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PROPRIEDADE HORIZONTAL
TÍTULO CONSTITUTIVO
INTERPRETAÇÃO DA VONTADE
INTERPRETAÇÃO DA DECLARAÇÃO NEGOCIAL
NULIDADE
PARTES COMUNS
PEDIDO SUBSIDIÁRIO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
NULIDADE DE ACÓRDÃO
Sumário
I - Embora sejam comuns, em geral, as coisas (como certos equipamentos) que, pelo título não sejam afectadas ao uso exclusivo de um dos condóminos (al. e) do n.º 1 do art. 1421.º do CC), o certo é que só podem essas coisas ser consideradas comuns, se, embora não descriminadas no título, fizerem parte do prédio onde foi construído o edifício constituído em propriedade horizontal. II - Não é possível através da interpretação dos negócios de constituição de propriedade horizontal e de compra e venda celebrados entre a 1.ª Ré e os condóminos Autores, concluir-se pela integração de “Clube de Lazer”, como parte comum, no Edifício constituído em propriedade horizontal, se tal Clube está instalado em terreno que não pertence ao prédio a que a escritura pública se refere e onde foi construído tal Edifício, isto independentemente do sentido de vontade real (ou normativa) das partes que outorgaram naqueles negócios formais (art. 238.º do CC). III - Provando-se que a 1.ª Ré nas acções de promoção e venda dos apartamentos sempre referiu aos potenciais compradores que o “Clube de Lazer” fazia parte integrante do Edifício e estava destinado ao uso comum dos condóminos, que o preço pago pelos compradores das fracções foi superior ao de fracções iguais disponíveis no mercado, exactamente pelo facto de o empreendimento englobar o tal Clube, e que essa integração, anunciada pelo 1.ª Ré, foi condição essencial para que muitos dos condóminos tivessem adquirido as suas fracções no Edifício, então estaremos perante um incumprimento contratual (ou cumprimento defeituoso) por parte da 1.ª Ré, a dar lugar a eventuais indemnizações aos condóminos lesados ou a facultar-lhes a anulação dos seus contratos de compra e venda na base do regime geral dos vícios de vontade. Trata-se de uma questão de natureza obrigacional, que não real, cuja discussão não cabe na presente causa. IV - Tendo sido licenciados dois projectos distintos, um relativo ao Edifício de apartamentos e outro relativo ao “Clube de Lazer”, embora os projectos sejam complementares, não se pode considerar que exista qualquer imposição administrativa de integração do “Clube de Lazer” no conjunto habitacional, nem falta de coincidência entre o projecto licenciado e o título constitutivo; daí que este não esteja ferido de qualquer nulidade por força do disposto no art. 294.º do CC ou de qualquer outra disposição legal. V - A desactualização das inscrições matriciais e das descrições registrais nada tem a ver com a impossibilidade física ou legal do objecto da compra-venda, assim como não torna esse objecto proibido por lei, nem gera nulidade do negócio. Tal desconformidade apenas imporá a correcção das inscrições matriciais e das descrições registrais, o que é sempre possível em qualquer momento. VI - Tendo a Relação revogado a sentença recorrida (que decidira pela procedência dos pedidos principais) por entender não existir fundamento para os pedidos principais de integração dos prédios onde foi construído o mencionado Clube nas partes comuns do Edifício e absolvido os RR. de todos os pedidos formulados pelos AA., nesta absolvição global estará aparentemente também incluído o pedido subsidiário. A ser assim, tendo-se “conhecido” desse pedido, falta pronúncia sobre a causa de pedir em que ele se fundamenta, não sendo de excluir a hipótese de, pura e simplesmente, por mero lapso, não se ter atentado no referido pedido subsidiário. VII - Visto que o acórdão recorrido omitiu completamente qualquer posição sobre o “direito pessoal de gozo” em que se funda o pedido subsidiário, haverá sempre omissão de pronúncia sobre este - art. 668.º, n.º 1, al. d), do CPC. Na primeira hipótese, ocorre ainda absoluta falta de fundamentação - art. 668.º, n.º 1, al. b). Consequentemente, deverão os autos baixar à Relação para que, nos termos do disposto no art. 731.º, n.º 2, do CPC, conheça da questão omitida (pedido subsidiário), conforme pretendido na revista.
Texto Integral
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
Relatório
No Círculo Judicial de Viana do Castelo, o CONDOMÍNIO EDIFÍCIO ...., MSRL, JMSL e mulher MCMNL, PCFO, AÁMM e mulher MMRGMM, MRGMM, RMCANB e mulher CMFP, NCCGCS e mulher MFPPMCS, JPGFM, AJGPC, JMCP e mulher MFPM, JMSSC e mulher MMRSC, JHOK e mulher SK, IMCB, JLAF e mulher RMMFG, MPCG, CAPBCN, MASP e mulher MBFTP, LMFS, ANG e mulher ZGDNG, MMADF, MSSL e mulher LSG, CCPAU, MJBMP e mulher MRCSBMP, EJM e mulher MRGM, TMSB, PAJR e mulher FRC, CPPSR e mulher AMFDM, LMLF, e PJSC e mulher MFMN,
Intentaram a presente acção declarativa de condenação, com a forma ordinária, contra: 1º- EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS ...., LDA, 2º- ... - CONSTRUÇÕES E IMÓVEIS LDA, 3º- LMBGB,
Pedindo seja declarado:
a) Como pertencendo às partes comuns do "Edifício ...", descrito na Conservatória do Registo Predial de Caminha sob o número 00710-SEIXAS os equipamentos de lazer que constituem o denominado "Clube de Lazer” - constituído pelo edifício de apoio e casa do guarda, piscinas (crianças e adultos) e balneários de apoio, court de ténis e áreas de jardim e de lazer adjacentes - edificados nos prédios descritos na Conservatória do Registo Predial de Caminha sob os números 00118-SEIXAS; 00969-SEIXAS e 00213-SE1XAS, rectificando-se o registo predial nesta parte em conformidade, uma vez que as partes comuns do prédio também abrangem estas três descrições prediais;
b) Que o esbulho daquele "Clube de Lazer” praticado pelos Réus ofende o direito de propriedade dos 2º a 30° Autores e demais condóminos do "Edifício ...".
E os Réus condenados:
c) A Reconhecer que os 2º a 30° Autores e os demais condóminos do Edifício .... são donos e legítimos proprietários daquele clube de lazer, correspondente aos prédios descritos na Conservatória do Registo Predial de Caminha sob os números 00118-SEIXAS; 00969-SEIXAS e 00213-SEIXAS e, em consequência, ordenado o cancelamento do registo predial destes prédios a favor da 1ª Ré;
d) A absterem-se de praticar qualquer acto que ofenda aquele direito de propriedade;
e) A executar as obras descritas no antecedente artigo 116° da petição inicial, que se dá por reproduzido, e no prazo que o Tribunal venha a fixar, reputando os Autores como suficiente doze dias úteis ou, em alternativa, no pagamento do seu custo a apurar em liquidação de sentença;
f) No pagamento ao condomínio, que a 1ª Autora representa, da quantia que se venha a apurar em liquidação da sentença e relativa a todas as despesas decorrentes da execução da douta sentença proferida no Procedimento Cautelar apenso, Processo n° 407/2002 deste Tribunal, referidas no artigo 118° da p.i.;
g) No pagamento a cada um dos 20 a 30° Autores inclusive, da quantia de duzentos euros, a título de indemnização pelos danos patrimoniais sofridos e, da quantia de quinhentos euros, também para cada um destes Autores, a título de danos não patrimoniais;
Deverá, ainda, ser declarado parcialmente nulo, por violação do projecto e da lei, o negócio jurídico de constituição da propriedade horizontal, na parte em que este não incluiu como partes comuns do prédio o identificado "Clube de Lazer”, identificado na antecedente alínea a), e que o mesmo prédio abrange as quatro descrições prediais - 00710-SEIXAS; 00118-SEIXAS; 00969-SEIXAS e 00213-SEIXAS -;
Declarado nulo, por simulado e por desconformidade com o objecto, o negócio jurídico de compra e venda celebrado entre a Primeira Ré e a Segunda Ré e que tem por objecto os três prédios descritos na Conservatória do Registo Predial de Caminha sob os números 00118-SEIXAS; 00969-SEIXAS e 00213-SEIXAS e nula a transmissão daqueles mesmo prédios operada entre as Rés e, em consequência:
Seja ordenado o cancelamento dos registos prediais destes prédios a favor da Segunda Ré, ou do seu titular inscrito e a quem a Segunda Ré ou os sucessivos transmitentes venham a transmitir o direito de propriedade dos mesmos prédios.
Subsidiariamente, para ser apreciado no caso de não procederem os pedidos formulados nas alíneas a) b) e c):
Declarar-se constituído a favor dos 2° a 30° Autores e demais condóminos do "Edifício ...." o direito pessoal de gozo sobre o "Clube de Lazer” identificado na alínea a), traduzido no direito de usar e fruir todos os equipamentos que constituem aquele "Clube de Lazer”, proporcionando-lhes, de forma exclusiva e conforme a satisfação do seu interesse, o seu gozo directo e autónomo, sem limite de tempo, e, ainda, transmissível a quantos venham a ser proprietários - condóminos - de fracções autónomas do "Edifício ...".
Condenados o s Réus no pagamento das custas judiciais e na procuradoria e, ainda, no pagamento de todas as despesas desta acção e do Procedimento Cautelar n.º 407/2002 que os Autores venham a efectuar, incluindo as despesas do mandatário forense, a apurar em liquidação de sentença.
Alega, sinteticamente, para o efeito, que o Edifício ... corresponde a um complexo habitacional e de lazer, em regime de propriedade horizontal, constituído por cinquenta e cinco fracções autónomas, designadas pelas letras "A" a "BG", descrito na Conservatória do Registo Predial de Caminha sob o número 00710-SEIXAS. —
As respectivas fracções autónomas pertencem a vários proprietários, entre os quais os 2°s a 30°s Autores, os quais constituíram o condomínio e em assembleia de condóminos deliberaram eleger como administrador do Condomínio a identificada "....-ADMINISTRAÇÃO DE CONDOMÍNIOS LDA" – 1ª Autora - e a quem conferiram poderes para agir judicialmente, conforme o deliberado pelos condóminos nas assembleias de condóminos celebradas em 08.Setembro.2000 e 13.Julho.2002 - docs. n.ºs 2 e 3 -.
O Empreendimento ... é um condomínio fechado, composto por dois blocos habitacionais - 55 fracções autónomas - e partes comuns, nestas se incluindo o denominado "Clube de Lazer", constituído por edifício de apoio e casa do guarda, piscinas - piscina de adultos e piscina de criança - e balneários de apoio, court de ténis e zona de lazer.
Foi construído e vendido pela Ré "Empreendimentos Imobiliários .... Lda", conforme o projecto de edificação aprovado e licenciado pela Câmara Municipal de Caminha.
Aquele denominado "Clube de Lazer" faz parte integrante das partes comuns do condomínio fechado "Edifício ....", sendo o edifício de apoio e casa do guarda correspondente ao anterior prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo 931°, e à construção daqueles equipamentos de utilização comum do condomínio foi determinada pela Câmara Municipal de Caminha, a qual condicionou a aprovação do empreendimento - complexo habitacional - à edificação daqueles equipamentos de utilização comum e sua integração no empreendimento.
Nas acções de promoção e vendas dos apartamentos a Ré ... Lda. sempre referiu aos potenciais compradores e aos adquirentes que aqueles equipamentos de lazer faziam parte integrante das partes comuns do condomínio fechado, destinados a uso comum dos condóminos e famílias, justificando, assim, o elevado preço pretendido pela venda das fracções, correspondendo a um preço superior em 20% ao preço de iguais fracções existentes o mercado imobiliário local.
A 1ª Ré nas fases negociatória e na contratual garantiram aos adquirentes das fracções que o "Clube de Lazer” fazia parte do empreendimento Edifício ...., integrando as partes comuns, facto que os adquirentes e Condóminos nunca questionaram, uma vez que a declaração da 1ª Ré se mostrava credível e a publicidade do empreendimento assim o "plasmava".
As acessibilidades aos equipamentos de lazer é feito por arruamentos comuns a todo o empreendimento Edifício ..., estabelecendo a ligação entre os blocos habitacionais e o referido "Clube de Lazer"; com as estruturas e infra-estruturas construtivas comuns a todo o empreendimento, sendo que, as redes de electricidade, abastecimento de águas, esgotos e águas pluviais que servem os diversos equipamentos provêm das redes gerais do Edifício ..., cujos custos dos consumíveis e conservação estão a cargo do condomínio.
Após a conclusão do empreendimento, a Requerida "Empreendimentos Imobiliários ... Lda." procedeu à sua entrega aos respectivos proprietários das fracções autónomas e condomínio, incluindo as partes comuns e "Clube de Lazer", para quem transferiram a sua posse e detenção, os quais passaram a usar, sem qualquer interrupção, e até 7 de Maio do corrente ano, todos os equipamentos e partes comuns, sem qualquer restrição ou embaraço de outrem, suportando todas as despesas e encargos com a sua fruição, limpeza e conservação.
Pelo que, desde meados de 1994, os condóminos do "Empreendimento ...." estão na posse das partes comuns do empreendimento, designadamente daqueles equipamentos de utilização comum, convictos que a utilização do "Clube de lazer" correspondia ao exercício de um direito de próprio, o que lhes advinha da qualidade de condómino e comproprietários das partes comuns do empreendimento, fazendo parte integrante aquele "Clube de Lazer". E nessa convicção e animus se mantiveram até dele serem esbulhados.
Acontece que, em sete de Maio de 2002, quando os funcionários da empresa "FM, Lda.", por conta e sob as ordens do condomínio, procediam a trabalhos de reparação das piscinas e balneários de apoio, o 2° Réu, LB, que é gerente da Requerida "Empreendimentos Imobiliários ..., Lda", acompanhado de mais três pessoas, impediu os funcionários daquela empresa empreiteira de efectuar os trabalhos de reparação, impediu a retirada dos materiais e dos equipamentos utilizados na obra, designadamente de uma bomba de elevação de água pertença daquele empreiteiro, proibindo aqueles operários e o funcionário do condomínio, Sr. ASGM, de se deslocar ao "Clube de Lazer".
Transmitindo igual proibição aos condóminos e respectivas famílias, declarando-se dono daquele espaço, bem como a 1ª Ré ..., Lda., de quem se dizia representante, tendo procedido à imediata substituição das fechaduras das portas de acesso e as que vedavam os diversos espaços e equipamentos; e procedeu à soldadura das duas portas em ferro que fazem a ligação entre os arruamentos dos blocos habitacionais e o recinto dos equipamentos, impedindo o acesso dos condóminos ao "Clube de Lazer". Acto que voltou a repetir em 9 de Maio de 2002, após a administração do condomínio ter procedido à reabertura daquelas portas.
Com emprego de meios mecânicos mandou proceder à destruição da rede de esgotos das piscinas e balneários de apoio, quebrando e removendo as tubagens que permitiam o escoamento das águas, impedindo, assim, o seu escoamento e renovação, ou seja, a utilização das piscinas e balneários.
Por outro lado a Ré ....,LDA., em negócio simulado, "vendeu" à Ré - ..., LDA. -, os primitivos prédios em cujo solo foi edificado o referido "Clube de Lazer", conforme "contrato de compra e venda" formalizado por escritura pública celebrada, em 26 de Março de 2002, no Sexto Cartório Notarial do Porto.
Ora, malogrado aquele expediente, os Réus, incluindo o 3º Réu, não ignoravam que estavam a proceder à "venda" de coisa alheia, e que os imóveis declarados vender e comprar já não existiam. Sendo certo que a 3a Ré também actuou de má fé, uma vez que os seus sócios e gerentes têm conhecimento directo dos negócios da 1ª Ré - ...., Lda., são familiares do sócio e gerente - Armindo Ramos Bartolomeu, filha e genro respectivamente.
Só a Ré "...., LDA" contestou.
Começa por excepcionar a ilegitimidade activa dos Autores para pugnarem nos autos desacompanhados dos demais condóminos.
Impugnando, alega em resumo:
A ...., Lda." nunca referiu aos compradores das diversas fracções que o denominado Clube de Lazer fazia parte integrante, como parte comum, do imóvel em que se integram os Blocos Habitacionais. O que sempre foi dito e anunciado foi que a ...., LDA iria construir um Clube privado de Lazer e Desporto, onde eles, em condições de utilização a fixar, iriam ter acesso, em igualdade de circunstâncias com quaisquer outros sócios que aquele Clube viesse a admitir, independentemente de serem ou não proprietários de fracções autónomas.
E tanto assim é que a ...., LDA pretendia construir outros dois blocos habitacionais (as chamadas Fase II e III), a cujos futuros proprietários iria ser proporcionada a mesma possibilidade.
Por motivos que têm a ver com a morte do seu sócio fundador AB (principal impulsionador, financiador e garante de financiamento junto da banca), resolveu-se alienar a terceiros tudo quanto tinha a ver com a execução das fases II e III. A denominada fase II tem já projecto camarário aprovado pela Câmara Municipal de Caminha e está em execução por parte da ".... - Empreendimentos Imobiliários, Lda.".
Para liquidar o seu passivo, a 1ª Ré propôs aos AA. a venda integral do "Clube de Lazer”, por um montante de 35.000 contos (€ 174.579.26), mas estes só manifestaram interesse pela piscina e pelo campo de ténis, que se propunham integrar, como parte comum, no imóvel de que são condóminos, para o efeito se dispondo a alterar a escritura de propriedade horizontal.
Na sequência daquelas negociações, e atento a proposta referida, a 1ª Ré iniciou um processo de auscultação da Câmara Municipal, tendo em vista a possibilidade de um destacamento daquelas instalações a integrar no dito condomínio. O aludido destacamento foi desde logo inviabilizado pela autarquia, além de outros motivos, porque só 28 dos 55 condóminos dos blocos habitacionais manifestaram interesse na aquisição.
Efectuou-se então uma reunião com uma intitulada "Comissão de Condóminos", representada pelos Senhores Eng. JM, Sr. EC e Dr.ª CM (na qual estiveram presentes o actual mandatário dos AA. e o Senhor Doutor NC), na qual se discutiu a possibilidade de constituição de uma passagem que, utilizando um portão que liga o "Clube de Lazer” ao Edifício ..., permitisse a utilização da piscina e campo de ténis, abdicando a 1ª Ré de uma parcela de terreno adjacente à casa, onde, até 1998, residiu o sócio-gerente e co-réu LB.
Essa mesma (1ª) Ré veio a ser surpreendida com a informação, veiculada por um condómino, de que, depois de ter reunido com vários condóminos, a dita "Comissão" acabou por lhes devolver o dinheiro, porquanto, "pensando melhor, não estavam interessados na aquisição daquelas instalações. Por impossibilidade de integração das mesmas no condomínio" e "porque também queriam evitar conflitos entre condóminos, com a utilização de partes comuns para acesso a uma propriedade privada".
Na senda dessas negociações e a pedido dos AA., a 1ª Ré autorizou a utilização, a título precário, da piscina e de campo de ténis.
Nunca os AA. estiveram na posse daquelas infra-estruturas, cujos custos de construção, licenciamento e manutenção sempre foram suportados pela "...., Lda.". Só nos anos de 2000 e 2001 é que entre as partes foi acordado que cada interessado contribuiria com esc. 10.000$00 para as despesas de manutenção da piscina.
A casa de habitação onde se situa a piscina e o campo de ténis foi utilizada até 1998, como residência secundária, pelo co-réu LB.
Havia um exemplar das chaves da casa em poder de um tal SM, que foi empregado da 1ª Ré, e as manteve quando passou a empregado do condomínio.
Em certa altura, as portas da casa apareceram abertas e veio a saber-se que a dita "Comissão de Condóminos" tinha utilizado a casa, à revelia dos seus proprietários, para realização de uma Assembleia de Condóminos. Em abono da verdade, cumpre dizer que as assembleias de condóminos tanto se realizavam na aludida casa (com autorização da 1ª Ré), como em outros locais.
Nunca os AA. estiveram na posse do denominado "Clube de Lazer”, só no Verão utilizavam a piscina ali existente, por liberalidade da co-ré ...., Lda. e com autorização do co-réu LB.
É fantasiosa a referência a um negócio simulado. A Ré contestante comprou o imóvel em questão e por ele pagou as dezenas de milhares de contos que acabaram por ir parar direitinhas ao Banco Comercial ...., para solver as dívidas da vendedora.
A Ré contestante comunicou aos AA. a compra do complexo desportivo e deu-lhes conta da sua disposição em vendê-las ou arrendá-las.
Na ausência de notícias, prometeu depois vender a terceiros o citado imóvel. Sendo certo que só cerca de 30 dias após ali residir o promitente-comprador, e ali terem sido realizadas durante 15 dias obras de restauro e requalificação das instalações, é que os AA., de má-fé, intentaram a providência cautelar de restituição provisória de posse.
Conclui pela total improcedência dos pedidos formulados e, consequentemente, da acção.
Os Autores replicaram, impugnando a excepção invocada e concluindo como na petição inicial.
Foi proferido despacho saneador, tendo sido julgada improcedente a excepção dilatória da ilegitimidade activa invocada pela Ré contestante.
Procedeu-se à elaboração da matéria de facto assente e da base instrutória, em relação às quais não houve reclamações.
Procedeu-se ao julgamento, com observância do formalismo legal.
Finda a discussão e lida a decisão sobre a matéria de facto foi, proferida sentença final que julgou a acção parcialmente procedente, tendo, em consequência declarado:
a) Como parte integrante das partes comuns do "Edifício ....", descrito na Conservatória do Registo Predial de Caminha sob o número 00710-SEIXAS os equipamentos de lazer que constituem o denominado "Clube de Lazer” -constituído pelo edifício de apoio e casa do guarda, piscinas para crianças e adultos e balneários de apoio, court de ténis e áreas de jardim e de lazer adjacentes – edificados nos prédios descritos na Conservatória do Registo Predial de Caminha sob os números 00118-SEIXAS; 00969-SEIXAS e 00213-SE1XAS, ordenando se proceda à rectificação o registo predial nesta parte em conformidade, uma vez que as partes comuns do prédio também abrangem estas três descrições prediais;
b) Que o esbulho daquele "Clube de Lazer” praticado pela Ré "Empreendimentos ...., Lda." através do seu sócio-gerente LMBGB, ofende o direito de propriedade, na qualidade de comproprietários, dos 2° a 30° Autores e demais condóminos do "Edifício ...".
c) Nulo o contrato de compra e venda celebrado entre a Ré "Empreendimentos ...., Lda." e a Ré "... Construções e Imóveis, Lda.", e que tem por objecto os três prédios descritos na Conservatória do Registo Predial de Caminha sob os números 00118-SEIXAS; 00969-SEIXAS e 00213-SEIXAS, e a consequente transmissão daqueles mesmos prédios operada entre as Rés e, em consequência:
Ordeno o cancelamento dos registos prediais destes prédios a favor da Rés, ou do seu titular inscrito.
Condenando,
d) A Ré "Empreendimentos ...., Lda." no pagamento à Autora "Condomínio do Edifício ....", representada pela ".... - Administração de Condomínios, Lda.", da quantia que se venha a liquidar em execução de sentença e relativa a todas as despesas que suportou com a execução da decisão judicial proferida no Procedimento Cautelar n° 407/2002, deste douto Tribunal, designadamente os honorários do serralheiro contratado para o arrombamento e abertura de portas, pagamento aos trabalhadores auxiliares o fornecimento de fechaduras para as portas que vedavam os equipamentos/edifícios, a limpeza dos espaços e demais trabalhos executados no âmbito daquela douta decisão, onde se incluem as despesas com o restabelecimento e reconstrução da rede de esgotos e escoamento da água das piscinas e edifícios de apoio e com a recolocação da parte da instalação eléctrica exterior que iluminava o "Clube de Lazer” e que foi removida.
e) A Ré "Empreendimentos ...., Lda." no pagamento a cada um dos 2º a 30° Autores inclusive, a título de indemnização pelos danos patrimoniais sofridos, da quantia de quinhentos euros (€ 500,00), por pessoa singular ou casal;
Inconformada recorreu a 2ª Ré “... – Construções de Imóveis, Ld.ª” recurso que foi admitido como de apelação (a 1ª Ré também recorreu, mas deixou deserto o recurso).
Apreciando a apelação a Relação julgou-a procedente e em consequência, revogou a sentença recorrida e absolveu as RR. de todos os pedidos formulados pelos AA..
É deste acórdão que recorrem agora os AA..
O recurso foi admitido como de revista.
Conclusões da Revista.
Apresentadas alegações formularam os recorrentes as seguintes conclusões:
1°- Obtida a aprovação e licenciamento de uma construção urbana nova e correspondendo o solo do prédio edificado ao conjunto dos prédios onde foi implantado e suas descrições prediais, após a incorporação da construção aqueles prédios primitivos e transformados perderam a sua natureza e autonomia jurídica, o bem jurídico existente passou a ser aquela nova edificação, abrangendo a totalidade daquelas descrições prediais;
2º- a nova edificação, após a sua conclusão e antes de instituído o regime de propriedade horizontal, está sujeita, no seu todo, a um direito real de propriedade única, por união de todas as partes que a compõe, incorporadas por indústria do homem em cumprimento de um licenciamento camarário que reflecte as "regras de interesse e ordem pública atinentes á organização da propriedade";
3º- Aceitando a 1ª Ré, proprietária dos primitivos prédios, proceder a uma nova edificação nas condições definidas pela entidade de direito público com competência exclusiva para a sua aprovação, aquela nova edificação - Edifício ... - deu origem a uma propriedade singular (art.° 204° do Código Civil), que abrange o solo formado pelo conjunto dos primitivos prédios e suas descrições prediais;
4º- A aprovação pela entidade pública (Câmaras Municipais) e as imposições administrativas decorrem de razões de interesse e ordem pública imperativa - questões de ordem de diversa índole, designadamente económica, sócio-cultural, estética, directamente conexionados com a qualidade de vida das pessoas;
5º- Obtida pela 1ª Ré a aprovação e o licenciamento do Edifício ..., nas condições determinadas pela Câmara Municipal de Caminha, o projecto e a construção aprovada e licenciada condicionam e determinam a natureza e os limites da propriedade da nova edificação (realidade jurídica);
6º- A 1ª Ré ao conceber e ao construir o prédio urbano licenciado, com aquelas partes comuns e clube de lazer, ao não ter solicitado e obtido alteração do projecto e do licenciamento do prédio a construir ficou impedida de dar destino diferente às várias componentes - fracções autónomas ou às partes comuns - do prédio, bem como subtraiu do comércio jurídico os primitivos prédios onde foi edificado o Edifício ...;
7º- Tendo aquele projecto licenciado e o prédio construído e a edificação em causa abrangido, por incorporado, o solo dos primitivos prédios correspondentes às descrições prediais n°s 00118/SEIXAS; 00203/SEIXAS, 00710/SEIXAS e 00969/SEIXAS, será este conjunto de prédios transformados (o primitivo urbano e os rústicos) que deu origem ao prédio único edificado pela 1ª Ré;
8º- A constituição de propriedade horizontal terá de observar as normas jurídicas da "Propriedade Horizontal"; as disposições imperativas de interesse e ordem pública contidas no processo de licenciamento do prédio construído e dos requisitos do título constitutivo;
9º- A desconformidade entre o projecto de construção aprovado e licenciado pela Câmara Municipal de Caminha e o teor da escritura de constituição de propriedade horizontal, outorgada unilateralmente pela 1ª Ré como construtor/vendedor, será, de per si, gerador da nulidade da escritura, por se tratar de acto nulo por violação de preceito legal imperativo (norma de interesse ordem pública) – art.°s 294° do Código Civil -;
10°- A falta de coincidência entre o projecto licenciado e o título constitutivo de propriedade horizontal, independentemente que qualquer invocação nesse sentido, acarretaria «ipso facto» ou «ipse legis» a nulidade desse título, nos termos daquele art° 294°;
11°- A 1ª Ré ao constituir a propriedade horizontal dividiu em fracções autónomas aquele bem já existente, encontrando-se na obrigação de adequar o formal à realidade material e jurídica existente;
12° - O Edifício ... objecto da propriedade horizontal é exactamente o mesmo prédio que foi aprovado e licenciado pela Câmara Municipal de Caminha e cuja composição as instâncias deram como provado, sendo certo que não consta que a 1ª Ré, na sua qualidade de construtor/vendedor, tenha obtido aprovação ao projecto licenciado no sentido de "remover ou excluir" parte das partes comuns, nem o poderia fazer no acto unilateral da constituição do condomínio, por postergador de normas imperativas de interesse e ordem pública;
13° - Se entendido que as partes comuns do Edifício ... tem de constar do título do condomínio, a escritura de constituição de propriedade horizontal ao não observar a titularidade e ao não assegurar a qualificação substancial do prédio conforme o projecto aprovado está a subverter a constituição do condomínio;
14° - As partes comuns, nos termos do n° 1 do art° 1418° do Código Civil, não tem que ser especificadas no título constitutivo de propriedade horizontal, sendo delimitadas por exclusão de partes, valendo como regra: "do prédio licenciado, tudo o que não estiver descrito no título constitutivo como parte própria (fracção autónoma) é propriedade comum dos condóminos".
15° - A 1ª Ré ao alienar a totalidade das fracções autónomas, alienou a totalidade do bem que já existia na sua titularidade, uma vez que cada condómino, ao adquirir a sua fracção, ia adquirindo a sua quota de comproprietário das partes comuns do edifício ...., uma vez que o conjunto dos dois direitos é incidível - n°2 do art°1.420° do Código Civil -;
16°- O meio formal de transmissão da quota parte das partes comuns e «clube de lazer» são as escrituras públicas que formalizaram a alienação das fracções autónomas e celebradas entre a 1ª Ré e cada um dos condóminos;
17°- O «clube de lazer», como parte comum do Edifício ..., não é objecto possível de alienação independentemente, mormente fora do seu fim legalmente assumido - art° 280º, n° 1 do Código Civil -;
18°- Conhecendo as Rés a composição do edifício .... e os actos materiais praticados pela 1ª Ré, conforme matéria de facto assente, o comportamento que adoptaram e descrito nos autos é contrário ao princípio da boa fé, enquanto implicando probidade e correcta conduta no meio negocial, e que subjaz a toda a civilística portuguesa - artigos 227°, n° 1 e 762°, n.º 2 do Código Civil -;
19° - Quem vende as fracções autónomas aliena a alíquota nas partes comuns do prédio do qual faz parte;
20° - A 1° Ré ao vender todas as fracções autónomas do Edifício ... também alienou as partes comuns que o compõe, designadamente o referido «clube de lazer» - definitivamente assente pelas instâncias que faz parte do Edifício .... -;
21°- A 1ª Ré ao vender à 2ª Ré, em acto posterior, os imóveis em foi edificado o «clube de lazer» e incorporado no Edifício ....estava a vender bens alheios;
22°- O contrato de venda bens alheios é um contrato nulo.
23°- O acto nulo é um acto inválido, com eficácia erga omnes; não produz efeitos ab initio -art° 286° do Código Civil -, operando tal invalidade e ineficácia também ipso jure;
24° - para os Autores e demais condóminos do Edifício ... o negócio entre as Rés é "res inter alios acta", sendo a nulidade gerada - nulidade absoluta - invocável pelos Autores;
25° - A venda entre as Rés é, ainda, uma venda nula, por impossibilidade física e legal do objecto -n° 1 do art° 280° do Código Civil -;
26°- Os imóveis descritos na escritura celebrada entre as Rés correspondem a uma realidade jurídica e física distinta daquela que consta do acto formalmente celebrado;
27°- O Tribunal da Relação de Guimarães ao ter dado provimento ao recurso de Apelação apresentado pela 2ª Ré, deveria, ainda, ter apreciado o pedido subsidiário constantes da petição inicial, uma vez que não se verifica uma dependência directa daquele pedido com a parte provida;
28°- A declaração e reconhecimento do direito pessoal de gozo tem requisitos distintos do direito de propriedade, sendo aquele dependente deste e situados em esferas jurídicas distintas;
29°- O direito pessoal de gozo tem de específico a circunstância de possibilitar ao seu titular, com vista à satisfação do seu interesse, o gozo directo e autónomo de determinada coisa cuja propriedade não lhe pertence;
30°- Não reconhecida a propriedade dos Autores e demais condóminos do Edifício ......, ainda o Tribunal da Relação de Guimarães deveria ter apreciado o pedido subsidiário formulado pelos Autores, uma vez que a declaração e o reconhecimento judicial daquele direito pessoal de gozo somente se coloca em face na negação aos Requerentes do direito de propriedade do «clube de lazer»;
31° - Perante a procedência da Apelação e considerando a matéria de facto assente pelas instâncias, o Tribunal da Relação de Guimarães deveria ter reconhecido e declarado a constituição do direito pessoal de gozo dos Autores e demais condóminos, actuais e futuros, sobre o clube de lazer, que nos termos da fundamentação do acórdão são aqueles prédios primitivos e transmitidos pela 1ª Ré à 2ª Ré, correspondentes às descrições prediais 00118/SEIXAS; 00203/SEIXAS e 00969/SEIXAS.
32° - Entendem os Recorrentes que o douto acórdão violou, entre outras, as seguintes disposições legais;
Código Civil - artigos: 204°; 227°, n° 1; 237°; 280°, n° 1; 286°; 294°; 401°, n° 1 e n°3; 408°, n° 1; 762°, n° 2 ; 874°; 879°; 1418°, n° 1; 1420°, n°2 e 1421°, n° 2, al. a) e);
Código de Processo Civil: art° 668°, n° 1, al. d)
Dec-Lei n° 38.382; Dec-Lei n°445/91 e Dec-Lei n°281/99.
TERMOS EM QUE, deverá ser revogado o acórdão recorrido, para prevalecer a sentença proferida pelo Tribunal de primeira instância, com todas as consequências legais.
OS FACTOS
Constantes da matéria de facto assente:
A) O Edifício ... corresponde a um complexo habitacional e de lazer, em regime de propriedade horizontal, constituído por cinquenta e cinco fracções autónomas designadas pelas letras "A" a "BG" descrito na Conservatória do Registo Predial de Caminha sob o número 00710 - Seixas e cujas fracções autónomas pertencem a vários proprietários, entre os quais os 2°s a 30°s Autores, os quais constituíram o condomínio e, em assembleia de condóminos, deliberaram eleger como administrador do Condomínio a "... - Administração de Condomínios, Lda." – 1ª Autora - e a quem conferiram poderes para agir judicialmente, conforme o deliberado pelos condóminos nas assembleias de condóminos celebradas em 08 de Setembro de 2001 e 13 de Julho de 2002 (cfr. docs. juntos a fls. 36 e ss, 99 e ss e 102 e ss - certidão de registo predial e fotocópias da acta de Assembleia de Condóminos)
B) O Empreendimento ... é um condomínio fechado, composto por dois blocos habitacionais - 55 fracções autónomas - e partes comuns. A Primeira Ré destinava alienar o empreendimento habitacional por venda das fracções autónomas em que o empreendimento seria dividido ao ser instituído o regime de propriedade horizontal.
C) A 1ª Ré apresentou na Câmara Municipal de Caminha um pedido de licenciamento da construção do empreendimento, apresentando dois projectos de construção, um para o conjunto habitacional e outro para o conjunto dos equipamentos de apoio, sendo este último apelidado pela 1ª Ré de "clube de lazer e desporto".
D) A edificação foi aprovada pela Câmara Municipal de Caminha, na reunião realizada em 2 de Outubro de 1990, exarada em acta, de acordo com a qual a edilidade declarou no ponto 4:
"Igualmente na sequência da referida deliberação de viabilidade a Câmara entende que tratando-se de uma obra de qualidade tem um sentido global que obrigará à execução integral do empreendimento, questão que deve ser salvaguardada. Assim, embora tratando-se de 2 processos e projectos distintos a Câmara não concederá licença de habitabilidade ao conjunto de apartamentos sem que esteja construído o "Clube de Lazer e Desporto" onde se incluem os equipamentos de apoio (piscina, campo de ténis, parque infantil e casa do guarda), (cfr. doc. junto a fls. 103 e ss dos autos - certidão da acta).
E) Na "Memória Descritiva e Justificativa" que a 1ª Ré elaborou, subscreveu e apresentou na Câmara aquando da apresentação do projecto do empreendimento para aprovação, refere-se, entre outras coisas:
"Esta memória descritiva e justificativa diz respeito ao "CLUBE DE LAZER E DESPORTO ...." que embora em processo individual é complementar do conjunto de apartamentos que a firma Empreendimentos Imobiliários ...., Lda. pretende edificar no Lugar de ... ..., em Seixas, no concelho de Caminha. Embora já fosse intenção da firma construir um importante conjunto turístico aquando da viabilidade requerida a Câmara Municipal impôs a construção do conjunto agora projectado, tendo para tal sido necessário adquirir mais terreno, (cfr. doc. junto a fls. 7 e ss. dos autos de procedimento cautelar apenso - fotocópia de acta de reunião).
F) A Ré "..., LDA" procedeu à substituição das fechaduras das portas de acesso e vedação dos diversos espaços e equipamentos e à soldadura das duas portas em ferro que fazem a ligação entre os arruamentos dos blocos habitacionais e o recinto dos equipamentos, impedindo o acesso dos condóminos aos "Clube de Lazer”.
G) Por escritura pública celebrada em 26 de Março de 2002, no Sexto Cartório Notarial do Porto, exarada a folhas 124 e seguintes do Livro n° 88-B, a 1ª Ré, "..., Lda." declarou vender à 2ª Ré, "...., Lda." os prédios: “urbano composto por casa de rés-do-chão e sótão, com logradouro, descrito na Conservatória do Registo Predial de Caminha, sob o número cento e dezoito e registado a favor da sociedade vendedora pela inscrição G - quatro, inscrito na matriz sob o artigo 931 (...); rústico descrito na dita Conservatória sob o número duzentos e três, registado a favor da sociedade vendedora pela inscrição G - três, inscrito na matriz sob o artigo 1313 (...); rústico descrito na dita Conservatória sob o número novecentos e sessenta e nove, registado a favor da sociedade vendedora pela inscrição G - um, inscrito na matriz sob o artigo 1316 ..", e a 2ª Ré declarou aceitar a venda e que os prédios adquiridos se destinam a revenda (cfr. documento junto a fls. 34 e ss dos autos de procedimento cautelar apensos - certidão de escritura pública)
H) A Ré "... - Construções e Imóveis, Lda." tem como únicos sócios e gerentes CMTB e mulher MRBBB, casados no regime de comunhão de adquiridos (cfr. doc. junto a fls. 39 e ss. dos autos apensos - certidão do registo comercial)
I) A Ré "Empreendimentos Imobiliários ..., Lda." tem como únicos sócios e gerentes ARB, JRNL e LMBGB (cfr. doc. junto a fls. 43 e ss dos autos apensos - certidão do registo comercial)
J) Os sócios-gerentes da Ré "..., LDA" são, respectivamente, genro e filha do ARB, sócio-gerente da Ré "Empreendimentos Imobiliários ...., Lda.". (cfr, certidões de nascimento e casamento juntas a fls. 242 e segs. dos autos)
- Constantes das respostas à matéria da base instrutória:
1) O Empreendimento .... inclui o denominado "Clube de Lazer” constituído por edifício de apoio e casa do guarda, piscinas - piscina de adultos e piscina de crianças – e balneários de apoio, "court" de ténis e zona de lazer . -Quesito 1º
2) A Câmara Municipal de Caminha condicionou a aprovação do complexo habitacional, cujo projecto previa inicialmente a construção de 60 apartamentos, à redução do número de fogos e à construção de equipamentos de lazer de apoio, mais concretamente a construção de piscinas, "court" de ténis, parque infantil e edifícios de apoio, casa do guarda e balneários. -Quesito 2º
3) O pedido de licenciamento de construção referido em C) dos factos assentes foi apresentado em cumprimento da condição referida no anterior artigo. -Quesito 3º
4) Nas acções de promoção e venda dos apartamentos, a 1ª Ré sempre referiu aos potenciais compradores e adquirentes que aqueles equipamentos e "Clube de Lazer” faziam parte integrante do Empreendimento .... e estavam destinados ao uso comum dos condóminos e famílias. -Quesito 4º
5) Na publicidade efectuada em prospectos pela 1ª Ré publicitavam que o Empreendimento .... integrava esses equipamentos e "Clube de Lazer”. -Quesito 5º
6) O preço pago pelos condóminos à 1ª Ré pela aquisição das fracções foi superior, em mais de 20%, relativamente ao preço de fracções iguais existentes no mercado imobiliário local. -Quesito 6º.
7) Essa diferença de preço foi justificada também pelo facto do empreendimento englobar o "Clube de Lazer”. -Quesito 7º
8) Nas fases negociatória e contratual a 1ª ré garantiu aos adquirentes das fracções que o "Clube de Lazer” fazia parte do Empreendimento ..... -Quesito 8º
9) A construção dos equipamentos do "Clube de Lazer” foi efectuada em terrenos localizados a sul daquele em que foram construídos os apartamentos, que a 1ª ré adquiriu para proceder à sua edificação. -Quesito 9º
10) Desde que a Ré concluiu a sua construção, em 1994, os edifícios habitacionais e o "Clube de Lazer” do Edifício ...., apresentam-se totalmente vedados em relação aos prédios contíguos por meio de muros construídos em betão e encimados de uma estrutura em rede metálica. -Quesito 10°
11) O prédio urbano já existente - habitação - inscrito na matriz sob o art. 931° e descrito no n° 00118 - Seixas, foi destinado a edifício de apoio ao conjunto, com pequenas adaptações para servir de bar, e os demais equipamentos foram implantados no solo dos primitivos prédios rústicos - talho de monte e terreno de pinhal - inscritos na matriz predial sob os arts. 1316° e 1313° (antigo 1725°) e descritos sob os números 0090 e 00203 - Seixas, respectivamente. -Quesito 11º
12) A acessibilidade aos equipamentos de lazer é feita por arruamentos comuns a todo o empreendimento Edifício ...., estabelecendo a ligação entre os blocos habitacionais e o referido "Clube de Lazer”. -Quesito 12°
13) As redes de electricidade, abastecimento de águas, esgotos e águas pluviais que serve os diversos equipamentos do "Clube de Lazer” provêm das redes gerais do Edifício ....., cujos custos dos consumíveis e conservação estão a cargo do condomínio, com excepção do prédio urbano destinado a edifício de apoio (prédio já existente inscrito no art. 931°), que já estava dotado de redes de abastecimento de água e de electricidade próprias. -Quesito 13°
14) Após a conclusão do empreendimento a 1ªa Ré procedeu à entrega aos respectivos proprietários das fracções autónomas e das partes comuns, e desde logo os condóminos passaram a utilizar e usufruir de todos os equipamentos que constituem o "Clube de Lazer”. -Quesito 14°
15) Desde 1994 e até 7 de Maio de 2002 que os condóminos do Edifício ... vêm utilizando o "Clube de Lazer”, usando o edifício de apoio onde reúnem periodicamente em assembleia de condóminos, as duas piscinas - crianças e adultos - nestas tomando banho e praticando natação, bem como os balneários de apoio, o "court de ténis” onde praticam aquela modalidade, procedendo e suportando o custo da colocação, tratamento e manutenção do relvado das zonas adjacentes àqueles equipamentos, que vêm usando como solário suportando as despesas e encargos com a fruição, limpeza e conservação daquele espaço, designadamente com o tratamento e limpeza da água das piscinas, sua renovação, manutenção e substituição do equipamento mecânico respectivo e com o fornecimento de electricidade e água. -Quesito 15°
16) Esses factos vêm sendo praticados à vista de toda a gente, sem entraves ou oposição de ninguém, designadamente dos réus, sem interrupção temporal e na convicção de que têm direito ao uso e fruição desses equipamentos como parte integrante do Empreendimento Edifício ... sem prejudicar terceiros. -Quesito 16°
16A) A integração do "Clube de Lazer” no Empreendimento Edifício .... foi condição essencial para que muitos dos condóminos tivessem adquirido as suas fracções. -Quesito 16°A
17) Em 7 de Maio de 2002, quando os funcionários da empresa "FM, Lda.", por conta e sob as ordens do condomínio, procediam a trabalhos de reparação das piscinas e balneários do "Clube de Lazer” o Réu LB, sócio-gerente da 1ª Ré, acompanhado de mais três pessoas, impediu os funcionários daquela empresa de efectuar os trabalhos, ordenando-lhes que os interrompessem e abandonassem. -Quesito 17°
18) E impediu a retirada dos materiais e dos equipamentos utilizados na obra, designadamente, uma bomba de elevação de água pertencente ao empreiteiro. -Quesito 18°
19) LB proibiu os operários e o funcionário do condomínio, Sr. ASGM, de se deslocarem ao "Clube de Lazer”. -Quesito 20°.
20) Impediu os condóminos e respectivas famílias de acederem à área onde funciona o designado "Clube de Lazer” e de utilizarem os equipamentos que o compõem. -Quesito 21°
21) A substituição das fechaduras e a soldadura das portas de acesso ao "Clube de Lazer” ocorreu imediatamente depois dos factos referidos nos anteriores artigos 17° a 21°. -Quesito 22°
22) Depois da administração do condomínio ter procedido à reabertura das portas, as mesmas foram novamente soldadas. -Quesito 23°
23) Os prédios referidos na escritura pública descrita em G) dos factos assentes são o urbano onde se encontrava instalada a casa de rés-do-chão, sótão e logradouro (destinado a edifício de apoio e casa do guarda), e os rústicos onde a ré ....,LDA edificou a piscina, campo de ténis, balneários de apoio e zonas de lazer adjacentes, que integram o denominado "Clube de Lazer”. -Quesito 27°
24) Ao celebrarem a escritura de compra e venda referida nessa alínea G) os 1º, 2º e 3º Réus, e os sócios gerentes da 2ª Ré, sabiam que estavam a negociar os prédios onde se encontrava instalado o denominado "Clube de Lazer” do Empreendimento .... e os equipamentos que o compõem. -Quesitos 28° e 29°
25) Em Maio de 2002, os Réus colocaram num dos muros de vedação do "Clube de Lazer” uma placa contendo a palavra "VENDE-SE" e dois números de contacto telefónico. -Quesito 32°
26) Os Réus removeram parte da instalação eléctrica exterior que iluminava o "Clube de Lazer”. -Quesito 33°
27) A 1ª Autora, na qualidade de Administradora do Condomínio, suportou todas as despesas com a execução da decisão judicial proferida no Procedimento Cautelar n° 407/2002, deste douto Tribunal, designadamente os honorários do serralheiro contratado para o arrombamento e abertura de portas, pagamento aos trabalhadores auxiliares o fornecimento de fechaduras para as portas que vedavam os equipamentos/edifícios, a limpeza dos espaços e demais trabalhos executados no âmbito daquela douta decisão. -Quesito 34°
28) Por via da conduta dos Réus, descrita nos anteriores artigos, os 2º a 30° Autores e os demais condóminos ficaram impedidos de usar e fruir o "Clube de Lazer” no período compreendido entre 7 de Maio de 2002 e 28 de Junho de 2002. -Quesito 35°
29) Para obstar a essa situação, alguns dos condóminos recorreram a piscinas e campos de ténis privados. -Quesito 36°
30) A conduta dos Réus, descrita nos anteriores artigos, causou nos Autores nervosismo, incómodos e desgosto. -Quesito 38°
FUNDAMENTAÇÃO
Como consta das conclusões, estão em causa todas as questões desde sempre suscitadas no processo – integração do Clube de Lazer nas partes comuns do edifício ...., nulidade do título constitutivo da propriedade horizontal, nulidade do contrato de compra e venda celebrado entre as 1ª e 2ª Rés, pedido subsidiário (não pronúncia sobre esta questão, apesar da improcedência dos pedidos principais).
Acontece que o acórdão, apesar da sua grande simplicidade e no que se refere aos pedidos principais, tocou na verdadeira questão ao notar que “sempre há que atentar que a propriedade horizontal pressupõe a propriedade”.
Não deixaremos, no entanto de tecer algumas considerações, aprofundando as questões e procurando ter em conta os pontos essenciais de argumentação dos recorrentes.
Vejamos então.
1º - Integração do Clube de lazer nas partes comuns do Edifício ....
A primeira e essencial questão é a de saber se o denominado Clube de Lazer (constituído por casa de apoio, piscina de adultos e de crianças, court de ténis e balneários) faz ou não parte integrante do Edifício ...., constituindo sua parte comum.
Ambos foram construídos pela 1ª Ré.
O Clube foi edificado no prédio urbano já existente, inscrito na matriz sob o artigo n.º 931 e descrito na Conservatória sob o n.º 00118 (habitação aí existente foi aproveitada e destinada a edifício de apoio, sofrendo pequenas adaptações) e nos prédios rústicos – talho de monte e terreno de pinhal – inscritos na matriz sob os artigos 1316 e 1313 (artigo 1725) e descritos na Conservatória sob os n.ºs 00969 e 00203 – Seixas -.
O Edifício ...., composto por dois blocos habitacionais – 55 fracções autónomos e respectivos partes comuns – foi construído num anterior prédio misto, denominado “Quinta do ...”, onde existia um artigo urbano (649) com a área de 90 m2 e um artigo rústico (1.323) com a área de 7.520 m2 (no total a área era, pois, de 7.610 m2) e se encontrava descrito na Conservatória sob o n.º 00710.
Ora, a sentença de 1ª instância, que os recorrentes pretendem ver represtinada, interpretando a vontade das partes intervenientes no negócio jurídico em causa – escritura de constituição da propriedade horizontal e alguns contratos de compra e venda celebrados entre a 1ª Ré e 11 condóminos (cof. Escritura de fls. 134 e segs.) descobriu, que a vontade real da 1ª Ré e dos condóminos era a de que a venda de cada uma das fracções incluía a aquisição, acessória, em compropriedade, do designado “Clube de Lazer” e respectivos equipamentos que o compõe, tendo em conta critérios de interpretação contidos no n.º 2 do Art. 238º do C.C..
Por um lado, mal se entende qual ou quais as cláusulas que foram interpretadas, mas não vamos enveredar por aí, nem sequer tentar averiguar qual a verdadeira vontade real em causa, o que, aliás, corresponde a matéria de facto da qual não se pode ocupar este S.T.J..
Mas, seja qual for essa vontade não tem a virtualidade de, só por si, constituir direitos reais, que só podem ser constituídos por escritura pública (além dos outros meios idóneos a esse fim, mas que aqui não interessa atentar).
Portanto, torna-se necessário remontar à escritura de constituição da propriedade horizontal, acto unilateral da exclusiva vontade da 1ª Ré e respectivo registo para se determinar o que afinal constitui o objecto do direito dos respectivos condóminos (cof. doc. de fls. 134/173 e fls. 36/61).
Ora, como se vê da referida escritura, o que foi constituído em propriedade horizontal, foi o prédio urbano destinado a habitação e escritórios, composto de cave, rés-do-chão, 1º e 2º andares, sótão e vão do telhado, com a área coberta de 2.830 m2 e logradouro com a área de 4.780 m2, construído no prédio descrito na Conservatória sob o n.º 00710 – Seixas e que constituía o anterior prédio misto (acima referido) registado sob o mesmo número 00710 e inscrito na matriz urbana sob o artigo 649º e na matriz rústica sob o artigo 1323 (repare-se até na coincidência absoluta das respectivas áreas – 7.619 m2 -).
Portanto, foram as fracções autónomas deste prédio que a 1ª Ré vendeu aos 11 condóminos identificados na escritura certificada a fls. 134 e seg. (dos quais, alguns, são aqui A.A.).
Está, pois, perfeitamente identificado o edifício constituído em propriedade horizontal e logo se vê que este não tem a ver com o denominado Clube de Lazer, que a 1ª Ré também construiu, mas que constitui uma realidade distinta do edifício ..., edificado em prédios diferentes, sem qualquer possibilidade de confusão com o prédio misto em que, como se viu, foi implantado o edifício ..., único que está constituído em regime de propriedade horizontal.
Quer dizer, do título constitutivo da propriedade horizontal, pelo qual se define o âmbito e os limites do direito, não consta o mínimo indício de que o “Clube de Lazer” faça parte (como parte comum) da propriedade horizontal que titula.
Manifestamente, o Clube de Lazer em causa, não cabe no âmbito do referido título.
Como tal, não é possível interpretar a declaração de vontade constante da escritura de constituição da propriedade horizontal no sentido de que se quis integrar nessa propriedade, como parte comum, a casa e equipamentos construídos em prédios distintos – isto é, o dito “Clube de Lazer” –.
É que nos negócios formais, como é o caso, não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso (Art. 238º n.º 1).
E, por outro lado, não tem aplicação ao caso o n.º 2 do citado preceito, porquanto, se fosse aquela a vontade real da 1ª Ré, razões determinantes da forma do negócio opor-se-iam à validade do pretendido sentido (na verdade, a valer esse sentido, estar-se-ia a constituir um direito real sobre parcelas de terreno não abrangidos na escritura).
E o mesmo se diga em relação aos contratos de compra e venda celebrados com os 11 condóminos identificados na escritura de constituição de propriedade horizontal, no âmbito da qual a 1ª Ré também lhes vendeu e eles compraram algumas das fracções autonomizadas na escritura. Também desses contratos nada consta que se refira, de qualquer modo, ao dito “Clube de Lazer” (Ignora-se o que se passa com os restantes, que não foram juntos aos autos).
Mas, seja como for, sempre haveria de ter em conta que são os contratos celebrados com os adquirentes das várias fracções autónomas que têm de moldar-se ao título constitutivo e não este àqueles.
“O título constitutivo é um acto de modelador do estatuto da propriedade horizontal e as suas determinações têm natureza real e portanto, eficácia erga omnes” (Henrique Mesquita – A Propriedade Horizontal –).
Por isso mesmo, como refere Sandra Passinhas (A Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal) “Acontece, por vezes, os vendedores das fracções autónomas prometerem certas comodidades aos futuros adquirentes (por exemplo, que uma determinada parte do prédio é comum, ou que uma fracção autónoma pode ser utilizada para desenvolver uma determinada actividade) que depois se verifica estarem em contradição com o título constitutivo. Quando tal acontecer, prevalece o que constar do título constitutivo, dada a sua natureza de estatuto real da propriedade horizontal. Os condóminos lesados pelas negociações realizadas com o proprietário inicial do edifício podem reagir contra este, pedindo uma indemnização ou anulação do contrato, nos termos gerais da anulação por vícios de vontade”.
E não se diga, como fez a sentença de 1ª instância e insistem os recorrentes, que as partes comuns não tem de ser especificadas no título constitutivo, já que são delimitadas por exclusão de partes (Arts. 1418 e 1421 do C.C.), de modo que a circunstância de o “Clube de Lazer” não estar referido no título como parte comum do empreendimento não impede que se lhe atribua tal qualidade.
É que, sendo de facto comuns, em geral, as coisas que, pelo título não sejam afectadas ao uso exclusivo de um dos condóminos (n.º 1 e) do art. 1421º do C.C.), o certo é que só podem essas coisas ser consideradas comuns, se, embora não descriminados no título, façam parte do prédio constituído, em propriedade horizontal, como é óbvio.
Naturalmente que não pode o preceito referir-se a parcelas de terreno e aos equipamentos neles instalados, quando aquelas não pertencem ao prédio (à unidade predial) onde foi construído o edifício constituído em propriedade horizontal.
Não é, portanto possível através da interpretação dos negócios em causa concluir-se pela integração do “Clube de Lazer” no Edifício ..., constituído em regime de propriedade horizontal pela escritura pública de 6/2/95, isto independentemente do sentido de vontade real (ou normativa) das partes que outorgaram naqueles negócios.
Se a 1ª Ré nas acções de promoção e venda dos apartamentos sempre referiu aos potenciais compradores que o “Clube de Lazer” fazia parte integrante do Edifício ... e estava destinado ao uso comum dos condóminos, se o preço pago pelos compradores das fracções foi superior ao de fracções iguais disponíveis no mercado, exactamente pelo facto de o empreendimento englobar o tal Clube, se essa integração, anunciada pelo 1ª Ré, foi condição essencial para que muitos dos condóminos tivessem adquirido as suas fracções no Edifício ..., como se teve por provado, então, à semelhança do exemplo acima referido, estaremos perante um incumprimento contratual (ou cumprimento defeituoso) por parte da 1ª Ré, a dar lugar a eventuais indemnizações aos condóminos lesados ou a facultar-lhes a anulação dos seus contratos de compra e venda na base do regime geral dos vícios de vontade.
Trata-se, então, de uma questão de natureza obrigacional, que não real. O que não é possível é fazer prevalecer a vontade das partes contra o que determina o título constitutivo da propriedade horizontal como acima ficou dito.
Ora, é evidente que face à posição acima assumida e que implica desde logo a improcedência dos pedidos formulados em A/B/ e C/, ficam também prejudicados os demais pedidos principais, pelo menos na medida da sua ligação funcional àqueles.
De qualquer modo, e perante a insistência dos AA./recorrentes, há que deixar um breve apontamento no que se refere às demais questões suscitadas nos conclusões. 2º - Validade/nulidade do próprio título constitutivo no que concerne à sua conformidade ou desconformidade com o projecto aprovado e licenciado pela Câmara Municipal.
Diz-se na sentença de 1ª instância que o projecto do empreendimento só mereceu aprovação camarária mediante a inclusão do então chamado “Clube de Lazer e Desporto”.
O mesmo alegam os AA., insistindo pela unificação dos projectos que conceberam, quer o Edifício ..., quer o Clube de Lazer (este teria sido incorporado no 1º, por imposição da Câmara).
Não é, todavia, essa a realidade demonstrada pelos documentos juntos aos autos (cof. doc. de fls. 103/110 e de fls. 142).
O que emerge dessa documentação, designadamente da acta da Câmara de 2/10/90, que aprovou o empreendimento Imobiliário .... aqui em lide, é que estavam em causa 2 processos distintos, um relativo à construção de um conjunto de apartamentos no Alto da Veiga (Proc. n.º 309/90) e outro referente ao questionado Clube de Lazer e Desporto (Proc. n.º 310/90).
Na sequência do processo de viabilização (que não está junto aos autos) a 1ª Ré apresentou 2 projectos de arquitectura distintos, um para o conjunto de apartamentos e outro para o Clube de Lazer. Foram esses projectos distintos que a Câmara apreciou e aprovou, como tais, referindo no entanto que “tratando-se de uma obra de qualidade tem um sentido global que obrigará à execução integral do empreendimento”. Daí que tenha deliberado que “embora tratando-se de 2 processos e projectos distintos a Câmara não concederá a licença de habitabilidade ao conjunto de apartamentos sem que esteja concluído o Clube de Lazer e Desporto …”.
Por outras palavras, a Câmara Municipal aprovou os dois projectos de arquitectura (distintos entre si e integrados em processos também distintos) sem os unificar, embora complementarizando-os.
Tal complementarização nada tem a ver, no entanto, com qualquer imposição administrativa de integração do Clube de Lazer no conjunto habitacional, como pretendem os recorrentes.
Aliás, nessa lógica (de não integração ou unificação) vai igualmente a deliberada intenção de abrir o Clube de Lazer “à utilização pública mediante acordo e protocolo a celebrar com a autarquia” pois nenhum sentido faria que se impusesse a integração do Clube de Lazer como parte comum do conjunto habitacional e depois se pretendesse que os condóminos (55) autorizassem a abertura do seu clube ao público em geral …
De resto, a interpretação normativa que acaba de fazer-se da aludida deliberação administrativa encontra pleno apoio no facto de a Câmara Municipal ter emitido a necessária certidão de conformidade que serviu de base à constituição da propriedade horizontal apenas do complexo habitacional do empreendimento (cof. escritura de constituição da propriedade horizontal – fls. 134/143 - ), sem a qual não seria lavrada a referida escritura (art. 74 b) do C.N. em vigor – actual art.º 59º).
Consequentemente, da documentação disponível não resulta qualquer discrepância entre o projecto aprovado para a construção do edifício ... (correspondente ao processo camarário n.º 309/90) e o título de constituição da propriedade horizontal.
Como se vê dos documentos dos autos o título específica as partes do edifício correspondentes às várias fracções de forma a individualizá-los, assim como fixa o valor relativo de cada fracção.
Específica claramente o fim a que se destinam e identifica as partes comuns, tudo em conformidade com o disposto nos art.ºs 1414, 1415 e 1418 do C.C., sem qualquer discrepância com o licenciamento Camarário, como resulta da certidão emitida pela autarquia, apresentada ao notário. Não existe, portanto, a alegada falta de coincidência entre o projecto licenciado (foram licenciados 2 projectos distintos que apenas são complementares, podendo essa complementaridade concretizar-se de diversas formas que a Câmara não definiu, nem tinha de definir) e o título constitutivo, daí que este não esteja ferido de qualquer nulidade por força do disposto no Art.º 294º do C.C. ou de qualquer outra disposição legal.
Improcede também este pedido principal. * 3º - Nulidade do contrato de compra e venda celebrado entre a 1ª e a 2ª Rés.
Não podendo aqui decidir-se que o Clube de Lazer em causa é parte comum do Edifício ...., como querem os AA., não podendo declarar-se nulo o título constitutivo da propriedade horizontal, como resulta de tudo quanto acima se deixou dito, é claro que a 1ª Ré não estava impedida de vender à 2ª Ré o Clube de Lazer, cuja propriedade não é posta em causa pela argumentação dos AA. Como se concluiu. Aliás, é interessante notar, só não o vendeu aos condóminos (ou a alguns deles) porque estes, após longas negociações nesse sentido, que até já tinham levado à fixação do preço, acabaram por desistir do negócio …
Não há, pois, venda de coisa alheia.
Mas será que essa venda é nula por impossibilidade do respectivo objecto, como pretendeu a sentença de 1ª instância, cuja argumentação os AA. Agora retomam?
A resposta, na nossa modesta opinião tem de ser negativa.
É nulo o negócio cujo objecto seja física ou legalmente impossível, contrário à lei ou indeterminável, diz o n.º 1 do Art. 280º do C.C..
Ora, só será fisicamente impossível aquilo que materialmente ou pela própria natureza das coisas não possa realizar-se.
Por outro lado “Será impossível legalmente o objecto de um negócio quando a lei ergue a esse objecto um obstáculo tão insuperável como o que as leis da natureza põem aos fenómenos fisicamente impossíveis” (cfr. Mota Pinto – Teoria Geral – 3ª ed. – 550 –).
Ora, como ensina o citado mestre “… um impedimento legal deste tipo só pode existir em relação a realidades de carácter jurídico, por ex. negócios jurídicos e direitos.
Podem, portanto, ter um objecto legalmente impossível negócios jurídicos cujo objecto seja constituído por um outro negócio jurídico”, como é o caso dos contratos-promessa, quando os promitentes se obriguem a celebrar determinado contrato que não pode ser validamente concluído como por ex. a promessa de venda de herança da pessoa viva (Art.º 2028 n.º 2 do C.C.).
Com base neste exemplo, explica o citado autor “A venda de herança de pessoa viva será um acto de objecto contrário à lei (Art. 2028 n.º 2); a promessa de venda de herança de pessoa viva tem um objecto legalmente impossível”.
(Sobre o conceito de objecto impossível legalmente, confronte, também, Manual de Andrade – Teoria Geral – II – 328 e segs.).
Finalmente e quanto ao que aqui interessa, o objecto do negócio será contrário à lei quando viole uma norma legal, ou seja, “quando a lei não permita uma combinação negocial com aqueles efeitos” (por ex., um negócio constitutivo de um direito real não reconhecido na lei – Art. 1306 do C.C.-) “ou sobre aquele objecto mediato” (por ex. venda de estupefacientes) – Cof. autor e obra citados.
Assim, expostos resumidamente os conceitos, logo se vê que não têm qualquer aplicação ao caso que nos ocupa.
Apesar da implantação de diversos equipamentos nas parcelas rústicas em questão é óbvio que o solo continua a existir, de modo que, do ponto de vista naturalístico e físico, não se tornou impossível a respectiva transmissão.
Por maioria de razão o mesmo ocorre em relação ao artigo urbano, já que o prédio nele implantado nem sequer sofreu alterações de relevo.
Por outro lado, não estamos em presença de qualquer contrato-promessa cujo objecto (contrato-prometido) a lei proíbe, assim como não se conhece lei que proíba a venda de prédios cujas inscrições matriciais se encontrem desconformes com uma nova realidade matricial.
No caso concreto, o que se verifica, é apenas uma desactualização das inscrições matriciais e das descrições registrais, que nada tem a ver com a impossibilidade física ou legal do objecto da compra-venda, assim como não torna esse objecto proibido por lei, nem gera nulidade do negócio.
Tal desconformidade apenas imporá a correcção das inscrições matriciais e das descrições registrais, o que é sempre possível em qualquer momento.
De resto, ainda que o negócio de compra e venda em causa fosse realmente nulo (e já vimos que não é) nunca os AA. teriam legitimidade para invocar tal vício.
Na verdade, nos termos do Art. 286º do C.C. a nulidade é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser declarada oficiosamente pelo Tribunal.
Portanto, segundo a lei, não é qualquer pessoa que pode invocar a nulidade, pois é ainda necessário que seja interessado, isto é, que seja titular de qualquer relação jurídica que possa ser afectada, na sua consistência jurídica ou prática pelos efeitos a que o negócio nulo tendia a produzir (é a orientação pacífica da doutrina – cof. por ex. Mota Pinto – Teoria Geral –, Manuel de Andrade – Teoria Geral – ou A. Varela e P. Lima C.C. anotado).
Ora já vimos que o Clube de Lazer aqui em causa não constitui parte comum do Edifício ..., este, (e só este) constituído em regime de propriedade horizontal do qual os AA. são condóminos.
Assim sendo, o negócio de compra e venda celebrado entre a 1ª e a 2ª Rés é absolutamente estranho aos AA., não afectando os seus interesses de modo algum.
Não detêm, por isso, qualquer interesse jurídico ou meramente prático na declaração de nulidade do dito negócio, o que retira toda a legitimidade para a peticionar.
Mas se os AA. não têm qualquer interesse, e por isso legitimidade, para invocar a nulidade desse negócio, parece que também não poderia o Tribunal conhecer dela oficiosamente, por ser completamente irrelevante para a boa decisão da causa.
A respeito de situação algo semelhante, observava o Prof. Castro Mendes (Teoria - Geral – 1967 – 3ª – 203) que “Numa acção onde não possa ser invocada pela parte a nulidade por efeito de simulação, o Tribunal não pode conhecer da simulação ex-offício”.
Improcedem, por conseguinte todos os pedidos principais formulados pelos AA..
4º - Omissão de pronúncia.
Como se vê da petição inicial “por mera cautela”, para o caso de se entender que o clube de Lazer não fez parte integrante das partes comuns do Edifício ..., defendem os AA. que, nessa hipótese, são titulares de um direito pessoal de gozo dos equipamentos que o compõem (cof. artigos 101 a 113 da p.i.).
Em conformidade, pedem, subsidiariamente que se declare a favor dos 2º a 30º AA. e demais condóminos, o direito pessoal de gozo sobre o referido Clube de Lazer …
Como a sentença de 1ª instância decidiu pela procedência dos pedidos principais, declarando que o dito Clube integrava as partes comuns do Edifício ..., do qual os AA. são condóminos, não teve de conhecer, evidentemente, do referido pedido subsidiário.
A Relação, porém, revogou a decisão recorrida por entender não existir fundamento para a integração dos prédios onde foi construído o mencionado clube nas partes comuns do Edifício ... (o que aqui se confirma, como vimos).
Mas, então, devia, logicamente, apreciar o mérito do referido pedido subsidiário, formulado exactamente para a hipótese (que se concretizou) da improcedência dos pedidos principais.
Apesar disso, o acórdão recorrido concluiu que a acção improcedia globalmente porquanto “não existindo fundamento para a integração dos 3 prédios (onde se construiu o Clube de Lazer) nas partes comuns do ..., todos os demais pedidos improcedem atento a sua directa dependência”.
Em consequência revogou a sentença recorrida e absolveu os RR. de todos os pedidos formulados pelos AA..
Aparentemente (ou formalmente, se se quiser) nesta absolvição global estará também incluído o pedido subsidiário, mas, a ser assim, tendo-se “conhecido” desse pedido, falta pronúncia sobre a causa de pedir em que ele se fundamenta.
Por outro lado, face ao laconismo do acórdão sobre o assunto, não é de excluir a hipótese de, pura e simplesmente, por mero lapso, não se ter atentado no referido pedido subsidiário.
Mas, em qualquer dos casos, visto que o acórdão recorrido omitiu completamente qualquer posição sobre o alegado “direito pessoal de gozo” haverá sempre omissão de pronúncia sobre questão que os AA. claramente colocaram a título subsidiário . Art. 668º n.º 1 d) – Note-se que as questões que o tribunal deve resolver, isto é, as questões que as partes lhe tenham submetido – Art. 660º n.º 2 do C.P.C. – são todos os pedidos, todos as causas de pedir ou todas as excepções – cfr. Lebre de Freitas – C.P.C. anotado –).
Aliás na primeira hipótese considerada, ocorre ainda absoluta falta de fundamentação (Art.º 668º n.º 1 b)), o que ao menos implicitamente vem suscitado na revista.
Quer dizer, o acórdão, nesta parte, cometeu nulidade, o que, porém, dada a independência das questões, não impede que aqui se tenha conhecido das questões ou pedidos principais, também objecto da revista dos AA.
Aliás, o conhecimento e a confirmação do acórdão recorrido, quanto a tais questões, era condição necessária, para o conhecimento da nulidade por omissão de pronúncia, quanto ao pedido subsidiário, igualmente suscitado na revista, como é óbvio.
Consequentemente, deverão os autos baixar à Relação para que, nos termos do disposto no art.º 731º n.º 2 do C.P.C. conheça da questão omitida (pedido subsidiário), atenta a solução adoptada quanto ao demais.
DECISÃO
Termos em que acordam neste S.T.J. em negar revista e em consequência:
- confirmar o acórdão recorrido no que concerne aos pedidos principais.
- Declarar nulo o acórdão, na parte em que omitiu pronúncia sobre a questão a que se refere o pedido subsidiário.
- Ordenar a devolução dos autos à Relação a fim de aí se conhecer do pedido subsidiário.
Custas a fixar a final.
Lisboa, 3 de Junho de 2008
Moreira Alves
Alves Velho
Moreira Camilo