FALTA DE PAGAMENTO DA RETRIBUIÇÃO
COMISSÕES
RESOLUÇÃO PELO TRABALHADOR
LEI DOS SALÁRIOS EM ATRASO
CÓDIGO DO TRABALHO
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
JUSTA CAUSA
Sumário


I - Entre 1 de Dezembro de 2003 (data do início da vigência do Código do Trabalho) e 28 de Agosto de 2004 (data do início da vigência da Lei n.º 35/2004, de 29 de Julho, que veio regulamentar o Código do Trabalho), encontravam-se em vigor, simultaneamente, o regime da resolução contratual previsto nos artigos 441.º e segs. do Código do Trabalho e a Lei n.º 17/86, de 14 de Junho (LSA), uma vez que o artigo 364.º do Código e os artigos 300.º e segs. do Regulamento do Código do Trabalho (aprovado pela Lei n.º 35/2004, de 29 de Julho) apenas viriam a entrar em vigor em 28 de Agosto de 2004, data em que operou a revogação da LSA.

II - Neste contexto normativo, a falta de pagamento da retribuição era susceptível de se reconduzir, em abstracto, aos fundamentos de dois regimes jurídicos distintos: o regime da resolução imediata do contrato de trabalho com justa causa tal como esta vem enunciada no artigo 441.º do Código do Trabalho e o regime da rescisão do contrato tal como esta vem prevista no artigo 3.º da LSA.

III - Ao trabalhador cabe optar, quando procede à resolução do contrato, pelo regime jurídico a que pretende ver submetido o seu acto negocial extintivo, devendo este regime aplicar-se “in totum”.

IV - É de considerar que a rescisão do contrato operada pelo autor se submete ao regime da LSA, se ele, na carta de comunicação da rescisão que remeteu à ré, aludindo sempre a um atraso no pagamento retributivo superior a 30 dias, afirma que a mesma é feita nos termos, para os efeitos e ao abrigo do disposto no art. 3.º da Lei 17/86, envia cópia à Inspecção Geral do Trabalho e solicita que a empresa certifique, nos termos do n.º 3, do art.º 3.º do mencionado diploma legal, as retribuições que se encontram em falta há mais de 30 dias.

V - No âmbito da LSA, para além dos requisitos formais para a rescisão ou suspensão do contrato de trabalho – notificação à entidade patronal e à Inspecção Geral do Trabalho, expedir com uma antecedência mínima de 10 dias (n.º 1, do art. 3.º) – exige-se a verificação de um requisito substancial: a existência de salários em atraso, por causa não imputável ao trabalhador e por um período superior a 30 dias a contar da data do vencimento da primeira prestação.

VI - O referido regime jurídico consagra uma responsabilidade objectiva do empregador, uma vez que não se exige que o incumprimento da obrigação de pagamento da retribuição provenha de culpa da entidade patronal, tal como também não é necessário demonstrar a impossibilidade definitiva da subsistência do contrato de trabalho, ou um qualquer outro elemento característico da justa causa subjectiva.

VII - Constatando-se que a ré pagava ao autor as comissões, referentes a veículos por si vendidos e entregues a clientes até ao dia 15 de determinado mês, no momento do pagamento do vencimento respeitante ao trabalho prestado no mês imediatamente subsequente, e as comissões respeitantes a veículos entregues após o dia 15 eram liquidadas no momento do pagamento do vencimento respeitante ao trabalho prestado no segundo mês imediatamente subsequente, tendo o autor estado suspenso preventivamente de funções entre 14 de Novembro de 2003 e 28 de Janeiro de 2004 (suspensão que não implicava a perda das comissões referentes a esse período, que se reconduziam à média das que lhe foram pagas de Janeiro a Novembro de 2003), a data de pagamento das mesmas devia continuar a obedecer aos critérios enunciados, garantindo, assim, uma regularidade retributiva no final de cada mês.

VIII - Por isso, as médias das comissões referentes à 2.ª quinzena de Novembro de 2003 e à 1.ª quinzena de Dezembro de 2003, deveriam ser pagas com o vencimento de Janeiro de 2004 (dia 31), enquanto a média relativa à 2.ª quinzena de Dezembro de 2003 deveria ser paga com o vencimento de Fevereiro de 2004 (dia 28).

IX - Daí que inexista fundamento para o autor rescindir o contrato de trabalho em 4 de Fevereiro de 2004, ao abrigo da LSA e por atraso no pagamento das comissões referentes à 2.ª quinzena de Novembro de 2003, 1.ª e 2.ª quinzenas de Dezembro de 2003, uma vez que, naquela data, se verificava apenas um atraso de quatro dias no pagamento das comissões referentes aos dois primeiros períodos e quanto à 2.ª quinzena e Dezembro de 2003 não se encontravam ainda vencidas as comissões.

Texto Integral

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça


1 – Relatório

1.1
AA intentou, no Tribunal do Trabalho de Setúbal, acção declarativa de condenação, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho, contra “A... S... Ld.ª”, pedindo se declare a procedência da justa causa subjacente à “rescisão” do contrato de trabalho que o ligava à Ré – fundada em atraso do pagamento retributivo, na aplicação de uma sanção disciplinar tida por abusiva e na discriminação de que diz ter sido alvo no seio da empresa – e que, por via disso, se condene a demandada no pagamento das prestações retributivas e ressarcitórias discriminadas na P.I. e se opere a anulação da sobredita sanção disciplinar.
A Ré impugnou integralmente a versão do Autor, afirmando a ilicitude da cessação contratual, em cuja qualificação fundamenta um pedido reconvencional de pagamento da pertinente indemnização: falta de observância do aviso prévio.
1.2.
Instruída e discutida a causa, veio a 1ª instância a julgar a acção parcialmente procedente e procedente a reconvenção, em consequência do que decidiu:
1- revogar a sanção disciplinar aplicada pela Ré ao Autor, condenando aquela a pagar a este a quantia de € 806,75, acrescida de juros moratórios desde a citação até integral pagamento;
2- condenar a Ré a pagar ao Autor a quantia de € 3.057,04, a título de subsídio de férias e férias relativas ao ano de 2003, proporcionais de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal referentes ao ano de 2004 e comissões no período compreendido entre 15/11/03 e 15/12/03, quantia essa acrescida de juros moratórios desde a citação até completo pagamento;
3- absolver a Ré dos demais pedidos contra ela deduzidos;
4- julgar não provada a justa causa de resolução do contrato invocada pelo Autor, condenando-o, por via disso, a pagar à Ré uma indemnização no valor de € 881,22, acrescida de juros moratórios desde a data de notificação do pedido reconvencional até efectivo pagamento.
Ambas as partes apelaram da decisão para o Tribunal da Relação de Évora que, julgando improcedente o recurso do Autor e parcialmente procedente o da Ré, decidiu:
A- confirmar os segmentos decisórios supra reproduzidos em 3- e 4-;
B- alterar para € 805,19 o montante da quantia supra referida em 1-, mantendo, no mais, o aí decidido;
C- condenar a Ré a pagar ao Autor, a título das prestações supra mencionadas em 2-, a quantia de € 4.622,32, acrescida da componente moratória, mas a cujo montante líquido será deduzido o valor de € 2.881,59.
1.3.
Desta feita, o inconformismo provém exclusivamente do Autor, que pede a presente revista, em cujas alegações convoca o seguinte núcleo conclusivo:
1- o salário do recorrente era constituído por uma parte fixa (remuneração base, muito diminuta) e uma variável (comissões relativas às vendas, que correspondiam a quase o dobro daquela remuneração);
2- o recorrente esteve, ilegalmente, suspenso preventivamente durante 47 dias, período em que não pôde realizar quaisquer vendas;
3- nesse período de 47 dias, o recorrente não tinha direito a comissões, mas ao salário base e à parte variável das comissões, no valor de € 1.347,22, que a recorrida expressamente reconheceu encontrar-se em dívida na declaração que subscreveu (al. d) da matéria assente);
4- porque se não trata de comissões, mas de salário, ele tinha de ser pago no último dia do mês a que respeitava, Novembro e Dezembro, e não foi;
5- não se pode argumentar – como faz o Acórdão recorrido – que, não tendo recebido essa verba, mas créditos de meses anteriores, ele continuou a receber o mesmo montante remuneratório;
6- é que problema não é receber mais ou menos do que os outros, mas receber no tempo certo o que lhe pertence;
7- podendo suceder, como no caso sucederia, que nos dois meses que estava suspenso e por cumprir o que estava em atraso, recebesse mais do que normalmente receberia (mas só nesses dois meses, pois daí para a frente não havia créditos vencidos por pagar);
8- e, quando retomasse o trabalho, estaria também dois meses sem auferir as comissões, pagas com 45 ou 60 dias de atraso;
9- e a remuneração média relativa a Dezembro de 2003, que tinha de ser paga até 31/12/03, só o foi em Fevereiro de 2004;
10- a falta de pagamento de retribuições por mais de 30 dias confere ao trabalhador a possibilidade de se despedir com justa causa – art.º 3º da Lei n.º 17/86;
11- também se verificou a segunda causa de pedir invocada subsidiariamente para fundamentar o pedido de indemnização, pois os factos dados como provados justificam a resolução do contrato;
12- entre esses factos avulta o não pagamento ao recorrente da quantia de € 1.347,22, quando todos os outros trabalhadores já haviam recebido as comissões antes de 4/2/04;
13- na tese do acórdão recorrido, há um atraso de 4 dias no pagamento daquela quantia, mas o facto, segundo se diz, não seria culposo;
14- porém, há uma total identificação entre o conceito de justa causa (para efeitos de rescisão, sem direito a indemnização) e um dos factos objectivos identificados nas als. B) e C) do n.º 3 do art. 441º do C.T.;
15- basta, pois, que haja um atraso de 4 dias, como houve (na perspectiva do acórdão, porque na realidade o atraso foi superior a um mês) para que o pagamento (não culposo) da retribuição não seja pontual;
16- a tese do acórdão é legalmente insustentável, quando defende que o recorrente podia ter reclamado;
17- o pagamento foi feito pela recorrida após o envio da carta de despedimento;
18- se a empresa não pagou as comissões, nem a média das remunerações, mais se exigia que fosse pontual no pagamento de prestações vencidas em Novembro e Dezembro;
19- tanto mais que todos os outros trabalhadores já tinham recebido;
20- o pagamento dá-se por transferência e nada justifica o atraso a não ser a ideia de discriminar negativamente o recorrente;
21- repete-se, todavia, que o art. 441º n.º 3 prescinde da ideia de culpa, pois a violação não culposa confere direito ao despedimento, embora sem direito a indemnização;
22- tendo o recorrente, pois, direito a despedir-se, não pode ser condenado a pagar a falta de aviso prévio;
23- todos os factos dados como provados, mesmo aqueles que não constavam da carta de despedimento, são relevantes, como factos instrumentais, porque demonstram que a entidade patronal tudo fez para que o recorrente se despedisse;
24- foram violados, por erro de interpretação, os arts. 1º e 3º da Lei n.º 17/86, 269º, 315º, 365º, 366º, 441º e 443º do C.T. e 762º do C.C.;
Termos em que
A) deve ser revogado o Acórdão e reconhecer-se que o recorrente se despediu com justa causa, ao abrigo dos arts. 441º 1º e 3º da Lei n.º 17/86 e 443º do C.T., pelo que tem direito à indemnização de € 12.841,92;
B) se assim se não entender, deve ser decidido que o recorrente se despediu com justa causa, nos termos do art. n.ºs 1 e 2 do C.T. e, por isso, não tendo direito à indemnização, também não tem de pagar a quantia de € 881,22, a que foi condenado;
C) no mais, deve manter-se o Acórdão.
1.4.
A Ré contra-alegou, sustentando a improcedência do recurso e a consequente manutenção do julgado.
1.5.
No mesmo sentido se pronunciou, com a oposição expressa do recorrente, a Ex.ma Procuradora-geral Adjunta.
1.6.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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2- FACTOS

Dá-se aqui por integralmente reproduzida a factualidade acolhida pela Relação, visto que a mesma não vem censurada nem se afigura passível de alteração – arts. 713º n.º 6 e 726º do Código de Processo Civil – sem embargo de poderem vir a ser pontualmente coligidos os factos necessários à solução jurídica das questões colocadas na revista.
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3- DIREITO

3.1.
Ao intentar a presente acção – e conforme já deflui da exposição lavrada na rubrica “Relatório” – pretendia o Autor ver judicialmente reconhecida a justa causa da “rescisão”, que operou, do vínculo laboral que o ligava à Ré, com o necessário pagamento retributivo e indemnizatório daí consequente.
A par disso, mais reclamava a anulação da medida sancionatória (12 dias de suspensão) que lhe foi aplicada.
A defesa da Ré focaliza-se, por seu turno, na inexistência da aduzida “justa causa rescisória”, na plena legalidade da sanção disciplinar questionada e na inobservância, pelo Autor, do prazo legal de aviso prévio para a sua desvinculação contratual, cuja omissão suporta, aliás, o accionado pedido reconvencional de indemnização.
As instâncias convergiram no entendimento genérico de que:
- a sanção disciplinar se afigurava desproporcionada, tendo operado a sua revogação;
- o autor não tinha motivo bastante para implementar a “rescisão” do contrato, sendo-lhe negado o direito à reclamada componente indemnizatória;
- em consequência disso, reconheceram à Ré o direito à peticionada indemnização por omissão do prazo de aviso prévio.
Após a tramitação desenvolvida nas instâncias, com as reacções que as partes dirigiram às respectivas decisões – do que igualmente se deu nota na falada rubrica – os autos chegam a este Supremo Tribunal sob o impulso recursório do Autor.
A sua pretensão nuclear continua a ser o reconhecimento da justa causa rescisória e a consequente dispensa de prazo legal de aviso prévio, de onde extrai a necessária ilegalidade da indemnização arbitrada a favor da Ré.
São estas, em suma, as questões colocadas na revista.
3.2.1.
Examinando a petição inicial, verifica-se que o Autor recupera na acção todos os fundamentos que aduzira na carta rescisória, em abono da operada desvinculação contratual.
Em síntese, esses fundamentos reconduzem-se ao atraso no pagamento retributivo, à aplicação de uma sanção disciplinar tida por abusiva e à discriminação de que o Autor considera ter sido alvo no seio da empresa (a ordem de deslocação temporária para Almada, em termos supostamente mais gravosos do que os aplicados a outros vendedores da Ré, impedimentos vários na concretização de vendas e no envio de postais de Natal a clientes, propositada coincidência da sanção de suspensão com a realização de uma acção de formação em Barcelona, impedindo-o de se valorizar profissionalmente).
Já na presente revista, contudo, o Autor circunscreve a sua discordância ao segmento decisório do Acórdão que, confirmando a sentença da 1ª instância, julgou inverificada a justa causa de rescisão com arrimo em atraso no pagamento retributivo, descartando os demais fundamentos anteriormente convocados.
É certo que o texto da minuta alegatória é mais abrangente, mas o seu núcleo conclusivo – e é este que delimita o thema decidendum (arts. 684º n.º 3 e 690º n.º 1 do C.P.C.) – apenas colige a mencionada discordância.
Como assim, será também a essa censura que a nossa pronúncia se deverá limitar.
3.2.2.1.
O Autor “rescindiu” o sobredito vínculo laboral através de carta registada com A/R, que enviou à Ré em 4 de Fevereiro de 2004.
Num breve cotejo histórico, assinale-se que a falta de pagamento pontual da retribuição merecia, de há muito, um tratamento normativo específico, corporizado na Lei n.º 17/86, de 14 de Julho (a chamada “Lei dos Salários em Atraso” – L.S.A.).
Como é sabido, o regime jurídico da cessação de contrato individual de trabalho veio a ser entretanto reformulado pelo D.L. n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro (L.C.C.T.).
Apesar disso, é seguro que essa nova disciplina em nada beliscou o regime constante da citada Lei n.º 17/86, tido como um regime especial e, nessa medida, insusceptível de ser revogado por um regime geral, a menos que outra tivesse sido a opção inequívoca do legislador – art. 7º n.º 3 do Cod. Civil.
De resto, opção houve mas, justamente, de sinal contrário: é que o legislador, posteriormente ao início da vigência do D.L. n.º 64-A/89, introduziu alterações à própria L.S.A., designadamente ao seu art. 3º (visando uniformizar o prazo da mora do empregador para efeitos do direito de rescisão aí previsto).
Não obstante, a L.C.C.T. também passou a integrar disciplina própria sobre a matéria, prevendo que a omissão do pagamento pontual retributivo pudesse igualmente fundamentar a rescisão do vínculo, nos termos dos seus arts. 34º e segs.
É dizer que, a partir de então, passaram a coexistir dois regimes jurídicos autónomos sobre a matéria, sendo que tais regimes eram essencialmente distintos, embora pudessem abarcar situações fácticas coincidentes.
No caso da L.S.A., a falta de pagamento pontual da retribuição deveria prolongar-se, em princípio, por período superior a 30 dias sobre a data da primeira retribuição não paga, e conferia ao trabalhador a indemnização prevista no seu art.6º al. a), sendo indiferente que a omissão retributiva se devesse, ou não, a culpa do empregador.
Esta norma continha uma excepção: o atraso retributivo podia ser inferior a 30 dias, desde que a entidade patronal emitisse a declaração prevista no n.º 2 do art.º 3º.
Ao invés, a L.C.C.T. consagrava um regime legal de rescisão imediata do contrato, posto que ocorresse “justa causa”, assente em comportamento culposo do empregador, sujeitando-se embora a faculdade rescisória a um prazo de caducidade de 15 dias – art. 34º n.º 2 – que não tinha equivalente no Regime da L.S.A..
Também eram distintos os requisitos formais da rescisão, exigindo a lei, no âmbito da L.S.A., uma dupla comunicação: aquela que há-de ser feita à entidade patronal e a que deve ser dirigida à Inspecção do Trabalho, ambas a formalizar por carta registada com A/R – art. 3º n.º 1.
A própria eficácia da “rescisão” também era diferente num e noutro caso: essa eficácia era imediata no domínio da L.C.C.T. – não cuidamos, neste confronto, da rescisão desmotivada, também prevista no diploma e sujeita a pré-aviso – enquanto a L.S.A. (art. 3º n.º 1) exigia o necessário decurso de um prazo de 10 dias sobre a emissão da declaração.
3.2.2.2.
A coexistência de dois regimes neste domínio não se quedou pelo período de vigência do D.L. n.º 64-A/89.
O Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, e entrado em vigor no dia 1 de Dezembro de 2003, não revogou todas as anteriores leis laborais de imediato, relegando a revogação de algumas delas para o momento da entrada em vigor do diploma que viesse regulamentar o dito Código (art. 21º n.º 2 da Lei n.º 99/2003).
Um desses diplomas foi, justamente, a Lei n.º 17/86 – al. e) daquele n.º 2-: por isso, essa Lei só veio a ser revogada efectivamente na data em que iniciou vigência a Lei n.º 35/2004, de 29 de Julho, que veio operar a sobredita regulamentação, o que aconteceu no dia 28 de Agosto de 2004 (cfr. art. 3º da Lei n.º 35/2004).
Sucede que o Código do Trabalho – à semelhança do que vimos acontecer com o pretérito D.L. n.º 64-A/89 – também conferiu tratamento específico à matéria em análise, através do seu art.º 441º.
Este preceito, inserido na Subsecção I (Resolução) da Secção V (Cessação por iniciativa do trabalhador) veio expressamente contemplar que a “falta de pagamento pontual da retribuição” constitui um dos fundamentos de resolução, com justa causa, do vínculo laboral pelo trabalhador.
E neste domínio, estabeleceu uma relevante diferença:
- se a referida falta por culposa – art. 441º n.º 2 al. A) – a resolução confere ao trabalhador o direito a uma indemnização “por todos os danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos”, a computar nos termos do seu art. 443º;
- se a falta por “não culposa” – art. 441º n.º 3 al. C) – a resolução já não confere esse direito indemnizatório, limitando-se, como na previsão supra, a operar de imediato e, consequentemente, a desvincular o trabalhador do prazo legal de aviso prévio.
Em qualquer dos casos porém, torna-se mister que a omissão retributiva – culposa ou não culposa – seja susceptível de integrar “justa causa” de resolução contratual, a apreciar nos termos do n.º 2 do art.º 396º (n.º 4 do art.º 441º).
Como se vê, à data da “rescisão”, podia o Autor socorrer-se, na vertente retributiva, de qualquer dos dois regimes assinalados: o da Lei n.º 17/86 e o do Código do Trabalho.
Porém, ao operar a “rescisão” ou a “resolução”, cabe ao trabalhador optar pelo regime jurídico a que pretende ver submetido o seu negócio extintivo, cabendo ao julgador apreciar a questão à luz do regime eleito.
3.2.3.
Revertendo ao concreto dos autos, é altura de reproduzir a alínea I) dos factos assentes, onde se alude à carta rescisória do Autor:
“Em 4 de Fevereiro de 2004, o Autor enviou à Ré uma carta registada com aviso de recepção, que esta recebeu, com o seguinte teor:
Ass: rescisão do contrato nos termos do artigo 3º da Lei 17/86, de 14 de Junho e ao abrigo do disposto no artigo 441º n.º 1 e n.º 2 da Lei 99/2003, de 27 de Agosto – Código do Trabalho.
Ex.mos Senhores,
Venho pela presente informar V. Ex.ªs que rescindo o meu contrato de trabalho com a A...-S..., com efeitos a partir do 10º dia da expedição desta carta;
O motivo que está na base da minha rescisão são as seguintes retribuições em atraso:
Comissões relativas ao mês de Novembro de 2003 – Euros 449,07;
Comissões relativas ao mês de Dezembro de 2003 – Euros 898,15,
No total de Euros 1.347,22.
Na verdade, na sequência da suspensão, que considero injusta, fui impedido de efectuar o meu trabalho, não realizando vendas desde 14 de Novembro até 31 de Dezembro de 2003, e consequentemente deixando de auferir as respectivas comissões, que se traduziram na perda de uma média mensal de 898,15 euros;
O valor das comissões em falta foi encontrado da seguinte forma: soma das comissões auferidas mensalmente durante todo o ano de 2003, c/divisão desse valer pelos meses em que prestei trabalho (de Janeiro a Novembro);
A empresa tem boa capacidade económica e pagou as comissões relativas às viaturas vendidas em Novembro e Dezembro de 2003 aos seus vendedores;
A empresa sabe que o meu salário é constituído por uma parte fixa e outra variável; e que a suspensão preventiva não pode implicar perda de remuneração, fixa ou variável; tendo-me impedido de exercer funções, não podia vender viaturas;
A justa causa fundamenta-se, ainda, nos seguintes factos:
1) aplicação de sanção desproporcionada e, por isso, ilegal, na sequência do processo disciplinar que me for instaurado, designadamente a aplicação de uma sanção de 12 dias de suspensão (cumprida entre os dias 13 e 28 de Janeiro de 2003) com perda de retribuição, por factos que são praticados diariamente na unidade de vendas, por mim e por outros vendedores; na verdade, limitei-me a experimentar um veículo (que tinha chapa de matrícula, pelo menos, à frente e seguro) a fim de informar o cliente sobre as características do motor, tudo no exercício das minhas funções; circulei com ela apenas 20 ou 30 metros;
o facto não constitui infracção disciplinar mas, se assim não fosse, a sanção de 12 dias de suspensão, com perda de vencimento, é, repito, desproporcionada, constituindo a maior das sanções antes do despedimento;
a Volvo é uma empresa de grande dimensão que opera em todo o continente português, e tem dezenas de estabelecimentos;
a Administração é assessorada por juristas de mérito;
tinha, ou devia ter, conhecimento da ilegalidade da sanção.
2) o meu superior hierárquico Sr. BB, ter dito, em Setembro de 2003, a um meu colega, CC, referindo-se a mim, como vendedor mais antigo da unidade de Setúbal, o seguinte: “o vendedor sénior devia-se envergonhar com a sua performance”, o que constitui violação dos deveres de urbanidade e respeito que me é devido;
3) ter sido impedido, ao longo de todo o ano de 2003, de realizar inúmeras vendas (em 2002 vendi cerca de 45 veículos e em 2003 apenas 25), isto porque o Sr. BB omitia contactos de potenciais compradores, o que sucedeu nos últimos meses de 2003, por exemplo em Dezembro de 2003, um contacto feito para a unidade de vendas de Setúbal, via e-mail, proveniente da área que me estava atribuída (Alentejo) e que tinham de ser, por força de organização interna da empresa acordada, enviados para mim ou para colegas meus da área comercial;
4) Em meados de Dezembro de 2003, por me encontrar suspenso, fui impedido, apesar de ter solicitado permissão para tal, de concretizar a venda que tinha iniciado com um cliente – E... S.A., venda essa que foi finalizada por outro vendedor;
5) Estes comportamentos do meu superior hierárquico causaram-me graves prejuízos económicos, pois a minha retribuição mensal é composta por uma parte fixa e uma variável, dependendo a variável do número de veículos que vendo, pelos quais recebo uma comissão;
6) Fui impedido pelo meu superior hierárquico, BB, de enviar postais de Natal da A...-S... aos clientes, como faço anualmente, discriminação com o intuito de desvalorizar o trabalho que tenho desenvolvido.
7) Fui privado de ir a uma acção de formação profissional em Barcelona (que se destinava a dar a conhecer os novos veículos – S40 e V50 – que irão ser comercializados) e por isso importante para os vendedores no desempenho das suas funções, uma vez que puderam conduzi-los e compará-los com outros veículos concorrentes. Todos os meus colegas do stand de Setúbal e de toda a rede nacional Volvo receberam essa formação, excepto eu, pois a suspensão de funções, na sequência do processo disciplinar, foi marcada deliberadamente para a mesma data da acção de formação – dias 26 e 27 de Janeiro de 2003 -;
8) Na mesma estratégia de perseguição de que tenho sido alvo, foi-me transmitido que, no mês de Fevereiro de 2004, desempenharia as minhas funções no stand de Almada durante 9 dias, quando os meus colegas apenas estarão naquele stand, no máximo, 4 dias cada. O que faz com que esteja afastado de Setúbal, perdendo oportunidades de negócio, impedido de realizar vendas, e dificultando a realização dos meus objectivos; o stand de Almada fica situado numa zona desfavorecida em termos comerciais (área habitacional), onde a afluência de clientes é mais baixa comparativamente a Setúbal;
9) Além dos prejuízos monetários, tenho também sofrido graves danos morais, nomeadamente, estados de angústia e ansiedade, tanto mais que fui sujeito a intervenção cirúrgica delicada, em 27 de Novembro de 2003, como é do vosso conhecimento.
Esta comunicação é feita nos termos, para os efeitos e ao abrigo do disposto no artigo 3º da Lei 17/86;
Desta carta segue cópia para a Inspecção Geral de Trabalho.
Solicito, ainda, ao abrigo do disposto no n.º 3 da Lei 17/86, que a A... S... Ld.ª certifique, no prazo de 5 dias, que se encontram em falta, há mais de 30 dias, as retribuições supra referidas:
por antiguidade, na base de 45 dias por cada ano, férias e subsídio vencido em 1 de Janeiro de 2004, proporcionais de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal e comissões, no total de 7.115,43 euros, designadamente:
indemnização por antiguidade 4.614,73 Euros;
subsídio de férias vencido em 1 de Janeiro de 2004: 512,73 euros;
férias vencidas em 1 de Janeiro de 2004: 512,73;
Proporcionais de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal relativo ao trabalho prestado em 2004: 128,18 euros;
Comissões relativas aos meses de Novembro e Dezembro de 2003: 1.347,22 euros.
Atenciosamente” (FIM DA TRANSCRIÇÃO).
Embora a missiva reproduzida comece por invocar, genericamente, os arts. 3º da Lei n.º 17/86 e 441º n.ºs 1 e 2 do Código do Trabalho, torna-se de todo evidente que aquela primeira invocação normativa se reporta à retribuição em atraso, reservando-se o segundo bloco normativo para os demais fundamentos rescisórios.
Com efeito, a carta alude sempre a um atraso no pagamento retributivo superior a 30 dias e, ademais, colige todas as regras procedimentais enunciadas na Lei n.º 17/86 – cópia para a Inspecção Geral do Trabalho e o pedido de certificação previsto no n.º 3 do seu art. 3º - sendo ainda expressa quanto à eficácia da rescisão – “a partir do 10º dia da expedição desta carta”-.
Mas, se dúvidas ainda houvesse, o Autor teve oportunidade de as dissipar por completo na própria P.I..
Na verdade, os arts. 16º e 17º desse articulado dispõem como segue:
16º
“Em 4 de Fevereiro de 2004, mediante carta registada com aviso de recepção enviada à R., o A. despediu-se com justa causa, ao abrigo do artigo 3º da Lei 17/86, pois encontravam-se em atraso remunerações relativas aos meses de Novembro e Dezembro de 2003 (doc. n.º 2);”
17º
“Na carta de rescisão, o A. invocou ainda para o despedimento, ao abrigo do disposto no artigo 441º da Lei 99/2003, de 27 de Agosto, os factos alegados nos artigos 24º, 26º a 35º, 38º, 39º, 42º, 43º, 48º a 55º e 57º”.
Estes artigos correspondem, sem mais, à matéria vertida nos pontos n.ºs 2 a 8 da mencionada carta.
Sendo assim – como nos parece meridianamente que é – o fundamento questionado na revista deve cingir-se à disciplina da Lei n.º 17/86.
3.2.4.
É sabido que a previsão normativa deste diploma visou proteger os trabalhadores contra a falta de pagamento pontual dos salários – relativamente generalizada ao tempo e proveniente, as mais das vezes, de uma situação de inviabilidade económica das empresas – sendo que os rendimentos do trabalho são tidos como essenciais para a economia pessoal e familiar dos seus titulares.
Nos termos do seu art. 1º, “… a presente lei rege os efeitos jurídicos especiais produzidos pelo não pagamento pontual da retribuição devida aos trabalhadores …”, efeitos esses que se corporizam na faculdade de rescindir o contrato ou suspender a prestação laboral, segundo a opção do trabalhador, mediante a notificação à entidade patronal e à Inspecção-Geral do Trabalho, a expedir com uma antecedência mínima de 10 dias – art.º 3º n.º 1.
Para além destes requisitos formais – notificação nos termos e prazo assinalados – a faculdade rescisória pressupõe a verificação de um requisito substancial: a existência de salários em atraso, por causa não imputável ao trabalhador e por um período superior a 30 dias a contar da data do vencimento da primeira prestação – cfr. o mesmo preceito.
No âmbito da L.S.A., tem a jurisprudência afirmado, repetida e pacificamente, que o regime dela emergente consagra uma situação de responsabilidade objectiva do empregador – a obrigação de indemnizar existe independentemente de culpa (art. 483º n.º 2 do Cód. Civil), no que constitui um desvio às regras gerais da responsabilidade civil – certo que o fundamento rescisório (ou a suspensão da prestação laboral) assenta apenas na realidade dos salários em atraso pelo sobredito período (cfr. Acs. de 26/9/01 – rec. n.º 3436/00 – de 7/10/03 – Rec. n.º 3748/02 – e de 5/5/04 – rec. N.º 3945/03 -.
Trata-se de um conceito de justa causa objectiva, pois não se exige que o incumprimento da obrigação de pagamento da retribuição provenha de culpa da entidade patronal, tal como não é também necessário demonstrar a impossibilidade definitiva da subsistência do contrato ou, enfim, um qualquer outro elemento característico da justa causa subjectiva.
Dir-se-á, pois, que a falta de pagamento pontual da retribuição – posto que superior a 30 dias – é condição necessária à existência dessa faculdade, mas também é condição suficiente para que o seu titular exerça o correspondente direito.
Estamos perante um direito potestativo do trabalhador – que ele exerce, ou não, de harmonia com o seu interesse – cujo efeito jurídico se traduz na obtenção de uma desvinculação contratual, com direito a uma indemnização por antiguidade (calculada, como já se disse nos termos do art. 6º al. a) da referida Lei, a par da percepção do subsídio de desemprego e da atribuição de prioridade na frequência de curso de reconversão profissional.
3.2.5.
No caso dos autos, o atraso aduzido pelo Autor circunscreve-se ao pagamento das comissões que lhe eram devidas, reportadas aos meses de Novembro e Dezembro de 2003.
Essas comissões constituíam parte da retribuição por ele auferida, que variava em função dos veículos transaccionados – al. G) dos factos assentes.
A forma do seu pagamento vem retratada no ponto n.º 8 das respostas à Base Instrutória, correspondente aos quesitos 9º e 10º.
A respectiva factualidade à a seguinte:
“As comissões respeitantes a veículos entregues a clientes até ao dia 15 de um determinado mês eram liquidadas no momento do pagamento do vencimento respeitante ao trabalho prestado no mês imediatamente subsequente e as comissões respeitantes a veículos entregues após o dia 15 eram liquidadas no momento do pagamento do vencimento respeitante ao trabalho prestado no segundo mês imediatamente subsequente”.
No caso, sabe-se que a Ré, em 12 de Novembro de 2003, moveu ao Autor um processo disciplinar com intenção de despedimento, acabando, todavia, por lhe aplicar a sanção de 12 dias de suspensão com perda de retribuição – als. J) e L) dos factos assentes.
Essa sanção foi cumprida entre os dias 13 e 28 de Janeiro de 2004 – al. M) – sendo que o Autor estava preventivamente suspenso desde 14 de Novembro de 2003.
Verifica-se, deste modo, que o Autor não exerceu funções entre 14 de Novembro de 2003 e 28 de Janeiro de 2004.
Sendo de todo evidente que a suspensão preventiva não poderia implicar perda de retribuição, o cálculo das comissões que lhe eram devidas durante esse período – 14/11/03 a 12/1/04 (que, insiste-se, integravam tal retribuição) – haveria de se reconduzir à média daquelas que lhe foram processadas de Janeiro a Novembro de 2003.
Aliás, nenhuma controvérsia se suscitou nos autos em redor da imperatividade desse pagamento e do cálculo do respectivo valor: a divergência reconduz-se apenas à oportunidade desse pagamento.
- Segundo o Autor, porque esse cálculo não dependia de qualquer operação aritmética, subordinada ao número de viaturas transaccionadas, o seu pagamento deveria processar-se juntamente com o salário do mês respectivo (a média de Novembro no final de Novembro, a média de Dezembro no final de Dezembro, e assim sucessivamente);
- Segundo a Ré – com o aplauso das instâncias – nenhuma razão subsistiria para que tal pagamento não continuasse a obedecer às regras gerais da liquidação das comissões (a média da 2ª quinzena de Novembro e da 1ª de Dezembro n final de Janeiro, e assim sucessivamente).
Adiantamos, desde já, que subscrevemos por inteiro a tese das instâncias: o pagamento das comissões obedecia a um único regime, que não distinguia entre comissões efectivas ou média de comissões, o que vedava, a nosso ver e sem mais, a sua alteração casuística.
De resto, estamos em crer que só este regime permita garantir uma regularidade retributiva no final de cada mês.
Vejamos.
Está provado que a Ré pagou ao Autor, em devido tempo, as comissões atinentes aos veículos por este vendidos e entregues aos clientes até 15 de Outubro e 15 de Novembro de 2003 (facto n.º 33).
Daqui decorre que esse pagamento, segundo o falado regime, se terá processado, respectivamente, com o salário de Novembro e com o de Dezembro.
Se, como é nossa convicção, a média das comissões devesse ser paga nos mesmos moldes, estaria assegurada a regularidade retributiva: no que concerne à média das comissões reportadas à 2ª quinzena de Novembro e à 1ª quinzena de Dezembro, o seu pagamento deveria processar-se com o salário de Janeiro (31 de Janeiro), enquanto o pagamento da média relativa à 2ª quinzena de Dezembro deveria coincidir com o pagamento do vencimento de Fevereiro (28 de Fevereiro).
Em contrapartida, a solução preconizada pelo Autor implicaria que este recebesse, durante o período de suspensão, mais do que auferiria de estivesse em funções (comissões de vendas anteriores e média das comissões desse mês) para, no final do período de suspensão, receber apenas o salário base (porque ainda não efectuara vendas e já não tinha direito à referida média).
Somos a concluir, pois, que o atraso no pagamento invocado se cifrava em apenas quatro (4) dias quando o Autor enviou a carta rescisória, o que vale por dizer que não se mostrava verificado o pressuposto de que a Lei n.º 17/86 fazia depender a “rescisão” contratual – atraso superior a 30 dias.
3.2.6.
Mas, ainda que fosse de subscrever a outra tese também adiantada pelo Autor – no sentido de que a referência ao art. 441º do Código do Trabalho deve ser havida como subsidiária, para o caso de se entender que o atraso no pagamento não perfazia os 30 dias – nem assim se mostraria verificado esse outro fundamento.
Na verdade, importa não esquecer que toda a disciplina daquele art. 441º pressupõe que o comportamento do empregador seja susceptível de configurar justa causa de resolução contratual por banda de trabalhador.
Deste modo, mesmo no caso de omissão não culposa (n.º 3 do preceito que, aliás, nem vem sequer referenciado na carta rescisória), não basta a simples materialidade do comportamento invocado – no caso, o mero atraso de 4 dias no pagamento – antes se impunha que esse atraso tivesse a virtualidade de inviabilizar, imediata e definitivamente, a manutenção da relação contratual.
Ora, a emissão desse juízo pressupunha a adução de factualidade bastante que, no caso, não foi produzida.
E, à míngua de uma tal alegação, é forçoso reconhecer que aquele simples atraso de 4 dias, reportado a parte (ainda que significativa) da retribuição, nunca permitiria confortar aquele enunciado juízo.
Improcede, pois, a tese do Autor quanto à questão em análise.
3.3.
Recordemos que o recorrente também censura o segmento do Acórdão que reiterou a sua condenação no pagamento de uma indemnização à Ré, por inobservância do prazo legal de pré-aviso.
Porém, o êxito desta segunda pretensão pressupunha o necessário reconhecimento de que o Autor tinha fundamento resolutivo.
Mas, como já concluímos em sentido inverso, resta dizer que cabia ao demandante observar, na verdade, o mencionado prazo: não o tendo feito, torna-se inquestionável a legalidade daquela operada condenação.
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4- DECISÃO

Em face do exposto, nega-se a revista e confirma-se o Acórdão impugnado.
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Custas pelo recorrente.
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Lisboa 18 de Junho de 2008

Sousa Grandão
Pinto Hespanhol
Vasques Dinis