EQUIDADE
LIQUIDAÇÃO EM EXECUÇÃO DE SENTENÇA
NEXO DE CAUSALIDADE
CENTRO COMERCIAL
PRIVAÇÃO DO USO
Sumário


1) O artigo 563.º do Código Civil consagrou a doutrina da causalidade adequada, na formulação negativa de Enneccerus-Lehman, nos termos da qual a inadequação de uma dada causa para um resultado deriva da sua total indiferença para a produção dele, que, por isso mesmo, só ocorreu por circunstâncias excepcionais ou extraordinárias.
2) O juízo de causalidade numa perspectiva meramente naturalística de apuramento da relação causa-efeito, insere-se no plano puramente factual insindicável pelo Supremo Tribunal de Justiça, nos termos e com as ressalvas dos artigos 729.º, n.º1 e 722.º, n.º2 do Código de Processo Civil.
3) Assente esse nexo naturalístico, pode o Supremo Tribunal de Justiça verificar a existência do nexo de causalidade, o que se prende com a interpretação e aplicação do artigo 563.º do Código Civil.
4) De acordo com a doutrina da causalidade adequada, consagrada no artigo 563.º do Código Civil, o facto gerador do dano só pode deixar de ser considerado sua causa adequada se se mostrar inidóneo para o provocar ou se apenas o tiver provocado por intercessão de circunstâncias anormais, anómalas ou imprevisíveis.
5) Afirmar o conteúdo de uma presunção judicial insere-se no âmbito da decisão de facto, da competência reservada das instâncias e contida no princípio da livre apreciação da prova.
6) É atípico ou inominado, o contrato de cedência temporária do uso de um espaço para o exercício de uma actividade num centro comercial.
7) Assente a existência de valores a apurar, mas não se tendo determinado, com precisão, o seu montante, deve condenar-se no que se liquidar em execução de sentença, se tal liquidação se afigurar possível, designadamente por recurso a meios de prova na fase de liquidação.
8) Tal significa a oportunidade para provar os montantes que não se lograram demonstrar na fase declarativa mas, e apenas, com os limites do pedido que nunca podem ser ultrapassados.
9) O julgamento de equidade, designadamente nos termos do n.º 3 do artigo 566.º do Código Civil, só ocorre quando se mostre esgotada a possibilidade de recurso aos elementos com base nos quais se determinaria com precisão o montante devido. O recurso à equidade constitui um critério residual que só será aplicável desde que dos factos provados se tenha como demonstrada a existência de danos e estiverem esgotadas as possibilidades de determinação do valor desses danos.
10) Isto porque a equidade envolve uma atenuação do rigor da norma legal, por virtude da apreciação subjectiva do julgador, subtraindo este aos critérios puros e rigorosos de carácter normativo fixados na lei.
11) A opção entre a liquidação em incidente de execução de sentença, e o julgamento equitativo do “quantum” depende do juízo que, em face das circunstâncias concretas, se possa formular sobre a maior ou menor probabilidade de futura determinação de tal valor.

Texto Integral


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

“AA Management – Gestão de Centros Comerciais, SA” – então “BB Imobiliária – Gestão SA” intentou acção, com processo ordinário, contra “CC – Exploração de Actividades Hoteleiras, Limitada, pedindo seja declarada a extinção do contrato de utilização da loja n.º 4 do Centro Comercial Pingo Doce, em Loures e a sua entrega, à Autora, livre e desocupado.

Mais pediu a condenação da Ré a pagar-lhe as quantias de 17.034.002$00 – a titulo de remunerações mensais e quota parte de despesas comuns dos meses de Novembro de 1999 a Dezembro de 2000 – 3.228.602$00 – de juros de mora vencidos até 5 de Dezembro de 2001 – juros de mora vincendos, desde 6 de Dezembro de 2001 e, finalmente, a titulo de indemnização pela ocupação ilícita, as quantias de 1.118.268$00 (por cada mês de ocupação) de 233.319$00 (por cada mês de despesas comuns), quantias estas acrescidas de juros de mora desde a citação.

Na 3.ª Vara Cível de Lisboa a acção foi julgada parcialmente procedente e a Ré condenada nos seguintes termos:

“a) Reconhecer a extinção do contrato de utilização da loja do n.º 4, do Centro Comercial Pingo Doce em Loures, celebrado com a A., extinção essa operada pela resolução declarada através de carta registada com aviso de recepção enviada pela A. em 29 de Novembro de 2000;

b) Proceder à entrega à A. da loja referida na alínea anterior livre e devoluta de pessoas e bens;

c) Pagar à A. a quantia d €2.918,15 correspondente à remuneração de Novembro 1999;

d) Pagar à A. a quantia de €2.999,85 correspondente à remuneração de Dezembro de 1999;

e) Pagar à A. a quantia de €60.095,20 (€5463,20 x 11) correspondente à remuneração devida pelo gozo da loja de Janeiro a Novembro de 2000;

f) Pagar à A. a quantia de €577,90 correspondente à remuneração de Dezembro de 2000;

g) Pagar à A., a partir de Dezembro de 2000 e no que se refere à contrapartida pelo gozo do espaço a partir de Janeiro de 2001, a quantia que, a título de renda havia acordada, ou seja, €5.577,90/mensalmente, valor sucessivamente actualizado nos termos da cláusula 4ª, ponto 2. do acordo provado em 3 até efectiva entrega do espaço;

h) Pagar à A. os juros de mora contados sobre as quantias mensais referidas em c), d), e) e f) desde a data constante das facturas, ou seja desde 5/10/99 no que se refere à quantia referida em c), 5/11/99, no que se refere à quantia referida em d) e iguais dias dos meses subsequentes no que diz respeito a cada uma das quantias referidas em e) e f) contados à taxa legal de 12% até 30/9/2004, sendo a partir de 1/10/2004 a 31/12/2004 a taxa é a de 9,01% de acordo com o Aviso DGT 10097/04, DE II, 30.10, a partir de tal data de 9,09% até 30/6/2005, de acordo com o Desp. DGT 310/05, DR, II, 14/1, a partir daí à taxa legal de 9,05% até 31/12/2005, Aviso DGT 6923/05, DR II, 25/7, à taxa legal de 9,25% de 1/1/2006 a 30/6/2006, Aviso DGT 240/2006, DR II, 11/1, à taxa de 9,83% de 1/7/2006 a 31/12/2006, Aviso DGT 7706/06, DR II, 10/7 e 10,8% a partir de 1/1/2007 até 30/6/2007, Aviso DGT 191/07, DR II, 5.1. ou a qualquer outra taxa entretanto aprovada para os juros comerciais, tudo até integral e efectivo pagamento.

i) Pagar à A. os juros de mora contados sobre as quantias mensais referidas em g) contados desde a data da citação e à taxa legal para os juros comerciais calculada nos termos da anterior alínea.”

Quanto ao mais pedido a decisão foi absolutória.

A Ré apelou, tendo-o feito também a Autora, mas subordinadamente.

A Relação de Lisboa julgou as apelações improcedentes mantendo a sentença da 1ª Instância.

Inconformada a Ré pede revista.

E assim conclui as suas alegações:

- Não colhe a alegação da Relação onde se diz que “ a apelante não demonstra o nexo de causalidade de entre as quebras de facturação e a conduta da Apelada.”

- Porquanto não sendo o nexo da causalidade uma questão de facto, mas sim de direito, é uma conclusão jurídica que tem de emanar dos factos provados onde a mesma assente, e que em termos lógico-dedutivos com eles seja conforme.

- Da análise critica e conjugada destes factos provados (nomeadamente dos pontos 32 a 40 da matéria de facto provada) segundo um raciocínio lógico, e à luz das regras da experiência comum, resulta que a causa adequada à quebra da facturação sentida pela R, assim como à frequência indesejada do estabelecimento da mesma, foi o não cumprimento das obrigações da A., que fez com que o Centro Comercial se degradasse.

- O vício de raciocínio do Tribunal recorrido passou por considerar que a frequência indesejada do estabelecimento da ora recorrente foi circunstância autónoma e independente do não cumprimento das obrigações da recorrida, mas sendo ela causa de encerramento do estabelecimento da recorrente.

- É comummente considerado pela Jurisprudência “característica mais importante dos centros comerciais é a exploração dinamicamente integrada de vários ramos de comércio num único espaço comercial por vários lojistas sob organização, promoção publicitária, administração, direcção e fiscalização de funcionamento por uma sociedade gestora desse mesmo centro em ordem a rentabilizar as potencialidades de cada uma das lojas.”

- As obrigações da gestão são abrangentes de todo o empreendimento e o não cumprimento das mesmas afecta directa e necessariamente todas e cada uma das actividades nele integradas, posto que o Centro funciona como um todo dinâmico.

- O Gestor do Centro não fica somente obrigado a assegurar o gozo do estabelecimento ao locatário, mas sim obrigado a uma série de prestações de serviços essenciais ao rendimento de cada uma das lojas e aos bens de utilidade comum ou ao funcionamento de serviços de interesse comum.

- Por isso, é que na qualificação do respectivo contrato vem-se considerando que o mesmo é misto, reconhecendo nele uma dimensão locatícia, mas atribuindo-lhe também, em pé de igualdade ou até de superioridade, uma dimensão de prestação de serviços.

- O regulamento de um Centro Comercial, é imperativo quer para os logistas quer para a empresa gestora.

- O incumprimento, provado, das obrigações por parte da A. deveria ter levado a julgar totalmente procedente a excepção de não cumprimento do contrato, não o tendo feito a decisão recorrida violou o art. 428 do C.Civil.

- Mesmo a não ser assim entendido, sempre deveria ter sido outra a decisão recorrida no que tange ao valor arbitrado a título de “indemnização pelo uso”.

- Nesta sede consta da decisão recorrida:

“A Apelada pediu a indemnização de € 5.577,90 mensais alegando ser essa a quantia que receberia de um outro interessado. Não logrou porém fazer qualquer prova a este respeito.”

- Porém e apesar disso considerou a Relação, que pela privação do uso a recorrida deveria ser indemnizada, pelo mesmo montante mensal, ou seja dê € 5.577,90.

- Ora tendo ficado provado que a Recorrida não cumpriu diversas obrigações contratuais a que estava obrigada, obrigações essas que eram condições essenciais do negócio, ou seja, foi no pressuposto do seu cumprimento, que o valor da retribuição/renda foi fixado.

- A alteração das condições, ocorrida pelo incumprimento da gestora deveria conduzir à diminuição substancial do valor.

- Valor a fixar em termos de equidade, mas sempre muito inferior a € 5.577,90 mensais, ou caso o Tribunal considerasse não dispor de elementos para o efeito, relegar a respectiva fixação para a execução da sentença, nos termos do disposto no art.º 661º do Código de processo Civil.

- A decisão recorrida contém contradição insanável da fundamentação, como claramente resulta da leitura dos trechos por nós supra sublinhados.

- Pois por um lado se diz que não resultou provado que o prejuízo da A. tenha sido de esc.: 1.118.268$00 (€ 5.577,90)/mensais desde Janeiro de 2001, pelo que se torna necessário recorrer-se à equidade para fixar o valor do seu prejuízo, logo de seguida vem-se estabelecer exactamente aquele valor, e isto sem justificação lógica e quando existiam factos provados que forneciam referências para a fixação do justo valor.

A saber:

- O valor acordado no contrato referido no ponto 3 dos factos provados, ou seja quando o Centro se encontrava dignificado e atraía clientela, era de 500.000$00 (cfr. ponto 2.1 da cláusula 4 - remunerações) valor que se manteve até 27 de Setembro de 1999, altura em que a A. enviou à R. carta comunicando que a remuneração passaria a ser de 514.030$00 (ponto 21 dos factos provados).

Ora seria este o valor locativo real, repetimos, quando o Centro se encontrava dignificado e atraía clientela. Pelo que deveria ser arbitrado, valor inferior aos supra referidos, ou seja, no máximo de € 2.000,00/(400.000$00)/mensais em termos de prejuízos pela ocupação, atendendo à degradação do Centro entretanto ocorrida.

- Ou relegar o Tribunal para execução de Sentença a liquidação. Não o tendo feito a sentença recorrida violou os arts. 566º nº 3 do C.Civil e 661º do C.P.Civil.

Contra-alegou a Autora em defesa do aresto apelado.

E, em síntese, refere na parte conclusiva:

- É matéria assente que o estabelecimento da Recorrente é uma discoteca, com acesso próprio e independente para o exterior do Centro Comercial, tendo-se obrigado a Recorrente a exercer essa actividade de forma continuada e ininterrupta nos limites dos horários legalmente fixados para os estabelecimentos de diverso nocturna desta natureza, isto é, para além dos limites do horário de abertura do Centro Comercial.

- A frequência da discoteca da Recorrente, a sua selecção e angariação constituem exclusiva responsabilidade desta, podendo condicionar negativamente a frequência do Centro Comercial e não o contrário.

- A Autora nunca deixou de cumprir as suas obrigações, garantindo como sempre o exercício da actividade na loja da Ré e a dos demais lojistas, com ou sem normal funcionamento do ar condicionado nas partes comuns e com ou sem eventual ocorrência de chuva em zonas do Centro Comercial,

- Não podendo a Autora ser responsabilizada pelas quebras e variações de corrente eléctrica no centro comercial, porquanto tal não depende da sua vontade ou diligência, mas antes da distribuidora de energia eléctrica,

- E, ainda menos, pela frequência indesejada da discoteca da Recorrente, facto que constitui exclusiva responsabilidade desta e é, isso sim, susceptível de afectar negativamente a frequência do Centro Comercial

- É totalmente infundada a invocada excepção de não cumprimento pela Recorrida, em resposta ao alegado incumprimento das obrigações contratuais pela Autora, porquanto foi esta quem manteve as infra-estruturas de apoio, a iluminação, a limpeza e higiene, a segurança, os acessos e estacionamentos do Centro Comercial, de modo a que toda a sua estrutura se mantivesse em pleno funcionamento.

- E ainda que assim no fosse, o que não se concede, o certo que a Recorrente nem pagou as remunerações a que se obrigou, nem entregou a loja à Recorrida, mantendo-a encerrada até ao presente.”

As instâncias deram por assente a seguinte matéria de facto:

1. A Autora que, até 19 de Fevereiro de 1999, girava sob denominação de SPCC – SOCIEDADE PORTUGUESA DE CENTROS COMERCIAIS, S.A., é uma sociedade anónima que tem por objecto, administração e gestão de centros comerciais e lojas, bem como, acessoriamente, a compra e venda de imóveis;

2. No âmbito do exercício dessa sua actividade, a Autora encontra-se, tal como se encontrava em 1997, a gerir e a explorar, sob a forma de comércio integrado entre outros, o Centro Comercial Pingo Doce de Loures, sito na Quinta da Farinheira, Fanqueiro, Loures;

3. Entre “S.P.C.C. - Sociedade Portuguesa de Centros Comerciais S.A.” “CC-Exploração e Actividades Hoteleiras, Lda.” e DD, foi celebrado em 14/11/1997 o acordo escrito junto aos autos de fls. 32 a 42 que aqui se dá por reproduzido;

4. No âmbito do acordo a R. passou a utilizar a loja n°4 do Centro Comercial Loures Pingo Doce, passando esta, a partir de 01 de Dezembro de 1997, a utilizá-la, mantendo-a aberta ao público, durante os horários legalmente fixados para os estabelecimentos de diversão nocturna e nela levando a cabo a actividade comercial de discoteca;

5. A partir de Novembro de 1999 a R. deixou de proceder ao pagamento das rendas mínimas mensais e despesas comuns no valor de 307.316$00 (trezentos e sete mil trezentos e dezasseis escudos), referente a parte da remuneração mínima mensal e das despesas comuns relativas ao mês de Novembro de 1999, quantia essa discriminada na factura nº 014628, emitida em 01 de Outubro de 1999 e com vencimento em 05 de Outubro de 1999…;

6. ... Esc. 823.695$00 (oitocentos e vinte e três mil seiscentos e noventa e cinco escudos), referentes à remuneração mínima mensal e às despesas comuns relativas ao mês de (Dezembro de 1999, quantia essa discriminada na factura nº 016468, emitida em 01 de Novembro de 1999 e com vencimento em 05 de Novembro de 1999...;

7. Esc. 1.317.553$00 (um milhão trezentos e dezassete mil quinhentos e cinquenta e três escudos), referentes à remuneração mínima mensal e às despesas comuns relativas ao mês de Janeiro de 2000, quantia essa discriminada na factura n°017907, emitida em 01 de Dezembro e com vencimento em 05 de Dezembro de 1999...;

8. ...Esc. 1.317.553$00 (um milhão trezentos e dezassete mil quinhentos e cinquenta e três escudos), referentes à remuneração mínima mensal e às despesas comuns relativas ao mês de Fevereiro de 2000, quantia essa discriminada na factura n° 000785, emitida em 02 de Janeiro de 2000 e com vencimento em 06 de Janeiro de 2000...;

9. ... Esc. 1.317.553$00 (um milhão trezentos e dezassete mil quinhentos e cinquenta e três escudos), referentes à remuneração mínima mensal e às despesas comuns re1ativas ao mês de Março de 2000, quantia essa discriminada na factura nº 002456, emitida em 01 de Fevereiro de 2000 e com vencimento em 05 de Fevereiro de 2000...;

10. Esc. 1.317.553$00 (um milhão trezentos e dezassete mil quinhentos e cinquenta e três escudos), referentes à remuneração mínima mensal e às despesas comuns relativas ao mês de Abril de 2000, quantia essa discriminada na factura nº 004043, emitida em 01 de Março de 2000 e com vencimento em 05 de Março de 2000...;

11. ... Esc. 23.120$00 (vinte e três mil cento e vinte escudos), referentes ao acerto de despesas comuns relativas ao período compreendido entre Janeiro e Abril de 2000, quantia essa discriminada na factura nº 004900, emitida em 23 de Março de 2OOO e com vencimento em 27 de Março de 2000

12. ... Esc. 1.323.333$00 (um milhão trezentos e vinte e três mil trezentos e trinta e três escudos), referentes à remuneração mínima mensal e às despesas comuns relativas ao mês de Maio de 2000, quantia essa discriminada na factura nº 006127, emitida em 01 de Abril de 2000 e com vencimento em 05 de Abril de 2000…;

13. ... Esc. 1.323.333$00 (um milhão trezentos e vinte e três mil trezentos e trinta e três escudos), referentes à remuneração mínima mensal e às despesas comuns relativas ao mês de Junho de 2000, quantia essa discriminada na factura nº 007586, emitida em 01 de Maio de 2000 e com vencimento em 05 de Maio de 2000…;

14. ...Esc. 1.323.333$00 (um milhão trezentos e vinte e três mil trezentos e trinta e três escudos), referentes à remuneração mínima mensal e às despesas comuns relativas ao mês de Julho de 2000, quantia essa discriminada na factura nº 009139 emitida em 01 de Junho de 2000 e com vencimento em 05 de Junho de 2000…;

15. ...Esc. 1.323.333$00 (um milhão trezentos e vinte e três mil trezentos e trinta e três escudos), referentes à remuneração mínima mensal e às despesas comuns relativas ao mês de Agosto de 2000, quantia essa discriminada na factura nº 010624, emitida em 01 de Julho de 2000 e com vencimento em 05 de Julho de 2000...;

16. ...Esc. 1.323.333$00 (um milhão trezentos e vinte e três mil trezentos e trinta e três escudos), referentes à remuneração mínima mensal e às despesas comuns relativas ao mês de Setembro de 2000, quantia essa discriminada na factura nº 012185, emitida em 01 de Agosto de 2000 e com vencimento em 05 de Agosto de 2000...;

17. ...Esc. 1.323.333$00 (um milhão trezentos e vinte e três mil trezentos e trinta e três escudos), referentes à remuneração mínima mensal e às despesas comuns re1ativas ao mês de Outubro de 2000, quantia essa discriminada na factura nº 013200, emitida em 01 de Setembro de 2000 e com vencimento em 05 de Setembro de 2000...;

18. ...Esc. 1.323.333$00 (um milhão trezentos e vinte e três mil trezentos e trinta e três escudos), referentes à remuneração mínima mensal e às despesas comuns relativas ao mês de Novembro de 2000, quantia essa discriminada na factura nº 015462, emitida em 01 de Outubro de 2000 e com vencimento em 05 de Outubro de 2000...;

19. ...Esc. 1.346.328$00 (um milhão trezentos e quarenta e seis mil trezentos e vinte e oito escudos), referentes à remuneração mínima mensal e às despesas comuns relativas ao mês de Dezembro de 2000, quantia essa discriminada na factura n°017297, emitida em 01 de Novembro de 2000 e com vencimento em 05 de Novembro de 2000...;

20. ...num total global de Esc. 17.034.002$00 (dezassete milhões trinta e quatro mil e dois escudos);

21. Em 27 de Setembro de 1999, a A. comunicou à R. através de carta registada com A.R., que a remuneração mínima mensal que se venceria em 01.11.1999 e referente em Dezembro desse ano passaria a ser de Esc. 514.030$00;

22. Em 1 de Dezembro de 1999, a A. retirou à R o desconto nos termos do ponto 2.1.1. da cláusula 4ª do acordo a que se refere na alínea C) porquanto a não procedia ao pagamento das facturas juntas a fls. 45 e 46;

23. Em Junho de 2000, a A. enviou à R carta datada de 6 de Junho, que esta recebeu, através da qual é interpelada a proceder ao pagamento da quantia de Esc. 10.394.342$00, até ao dia 15.07.2000, sob pena de nos termos do acordo referido na alínea C) considerar o incumprimento definitivo e podê-lo resolvê-lo unilateralmente;

24. Contudo, não só não deu qualquer resposta à A., como não procedeu ao pagamento das quantias em dívida e vencidas e prosseguiu com a utilização da loja n°4, sem efectuar o pagamento das remunerações mínimas mensais e a quota-parte nas despesas comuns que, no entanto, se foram vencendo;

25. A A., fazendo uso da faculdade prevista na cláusula 15º do acordo a que se refere na alínea C), dirigiu à R, em 29 de Novembro de 2000, carta registada com aviso de recepção, através da qual lhe comunicou que procedia dessa forma à resolução do contrato de utilização da loja n°4 do Centro Comercial Pingo Doce de Loures, com ela celebrado, em 14 de Novembro de 1997;

26. Interpelando, ainda, a R. no sentido de que esta procedesse ao pagamento das quantias em dívida, bem como para que, findo o prazo concedido, procedesse à entrega da loja nº 4 do referido Centro Comercia, livre e devoluta de pessoas e bens;

27. A R., mantém-se a ocupar a referida loja, mantendo-se no entanto as portas encerradas.

28. Em data anterior a Novembro de 1997 a Ré se encontrava a exercer a actividade comercial na loja em questão ao abrigo de um acordo anteriormente celebrado com a Autora;

29. Na vigência do referido contrato a Ré efectuou na loja em causa investimentos em equipamentos e remodelações;

30. No ano de 1999 o valor de despesas comuns era de 222.280$00;

31. Ascendendo tal valor no ano de 2000 ao valor e 228.060$00 mensais:

32. À data da celebração do acordo referido em 3, o centro comercial em causa atraía a clientela;

33. Chove, em várias zonas do Centro Comercia1;

34. Os equipamentos comuns, nomeadamente o sistema de ar condicionado deixaram de funcionar;

35. Frequentemente, há quebras e variações de corrente eléctrica em todo o centro provocando avarias e estragos nos equipamentos da Ré;

36. A Autora não promove, não publicita, não dinamiza o Centro;

37. A Ré sofreu quebras de facturação;

38. A “Apocalipse” passou a ter uma frequência indesejada;

39. A discoteca está encerrada desde Outubro de 2000;

40. De tudo a Administração em exercício tinha conhecimento.

Foram colhidos os vistos.

Face à delimitação do objecto do recurso, resultante das conclusões da alegação da recorrente, passa a conhecer-se:

1 – Nexo de causalidade

2 – Indemnização

3 – Conclusões


1 – Nexo de causalidade

1.1 – A recorrente questiona o não ter sido aceite pela Relação a verificação do nexo de causalidade entre a conduta da Autora e a quebra de lucros de exploração do estabelecimento.

Da matéria de facto acima elencada resulta a prova de diminuição de lucros resultando ainda que chove em várias zonas do Centro Comercial; que equipamentos comuns, “nomeadamente o sistema de ar condicionado”, deixaram de funcionar; que quebras e variações de corrente eléctrica provocaram avarias em equipamento da Ré e a que Autora “não promove nem dinamiza o Centro”.

Como regra, o nexo de causalidade constitui matéria de facto, cujo conhecimento está subtraído aos poderes de cognição em sede de revista.

O juízo de causalidade, avaliado na sua sequência naturalística, ou seja, o averiguar se o processo sequencial foi, ou não, factor desencadeador, ou gerador, do dano situa-se num puro plano de facto (cf. v.g., os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de Novembro de 1998 – P.º 660/98 – 2.ª Secção e de 11 de Junho de 2002 – P.º 1810/02 – 2.ª Secção).

Ponderou-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13 de Março de 2008 – 08 A369 – desta mesma conferencia, que

“numa perspectiva puramente naturalística consistente no apuramento da relação causa-efeito, o nexo causal integra pura matéria de facto, insindicável pelo Supremo Tribunal de Justiça, de acordo com as disposições conjugadas dos artigos 29.° da LOFTJ (Lei n.° 3/99, de 13 de Janeiro) e 729°, n.° 1 do Código de Processo Civil.”

Assim é, salvo os casos de ofensa a disposição expressa da lei que exija certo tipo de prova para afirmação de um facto ou que fixe a força de determinado meio de prova, nos termos do n. ° 2 do artigo 729.° e do n.° 2 do artigo 722.° do Código de Processo Civil.

Daí que, ao apurar a dinâmica do evento, ou seja no percurso do ‘iter’ causal-naturalístico, como desencadeador do resultado lesivo, ou como factor que o detonou, fica-se situado num plano puramente factual (cf. ainda ‘inter alia’, os já citados Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de l1 de Junho de 2002— P.° 1810/02,2.ª de 15 de Maio de 2003 — P.° 13l4/03, 2.ª e de 21 de Janeiro de 2003 — 02 A4123).

Apurado o nexo naturalístico resta proceder à sua inserção nos princípios do artigo 563.° do Código Civil, insistindo-se que esta parte é matéria de direito por respeitar à interpretação e aplicação de norma jurídica.

Isto é, só se a Relação considerou verificado o nexo factual, é que cumpre ao Supremo Tribunal de Justiça apurar o nexo legal de adequação.

2.2- Como já se insinuou, artigo 563.° do Código Civil consagra o princípio da causalidade adequada na sua formulação negativa.

E este Supremo Tribunal vem entendendo que “o facto que actuou como condição do dano só deixará de ser considerado como causa adequada se, dada a sua natureza geral, se mostrar de todo indiferente (gleichgultig) para a verificação do dano, tendo-o provocado só por virtude das circunstâncias excepcionais, anormais, extraordinárias ou anómalas que intercedam no caso concreto. “(cf. ainda os Acórdãos de 4 de Novembro de 2004 — P.° 2855/04-2.’ de 13 de Janeiro de 2005 — P.° 4063/04-7°; Prof. A. Varela, in ‘Das Obrigações em Geral’, 10.ª ed, I, 893, 899, 890/1 — ‘… do conceito de causalidade adequada pode extrair-se, desde logo, como corolário, que para que haja causa adequada, não é de modo nenhum necessário que o facto, só por si, sem a colaboração de outros, tenha produzido o dano. Essencial é que o facto seja condição do dano, mas nada obsta a que como frequentemente sucede, ele seja apenas uma das condições desse dano. ‘)

É a consagração do ensinado por Enneccerus-Lehman, que para o Dr. Ribeiro de Faria, conduz a que “a inadequação de uma dada causa para um resultado deriva da sua total indiferença para a produção dele, que, por isso mesmo, só ocorreu “ pelas referidas circunstâncias excepcionais ou extraordinárias. (apud ‘Direito das Obrigações’, 1, 502) e que o Prof. Almeida Costa diz dever interpretar-se no sentido de que “ o facto que actua como condição só deixará de ser causa do dano desde que se mostre por sua natureza de todo inadequado e o haja produzido apenas em consequência de circunstâncias anómalas ou excepcionais sendo que a citada doutrina da causalidade adequada ‘não pressupõe a exclusividade da condição, no sentido de que esta tenha só por si determinado o dano.’ (in ‘Direito das Obrigações’, 632).

Parte-se, pois, de uma situação real, posterior ao facto, e até ao dano, e afirma-se que o segundo decorreria daquele perante um desenvolvimento normal, ou seja, o dever de indemnizar existe em relação aos danos que terão provavelmente resultado da lesão.

Ou como julgou este Supremo Tribunal “a inadequação de uma dada causa para um resultado deriva da sua total indiferença para a produção dele, que, por isso mesmo, só ocorreu por circunstâncias excepcionais ou extraordinárias’” (Acórdão de 20 de Outubro de 2005 — 05B2286).

O facto terá de ser, em concreto, “conditio sine qua non” do dano mas também ser, em abstracto, causa normal, ou adequada da sua verificação.

É o que a doutrina que o direito Norte-Americano chama de “substantial factor formula.”

Também aí, dano só não se considera causado pelo facto se este apenas o produziu por circunstâncias anómalas e imprevisíveis.

Mas é-o ainda que causado indirecta, ou mediatamente, pelo facto.

Este entendimento resulta da conjugação dos artigos 562.° (‘...a situação que existiria...’) e 563.° (‘...danos que o lesado provavelmente não teria sofrido...’) do Código Civil. (cf Prof. Pessoa Jorge, ‘Ensaio sobre os pressupostos da responsabilidade civil’, 410-nota 373; Prof. Galvão Telles, ‘Direito das Obrigações’, 409 ss).”

1.2 – Aqui chegados, há que apurar se ficou, ou não, demonstrado aquele nexo naturalístico, ou seja, se o dano não se teria verificado sem a ocorrência do facto para, depois, verificar se, em geral, tal facto é causa adequada dos danos.

E insiste-se que aquela vertente naturalística não é sindicável por este Supremo Tribunal, sendo que só no plano abstracto é que constitui matéria de direito por se reportar à interpretação e aplicação do artigo 563.º do Código Civil, então de conhecimento pelo Supremo Tribunal de Justiça.

Saber se existe o primeiro nexo (enfatiza-se) são as instâncias que o devem dizer; só depois é que o Tribunal de revista se pronuncia sobre a verificação do nexo-adequação (adequação do nexo naturalístico à produção dos danos.)

Ora foi, precisamente, esse nexo naturalístico que as instâncias deram por improvado, pelo que o Supremo não pode aceitar a sua existência para encontrar o nexo de adequação.

E nem se diga, como pretende a recorrente, que “segundo um raciocínio lógico, e à luz das regras da experiência comum”, resulta que as deficiências encontradas foram causa adequada à quebra de facturação da Ré.

Tudo porque perante o artigo 563.º do Código Civil, se pode considerar doutrina assente que na obrigação de indemnizar – de regime comum à responsabilidade civil contratual e extra contratual – não cabem todos os danos sobrevindos ao facto constitutivo de responsabilidade, exigindo-se entre o facto e o dano indemnizável um nexo mais rígido do que a simples sucessão cronológica.

Mas tal seria lançar mão de uma presunção judicial, presunção simples, ou de experiência (cf. Prof. Pires de Lima e Antunes Varela, in “Código Civil Anotado”, I, 3.ª ed., 310; Prof. A. Varela, “Manual de Processo Civil”, 1984, 486 e Prof. Manuel de Andrade, “Noções Elementares de Processo Civil”, 191).

Ora, o Supremo Tribunal de Justiça (Acórdão de 6 de Janeiro de 2006 – 05 A3517) em uniformidade refere que “ não cabe na competência do Supremo Tribunal de Justiça sindicar a decisão da Relação por via da qual, de factos assentes, extrai outros que sejam o seu desenvolvimento» (Acórdão de 7 de Dezembro de 2005 – O5B3853) e vem julgando que, ao firmar o conteúdo de presunções judiciais, a Relação opera “no âmbito da sua competência, no quadro da decisão da matéria de facto, na envolvência do principio da livre apreciação da prova a que se reporta o artigo 655° n°1 do Código de Processo Civil”.

Há que insistir na estrita consideração de o STJ ser um tribunal de revista e no acolhimento rigoroso do n°2 do artigo 722 do Código de Processo Civil.

O afirmar o conteúdo de uma presunção judicial insere-se pois no puro âmbito da matéria de facto, da exclusiva competência das instâncias (cf. v.g., “ex abundantia”, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de Julho de 2007 – 07B2138 – traduzindo a já citada jurisprudência uniforme).

Nesta área, os poderes deste Supremo Tribunal não permitem, pois, sindicar o não uso de presunção judicial pela Relação.

Apenas, e na hipótese de a 2.ª Instância ter lançado mão desse meio de prova é que nada impede que este Supremo Tribunal acompanhe o raciocínio lógico-discursivo da Relação quando interpretou a matéria de facto (até para ponderar sobre o uso eventual da faculdade extraordinária do citado artigo 722° n°2) e verificar se foi, ou não, incumprida qualquer norma jurídica reguladora das presunções utilizadas.

E a lei impõe a prova do facto-base (artigo 349° do Código Civil) ou seja, o facto conhecido que foi apurado através de outros meios de prova (cfr. Acórdão do STJ de 25 de Março de 2004 - RLJ 135° -3935-113).

Trata-se assim, e apenas, de verificar se, no caso concreto, era ou não admissível o uso da presunção, numa perspectiva de mera legalidade (cfr. v.g, Acórdãos do STJ de 18 de Janeiro de 2001 - 3516/00,2.ª e de 13 de Março de 2002 -278/01).

Daí que não colha o alegado pela recorrente quanto à demonstração do nexo de causalidade entre a diminuição dos lucros de exploração do seu estabelecimento e a conduta da Autora.

Improcede, em consequência, o primeiro dos segmentos conclusivos.


2 – Indemnização

2.1 – A recorrente insurge-se ainda quanto à indemnização fixada.

Estamos perante um contrato atípico (ou inominado) de cedência de espaço para instalação de estabelecimento em centro comercial, como é pacífico na doutrina e na jurisprudência (cf. “inter alia”, os Acórdãos deste STJ de 4.5.2000, revista n.° 289/00, 7.ª; de 19.2.2002, revista n.° 4359/01, 6.ª; de 11.4.2002, revista n.° 862/02, 7.ª, de 14.5.02, revista n.° 1154/02, 6.ª, de 3.4.2003, revista n.° 673/03, 7.ª, de 6.5.2003, revista n.° 995/03, 6.ª, de 3.9.2003, revista n.° 1169/03, 1.ª, de 23.9.2004, revista n.° 2571/04, 2.ª, de 10.5.2005, revista n.° 198/05, l.ª, de 21.12.2005, revista n.° 3536/05, 2.ª, de 12.10.2006, 7.ª, de 23.1.2007, revista n.° 4201/06, 1.ª, de 13 de Setembro de 2007 – 07 B 1857; Prof. A. Varela, RLJ Ano 128, págs. 315 a 320; 368 a 372; Ano 129, págs. 149 a 60; 142 a 152; 172 a 181;e 203 a 214. No mesmo sentido os Pareceres do Prof. Ca1vão da Silva, juntos ao Pº 1857/07/7.ª).

Assim, também, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de Julho de 2007 – 07 A2107 – desta conferência onde se ponderou:

“Diga-se, desde já, que a nova realidade dos shopping centers surgiu há pouco mais de trinta anos, não permitiu o estudo da respectiva dogmática e a sua consagração legal em sede doutrinária em paralelo com outros institutos do ramo obrigacional que apresentam semelhanças em termos de objecto do negócio.

Daí que a jurisprudência tivesse oscilado, ao longo das ultimas décadas, entre a qualificação dos contratos (em que uma das partes cede à outra o gozo de determinada área de um centro comercial para aí explorar um estabelecimento) ou como de arrendamento, ou, como contrato misto de arrendamento comercial e de prestação de serviço ou, ainda, como contrato atípico ou inominado.

O Prof. Galvão Telles (apud CJ, XV, 2, 23 ss.) defende tratar-se de contrato típico de arrendamento de imóvel (cf., no mesmo sentido, o Cons. Pinto Furtado — “Os centros comerciais e seu regime jurídico”, 27 e Doutor Coutinho de Abreu, in “Da empresarialidade — As empresas no Direito — 1996, 320-323), enquanto o Prof. Antunes Varela (“Das obrigações em geral”, 7’ cd, ., 300 ss) opina que o contrato não é “enquadrável nos contratos típicos com ele mais ou menos aparentados (arrendamento para comércio e locação de estabelecimento comercial) e deve ser qualificado como um contrato atípico ou inominado de exploração de loja integrada em Centros Comerciais”. (cf., também, “Centros Comerciais/Shopping Centers”, 1995, e RLJ, 128, 315 e 12949 ss).

E apesar da divergência, todos reconhecem que nestas situações, e para alem da cedência temporária do gozo de certo espaço mediante uma retribuição, o centro comercial proporciona ao lojista um conjunto de facilidades (que passam por inserção num espaço físico atraente e frequentado, por existência de múltiplas opções e ramos comerciais, segurança, limpeza de áreas comuns, por vezes, água, luz, telefone, elevadores, estacionamento, ar condicionado e, até, certos confortos e higiene) que valorizam especialmente o negócio e atraem uma clientela mais favorável, poupando, outrossim, despesas que, necessariamente, teria se instalado solitariamente numa qualquer via pública.

O Prof. Oliveira Ascensão (in “Integração Empresarial e Centros Comerciais”, BMJ 407) defende tratar-se de contrato inominado de integração empresarial, chamando a atenção para a integração da empresa (“cada uma das lojas, na empresa mais vasta, o centro comercial, com uma gestão unitária e uma dinamização empresarial do conjunto que sobreleva o mero aspecto de gozo estático de cada uma das lojas”.).

E convém ter presente a noção constante da Portaria n.º 424/85 de 25 de Julho e o Decreto-lei n° 190/89 de 6 de Junho que apontam para as figuras da integração e da unidade de gestão.

Lançando mão do critério dos índices do tipo contratual (aqui os índices objecto, contrapartida, sentido, estipulação e configuração), o Dr. Pedro Pais Vasconcelos conclui que “as partes nunca querem celebrar contratos que sejam o arrendamento típico ou a típica cessão de exploração de estabelecimento comercial. No que respeita ao último, não querem os lojistas adquirir e explorar um estabelecimento comercial já existente e a funcionar, porque querem antes instalar o seu; no que respeita ao arrendamento, também não querem a vigência do regime vinculístico; em relação a ambos os tipos, não querem nem a desintegração atomística que lhes é característica. (...). Os contratos celebrados entre entidades exploradoras de centros comerciais e os respectivos lojistas são pois contratos legalmente atípicos”. (in “Contratos de Utilização de Lojas em Centros Comerciais. Qualificação e Forma”, apud “Revista da Ordem dos Advogados”, 56, Agosto 1996, 544/5).” (cf. ainda o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23 de Janeiro de 2007 – 06 A4201 e de 9 de Março de 2004 – 03 A4204, relatado pelo aqui 2.º Adjunto, Cons. Alves Velho).

Provado ficou, como resulta da matéria de facto, o incumprimento pela Ré, quedando improvado incumprimento da Autora, como causal da falta da recorrente ao que se tinha obrigado.

2.2 – Do exposto resulta que a Ré, como julgaram as instâncias terá de indemnizar a Autora pela privação do uso do local, durante o período que o manteve ocupado e encerrado.

A Autora não logrou provar que receberia a quantia de 5.577,90 euros mensais de outro eventual interessado na exploração.

Por isso, as instâncias consideraram adequado o “quantum” correspondente ao que a Ré pagaria na vigência do contrato.

Não se crê ser esta a melhor solução.

A recorrente insurge-se, pedindo ou a fixação de quantia ilíquida ou o recurso à equidade, tendo em vista o valor locativo real.

Vejamos,

2.3 – Sabido é que a privação do uso da coisa constituiu um ilícito, gerador da obrigação de indemnizar, por impedir o proprietário do exercício dos direitos inerentes à propriedade, uso, fruição e disposição, nos termos do artigo 1305.º do Código Civil (cf. Dr. Júlio Gomes, in “Dano da Privação do Veiculo”, apud RDE, XII, 1986, 209, cf, ainda, e v.g., os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça desta Conferência, de 8 de Maio de 2007 – 07 A1066 – e de 6 de Maio de 2008 – 08 A1389).

Certo, outrossim, que não basta a mera privação em si mesma, sendo essencial a alegação e demonstração, pelo dono, da frustração de um propósito real, concreto e efectivo de proceder à sua utilização, não fora a ocupação – detenção pelo lesante.

Tratando-se de bem arrendado o dano corresponde em regra à renda mensal acordada e não paga.

Existindo, como “in casu”, um contrato atípico em que não há da parte do proprietário mera obrigação de facultar à contraparte o uso da coisa, mas sim outras obrigações como fornecimento de energia, ar condicionado, serviços de segurança, manutenção, etc., o dano não consistirá, em principio, na prestação paga pelo utente.

Há, então, que apurá-lo em concreto.

A equidade (aqui, nos termos da alínea a) do artigo 4.º do Código Civil) destina-se a encontrar a solução mais justa para o caso.

Como refere o Prof. Castanheira Neves, “a equidade, exactamente entendida, não traduz uma intenção distinta da intenção jurídica, é antes um momento essencial da juridicidade” (in “Questão de facto – Questão de Direito”, 1967, 351) ou, para o Prof. José Tavares “a expressão de justiça comum num dado caso concreto.” (in “Princípios Fundamentais do Direito Civil”, I, 50).

É uma questão de proporção ou de equilíbrio, fora das regras rígidas da norma.

Mas uma vez assente a existência de danos, mas não se tendo apurado com precisão o seu montante, e antes de lançar mão da equidade, há que condenar no que se liquidar em execução de sentença.

Tem de estar provado o prejuízo, e apenas não determinado o “quantum debeatur”, não se estando a facultar ao autor uma nova oportunidade para provar os danos, se o não logrou fazer na fase declarativa.

A fase incidental executiva destina-se, por isso, a uma mera quantificação.

E no caso de não se terem provado danos na acção declarativa, há, nessa parte, caso julgado material, impedindo a reabertura da fase probatória no incidente executivo (cf. v.g. Acórdãos do STJ de 19/4/01 – Acórdão STJ, 2ª, 33 – de 11 de Janeiro de 2005 – Pº 4007/04, 6ª e Prof. Vaz Serra, RLJ 114º-310).

Assim, na acção declarativa são determinados os limites dentro dos quais se irá fazer a quantificação dos danos não podendo, na execução, ultrapassar tais limites.

A propósito da liquidação em fase executiva, embora reportada à indemnização, disse-se no Acórdão deste Supremo Tribunal, de 24 de Outubro de 2006 – 06 A1858: “Tal situação, como se refere no Acórdão do STJ de 26 de Junho de 1997 – P.º 846/96, 1.ª – acontece não como consequência de fracasso da prova na acção declarativa, mas sim como a consequência de ainda se não conhecerem, com exactidão, as unidades componentes da universalidade ou de ainda se não terem revelado ou estarem em evolução alguma ou todas as consequências do facto ilícito, no momento da propositura da acção declarativa.” (cf., ainda, o Acórdão do STJ de 29 de Novembro de 2006 – 06 A 3794 – desta mesma conferência).

Do exposto resulta que a fixação de indemnização segundo os critérios da equidade nos termos do n.º 3 do artigo 566.º da lei civil só tem lugar “quando se encontre esgotada a possibilidade de recurso aos elementos com base nos quais se determinaria com precisão o montante dos danos.” (cf. Prof. Almeida Costa in “Reflexões sobre a Obrigação de Indemnização”, RLJ 134.º-299; Prof. Vaz Serra, RLJ 114.º-310 e v.g., Acórdãos STJ de 6 de Março de 1980 – BMJ 295-369 – e de 25 de Março de 2003 – CJ/STJ XXVII – 1.ª, 140-111).

Tudo porque a equidade envolve, como se acenou, uma atenuação do rigor da norma e uma muito maior apreciação subjectiva do julgador.

“Quando se faz apelo a critérios de equidade, (afirma o Cons. Dário Martins de Almeida, in “Manual de Acidentes de Viação”, 2.ª ed., pág. 73/74), pretende-se encontrar somente aquilo que, no caso concreto, pode ser a solução mais justa; a equidade está assim limitada sempre pelos imperativos da justiça real (a justiça ajustada às circunstâncias), em oposição à justiça meramente formal. Por isso se entende que a equidade é sempre uma forma de justiça. (…) A equidade é, pois, a expressão da justiça num dado caso concreto.”

Como se disse, ao julgar segundo a equidade o juiz não está sujeito à estrita observância do direito aplicável, devendo antes orientar-se por critérios de conveniência e, principalmente, de justiça concreta.

Mas por, em primeira linha, se buscar uma justiça de rigor antes de apelar para a equidade cumpre verificar da impossibilidade de, na acção, se apurar, com exactidão, o montante do dano, recorrendo à condenação ilíquida, nos termos do n.º 2 do artigo 661.º do Código de Processo Civil.

Mas sendo ténue a fronteira, quais as situações que justifiquem o lançar mão da equidade ou da condenação ilíquida?

O pressuposto comum é a falta de elementos permissivos de encontrar um exacto “quantum” indemnizatório, com precisão e segurança.

Tal acontece, ou por se perfilarem danos futuros não eventuais, ainda não quantificáveis, ou quando, se verificou insuficiente a alegação e prova das exactas consequências danosas.

Então, das duas uma: ou se verifica ser possível o apuramento em ulterior fase executiva, por, na acção, os factos pertinentes não terem sido objecto de controvérsia, mas não como consequência do fracasso da prova; ou, após toda a possível alegação e prova, não se tenha alcançado uma conclusão segura, por se mostrar esgotada a possibilidade de recurso a outros elementos que precisariam o montante devido.

Ali, proferir-se-á uma condenação a liquidar ulteriormente ; na última hipótese, recorrer-se-á à equidade, já que numa fase posterior nada mais se poderia esclarecer, antes só contribuindo para maior morosidade da justiça. (cf., no sentido contrário, dando prioridade à equidade, o Acórdão do STJ de 10 de Julho de 1997 – P.º 466/97).

2.4 – Aqui chegados, e verificando-se que, a acordada retribuição não reflecte exactamente o valor “locativo” da fracção (ponderando a degradação do local nos termos acima descritos) mas não se mostrando esgotada a possibilidade de o determinar com precisão e clareza, justifica-se uma condenação ilíquida, e não, desde já, o recurso à equidade constitutiva de um critério residual. (cf. Acórdãos do STJ de 20 de Janeiro de 1980 – RLJ 113, 232, de 18 de Outubro de 1994 – P.º 85609, 1.ª, de 20 de Outubro de 2005 – 05B2150, de 20 de Setembro de 2005 – 05 A1980).

Entende-se, na linha do Acórdão do STJ de 27 de Janeiro de 2000 – P.º 1937/00, 1.ª, que a opção entre a liquidação em execução de sentença e o julgamento equitativo deve ser feito face às circunstâncias concretas do caso.

O dano indemnizável está provado, ir-se-á, então apurar o seu montante exacto.

Procede, assim, parcialmente, o alegado pela recorrente.


III – Conclusões


Pode concluir-se que:
a) O artigo 563.º do Código Civil consagrou a doutrina da causalidade adequada, na formulação negativa de Enneccerus-Lehman, nos termos da qual a inadequação de uma dada causa para um resultado deriva da sua total indiferença para a produção dele, que, por isso mesmo, só ocorreu por circunstâncias excepcionais ou extraordinárias.
b) O juízo de causalidade numa perspectiva meramente naturalística de apuramento da relação causa-efeito, insere-se no plano puramente factual insindicável pelo Supremo Tribunal de Justiça, nos termos e com as ressalvas dos artigos 729.º, n.º1 e 722.º, n.º2 do Código de Processo Civil.
c) Assente esse nexo naturalístico, pode o Supremo Tribunal de Justiça verificar a existência do nexo de causalidade, o que se prende com a interpretação e aplicação do artigo 563.º do Código Civil.
d) De acordo com a doutrina da causalidade adequada, consagrada no artigo 563.º do Código Civil, o facto gerador do dano só pode deixar de ser considerado sua causa adequada se se mostrar inidóneo para o provocar ou se apenas o tiver provocado por intercessão de circunstâncias anormais, anómalas ou imprevisíveis.
e) Afirmar o conteúdo de uma presunção judicial insere-se no âmbito da decisão de facto, da competência reservada das instâncias e contida no princípio da livre apreciação da prova.
f) É atípico ou inominado, o contrato de cedência temporária do uso de um espaço para o exercício de uma actividade num centro comercial.
g) Assente a existência de valores a apurar, mas não se tendo determinado, com precisão, o seu montante, deve condenar-se no que se liquidar em execução de sentença, se tal liquidação se afigurar possível, designadamente por recurso a meios de prova na fase de liquidação.
h) Tal significa a oportunidade para provar os montantes que não se lograram demonstrar na fase declarativa mas, e apenas, com os limites do pedido que nunca podem ser ultrapassados.
i) O julgamento de equidade, designadamente nos termos do n.º 3 do artigo 566.º do Código Civil, só ocorre quando se mostre esgotada a possibilidade de recurso aos elementos com base nos quais se determinaria com precisão o montante devido. O recurso à equidade constitui um critério residual que só será aplicável desde que dos factos provados se tenha como demonstrada a existência de danos mas estiverem esgotadas as possibilidades de determinação do valor desses danos.
j) Isto porque a equidade envolve uma atenuação do rigor da norma legal, por virtude da apreciação subjectiva do julgador, subtraindo este aos critérios puros e rigorosos de carácter normativo fixados na lei.
k) A opção entre a liquidação em execução de sentença, e o julgamento equitativo desse valor depende do juízo que, em face das circunstâncias concretas, se possa formular sobre a maior ou menor probabilidade de futura determinação de tal valor.

Nos termos expostos, acordam conceder parcialmente a revista condenando a Ré a pagar à Autora, a partir de Janeiro de 2001, pela privação do uso da fracção, quantia mensal a liquidar em fase incidental de execução de sentença correspondente ao valor de utilização do espaço no inicio da ocupação.

No mais confirmam o Acórdão recorrido.

Custas da revista a cargo da recorrida (1/3) e da recorrente (2/3).

Lisboa, 17 de Junho de 2008

Sebastião Póvoas (relator)
Moreira Alves
Alves Velho