EXPROPRIAÇÃO POR UTILIDADE PÚBLICA
DECLARAÇÃO DE UTILIDADE PÚBLICA
ACTO ADMINISTRATIVO
ACÇÃO DE ANULAÇÃO
SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA
Sumário


I) – Instaurado um procedimento cautelar nos tribunas administrativos com vista à suspensão de eficácia de uma declaração de utilidade pública em processo de expropriação por utilidade pública de uma fracção de um prédio constituído em propriedade horizontal, o mesmo não interfere com outros processos de expropriação relativos às outras fracções, que prosseguirão os seus termos, caso em relação a elas não tenham sido instaurados procedimentos cautelares.
II) – A instauração de acção administrativa especial para anulação da declaração de utilidade pública em processo de expropriação por utilidade púbica não interfere nem suspende com a eficácia desse acto.

Texto Integral


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

VianaPolis – Sociedade para O desenvolvimento do Programa Polis em Viana do Castelo, ao abrigo do art. 51° do Código das Expropriações, remeteu para o Tribunal Judicial de Viana do Castelo – onde deu entrada em 07.07.06 – o processo de expropriação litigiosa referente à parcela I do edifício construído na parcela 133 da planta parcelar de Expropriações da VianaPolis SA, de que são proprietários AA e BB, pedindo a adjudicação da propriedade daquela fracção.

Fundamentou a sua pretensão no facto de, não tendo chegado a acordo com os proprietários relativamente à indemnização a pagar pela expropriação, haver sido declarada, por despacho do Ministro do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional, publicado no DR nº 156, II Série, de 16.08.05 (despacho nº 17461/2005) e no nº 164 de 26.8.05 (despacho nº 18586/2005) a utilidade pública da expropriação com carácter de urgência, de duas parcelas necessárias à execução do plano de Pormenor do Centro Histórico, entre elas a denominada parcela 133 de que é parte a fracção autónoma I, fracção autónoma esta, que faz parte do prédio constituído em propriedade horizontal situado na freguesia de Santa Maria Maior, Concelho de Viana do Castelo, descrito na CRP de Viana do Castelo sob o nº 535/19881004 e inscrito na matriz predial urbana sob o nº 2277.

A Viana Polis tomou posse administrativa da referida fracção em 18.9.2006.
Foi efectuada vistoria "ad perpetuam rei memoriam".
Procedeu-se à arbitragem, verificando-se haver unanimidade dos senhores árbitros na atribuição da indemnização, tendo sido atribuído à fracção expropriada o valor de € 97.771,00, quantia esta que a entidade expropriante depositou à ordem do tribunal.

A fls. 124, foi ordenado que se notificasse a entidade expropriante "para vir aos autos informar, se está ou não pendente no Tribunal Administrativo, acção tendente a anular a declaração de utilidade pública que abrange a parcela destes autos, e bem assim, se foi ou não proferida decisão cautelar, com trânsito em julgado a suspender a eficácia dessa mesma DUP igualmente abrangendo a parcela deste autos".
Respondeu aquela entidade, não serem os expropriados nos autos, parte activa em quaisquer autos de providência cautelar que se encontrem a correr termos pelos Tribunais Administrativos e Fiscais de Braga com vista à suspensão da eficácia da Declaração de Utilidade Publica, publicada através dos despachos nº 174611/2005 e nº 18586/2005, no DR nº 156, II Série, de 16.08.05 e no nº 164 de 26.8.05.
A fls. 134, ordenou o tribunal que se oficiasse ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, para informar se já fora proferida decisão no processo de providência cautelar nº 1312/05 da 2a Unidade Orgânica.
Informou tal tribunal que os autos ainda se encontram em tramitação não tendo ainda sido proferida sentença neles.

Em 07.08.28 foi proferida decisão em que se ordenou a suspensão dos autos de expropriação, até à decisão definitiva da acção administrativa de anulação da DUP, a não ser que não ocorresse, ou cessasse, a suspensão da eficácia da DUP, por decisão transitada em julgado, no âmbito das referidas providências cautelares.

Inconformada, a expropriante deduziu agravo, com êxito, pois por acórdão da Relação de Guimarães de 08.02.25, foi julgado provido o agravo, ordenando-se a prossecução da expropriação.

Inconformada, a expropriada BB deduziu o presente agravo, invocando para a sua admissão estar o acórdão recorrido em oposição com outro proferido pela mesma Relação.
O recurso foi recebido e a recorrente apresentou as respectivas alegações e conclusões.

A agravada contra alegou, pugnando pela manutenção do acórdão recorrido.
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.

As questões

Tendo em conta que
- o objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões neles insertas – arts. 684º, nº3 e 690º do Código de Processo Civil;
- nos recursos se apreciam questões e não razões;
- os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido
são os seguintes os temas das questões propostas para resolução:
A) – Matéria de facto;
B) – Nulidades;
C) – Suspensão da instância.

Os factos

Na Relação tomou-se em consideração, para além do “circunstancialismo fáctico” acima enunciado, mais a seguinte factualidade:
1) - Em 14/12/05 foi instaurada no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, acção administrativa contra o Ministério do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento do Território e contra a VianaPolis, aqui expropriante, com o nº 1333/05.5. BEBRG, em que se pede, entre o mais, que se declare a nulidade/anulabilidade do acto administrativo consubstanciado no despacho que declarou a DUP de expropriação da parcela 133 do Edifício Jardim, a que respeitam os presentes autos.
2) -Em 7/12/05, dera já entrada naquele tribunal, a providência cautelar de suspensão da eficácia do acto administrativo que declarou a utilidade pública com carácter de urgência da referida parcela 133, processo que corre com o nº 1312/05 BEBRG.
3) - Há outras providências cautelares a correrem termos por dependência à acção referida em 1).
4) - Os expropriados nestes autos, não são sujeitos activos, nem na acção administrativa, nem em qualquer das providências cautelares que correm por apenso à mesma.


Os factos, o direito e o recurso

A) – Matéria de facto

A recorrente entende que não é verdade que os processos judiciais que correm termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga – providência cautelar 1312/05 e acção administrativa especial 1333/05 - não abrangem a parcela expropriada no presente processo e que também não é verdade que a recorrente não seja parte activa em acção administrativa.
Pretende, assim, a alteração da matéria de facto fixada pela Relação, acima elencada.
Não pode ser.

O Supremo Tribunal de Justiça, como tribunal de revista, aplica definitivamente aos factos fixados pelo tribunal recorrido o regime jurídico que julgue aplicável (art. 729º, nº1, do CPC).
Consequentemente, não conhece de matéria de facto, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova (arts. 729º, nº 2 e 722º, nº 2, do mesmo diploma).
É que, sem qualquer dúvida, cabe às instâncias apurar a factualidade relevante, sendo que na definição da matéria fáctica necessária para a solução do litígio, a última palavra cabe à Relação.
Daí que, a tal propósito, a intervenção do Supremo Tribunal se apresente como residual e apenas destinada a averiguar da observância de regras de direito probatório material – art. 722º, nº 2 – ou a mandar ampliar a decisão sobre a matéria de facto – art. 729º, nº3.

A recorrente limitou-se a afirmar que os factos referidos nos pontos 3 e 4 da matéria assente não correspondem à verdade e são contrários aos documentos que constam dos autos e às contra alegações da recorrente.
Fica-se, assim, sem saber em que medida teria havido “ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova”, únicos casos que, nos termos da parte final do referido nº2 do artigo 722º, a questão podia ser apreciada em recurso de revista.

De qualquer forma, sempre se dirá o seguinte.
A questão da abrangência dos processos instaurados nos Tribunais Administrativos nada tem a ver com a matéria de facto, mas apenas com a matéria de direito.
O que ficou assente no ponto 4) da matéria dada como assente, foi tão só e apenas que nos autos aí indicados, os expropriados não são sujeitos activos.
Se, apesar disso, as providências e acções instauradas têm qualquer relação com a fracção dos expropriados é, como se disse, matéria de direito que adiante será apreciada.
Quanto à acção administrativa, a referida no ponto 4) é a referida no ponto 1), pelo que naquele ponto não se afirma que os expropriados não sejam parte em qualquer acção administrativa, como parece ter entendido a recorrente.

Entende também a recorrente que a Relação omitiu os fundamentos para dar como assentes esses factos.
É questão que não pode aqui ser conhecida, face ao disposto nas disposições conjugadas contidas nos artigos 726º e 712º, nº5, do Código de Processo Civil.
De qualquer forma, sempre se dirá a Relação, ao remeter o “circunstancialismo fáctico processual” antes considerado, na parte inicial do acórdão, em certa medida justificou porque razão os pontos da matéria de facto foram dados como assentes.

B) – Nulidades

Entende a recorrente que o acórdão recorrido não se pronunciou sobre diversos aspectos levantados nas contra alegações.
Nem tinha que se pronunciar.
Na verdade, essa pronúncia apenas era obrigatória, se a recorrida tivesse arguido a nulidade da sentença ou impugnasse a decisão proferida sobre pontos determinados da matéria de facto, não impugnados pela recorrente – cfr. nº2 do artigo 684-A, do Código de Processo Civil.
Ora, nas suas contra alegações apresentadas na apelação, a aí recorrida, aqui recorrente, não levantou qualquer daquelas questões.
Logo, não tinha a Relação que conhecer qualquer outra questão provinda dessas contra alegações.
Apenas tinha que conhecer as questões levantadas nas conclusões das alegações da recorrente, aqui recorrida – cfr. artigos 690º e 684º, ambos do Código de Processo Civil.

Finalmente, entende a recorrente que o acórdão é nulo por falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.
Não vemos como.
Os factos foram especificados, conforme acima ficou a constar.
A aplicação do direito a esses factos está sobejamente explanada ao longo no acórdão.
Manifestamente, não ocorreu a nulidade apontada.

C) - Suspensão da instância

No acórdão recorrido entendeu-se que a instauração de uma acção de anulação da declaração de utilidade pública não tinha qualquer efeito suspensivo sobre o prosseguimento do processo de expropriação, o mesmo não se passando com a instauração de uma providência cautelar destinada à suspensão da eficácia dessa declaração de utilidade pública que essa, sim, suspendia a expropriação.
Mas que esta suspensão tinha de se entender restrita aos requerentes dessa providência, “não podendo extravasar, no seu eventual resultado suspensivo, os respectivos limites subjectivos”.
Pelo que, sabendo-se que os expropriados na presente expropriação não são requerentes em qualquer providência cautelar, não podia a mesma expropriação ser suspensa, mesmo que tenha sido instaurada providência por outrem em relação a outra fracção expropriada do prédio onde fica situada a fracção dos expropriados.

O agravante entende, em primeiro lugar, que é errado entender-se que a suspensão de eficácia da declaração de utilidade pública pedida na providência cautelar 1312/05 não abrangia a fracção da recorrente, pois os aí requerentes formulam o pedido em relação à totalidade da parcela 133 – onde estava incluída a parcela expropriada - não o limitando às fracções de que são proprietários.
Não tem razão.

A declaração de utilidade pública é um acto administrativo em que a Administração declara que a expropriação de determinados bens é necessária à realização de um certo fim de utilidade pública e visa produzir determinados efeitos jurídicos numa situação individual concreta.

No processo administrativo, a iniciativa cabe normalmente aos particulares, interessados na impugnação dos actos ou na proposição de acções destinadas a salvaguardar os seus direitos.
Vale, assim, o “princípio da liberdade de iniciativa”, visto que o direito de acção, constituindo embora um direito fundamental consagrado na Constituição e na lei, é uma liberdade ou, em todo caso, um direito disponível – Vieira de Andrade “in” Justiça Administrativa, 3ª edição, página 259.

A utilidade dessa impugnação deve ser ponderada na perspectiva da definição pelo tribunal da posição jurídica do autor, tal como ela vem defendida na impugnação por si deduzida, pretendendo este autor com ela a anulação ou declaração de nulidade ou da inexistência jurídica de um acto administrativo ou a declaração de ilegalidade de uma norma regulamentar ou da sua omissão – cfr. artigo 46º, nº2, alínea a), do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA).

Com o princípio da vinculação do juiz ao pedido, pretende-se assegurar a correspondência entre o pedido e a decisão que vai ser tomada em duplo sentido: o tribunal não pode apreciar ou decidir no processo senão aquilo que lhe é solicitado pelas partes, devendo, por outro lado, apreciar todas as questões pertinentes que as partes submetam à sua apreciação – cfr. artigo 660º, nº2, do Código de Processo Civil.

Por outro lado, o tribunal só pode basear a sua decisão em factos invocados no processo como “fundamentos concretos” do efeito jurídico pretendido.
O que se coaduna com o conceito de actos administrativos dado no artigo 120º do Código do Procedimento Administrativo (CPA) como “as decisões dos órgãos da administração que ao abrigo do direito público visem produzir efeitos jurídicos numa situação individual concreta”.


Ora, no caso concreto em apreço, a recorrente não instaurou qualquer providência cautelar de suspensão da eficácia da declaração de utilidade pública.
Logo, não foi invocada por parte da recorrente, em processo cautelar, qualquer situação concreta relativa à sua situação de expropriada.
A situação concreta invocada por outros condóminos do prédio constituído em propriedade horizontal onde se situa a fracção expropriada pertencentes à recorrente diz respeito apenas – e só podia dizer respeito, nos termos acima referidos – às fracções desses condóminos, embora elas pertençam à mesma parcela expropriada – a parcela nº133 – a que pertence a fracção da recorrente.
Sendo assim, a instauração de processo de providência cautelar para suspensão da eficácia da declaração de utilidade pública por parte de outros condóminos, que não a recorrente, só a eles pode aproveitar.
E, consequentemente, só em relação a eles é que a referida eficácia poderá ficar suspensa.

Por outro lado, há que distinguir no pedido entre a pretensão material e a pretensão processual.
A primeira constitui o objecto mediato da acção e consiste na pretensão que em certo conflito de interesses seja dada relevância àquele de que se é titular, é a consequência jurídico material que se pede ao tribunal para ser reconhecida.
A sua procedência ou improcedência forma o fundo ou mérito da causa.
A pretensão processual constitui o objecto imediato da acção e consiste na pretensão de que o Juiz tome certa providência específica de tutela judicial – que declare, condene, decrete, execute, etc.
No caso da providência cautelar em causa, o objecto mediato era a suspensão da eficácia da declaração de utilidade pública.
E o objecto imediato era que essa suspensão fosse decretada em relação às fracções dos requerentes da providência, com o fim de os processos expropriativos referentes a elas ficassem suspensos.
Ou seja, não se pedia, nem se podia pedir – cfr. artigo 112º, nº1, do CPTA - a suspensão da eficácia daquela declaração em relação a todas as fracções do prédio mas apenas em relação às fracções dos requerentes.
Por isso, só em relação a elas podia a referida eficácia ficar suspensa.

Entende também a recorrente que o presente processo expropriativo depende da validade da declaração de utilidade pública a ser apreciada em diversas acções especiais de impugnação da mesma a correrem os seus termos pelo Tribunal Administrativo de Braga.
Também não tem razão.

É que, como resulta “a contrario” do nº2 do artigo 50º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos – a impugnação judicial de um acto administrativo não interfere com – nem suspende – a eficácia desse acto, que se mantém tão operativo e exequível, para a Administração e em face de terceiros, quanto o era antes (e se o fosse, claro).
Como escrevem Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira “in” Código de Processo nos Tribunais Administrativos Anotado, reimpressão, 2006,, volume I, em anotação ao referido número e artigo, a página 335, “a “neutralidade” da impugnação judicial sobre a eficácia do acto administrativo (anulável), antes vista como uma consequência da “presunção de legalidade” ou do “privilégio da execução prévia”, funda-se hoje, por um lado, na “autoridade” própria das decisões administrativas - ideia ou postulado que justifica também por exemplo, a inadmissibilidade de embargos judiciais à execução do acto administrativo (art. 153.° do CPA) - e, por outro lado, no “princípio da prossecução do interesse público” (ou da eficácia ou da necessária regularidade da actividade administrativa), que poderia ser gravemente perturbado se a mera proposição de uma acção administrativa determinasse, sem mais, a suspensão “ex lege” dos efeitos jurídicos do acto impugnado, sendo por isso bem mais equilibrado o da sua suspensão provisória (condicionada resolutivamente) previsto 128º do CPTA.”
Esta sua “neutralidade” só pode ser superada através de . providência cautelar.
Que, como acima ficou dito, a recorrente não a instaurou e com as consequências também acima enunciadas.

De qualquer forma, a sentença proferida na acção a em apreço de anulação da declaração de utilidade pública apenas aproveitaria aos seus autores.
Na verdade, em casos como o presente, em que os diversos actos expropriativos foram incorporados num mesmo documento – a declaração de utilidade pública – como se fosse um só acto, estamos perante o que se chama de “actos contextuais”.
E, como escrevem Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e J. Pacheco de Amorim “in” Código do Procedimento Administrativo, 2ª edição, página 265, “sendo os actos administrativos contextuais actos autónomos, entre si, é evidente que cada um deles pode padecer de vícios próprios, mas também podem estar afectados de ilegalidade que afecte a todos – sendo impugnáveis isolada ou cumulativamente pelos vários destinatários, consoante os casos. Note-se que, no caso de impugnação isolada, a sentença anulatória (mesmo que fundada em vício comum) só aproveitaria ao recorrente”.

Entende também a recorrente que todos os pedidos constantes das providências cautelares, bem como das acções administrativas especiais visam também a salvaguarda de direitos imateriais e difusos
Mas isso é irrelevante para a questão em apreço.
Do que acima ficou dito, não podemos deixar de concluir que as providências e acções em causa, mesmo que se entenda que visam também defender “valores e bens constitucionalmente protegidos” – nos termos do nº2 do artigo 9º do CPTA – foram instaurados pelos seus autores enquanto condóminos e para defesa dos seus interesses.
O referido preceito, aliás, apenas dá resposta à questão de saber quem é que pode propor e intervir em processos administrativos principais e cautelares, estipulando que, quando a controvérsia dizer respeito a um valor ou bem constitucionalmente protegidos, qualquer individuo pode arrogar-se a sua defesa.
Os autores daquelas providências e acções podiam invocar a defesa daqueles valores ou bens.
Esse facto, no entanto, não era motivo para suspender o presente processo expropriativo, pelas razões acima aduzidas.

Entende também a recorrente que a simples possibilidade de se vir a verificar uma incompatibilidade de fundo entre julgados pode postular a suspensão da instância ao abrigo da 2ª parte do nº1 do artigo 279º do Código de Processo Civil.
Já dissemos acima que a pendência de procedimentos cautelares e acções administrativas visando a anulação da declaração de utilidade pública não é motivo para a suspensão da instância.
Decidindo assim, é evidente que não se pode agora decidir que a simples possibilidade da incompatibilidade invocada pela recorrente – inerente àquela consideração de não suspensão – tenha como consequência a suspensão.
Se a impugnação da declaração de utilidade pública intentada pela recorrente e outros tiver êxito, esta é destruída – cfr. nº1 do artigo 50º do CPTA – e, portanto, o processo expropriativo em causa ficará sem efeito, não se vendo como poderá haver a apontada incompatibilidade de julgados

É evidente que, tratando-se de fracções de um prédio constituído em propriedade horizontal, o fim da declaração de utilidade pública –a construção de um mercado no local onde o refrido prédio está implantado, com a inerente prévia demolição – não poderá ser concretizado.
E, conforme refere Elias da Costa “in” Guia das Expropriações por Utilidade Pública, 2ª edição, página 231, “se estiver pendente no Tribunal comum processo de expropriação litigiosa, o juiz deve declarar extinta a instância, por impossibilidade superveniente da lide (artigo 287º, alínea e), do Código de Processo Civil), logo que se junte a esse processo certidão de sentença que anule, em definitivo, o acto de declaração de utilidade publica”.
Se o processo de expropriação já estiver findo, fica o mesmo sem efeito, extingue-se a sujeição à expropriação e desaparece o direito à indemnização, como contra valor dos bens a expropriar.
“Não obstante ter readquirido a propriedade do bem que ilegalmente lhe foi subtraído, tem o expropriado direito a uma indemnização que cubra os danos sofridos em virtude da perturbação do gozo do bem” – mesmo autor e obra, a página 323.

Finalmente, entende a recorrente que uma vez que a providência cautelar 1312/05 atinge as partes comuns do edifício, a mesma afecta de forma reflexa a mesma recorrente e impossibilita a concretização do objectivo da expropriação, pelo que é uma causa prejudicial ou justificativa para a expropriação.
Não é assim.
O direito de compropriedade da recorrente em relação às partes comuns é incindível do direito à fracção que lhe pertence – cfr. nº1 do artigo 1420º do Código Civil.
Logo, nunca pode ser atingido pela apontada providência cautelar.
E quanto à relação com a impossibilidade da concretização do objecto da expropriação, relega-se para o que acima foi dito sobre o assunto.

A decisão

Nesta conformidade, acorda-se em negar provimento ao presente agravo e assim, em manter o acórdão recorrido.
Custas pela agravante.

Lisboa, 03 de Julho de 2008


Oliveira Vasconcelos (Relator)
Serra Baptista
Manuel Duarte Soares