CATEGORIA PROFISSIONAL
PODER DE DIRECÇÃO
TRABALHO IGUAL SALÁRIO IGUAL
CONSTITUCIONALIDADE
ÓNUS DA PROVA
Sumário


I - A categoria profissional deve corresponder ao núcleo essencial das funções a que o trabalhador se vinculou legal ou contratualmente, não sendo imperioso que exerça todas as funções que a essa categoria correspondem.

II - Encontrando-se um trabalhador categorizado como Técnico de manutenção de Artes e Ofícios - categoria profissional prevista no AE outorgado entre o Sindicato Nacional dos Trabalhadores de Telecomunicações e Audiovisuais e a Portugal Telecom, SA (publicado no BTE, 1.ª Série, n.º 34, de 15-09-96) -, e desempenhando funções a ela inerentes, tendo-lhe, entretanto, a entidade patronal determinado que passasse a desempenhar diferentes funções, mas também compreendidas na sua categoria profissional, não tem direito a qualquer acréscimo remuneratório, designadamente o correspondente à categoria profissional do trabalhador que anteriormente exercia essas funções

III - No circunstancialismo descrito, a entidade patronal, ao operar a substituição das funções do trabalhador, limitou-se a escolher uma das tarefas que o trabalhador podia executar, de entre as várias que a referida categoria consentia.

IV - A paridade retributiva, imposta pela Lei Fundamental (artº 59º, nº 1, alínea a), só se justifica quando o trabalho é desenvolvido em condições de igual natureza (dificuldade, penosidade e perigosidade), qualidade (responsabilidade, exigência técnica, conhecimentos, capacidade, prática, experiência) e quantidade (duração e intensidade).

V - Cabe ao trabalhador pretensamente discriminado o ónus de alegar e provar essa discriminação (artº 342º, nº 1, do Código Civil).

Texto Integral


Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça



1 – RELATÓRIO


1-1
AA intentou, no Tribunal do Trabalho do Porto, acção declarativa de condenação, com processo comum, emergente do contrato individual de trabalho, contra “PT Comunicações S.A.”, pedindo que a Ré seja condenada a pagar-lhe a quantia de €11.859,12, bem como as quantias vincendas desde 28/2/2002, acrescidas dos respectivos juros moratórias, devendo a demandada ser ainda compelida a redefinir as regras da pré-reforma do Autor, à luz do novo vencimento fixado.
Nesse sentido e em síntese, alega que:
- embora esteja profissionalmente classificado como TMA I (Técnico de Manutenção de Artes e Ofícios), passou a exercer as funções de “Chefe Serviços” desde Outubro ou Novembro de 1998, data em que o respectivo titular passou à situação de pré-reforma, sendo desligado do serviço;
- não obstante, a Ré não lhe atribuiu a retribuição correspondente, nem a fez repercutir no vencimento da pré-reforma, situação em que o Autor se encontra desde 1/3/2002.
A Ré contraria a pretensão deduzida, alegando, nomeadamente, que o Autor não teve qualquer alteração de funções e que a categoria reclamada se veio a extinguir, pelo que lhe não são devidas as diferenças salariais peticionadas.
1-2
Instruída e discutida a causa, veio a 1ª instância a julgar a acção improcedente, absolvendo a Ré do pedido.
Na integral procedência da apelação interposta pelo Autor e na consequente procedência da acção, o Tribunal da Relação do Porto revogou a decisão da 1ª instância, relegando embora para oportuna liquidação o cálculo das diferenças salariais, juros de mora e retribuição da pré-reforma.
A divergência das instâncias, que produziu a assinalada oposição de julgados, reconduz-se ao seguinte:
- enquanto a 1ª instância atribuiu particular relevo à extinção da categoria profissional reclamada pelo Autor – que passou a ser residual e a que qualquer trabalhador deixou de poder ascender – sendo que as funções por ele efectivamente exercidas também se incluíam nas competências de TMA I, a Relação considerou que as categorias em confronto eram distintas, que o Autor exerceu as funções de “Chefe de Serviços” durante mais de seis (6) meses e que a extinção desta categoria em nada prejudicava a pretendida reclassificação.
1-3
Desta feita o inconformismo provem da Ré, que pede a presente revista, onde confere o seguinte núcleo conclusivo:
1 – a categoria de TMA I (Técnico de Manutenção de Artes e ofícios) constituía o topo da carreira de TMA e incluía no elenco das respectivas funções a coordenação técnica e disciplinar de um ou mais grupos de trabalhadores, que foram exercidas pelo A.;
2 – O facto de o A. ter sido indicado ao grupo de trabalho pelo supervisor de todo o departamento, Eng.º BB, como a pessoa que, a partir da saída do trabalhador CC, pela sua passagem à situação de pré-reforma, passaria a exercer funções de coordenação, não é sinónimo de uma qualquer nomeação para o exercício de qualquer cargo de direcção ou chefia ou para o exercício de funções superiores às previstas no Acordo de Empresa para a sua categoria profissional de TMA I, nem de qualquer substituição de um trabalhador por outro;
3- dentro dos limites legais e convencionais, a R. passou a exigir do A. o exercício das funções de coordenação, funções que o trabalhador, por força das funções previstas no AE para a sua categoria profissional de TMA I e por contrato de trabalho, não se podia recusar a exercer e, muito menos, com direito a exigir pelo seu exercício qualquer outra contrapartida remuneratória que não a prevista para a sua categoria profissional;
4 – a Relação concluiu, erradamente, que o A., a partir da data em que passou a exercer funções de coordenação, tal correspondeu ao exercício de funções de uma categoria superior à que detinha até então, ou seja, funções da categoria de “Chefe de Serviços”;
5 – Com concluiu, erradamente, que o exercício de tais funções de coordenação originou uma alteração no objecto do contrato de trabalho celebrado entre as partes;
6 – para se avaliar do exercício de funções da categoria profissional de Chefe de Serviço ou de funções diferentes (superiores) por parte do Autor, não importa apenas as funções por ele exercidas; importa também as funções que a Ré, como entidade patronal, podia exigir do Autor, que detinha a categoria profissional de TMA I;
7 - a ora recorrente podia exigir do Autor, como passou a exigir a partir de Dezembro de 1998, o exercício de outras funções previstas no elenco funcional da sua categoria profissional de TMA I, que até então não exercia, concretamente as funções de coordenação técnica e disciplinar da actividade de um ou mais grupos de trabalhadores, sem que tal originasse uma alteração do seu contrato de trabalho;
8 – o Autor continuou a exercer, a partir de 1998, funções previstas no elenco funcional do TMA I, e não a categoria de Chefe de Serviço;
9 – o Autor, com o exercício das funções de coordenação, nunca deixou de exercer uma actividade correspondente à sua categoria profissional, como estabelece a L.C.T., então em vigor, nem passou a exercer uma actividade acessória a que correspondesse uma retribuição mais elevada, como previsto no nº 5 do art.º 22º da L.C.T. “a contrario”;
10 – ao exigir do Autor o exercício de funções previstas no elenco funcional da sua categoria profissional, a recorrente não incorreu em qualquer violação da lei, nem tal situação operou uma alteração no objecto do contrato com reflexos na carreira do trabalhador e no seu estatuto remuneratório;
11 – as funções que o Autor passou a exercer, a partir de Dezembro de 1998, enquadram-se na categoria profissional de TMA I, havendo, assim, uma total correspondência entre a categoria função e a normativa e a retribuição prevista para esta categoria profissional;
12 – com o exercício de funções que integram o núcleo essencial do elenco funcional da sua categoria profissional, TMA I, o Autor não só não tem direito à categoria profissional de Chefe de Serviço, como não tem direito a receber quaisquer diferenças salariais;
13 – ao decidir de forma diversa, o Acórdão violou o correcto entendimento do art.º 22º nºs 1 e 5 da L.C.T..
1-4
O Autor não contra-alegou.
1-5
A Exm.ª Procuradora-Geral Adjunta, em douto Parecer que mereceu a expressa discordância da Ré, sustenta a negação da revista.
1-6
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
*
2 – FACTOS
As instâncias fixaram pacificamente a seguinte factualidade:
1 – o Autor foi admitido ao serviço da empresa Ré – então TLP – Telefones de Lisboa e Porto EP – em 16/5/73, mediante um contrato de trabalho sem termo, para exercer as funções de pintor brochante;
2 – em 1/10/83, o Autor foi promovido à categoria profissional de Mestre de oficinas de construção;
3 – em 1994, foi-lhe atribuída a categoria profissional de TMA I, categoria que manteve até à passagem à pré-reforma;
4 – o Autor exerceu as suas funções nas oficinas de Manutenção e Conservação de Edifícios, na Rua...., inicialmente e, depois, na Rua ..., nº ..., na cidade do Porto;
5 – e nesse local se manteve, sob a direcção, autoridade e fiscalização da Ré, até 1/3/2002, data em que passou à situação de pré-reforma, por acordo com a Ré;
6 – em contrapartida do seu trabalho, a Ré remunerava o Autor à razão de € 1.146,58/mês, a que acrescia o valor mensal de € 154,08, relativo a cinco diuturnidades;
7 – o Autor é sócio do Sindicato Nacional dos Trabalhadores de Telecomunicações e Audiovisual e a empresa TLP, EP deu origem à TLP – Telefones de Lisboa e Porto S.A. que, por fusão com a Telecom Portugal S.A. e a Teledifusora Portugal S.A., deu origem por sua vez, à Portugal Telecom S.A. e, ultimamente, à PT Comunicações S.A.;
8 – sendo aplicável às partes o AE em vigor na empresa, cujo último texto foi publicado no BTE nº 34, 1ª Série, de 15/9/96, bem como toda a legislação geral e especial complementar;
9 – até 1/12/98, data em que passou à situação de pré-reforma, o trabalhador da Ré CC, cuja categoria profissional era a de “Chefe de Serviço”, exerceu nas Oficinas de Manutenção e Conservação de Edifícios, referidas em 4 -, as funções de coordenação técnica e disciplinar do conjunto dos trabalhadores das artes e ofícios que aí exerciam funções, tais como carpintaria, serralharia, pedreiro, canalizador, pintor, etc., estando na directa dependência do Eng.º BB, que era o supervisor de todo o Departamento de Conservação de Edifícios da Ré;
10 – até essa data, o Autor era o mais próximo colaborador do referido CC, com ele colaborando em todas as tarefas que era necessário realizar e era quem o substituía nos períodos de férias e nas outras ausências;
11 – antes da passagem do referido CC à situação de pré-reforma, o Eng.º BB efectuou uma reunião de todo o pessoal, que exercia funções nas referidas oficinas da Rua ..., agradeceu a colaboração prestada pelo dito CC e apresentou o Autor como sendo a pessoa que o iria substituir nas funções que vinha desempenhando;
12 – na sequência do AE de 1995 e da celebração do “chamado” protocolo entre a Ré e os Sindicatos em 1998, a categoria de “Chefe de Serviço” passou a ser uma categoria residual, ou seja, uma categoria à qual deixou de ascender qualquer trabalhador e que se foi extinguindo, conforme os trabalhadores que a detinham foram saindo da Ré por reforma ou outro motivo;
13 – a categoria de TMA I (Técnico de Manutenção de Artes e Ofícios) constituía o topo da carreira de TMA e incluía, no elenco das respectivas funções, a coordenação técnica e disciplinar de um grupo ou mais de trabalhadores, que foram exercidas pelo Autor;
14 – no exercício das suas funções de coordenação técnica e disciplinar, quer o Autor, quer o CC reportavam ao seu superior hierárquico em todas as decisões mais importantes, tais como aprovação de orçamentos a partir de determinados montantes mais elevados, aprovação das mapas de férias, e a competência disciplinar limitava-se aos casos mais simples e de mera intervenção verbal;
15 – no ano de 2001, o Autor recebeu da Ré um prémio extraordinário de desempenho no âmbito do SOI (Sistema de Objectivos e Incentivos), prémio que, para quem já tivesse tido outro prémio no âmbito do SOI, receberia apenas a diferença, se positiva, entre o que teria pelo prémio extraordinário e o obtido no âmbito do SOI;
16 – o documento, junto pelo Autor a fls. 9 a 15, é uma comunicação da Ré ao Sindicato dos trabalhadores, STN, levando ao conhecimento deste a lista de trabalhadores que, com a categoria de Chefe de Serviço e/ou categoria I (TMA I) foram designados coordenadores;
17 – a categoria superior à de TMA I (Técnico de Manutenção de Artes e Ofícios) era a de TSE (Técnico Superior Especialista), à qual apenas era possível ascender mediante concurso, ao qual nunca concorreu o Autor.
São estes os factos.

3 DIREITO

3.1
Conforme deixámos já expresso, a pretensão do Autor acoberta-se no invocado exercício, a partir de 1 de Dezembro de 1998, de funções correspondentes a uma categoria profissional – “Chefe de Serviço” – superior à sua” – “TMA I (Técnico de Manutenção de Artes e Ofícios)”: não almejando embora a reclassificação profissional daí resultante, o demandante pretende que lhe seja reconhecido o direito ao estatuto remuneratório correspondente, com óbvia repercussão no acordo retributivo da pré-reforma.
Também já sabemos que as instâncias extraíram decisões de sinal contrário, sendo que essa divergência se reconduz, nuclearmente, a uma diversa qualificação das funções substitutivas que o Autor passou a exercer:
- enquanto a 1ª instância entendeu que essas funções se integravam no elenco funcional da categoria profissional atribuída ao Autor – por virtude do que sentenciou a improcedência do pedido – a Relação sufragou a tese contrária, sustentando que “… a categoria profissional de Chefe de Serviços é, naturalmente, mais ampla, qualitativa ou quantitativamente” – em consequência do que veio a conferir ganho de causa à pretensão do Autor.
Os autos chegam a este Supremo Tribunal circunscritos a essa divergência: por isso, a única questão em debate na revista – tal como vem sucedendo desde os articulados – consiste em saber se o Autor tem, ou não, direito à retribuição correspondente à categoria profissional de “Chefe de Serviço”, com a mencionada repercussão, em caso afirmativo, no seu estatuto remuneratório da pré-reforma.
3-2-1
O conteúdo da prestação do trabalhador, no âmbito do respectivo contrato de trabalho, está circunscrito pela sua categoria profissional.
É usual distinguir a “categoria-função” da “categoria-estatuto”:
-aquela integra a essencialidade das funções a que o trabalhador se obrigou pelo vínculo ou pelas alterações decorrentes da sua dinâmica;
- esta corresponde ao conceito normativo que, em sede legal ou nos respectivos instrumentos de regulamentação colectiva, circunscreve, positiva ou negativamente, as funções que, em concreto, lhe cabe exercer.
Por exprimir a posição contratual do trabalhador, a “categoria profissional” é objecto de protecção legal e convencional, em cujo domínio avulta o princípio geral da correspondência entre a actividade exercida e a categoria-estatuto do trabalhador – art.º 22º nº1 do “Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho”, aprovado pelo D.L. nº 49.408, de 24 de Novembro de 1969, vulgarmente designado por L.C.T. – (a cuja disciplina jurídica importa aqui atender, pois era esse o diploma em vigor à data em que o demandante, passou a exercer as questionadas funções substitutivas).
Apesar disso, o conteúdo da prestação laboral está sujeito a uma prática modificativa, que é corolário natural do poder de direcção do empregador: poder determinativo da função e poder conformativo da prestação.
Neste contexto, será oportuno sublinhar que a categoria profissional deve corresponder ao núcleo essencial das funções a que o trabalhador se vinculou legal ou contratualmente, não sendo imperioso que exerça todas as funções que a essa categoria correspondem.
O apelo ao “núcleo essencial” ou à “actividade predominante” constitui o parâmetro atendível, sempre que o trabalhador seja chamado a exercer, exclusiva ou cumulativamente, funções diversas das que lhe estavam anteriormente cometidas.
A assinalada prática modificativa pode limitar-se à simples escolha das tarefas que, em cada momento, o trabalhador deve executar, posto que as mesmas se incluam no elenco funcional da categoria que lhe está atribuída.
Sempre que isso acontece, isto é, sempre que o empregador se limita a exercer esse poder, está a fazê-lo no pleno respeito da actividade contratada, não sendo lícito ao trabalhador desrespeitar a ordem recebida nem, tão pouco, reclamar direitos ou regalias acrescidas.
A par disso, a lei também consente expressas, mas taxativas, derrogações ao princípio da correspondência entre a actividade exercida e a categoria-estatuto do trabalhador: uma delas vem contemplada nos nºs 7 e 8 do citado art.º 22º; a outra decorre da previsão contida nos nºs 2 a 6 do mesmo artigo.
Aquela primeira derrogação corresponde ao exercício do poder excepcional do empregador-conhecido por “jus variandi” – de cometer transitoriamente ao trabalhador a prestação de tarefas não compreendidas no objecto do contrato e que, consequentemente, exorbitam a sua categoria profissional.
A segunda derrogação corresponde àquilo que habitualmente se designa por “polivalência funcional”, em cujo âmbito se confere ao empregador o poder de atribuir ao empregado a prestação de actividades diferentes das que vinha desempenhando – ainda que não compreendidas na sua categoria profissional – desde que o mesmo mantenha, como a actividade principal, o desempenho das suas funções habituais.
Como o poder directivo da entidade patronal tem sempre, como limite, o respeito pelos direitos e garantias dos trabalhadores – tanto aquelas que, genericamente, decorrem da disciplina jurídica da relação laboral, quanto as que, em concreto, emergem da protecção concedida à sua categoria profissional – compreende-se que a lei submeta a apertados pressupostos o exercício das mencionadas derrogações.

3-2-2
Expostos os princípios atendíveis, é altura de reverter ao concreto dos autos.
Considerou o Acórdão em crise que a situação do Autor se reconduzia à previsão contida nos nºs 2 a 6 do falado art.º 22º “polivalência funcional”.
Foi nesse pressuposto que concluiu pela procedência da acção, fazendo apelo, para tal, à disciplina do nº5 daquele preceito, que assim dispõe:
“No caso de às actividades acessoriamente exercidas corresponder retribuição mais elevada, o trabalhador terá direito a esta e, após seis meses de exercício dessas actividades, terá direito a reclassificação, a qual só poderá ocorrer mediante o seu acordo”.
Mais em concreto, o referido Acórdão discorreu como segue:
“Tendo o colega do A., CC, com a categoria profissional de Chefe de Serviços, passado à situação de pré-reforma, o A. foi colocado a desempenhar as suas funções, conforme foi comunicado aos trabalhadores pelo respectivo superior hierárquico. Face aos factos dados como provados, nenhuma dúvida existe de que o A. foi ocupar o posto de trabalho, com as inerentes funções, que eram desempenhadas até 1998-11-30 pelo colega referido. E, tendo permanecido no exercício delas até à data da sua pré-reforma, ocorrida em 2002-03-01, decorreram mais de seis meses, pelo que a situação se tornou definitiva, atento o disposto no art.º 22º nº 5 da L.C.T.
A alegação da apelada, no sentido de que a categoria profissional do apelante englobava as funções desempenhadas pelo A. desde 1998-12-01, pois o leque de funções da categoria TMA I … podia abranger a direcção de um conjunto de trabalhadores, também do ponto de vista técnico e disciplinar, não pode colher, na medida em que a categoria profissional de chefe de Serviços é, naturalmente, mais ampla, qualitativa ou quantitativamente. Na verdade, se o leque funcional da categoria TMA I… comportasse todas as funções da categoria de Chefe de Serviços, que necessidade teria a apelada de incumbir o A. do desempenho, desde 1998-12-01, das funções anteriormente desempenhadas pelo colega CC e que necessidade tinha de pagar uma retribuição superior ao Chefe de Serviços?

De qualquer forma, certo é que continuando as funções de Chefe de Serviços a ser desempenhadas desde 1998-12-01, embora por outrem, o ora A., este tem direito à retribuição auferida pelo seu anterior titular, o colega CC, então substituído, atento o disposto no art.º 22º da L.C.T.” (FIM DE TRANSCRIÇÃO).
Como resulta da transcrição apurada, a Relação relevou decisivamente o confronto entre a categoria profissional do Autor e a do trabalhador substituído, sob a premissa de que ao posto de trabalho em causa correspondia, com a retribuição correspondente, a categoria profissional de “Chefe de Serviço”.
Recordemos, antes de mais, a factualidade atendível – pontos nºs 9,10,11,13 e 14 – de onde resulta que:
- o trabalhador substituído, que tinha a categoria profissional de “Chefe de Serviço”, exerceu, até à sua passagem à situação de pré-reforma, as funções de coordenação técnica e disciplinar do conjunto dos trabalhadores de artes e ofícios que exerciam funções nas oficinas de Manutenção e Conservação de Edifícios, que a Ré possui na cidade do Porto;
- o Autor, com a categoria profissional de TMA I, era o seu colaborador mais próximo;
- o supervisor do respectivo Departamento, Eng.º BB, em reunião de todo o pessoal, anunciou o Autor como sendo a pessoa que iria substituir o referido CC nas funções que este vinha exercendo;
- a categoria de TMA I incluía, no elenco das respectivas funções, que foram exercidas pelo Autor, a coordenação técnica e disciplinar de um grupo ou mais de trabalhadores;
- no exercício das suas funções, tanto o Autor, como o CC, reportavam ao seu superior hierárquico em todas as decisões mais importantes.
Como se vê, a factualidade enunciada não alude minimamente ao elenco funcional da categoria de “Chefe de Serviço”, o que prejudica, sem mais, o confronto operado pela Relação.
Essa factualidade limita-se a reproduzir as funções que, em concreto, vinham sendo exercidas pelo trabalhador CC – que, por acaso, era “Chefe de Serviço” – nas quais foi substituído pelo Autor.
Sendo assim, a ponderação atendível não passa pelas categorias profissionais dos trabalhadores, em confronto mas, tão simplesmente, pela categoria correspondente ao posto de trabalho preenchido com a substituição.
Ora, sabendo-se que o elenco funcional do TMA I incluía, justamente, as funções que o Autor passou a desempenhar, é forçoso concluir que ao questionado posto de trabalho tanto podia corresponder a categoria de “Chefe de Serviço”, como a de “TMA I”.
Deste modo, ao operar a referida substituição, a Ré limitou-se a cometer ao Autor o exercício de funções patentemente incluídas na sua categoria profissional ou, dito de outro modo, limitou-se a escolher uma das tarefas que o trabalhador podia executar, de entre as várias que a referida categoria consentia, não se vislumbrando, pois, que tenha sequer feito uso da “flexibilidade funcional”, através de algum dos dois mecanismos que ela comporta.
O direito retributivo reclamado pelo Autor pressupunha a certeza de que às funções por si desempenhadas, no falado regime de substituição, correspondia uma categoria profissional superior à sua.
Não era, todavia, o caso.
E sempre se dirá – porque o Autor a isso alude na P.I. – não haver nos autos a menor notícia de que ao posto de trabalho em análise correspondesse sequer a qualificação de “chefia”: o que sucede é apenas que o seu anterior titular tinha a categoria profissional de “Chefe de Serviço”, que é coisa bem diferente e, para o caso, inócua.
Deste modo, a sua pretensão terá necessariamente de improceder, à luz da única causa de pedir invocada na acção: o pretenso exercício de funções a que correspondia uma categoria profissional superior.
3-2-3
É certo que o demandante não deixa de também aludir, genericamente, ao art.º 59º nº1 al. a) da C.R.P., podendo inferir-se desse apelo que a retribuição desigual violava o princípio constitucional da igualdade.
Contudo, o princípio do “trabalho igual salário igual” não reveste carácter intangível: dele não decorre uma igualdade absoluta em todas as circunstâncias, permitindo-se um tratamento diferenciado, contanto que justificado materialmente.
E, conforme vem afirmando a jurisprudência deste Tribunal, a paridade retributiva, constitucionalmente imposta, só se justifica quando o trabalho é desenvolvido em condições de igual natureza (dificuldade, penosidade e perigosidade), qualidade (responsabilidade, exigência técnica, conhecimentos, capacidade, prática, experiência) e quantidade (duração e intensidade).
Assim, “… a dinâmica valorativa em que radica o conceito de igualdade salarial impõe que a dimensão material dessa igualdade seja apreciada e concretizada casuisticamente” (Ac. Do S.T.J. de 24/9/2003 – Rec. Nº 3997/02).
Por outro lado – e em decorrência do princípio contido no art.º 342º nº1 do Código Civil – cabe ao trabalhador pretensamente discriminado o ónus de alegar e provar essa discriminação.
Ora, para além da genérica referência ao assinalado princípio, nada mais o Autor invoca sobre a eventual discriminação salarial de que se acha ter sido alvo.
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4 – DECISÃO
Em face do exposto, concede-se a revista, revogando-se o Acórdão impugnado e repristinando-se a decisão da 1ª instância.
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Custas, nas instâncias e no Supremo, pelo Autor.


Lisboa, 25 de Junho de 2008

Sousa Grandão
Pinto Hespanhol
Vasques Dinis