensão de reforma.

Os factos materiais fixados pelo tribunal recorrido não foram objecto de impugnação pelas partes, nem se vislumbra qualquer das situações referidas no n.º 3 do artigo 729.º do Código de Processo Civil, pelo que será com base nesses factos que há-de ser resolvida a questão suscitada no presente recurso.

2. O Banco recorrente sustenta que não pode proceder a interpretação que o acórdão recorrido faz «da conjugação do disposto nos n.os 1 e 2 da Cláusula 116.ª do ACT do Grupo BCP, sobretudo no caso dos presentes autos, porquanto não pode o Recorrente ser prejudicado pelo facto do Recorrido ter beneficiado de um regime de antecipação de reforma que não encontra paralelo no regime de segurança social do sector bancário», acrescentando que a «pensão que o Recorrente vem pagando ao Recorrido encontra-se correctamente calculada», já que, «[n]os termos do disposto no n.º 2 da citada Cláusula 116.ª do ACT, que define o modo de cálculo da “parte da pensão a cargo da Entidade Patronal”, o Banco [recorrente], aplicando a percentagem do Anexo VI à retribuição do Anexo III (Nível 6), a que somou diuturnidades e anuidades, apurou a base de cálculo da pensão que correspondeu a 830,67 €», e «aplicou de seguida a fórmula do regime geral da segurança social (base de cálculo x 2% x n.º de anos) e obteve o valor de 116.29 €, como montante da pensão a pagar ao Recorrido», pelo que o aresto recorrido violou os n.os 1 e 2 da Cláusula 116.ª citada.

Importa, por razões de inteligibilidade, conhecer a norma aludida.

A cláusula 116.ª do ACT do Grupo Banco Comercial Português (BTE, 1.ª Série, n.º 48, de 29 de Dezembro de 2001), insere-se na Secção II («Plano base»), do Capítulo I («Segurança social»), do Título III («Direitos e deveres sociais»), e embora o objecto do recurso se refira aos n.os 1 e 2, convém transcrevê-la na íntegra:

«Cláusula 116.ª
(Benefícios em caso de invalidez ou invalidez presumível
fora do sector bancário)
1 – O trabalhador de uma entidade patronal subscritora do presente acordo não inscrito no regime geral de segurança social ou em qualquer outro regime especial de segurança social, que passe à situação de invalidez ou de invalidez presumível já desvinculado da referida entidade ou de qualquer outra instituição do sector bancário, tem direito ao pagamento pela entidade patronal subscritora, na proporção do tempo de serviço nela prestado, da importância necessária para que venha a auferir uma pensão de reforma igual à que lhe caberia se o tempo de serviço prestado no sector bancário fosse considerado como tempo de inscrição no regime geral de segurança social ou outro regime especial mais favorável que lhe seja aplicável, independentemente de o trabalhador chegar ou não a adquirir direitos nos referidos regimes.
2 – A parte da pensão a cargo da entidade patronal, correspondente ao tempo de serviço nela prestado, prevista no n.º 1 anterior, será calculada com base na aplicação do anexo VI, na parte correspondente a 35 anos de serviço, à retribuição fixada no anexo III correspondente ao nível em que o trabalhador se encontrava colocado na data da cessação do contrato de trabalho com a referida entidade, e actualizada segundo as regras do presente acordo.
3 – A verificação das situações de invalidez, fora do âmbito de qualquer regime de segurança social será apurada por junta médica, constituída nos termos da cláusula 112.ª
4 – Sempre que se verifique a transferência de responsabilidades para outra instituição não outorgante do presente acordo nos termos do n.º 3 da cláusula 110.ª, cessa a responsabilidade da entidade patronal subscritora pelo pagamento das mensalidades de pensão de reforma prevista no n.º 1.»

Decorre do exposto que a solução do problema submetido à apreciação deste Supremo Tribunal passa, necessária e fundamentalmente, pela interpretação do disposto nos conjugados n.os 1 e 2 da Cláusula 116.ª do referido ACT, o qual entrou em vigor no dia 1 de Janeiro de 2002 (Cláusula 151.ª, n.º 1).

Justificam-se, pois, as considerações genéricas que se seguem.

2.1. O acordo colectivo designa uma das formas que pode revestir a convenção colectiva de trabalho e caracteriza-se por ser outorgada entre associações sindicais e uma pluralidade de entidades patronais para vigorar em diversas empresas (artigo 2.º, n.º 3, do Regime Jurídico das Relações Colectivas de Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 519-C1/79, de 29 de Dezembro, ainda aplicável no caso).

Ora, a convenção colectiva «tem uma faceta negocial e uma faceta regulamentar» (cf. MONTEIRO FERNANDES, Direito do Trabalho, 12.ª edição, Almedina, 2005, p. 111).

A primeira respeita às regras que disciplinam as relações entre as partes signatárias da convenção, nomeadamente no que toca à verificação do cumprimento da convenção e aos meios de resolução de conflitos decorrentes da sua aplicação e revisão; a segunda corresponde às normas que regulam os direitos e deveres recíprocos dos trabalhadores e dos empregadores.

Segundo o entendimento maioritário sustentado na doutrina (cf., por todos, MONTEIRO FERNANDES, ob. cit., p. 112, e ROMANO MARTINEZ, Direito do Trabalho, 2.ª edição, Almedina, 2005, pp. 212-214 e 1085) e a jurisprudência firme e uniforme deste Supremo Tribunal (cf. Acórdão de 28 de Setembro de 2005, processo n.º 1165/05 da 4.ª secção, no Diário da República, 1.ª série-A, n.º 216, de 10 de Novembro de 2005, pp. 6484-6493), na interpretação das convenções colectivas deve aplicar-se o disposto nos artigos 236.º e seguintes do Código Civil, quanto à parte obrigacional, e o preceituado no artigo 9.º do Código Civil, no respeitante à parte regulativa, uma vez que os seus comandos jurídicos são gerais e abstractos e produzem efeitos em relação a terceiros.

A Cláusula 116.ª respeita à parte regulativa do referido ACT, pelo que, quanto à sua interpretação, deve recorrer-se às regras do artigo 9.º do Código Civil.

2.2. A interpretação jurídica tem por objecto descobrir, de entre os sentidos possíveis da lei, o seu sentido prevalente ou decisivo, sendo o artigo 9.º do Código Civil a norma fundamental a proporcionar uma orientação legislativa para tal tarefa.

A apreensão literal do texto, ponto de partida de toda a interpretação, é já interpretação, embora incompleta, pois será sempre necessária uma «tarefa de interligação e valoração, que excede o domínio literal» (cf. JOSÉ OLIVEIRA ASCENSÃO, O Direito, Introdução e Teoria Geral, 11.ª edição, revista, Almedina, 2001, p. 392).

Nesta tarefa de interligação e valoração que acompanha a apreensão do sentido literal, intervêm elementos lógicos, apontando a doutrina elementos de ordem sistemática, histórica e racional ou teleológica (sobre este tema, cf. KARL LARENZ, Metodologia da Ciência do Direito, 3.ª edição, tradução, pp. 439-489; BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 12.ª reimpressão, Coimbra, 2000, pp. 175-192; FRANCESCO FERRARA, Interpretação e Aplicação das Leis, tradução de MANUEL ANDRADE, 3.ª edição, 1978, pp. 138 e seguintes).

O elemento sistemático compreende a consideração de outras disposições que formam o complexo normativo do instituto em que se integra a norma interpretada, isto é, que regulam a mesma matéria (contexto da lei), assim, como a consideração de disposições legais que regulam problemas normativos paralelos ou institutos afins (lugares paralelos). Compreende ainda o lugar sistemático que compete à norma interpretanda no ordenamento global, assim como a sua consonância com o espírito ou unidade intrínseca de todo o ordenamento jurídico.

O elemento histórico abrange todas as matérias relacionadas com a história do preceito, as fontes da lei e os trabalhos preparatórios.

O elemento racional ou teleológico consiste na razão de ser da norma (ratio legis), no fim visado pelo legislador ao editar a norma, nas soluções que tem em vista e que pretende realizar.

Segundo a doutrina tradicional, o intérprete, socorrendo-se dos elementos interpretativos acabados de referir, acabará por chegar a um dos seguintes resultados ou modalidades de interpretação: interpretação declarativa, interpretação extensiva, interpretação restritiva, interpretação revogatória e interpretação enunciativa.

Na interpretação declarativa, o intérprete limita-se a eleger um dos sentidos que o texto directa e claramente comporta, por ser esse o que corresponde ao pensamento legislativo.

A interpretação declarativa pode ser restrita ou lata, segundo toma em sentido limitado ou em sentido amplo as expressões que têm vários significados: tal distinção, como adverte FRANCESCO FERRARA (ob. cit., pp. 147-148), não deve confundir-se com a interpretação extensiva ou restritiva, pois nada se restringe ou se estende quando entre os significados possíveis da palavra se elege aquele que parece mais adaptado à mens legis.

A interpretação extensiva aplica-se, no dizer de BAPTISTA MACHADO (ob. cit., pp. 185-186), quando «o intérprete chega à conclusão de que a letra do texto fica aquém do espírito da lei, que a fórmula verbal adoptada peca por defeito, pois diz menos do que aquilo que se pretendia dizer. Alarga ou estende então o texto, dando-lhe um alcance conforme ao pensamento legislativo, isto é, fazendo corresponder a letra da lei ao espírito da lei. Não se tratará de uma lacuna da lei, porque os casos não directamente abrangidos pela letra são indubitavelmente abrangidos pelo espírito da lei.

Na interpretação restritiva, pelo contrário, «o intérprete chega à conclusão de que o legislador adoptou um texto que atraiçoa o seu pensamento, na medida em que diz mais do que aquilo que se pretendia dizer. Também aqui a ratio legis terá uma palavra decisiva» (cf. BAPTISTA MACHADO, ob. cit., p. 186).

Por sua vez, a interpretação revogatória terá lugar apenas quando entre duas disposições legais existe uma contradição insanável e, finalmente, a interpretação enunciativa é aquela pela qual o intérprete deduz de uma norma um preceito que nela está virtualmente contido, utilizando, para tanto, certas inferências lógico-jurídicas alicerçadas nos seguintes tipos de argumentos: (i) argumento a maiori ad minus, a lei que permite o mais, também permite o menos; (ii) argumento a minori ad maius, a lei que proíbe o menos, também proíbe o mais; (iii) argumento a contrario, que deve ser usado com muita prudência, em que, a partir de uma norma excepcional, se deduz que os casos que ela não contempla seguem um regime oposto, que será o regime--regra (cf. BAPTISTA MACHADO, obra citada, pp. 186-187).

Em matéria de interpretação das leis, o artigo 9.º do Código Civil consagra os princípios a que deve obedecer o intérprete ao empreender essa tarefa, começando por estabelecer que «[a] interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada» (n.º 1); o enunciado linguístico da lei é, assim, o ponto de partida de toda a interpretação, mas exerce também a função de um limite, já que não pode «ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso» (n.º 2); além disso, «[n]a fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados» (n.º 3).

2.3. A cláusula 116.ª do ACT do Grupo Banco Comercial Português aplica--se aos trabalhadores bancários que deixaram de o ser antes de atingirem a situação de reforma, tal como reflecte a respectiva epígrafe («Benefícios em caso de invalidez ou invalidez presumível fora do sector bancário»), evidencia o primeiro segmento da norma contida no seu n.º 1 («[o] trabalhador de uma entidade patronal subscritora do presente acordo não inscrito no regime geral de segurança social ou em qualquer outro regime especial de segurança social, que passe à situação de invalidez ou de invalidez presumível já desvinculado da referida entidade ou de qualquer outra instituição do sector bancário, tem direito […]») e flui do cotejo com o disposto na cláusula 114.º do mesmo ACT, que prevê a pensão devida ao trabalhador bancário que, «estando ao serviço de uma entidade patronal subscritora, passe à situação de doença, à situação de invalidez ou atinja 65 anos de idade (invalidez presumível)».

Ora, nos termos do segundo segmento do n.º 1 daquela cláusula, o sobredito trabalhador, em caso de invalidez ou de invalidez presumível fora do sector bancário, «tem direito ao pagamento pela entidade patronal subscritora, na proporção do tempo de serviço nela prestado, da importância necessária para que venha a auferir uma pensão de reforma igual à que lhe caberia se o tempo de serviço prestado no sector bancário fosse considerado como tempo de inscrição no regime geral de segurança social ou outro regime especial mais favorável que lhe seja aplicável».

Finalmente, o terceiro segmento do n.º 1 da mesma cláusula estabelece que o aludido direito é reconhecido «independentemente de o trabalhador chegar ou não a adquirir direitos nos referidos regimes».

Assim, o fim visado pela cláusula em exame radica na salvaguarda, para efeitos de cálculo da pensão de reforma, do tempo de serviço prestado por aqueles trabalhadores no sector bancário, em conformidade com o disposto no n.º 4 do artigo 63.º da Constituição da República Portuguesa, de acordo com o qual «[t]odo o tempo de trabalho contribui, nos termos da lei, para o cálculo das pensões de velhice e invalidez, independentemente do sector de actividade em que tiver sido prestado».

Mas se é certo que o segundo segmento do n.º 1 da cláusula 116.ª determina que a empregadora subscritora do ACT pagará, na proporção do tempo de serviço nela prestado, a diferença entre a pensão a que o trabalhador teria direito se o tempo de serviço prestado no sector bancário contasse como tempo de inscrição no regime geral da segurança social e a pensão que lhe é efectivamente paga, logo o n.º 2 da mesma cláusula estabelece que «[a] parte da pensão a cargo da entidade patronal, correspondente ao tempo de serviço nela prestado, prevista no n.º 1 anterior, será calculada com base na aplicação do anexo VI, na parte correspondente a 35 anos de serviço, à retribuição fixada no anexo III correspondente ao nível em que o trabalhador se encontrava colocado na data da cessação do contrato de trabalho com a referida entidade, e actualizada segundo as regras do presente acordo».

Face à contradição entre as apontadas normas sobre qual a remuneração de referência a considerar para o cálculo da pensão de reforma devida ao autor, há que indagar o exacto sentido e alcance do n.º 2 da cláusula em apreço.

Neste plano de consideração, releva, para além do mencionado elemento teleológico, que consiste na razão de ser da norma (ratio legis), o elemento histórico, que abrange todas as matérias relacionadas com a história do preceito.

Ora, em anterior redacção do ACT para o Grupo BCP/Atlântico, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, 1.ª série, n.º 30, de 15 de Agosto de 1999, a correspondente cláusula 116.ª apresentava a seguinte redacção:
«Cláusula 116.ª
(Reconhecimento de direitos em caso de cessação
do contrato do trabalho)
1 – O trabalhador de instituição signatária do presente acordo, não inscrito em qualquer regime de segurança social e que, por qualquer razão, deixe de estar abrangido pelo regime de segurança social garantido pelo presente acordo, terá direito, quando for colocado na situação de reforma por invalidez ou invalidez presumível, ao pagamento pelas instituições signatárias, na proporção do tempo de serviço prestado a cada uma delas, da importância necessária para que venha a auferir uma pensão de reforma igual à que lhe caberia se o tempo de serviço prestado no sector bancário fosse considerado como tempo de inscrição no regime geral da segurança social, ou outro regime nacional mais favorável que lhe seja aplicável.
2 – Para efeitos do cálculo da mensalidade prevista no n.º 1 desta cláusula, a parte da pensão de reforma a pagar pelas instituições correspondente ao tempo de serviço prestado no sector bancário será calculada com base na retribuição correspondente ao nível a que o trabalhador se encontrar colocado à data da saída do sector, actualizada segundo as regras do presente acordo, se outra não for mais favorável.
3 – A verificação das situações de invalidez, fora do âmbito de qualquer regime de segurança social, será apurada por junta médica, constituída nos termos da cláusula 114.ª
4 – Para efeitos da contagem do tempo de serviço prestado no sector bancário, referido no n.º 1 desta cláusula, aplica-se o disposto nas cláusulas 28.ª e 112.ª
5 – No caso de o trabalhador não chegar a adquirir direitos noutro regime nacional de segurança social, a retribuição de referência para aplicação do disposto no n.º 1 desta cláusula será a correspondente à do nível em que aquele se encontrava colocado à data em que deixou de estar abrangido pelo regime de segurança social deste acordo, actualizada segundo as regras do mesmo regime.
6 – Sempre que se verifique a transferência de responsabilidades em condições de reciprocidade, prevista no n.º 5 da cláusula 109.ª, o encargo pelo pagamento das mensalidades decorrentes dos serviços prestados às instituições signatárias caberá por inteiro à instituição em que o trabalhador se encontrava quando deixou de estar abrangido pelo regime de segurança social garantido pelo presente acordo.
7 – O regime previsto nos números anteriores é aplicável, com as necessárias adaptações, às pensões de sobrevivência.»

Do cotejo da redacção da cláusula 116.ª nas duas versões transcritas resulta que, na versão actual, o terceiro segmento do seu n.º 1 estipula que o direito em causa é reconhecido «independentemente de o trabalhador chegar ou não a adquirir direitos nos referidos regimes», não se prevendo agora qualquer disposição específica para o cálculo da pensão, no caso de o trabalhador não chegar a adquirir direitos noutro regime nacional de segurança social (anterior n.º 5), sendo que, no n.º 2 da versão actual, foi eliminada a ressalva do regime de cálculo mais favorável ao trabalhador.

Das mencionadas alterações é forçoso concluir que, tendo o autor adquirido direitos no regime geral de segurança social, a retribuição de referência para cálculo da pensão proporcional ao tempo de serviço prestado ao Banco recorrente deverá ser a fixada pelo Centro Nacional de Pensões para cálculo da sua pensão de reforma no âmbito daquele regime geral e não a prevista no n.º 2 da cláusula 116.ª citada.

É que não se podem misturar ou combinar os dispositivos de cálculo da pensão dos regimes jurídicos em presença, o que significaria a criação de um terceiro regime jurídico dissonante, no seu hibridismo, de qualquer desses regimes.

Não existe, portanto, elemento interpretativo decisivo que aponte para que a fórmula de cálculo da pensão de reforma proporcional ao tempo de serviço prestado pelo autor à ré deva ser a constante no n.º 2 da cláusula 116.ª do ACT em referência.

Impõe-se, assim, uma interpretação restritiva do n.º 2 da cláusula 116.ª, por considerações teleológicas e históricas, no sentido de que tal prescrição se reporta ao cálculo da pensão relativa a trabalhadores que não chegaram a adquirir direitos noutro regime nacional de segurança social.

Na verdade, tal como se decidiu no acórdão recorrido:

« Da conjugação dos n.os 1 e 2 resulta que, quanto aos trabalhadores não inscritos no regime geral da segurança social o cálculo do complemento de reforma a pagar pelo Banco far--se-á tendo em conta a importância a que teria direito se o tempo de serviço prestado no sector bancário fosse considerado como tempo de inscrição no regime geral da segurança social, tendo como retribuição de referência a correspondente ao nível em que o trabalhador se encontrava colocado na data da cessação do contrato de trabalho no Banco, actualizada segundo as regras do ACT.
E relativamente aos trabalhadores abrangidos pelo regime geral da Segurança Social?
Entendemos que o n.º 2 da cl.ª 116 deve ser aplicado tendo em conta o que vem consagrado no n.º 1, que o complementa.
E no n.º 1 está consagrada a regra segundo a qual a entidade patronal subscritora do ACT pagará a diferença entre a pensão a que o trabalhador teria direito se o tempo de serviço prestado no sector bancário contasse como tempo de inscrição no regime geral da segurança social e a pensão que lhe é efectivamente paga.
[…]
Só esta interpretação, quanto a nós, permite conciliar os n.os l e 2 da referida cláusula, respeitando o princípio consagrado no artigo 63.º da CRP.
Ora, no caso dos autos, a pensão de reforma que caberia ao autor, no regime geral da Segurança Social, caso o tempo de serviço prestado no sector bancário tivesse sido considerado como tempo de inscrição no Regime Geral da Segurança Social era de € 2.312,54 (pensão estatutária), tendo sofrido o factor de redução de 0, 910 apenas porque aquele tempo não foi contabilizado. Caso o tivesse sido, nenhuma penalização (factor de redução) a atingiria, conforme decorre dos artigos 22.º, n.º 2, a), 23.º, n.os 1 e 2, e 38.º-A, n.º 4, do DL 9/99, de 8.1 [deverá ler-se «do Decreto-Lei n.º 329/93, de 25 de Setembro, na redacção conferida pelo Decreto-Lei n.º 9/99, de 8 de Janeiro»].
Há assim que concluir que a retribuição de referência para o cálculo da pensão proporcional ao tempo de serviço prestado para o BPSM (a que o Réu sucedeu) deverá ser a fixada pela Segurança Social, sem o factor de redução, assistindo ao Autor o direito à pensão no montante mensal de € 208,13 (€ 2.312,54 – € 2.104,14), actualizável anualmente, com dedução da quantia de € 116,29, que o Réu vem liquidando mensalmente ao Autor, acrescida de juros de mora a partir do vencimento de cada uma das prestações vencidas e vincendas até efectivo pagamento, à taxa legal (arts. 804.º, 805.º, n.º 2, a), 806.º e 559.º do C. Civil e Portaria n.º 291/03, de 8.4).»

E não se diga, como alega o Banco recorrente, «que aquilo que o Recorrido pretende nos presentes autos tem dois pressupostos errados: [p]rimeiro, o Recorrido pretende que o Banco Recorrente suporte a redução da pensão que lhe foi aplicada pela Segurança Social, por força da antecipação da idade da reforma, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 9/99 de 8 de Janeiro, regime que não tem consagração no ACT do Grupo BCP; [s]egundo, o Recorrido pretende beneficiar do melhor de cada um dos dois regimes de segurança social que lhe são aplicáveis: Regime Geral de Segurança Social e regime de segurança social do ACT do Grupo BCP.»

É que, embora o autor se tenha reformado pela Segurança Social, ao abrigo do regime de flexibilização da pensão de velhice previsto no Decreto-Lei n.º 9/99, de 8 de Janeiro [facto provado 6)], o factor de redução de 0,910 que incidiu sobre a pensão estatutária de € 2.312,54, resultou da circunstância de se ter adoptado como taxa de formação o total de 41 anos civis e de se ter verificado que, aos 55 anos de idade, o autor apenas contava 34 anos de carreira contributiva da Segurança Social [factos provados 7), 8) e 9)], mas «[s]e fossem considerados os 8 anos e 9 meses de serviço do Autor no Banco Pinto e Sotto Mayor para efeitos de carreira contributiva da Segurança Social, o Autor não teria qualquer factor de redução da sua pensão estatutária pois aos 55 anos de idade teria 41 anos civis» [facto provado 10)].

Isto é, a aplicação daquele factor de redução não emerge da antecipação da idade da reforma requerida pelo autor, mas antes da não consideração do tempo de serviço prestado no sector bancário como tempo de inscrição no regime geral de segurança social.

Por outro lado, o entendimento acolhido não conduz a que o autor beneficie «do melhor de cada um dos dois regimes de segurança social que lhe são aplicáveis: Regime Geral de Segurança Social e regime de segurança social do ACT do Grupo BCP», uma vez que se considera uma única remuneração de referência e uma única fórmula de cálculo da pensão, ambas pertinentes ao regime geral de segurança social.

Improcedem, pois, todas as conclusões do recurso de revista.

III

Pelo exposto, decide-se negar a revista e confirmar o acórdão recorrido.

Custas do recurso de revista a cargo do Banco recorrente.


Lisboa, 7 de Maio de 2008


Pinto Hespanhol (relator)
Vasques Dinis
Bravo Serra