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MANDADO DE DETENÇÃO EUROPEU
PRAZO
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
PRAZO DE INTERPOSIÇÃO DE RECURSO
DIREITOS DE DEFESA
PRINCÍPIO DA COOPERAÇÃO
PRINCÍPIO DO RECONHECIMENTO MÚTUO
PRINCÍPIO DA CONFIANÇA
COOPERAÇÃO JUDICIÁRIA INTERNACIONAL
OPOSIÇÃO
IDENTIDADE DO ARGUIDO
ERRO
Sumário
I - O processo destinado a dar execução ao MDE tem natureza urgente, como decorre dos prazos curtíssimos estabelecidos por lei, desde o prazo para o MP promover a execução, aos prazos para o juiz proferir despacho liminar e proceder à audição do detido, ser apresentada oposição pela pessoa procurada e ser proferida decisão – 5 dias a contar da data em que ocorre a audição (cf. arts. 15.º, 16.º, 18.º, 21.º e 22.º da Lei 65/2003, de 23-08). II - O recurso só é admissível da decisão que mantiver a detenção ou a substituir por medida de coacção e da decisão final; o prazo para a sua interposição é de 5 dias, em conformidade com o disposto no art. 24.º da referida Lei, devendo o processo ser concluso ao relator, depois da distribuição, por 5 dias, após o que, com vistos simultâneos, é submetido a julgamento na 1.ª sessão após o último visto, independentemente de inscrição em tabela e com preferência sobre os outros (art. 25.º). III -Esta urgência não posterga os direitos de defesa, entre os quais está o direito de a pessoa procurada ser informada do conteúdo do mandado, bem como da possibilidade de consentir em ser entregue à autoridade judiciária da emissão, o direito a ser assistida por defensor e a ter intérprete idóneo, sem qualquer encargo, quando não domine a língua portuguesa (arts. 17.º e 18.º). IV -Todavia, a defesa plena, em relação aos factos objecto do processo com base no qual é pedida a entrega, é no próprio país da emissão que deve ter lugar. Isto porque o MDE se baseia nos princípios da cooperação judiciária entre Estados membros da EU, do reconhecimento mútuo das respectivas ordens jurídicas e da confiança entre os mesmos Estados. V - Como resultado da simplificação do processo e do princípio da confiança mútua entre países que fazem parte de um mesmo espaço europeu, no qual se tende também para a livre circulação das decisões judiciárias, sendo que o MDE se configura como uma dessas decisões, as relações que se estabelecem são entre o país da emissão e o país da execução, sem que a este compita mais do que dar execução ao mandado, desde que cumpridas regras e princípios indispensáveis. VI -O recorrente, dentro dos direitos que lhe são conferidos e foram já analisados, opôs-se à execução do mandado com fundamento em erro na identidade, como lhe faculta o art. 21.º, n.º 2, da Lei 65/2003. Todavia, esse fundamento, nos termos em que foi apresentado, extravasa claramente o seu sentido e finalidade. VII - Na realidade, o recorrente impugna é a autoria dos factos imputados, procurando demonstrar que não podia ser a pessoa a quem são atribuídos os factos delituosos em virtude dos quais é pedida a sua entrega. VIII - Esse circunstancialismo entra já no domínio da defesa no âmbito dos factos imputados no processo criminal com base no qual é pedida a sua entrega. IX -É o mesmo que um arguido a quem são imputados determinados factos qualificados como crime vir defender-se, dizendo que não é ele o autor dos factos, alegando um alibi ou mesmo um erro na pessoa que foi agente desses factos. Claro que este tipo de defesa sugere um erro de identificação na pessoa que foi agente dos respectivos crimes. O sujeito a quem são imputadas as condutas qualificadas como crime foi, afinal, um outro. Mas não há um erro de identidade, se a pessoa indiciada corresponde à pessoa física, com uma determinada identidade civil, que no processo aparece como sujeito do ou dos crimes imputados. A prova tendente a demonstrar que essa pessoa não é o sujeito dos factos imputados é já uma prova que se exerce no âmbito do processo-crime, no exercício de um direito de defesa correspondente às garantias próprias do processo criminal. Não é, porém, a defesa que a Lei 65/2003 concede à pessoa procurada por um Estado membro (o Estado emissor do MDE) no âmbito da oposição fundada no erro de identidade. Esta última diz mesmo só respeito aos sinais de identificação de determinada pessoa, de acordo com os documentos ou títulos considerados idóneos para tal identificação. X - Quanto a saber se a pessoa que tem a identidade X, devidamente comprovada, é ou não autora dos factos que num processo criminal lhe são imputados, esse problema tem a ver já exclusivamente com a sua defesa nesse processo. E essa defesa não se faz no âmbito do processo de execução do MDE, mas no próprio processo para instrução do qual é pedida a entrega da pessoa procurada e perante a autoridade judiciária do Estado emitente, onde, segundo o direito aí aplicável, lhe será assegurado o pleno exercício do contraditório.
Texto Integral
I. 1. Por decisão judiciária do juiz de instrução criminal do Tribunal de Grande Instância de Paris, o Procurador –Geral junto deste Tribunal emitiu em 25/3/2008 um mandato de detenção para entrega do cidadão guineense AA, identificado nos autos e actualmente detido no Estabelecimento Prisional de Lisboa, para procedimento penal relativamente à conduta do detido indiciadora da prática, entre os anos 2006 e 2008, designadamente em território francês, das seguintes infracções:
- tráfico de estupefacientes em grupo organizado;
- associação de malfeitores, com vista ao cometimento das infracções de importação em grupo organizado e de tráfico de estupefacientes;
- contrabando por importação, detenção e transporte sem declaração preliminar das mercadorias proibidas,
não prescritas e previstas pela lei francesa – Códigos Penal, da Saúde Pública e Aduaneiro - e punidas com uma pena máxima de 30 anos de prisão.
2. No dia 4 de Abril de 2008, procedeu-se à audiçãoda pessoa procurada e,por despacho do Sr. Desembargador-Relator do Tribunal da Relação de Lisboa que a ela presidiu, foi validada a detenção do referido cidadão guineense e ordenada a sua prisão preventiva, ficando a aguardar nessa situação os ulteriores termos do processo até à sua eventual entrega às autoridades francesas.
3. Na referida audição, a pessoa procurada declarou opor-se à execução do mandado de detenção europeu e não prescindir do principio da especialidade.
No prazo de 5 dias que lhe foi concedido, a pessoa procurada apresentou a sua oposição nestes termos: A - O MDE visa um tal Nené, residente em S. Paulo que tem estado em contacto com BB para o comércio ilegal de exportação para África e França de cocaína; B - O requerido apenas de uma vez se envolveu num negócio com BB, apresentando-lhe um fornecedor de materiais de construção em S. Paulo, para serem exportados para o Senegal, como já em parte foram, estando prestes ou j á concluída toda a encomenda, agora na sequência da viagem de 11 a 16 de Março p.p. que fizerem juntos até ao Brasil, vindos de Dakar. C - O requerido é nacional da Guiné Bissau, na zona francófona da África Ocidental sendo aí, como se sabe, muito móveis as fronteiras, para os naturais e habitantes, ou seja, nem sequer existem senão no mapa político. D - E regressou expressamente ao Brasil para o parto de uma filha nascida a 18 de Março, tendo BB aproveitado esta circunstância para o acompanhar e concluir o fecho da exportação daqueles materiais de construção civil. E - Encomenda grossa: dez portas, sanitários, armários de wc, 859 kg de soalho flutuante (120 m2), que aguardaram na agência mais portas ainda, enquanto já 1500 kg de material de construção semelhante haviam seguido, em Outubro, para o Senegal. F - Entretanto, BB e mais dois companheiros que tinham viajado com ele, ficou hospedado no Hotel Íbis/S. Paulo e não em casa do requerido, com a mulher deste e familiares, o que seria de todo estranho, na iminência do parto, numa casa pequena. G - Deixou a BB o número de telefone fixo, naturalmente com a indicação do nome, num apontamento e nunca ligou para ele de telemóvel, nem no Brasil nem em África. H - Não conhece, por nunca os ter visto antes, a quaisquer dos acompanhantes de BB na viagem para o Brasil e que ficaram com ele no Hotel, com os quais também não comunicou pelo telefone, como é lógico. I - E regressava com toda a tranquilidade à Guiné Bissau, via Lisboa/Dakar, muito embora tivesse sabido da prisão de BB na capital: nada tinha a ver com ele, de quem teve noticias apenas por estar à espera dos € 20.000,00, quantia que perfazia o pagamento final da encomenda de materiais de construção civil brasileira. J - Por fim, o mais importante de tudo, é que o requerido nunca foi conhecido por Nené, nem a mulher por Bevio, nome que a esta é atribuído peia polícia francesa, polícia que ignora o pormenor de suma importância para o estabelecimento de uma ligação ao caso de ambos, esse que reside na circunstância de ao casal ter nascido uma criança nestes dias. L - Por conseguinte, não está pelo menos estabelecido indiciariamente com a suficiência bastante para dar base a uma captura criminal, que o visado do MDE seja o requerido, tanto mais que a identificação deste foi feita pela polícia brasileira, com certeza apenas com base no papel de contacto que deixou a BB, dada a proximidade temporal com que foi contactado pelas autoridades brasileiras, em casa e com a família, sem razão aparente, no dia 20 de Março, datado o dito MDE de 25 seguinte, quando ele BB foi preso em Lisboa no dia 17.
Na sequência da sua oposição, a pessoa procurada solicitou várias diligências de prova:
- Solicitação urgente da autoridade que emitiu o MDE para prestar esclarecimentos adicionais sobre os elementos que permitiram em concreto a identificação do requerido, nos termos do disposto no art. ° 22°/2 da Lei n° 65/2003, de 23/08.
- Solicitação da policia brasileira, por intermédio da PJ/Interpol, para uma averiguação rápida da transacção comercial havida entre BB e ALL-CORT, domiciliada em ..., n° 00, Casa Verde, São Paulo/Capital, com os números de telefone +00000000, +50000000000J e +500000000.
- Junção aos autos, logo que recebidas do Brasil, das cópias das facturas referentes à mesma encomenda.
- Audição da testemunha AD, residente na Praceta ..., n° 0 – 4° Dto., Monte Abraão, Queluz, sobre as alcunhas, enquadramento familiar, profissional e a ausência de contactos e presenças do requerido em França,.
3. Foi proferido acórdão, em 23 de Abril de 2008, pelo Tribunal da Relação de Lisboa, no qual se decidiu:
- indeferir as diligências de prova requeridas pela pessoa procurada;
- determinar a execução do mandado de detenção europeu emitido em 25/03/2008 pelo Procurador-Geral junto do Tribunal de Grande Instância de Paris, com a entrega do cidadão guineense AA para os fins aí consignados.
4. Inconformada com a decisão, a pessoa procurada interpôs recurso para este Supremo Tribunal de Justiça, concluindo: 1 - O TRL julgou improcedente a oposição deduzida por AA, nacional da Guiné-Bissau e residente em S. Paulo, Brasil, considerando haver coincidência entre o nome do visado no MDE e os documentos de identidade referentes ao oponente; 2 - Aplicou assim o art.° 21/2, DL.65/2003 de 23.08, no sentido do erro de identificação ter, nestes casos, um alcance restritivo e formal, remetendo a substância da identidade do arguido para o debate interprocessual penal, segundo a lei interna do Estado emissor do MDE; 4 - Mas, onde a lei não distingue não deve o intérprete distinguir, e a lei não distingue aqui – aliás, de acordo com uma visão do ordenamento conformado com a implementação e defesa dos direitos humanos; 5 - Se bem virmos os motivos de recusa de cumprimento dos MDE são todos eles indexados a atitudes intoleráveis, nomeadamente, atitudes formais de incumprimento substantivo das normas jurídicas do respeito pela dignidade humana; 6 - Ora, prender por erro de indiciação do autor do crime é um concreto e pesadíssimo desrespeito da dignidade humana, uma violação relevante do princípio dos direitos humanos de presunção de inocência do arguido, ou mais precisamente, de infracção á justa medida de uma compressão dos direitos pró libertate; 7 - Assim, deve ser considerado erro de identificação do visado em MDE, todo aquele que resulta da incongruência indiciária da base de justificação da autoridade emissora dada ao MDE (e motivos que são obrigatórios, justamente para poderem ser objecto de controlo jurisdicional em debate contraditório), da qual resulta uma certa nomeação, contestada com êxito; 8 - Tendo o recorrente argumentado este tipo de erro, não poderia ter sido afastado o mérito da oposição sem pelo menos ter sido aberta a fase intercalar probatória que o art° 22/2 da Lei citada permite; 9 - O Acórdão recorrido infringiu, por conseguinte, este preceito em conjugação com o art° 21/2 cit, pelo que deve ser revogado, no sentido, pelo menos, de ser ordenada a realização das diligências requeridas na oposição. 5. Respondeu o Ministério Público junto do Tribunal da Relação de Lisboa:
1 - Liminarmente e reproduzindo aqui, no essencial, a resposta à oposição que oportunamente apresentámos nos autos, cabe dizer o seguinte: 2 - Nos termos do disposto no art. 21.°, n.° 2 da Lei n.° 65/03, de 23-08, a oposição poderia, na verdade, ter como fundamento o erro na identidade do detido. 3 - Só que, e como os autos documentam, não há a menor dúvida de que a pessoa procurada é o cidadão guineense AA, nascido no dia 30 de Janeiro de 19977, natural da Guiné-Bissau e residente, com sua mulher CC, na Rua ..., 000, AP. 01, Bairro Vila Monumento, em São Paulo, Brasil. 4 - Para além disso, consta ainda do Mandado de Detenção Europeu que o requerido é titular do passaporte Guineense n.° CA 0000008 e do Bilhete de Identidade Guineense n.° V 00000-C, sendo certo que são precisamente estes os documentos que este exibiu no momento da detenção e lhe foram apreendidos. 5 - Estes elementos de identificação correspondem e dizem respeito, inequivocamente, à pessoa do ora requerido. 6 - A argumentação por si aduzida, de resto, não questiona, no fundo, a identidade da pessoa procurada. O que visa é discutir a matéria factual e indiciária que está na base do pedido das autoridades francesas. 7 - Mas tal questão extravasa, como é sabido, o âmbito da competência deste Tribunal. É que uma coisa é não haver coincidência entre a pessoa procurada pelas autoridades estrangeiras e aquele que foi detido na sequência da emissão do MDE, e outra, bem diferente, é a de saber se a pessoa procurada e detida é ou não responsável pela prática dos factos que lhe são imputados e justificaram essa emissão. 8 - Só verificada a primeira situação será lícito ao Tribunal de execução a realização das diligências probatórias requeridas tendo em vista a ponderação da, eventual, recusa de entrega da pessoa procurada. 9 - Ora, no caso em apreço o que o detido questiona é se foi ele ou não o agente do crime que esteve na base do pedido. 10 - Essa é, porém, uma questão que só às autoridades francesas cumpre apreciar e decidir. 11 - De resto, e como a este propósito decidiu já esse Supremo Tribunal pelo Acórdão datado de 17-01-07, «I - existe erro de identidade sempre que ao procurado se atribui uma identidade que não lhe corresponde. II - A determinação da existência ou não de responsabilidade criminal por parte do indivíduo a deter, designadamente se foi ele ou não o autor dos factos imputados pelo Estado requerente, não é fundamento legal de oposição ao cumprimento do mandado». Ora, e como na fundamentação deste Aresto se faz também notar, não há a menor dúvida de que o recorrente é havido pelas autoridades judiciárias francesas autor dos ilícitos que fundamentaram o pedido de entrega O que sucede é que, ante a nossa ordem judiciária nacional, este, através dos vários meios de que intenta lançar mão, pretende demonstrar que não praticou os factos, objectivo que se não amolda ao espírito de cooperação desejável entre os Estados da UE a breve trecho se transformando o mandado num processo de investigação dos factos e de defesa, o que só pode ser feito, com pleno contraditório, perante as autoridades judiciárias do Estado requerente, À face da ordem jurídica nacional não se suscita qualquer dúvida sobre a identidade do recorrente; ele é mesmo a pessoa procurada pela justiça francesa. Saber se praticou os factos é coisa a dirimir, “a posteriori”, pelas autoridades judiciárias do Estado requerente e não configurante de fundamento de oposição.
Termina, pedindo se negue provimento ao recurso.
6. Colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência para decisão.
II. 7. As questões a decidir resumem-se ao invocado erro na identidade da pessoa procurada.
7.1. Nos termos do n.º 1 do art. 1.º da Lei n.º 65/2003, de 23/8, “O mandado de detenção europeu é uma decisão judiciária emitida por um Estado membro com vista à detenção e entrega por outro Estado membro de uma pessoa procurada para efeitos de procedimento criminal ou para cumprimento de uma pena ou medida de segurança privativas de liberdade” e, nos termos do n.º 2 do mesmo normativo, o mandado de detenção europeu baseia-se no princípio do reconhecimento mútuo
O processo destinado a dar execução ao mandado tem natureza urgente, como decorre dos prazos curtíssimos estabelecidos por lei, desde o prazo para o Ministério Público promover a execução, aos prazos para o juiz proferir despacho liminar e proceder à audição do detido, ser apresentada oposição pela pessoa procurada e ser proferida decisão - cinco dias a contar da data em que ocorrer a audição (Cf. os artigos 15.º, 16.º, 18.º, 21.º e 22.º). O recurso só é admissível da decisão que mantiver a detenção ou a substituir por medida de coacção e da decisão final; o prazo para a sua interposição é de cinco dias, em conformidade com o disposto no art. 24.º da referida Lei, devendo o processo ser concluso ao relator, depois da distribuição, por cinco dias, após o que, com vistos simultâneos, o é submetido a julgamento na 1.ª sessão após o último visto, independentemente de inscrição em tabela e com preferência sobre os outros (art. 25.º).
Por conseguinte, trata-se de uma urgência ainda mais premente do que a de outros incidentes de carácter urgente, como, por exemplo, o habeas corpus, cujo prazo para a decisão é de oito dias (art. 223.º, n.º 2 do CPP).
Esta urgência não posterga os direitos de defesa, entre os quais está o direito de a pessoa procurada ser informada do conteúdo do mandado, bem como da possibilidade de consentir em ser entregue à autoridade judiciária da emissão, o direito a ser assistida por defensor e a ter intérprete idóneo, sem qualquer encargo, quando não domine a língua portuguesa (artigos 17.º e 18.º). Todavia, a defesa plena, em relação aos factos objecto do processo com base no qual é pedida a entrega, é no próprio país da emissão que deve ter lugar. Isto, porque o mandado de execução europeu se baseia nos princípios da cooperação judiciária entre Estados membros da UE, do reconhecimento mútuo das respectivas ordens jurídicas e da confiança entre os mesmos Estados.
Como assinala ANABELA MIRANDA RODRIGUES (RPCC, Ano 13, n.º 1, p. 27 e segs.) o mandado europeu tem como um dos aspectos mais importantes “o que diz respeito à simplificação do processo de entrega, com vista à aceleração do processo, ligado à sua judiciarização. O que tudo contribui para melhorar significativamente a posição jurídica da pessoa que é objecto do mandado, em relação ao tradicional processo de extradição.”
E, mais adiante, sustenta a mesma Autora: “À protecção da posição jurídica da pessoa procurada que esta judiciarização significa, acrescenta-se, além disso, a que é assegurada através da garantia de direitos conferidos à pessoa quando for detida (…)” E ainda: “A judiciarização total do processo, entretanto, não assegura, por si só, a celeridade e a eficácia da execução. Esta alteração das coisas é ainda acompanhada pela fixação de regras quanto a prazos para a decisão e para a entrega da pessoa (…) Torna-se evidente que, quanto mais rápido for o processo de extradição, mais depressa estará em condições de exercer os seus direitos de defesa quanto à imputação criminosa e de eventualmente ser libertada”
Por outro lado, como resultado da simplificação do processo e do princípio da confiança mútua entre países que fazem parte de um mesmo espaço europeu, no qual se tende também para a livre circulação das decisões judiciárias, sendo que o mandado de detenção europeu se configura como uma dessas decisões, as relações que se estabelecem são entre o país da emissão e o país da execução, sem que a este compita mais do que dar execução ao mandado, desde que cumpridas regras e princípios indispensáveis.
O recorrente, dentro dos direitos que lhe são conferidos e foram já mencionados, opôs-se à execução do mandado com fundamento em erro na identidade, como lhe faculta o art. 21.º, n.º 2 da Lei n.º 65/2003.
Todavia, esse fundamento, nos termos em que foi apresentado, extravasa claramente do seu sentido e finalidade.
Na realidade, o recorrente impugna é a autoria dos factos imputados, procurando demonstrar que não podia ser a pessoa a quem são atribuídos os factos delituosos em virtude dos quais é pedida a sua entrega. Para isso, aponta factos destinados a excluir a sua responsabilidade, quer invocando não ter tido relações, a não ser comerciais, com um tal BB, quer afirmando que esse tal BB nunca esteve em sua casa, no Brasil, com a sua família, estando a sua mulher em iminência de parto e que não conhecia os acompanhantes desse tal BB, quer ainda insinuando que a sua identificação foi certamente obtida pela polícia brasileira, através do contacto que deixou ao BB e, por último, que nunca teve qualquer conexão com a França, a não ser ter estado preso nesse país durante dois meses, tendo sido interceptado no aeroporto de Paris, vindo de S. Paulo para Lisboa, com vinhetas shengan falsas.
Ora, todo esse circunstancialismo entra já no domínio da defesa no âmbito dos factos imputados no processo criminal com base no qual é pedida a sua entrega. É o mesmo que um arguido a quem são imputados determinados factos qualificados como crime vir defender-se, dizendo que não é ele o autor dos factos, alegando um álibi ou mesmo um erro na pessoa que foi agente desses factos. Claro que este tipo de defesa sugere um erro de identificação na pessoa que foi agente dos respectivos crimes. O sujeito a quem são imputadas as condutas qualificadas como crime foi, afinal, um outro. Mas não há um erro de identidade, se a pessoa indiciada corresponde à pessoa física, com uma determinada identidade civil, que no processo aparece como sujeito do ou dos crimes imputados. A prova tendente a demonstrar que essa pessoa não é o sujeito dos factos imputados é já uma prova que se exerce no âmbito do processo-crime, no exercício de um direito de defesa correspondente às garantias próprias do processo criminal. Não é, porém, a defesa que a Lei n.º 65/2003 concede à pessoa procurada por um Estado membro (o Estado emissor do mandado de detenção europeu) no âmbito da oposição fundada no erro de identidade. Esta última diz mesmo só respeito aos sinais de identificação de determinada pessoa, de acordo com os documentos ou títulos considerados idóneos para tal identificação.
Quanto a saber se a pessoa que tem a identidade X, devidamente comprovada, é ou não autora dos factos que num processo criminal lhe são imputados, esse problema tem a ver já exclusivamente com a sua defesa nesse processo. E essa defesa não se faz no âmbito do processo de execução do mandado de detenção europeu, mas no próprio processo para instrução do qual é pedida a entrega da pessoa procurada e perante a autoridade judiciária do Estado emitente, onde, segundo o direito aí aplicável, lhe será assegurado o pleno exercício do contraditório. A respeito deste, diz-se no Acórdão deste STJ de 13/1/2005, Proc. n.º 71/05, da 5.ª Secção : Isto não quer significar, obviamente, que os dados fornecidos pela entidade emitente não possam ou não devam ser objecto de controlo ou contradição pelo interessado. Sê-lo-ão, na lógica do sistema, no âmbito do processo penal respectivo, mas, naturalmente, de execução inapropriada no âmbito de um processo ultra-célere e simplificado como este da execução do MDE.
E no Acórdão de 17/1/2007, Proc. n.º 4828/06, da 3.ª Secção (CJ-ACS. STJ 2007, T. 1.º, p. 168 e ss., citado pelo Ministério Público na sua resposta: “O recorrente é havido pelas autoridades judiciárias espanholas como autor do ilícito, o que sucede é que, ante a nossa ordem judiciária nacional, este, através de vários meios de que intenta lançar mão, pretende demonstrar que não praticou os factos, objectivo que se não amolda ao espírito de cooperação desejável entre os Estados da EU, a breve trecho transformando o mandado num processo de investigação dos factos, retardando a entrega(…)”
Ora, dúvidas não há em relação à identidade da pessoa procurada, que é o recorrente. Como argumenta o Ministério Público, não há a menor dúvida de que a pessoa procurada é o cidadão guineense AA, nascido no dia 30 de Janeiro de 1977, natural da Guiné-Bissau e residente, com sua mulher CC, na Rua ..., 000, AP. 01, Bairro ..., em São Paulo, Brasil. Para além disso, consta ainda do Mandado de Detenção Europeu que o requerido é titular do passaporte Guineense n.° CA 0000000 e do Bilhete de Identidade Guineense n.° V 000000-C, sendo certo que são precisamente estes os documentos que este exibiu no momento da detenção e lhe foram apreendidos. Estes elementos de identificação correspondem e dizem respeito, inequivocamente, à pessoa do ora requerido.
Assim sendo, não pode deixar de se confirmar a decisão recorrida, negando provimento ao recurso.
III. 8. Nestes termos, acordam na (5.ª) Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em negar provimento ao recurso interposto por AA, confirmando inteiramente a decisão recorrida.
9. O recorrente pagará custas com 7 UC de taxa de justiça.