APOIO JUDICIÁRIO
DEFERIMENTO TÁCITO
DEFERIMENTO TÁCITO CONTRÁRIO A LEI EXPRESSA
INDEFERIMENTO EXPRESSO
REVOGAÇÃO
Sumário

I - O acto de deferimento tácito que se formou sobre o requerimento de concessão de apoio judiciário formulado pela apelante contrariava lei expressa, já que o artigo 7.°, n.° 3, da Lei 34/2004 veda expressamente a concessão de apoio judiciário a pessoas colectivas com fins lucrativos.
II - Os actos administrativos que sejam inválidos só podem ser revogados com fundamento na sua invalidade e dentro do prazo do respectivo recurso contencioso ou até à resposta da entidade recorrida. artigo 141°, n.° 1, Código de Procedimento Administrativo
III - A comunicação do indeferimento expresso do pedido de apoio judiciário prevalece sobre o acto tácito que se possa ter formado por inércia da administração.
IV - O indeferimento expresso afastou o acto de deferimento tácito, e, no tendo sido impugnado judicialmente nos termos do artigo 27.° da Lei 34/2004, o acto expresso de indeferimento consolidou-se na ordem jurídica.

Texto Integral

Apelação 717/10.1TBSTS

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

1. Relatório

B…, Ld.ª, na acção que lhe foi movida por Massa Insolvente de C…, Ld.ª, interpôs recurso do despacho que indeferiu o pedido de que fosse solicitado à Ordem dos Advogados a nomeação de patrono, por se ter formado acto de deferimento tácito relativamente ao pedido de apoio formulado.

Apresentou as seguintes conclusões:

«1. O objecto primordial do presente recurso é a veemente impugnação do despacho proferido quanto ao indeferimento do deferimento tácito do apoio judiciário pedido pela recorrente nas modalidades de dispensa de taxa de justiça e demais encargos do processo e nomeação e pagamento de compensação de patrono.

2. O prazo para a conclusão do procedimento administrativo e decisão sobre o pedido de protecção jurídica é de 30 dias, contínuo, e não se suspende durante as férias judiciais (artigos 25° n° 1 da Lei n° 34/04, de 29 de Julho).

3. Decorrido o prazo de 30 dias sem que tenha sido proferida uma decisão, considera-se tacitamente deferido e concedido o pedido de protecção jurídica (Artigo 25.° n.° 1 e 2 da mencionada Lei n.° 34/04).

4. Tendo o pedido de apoio judiciário sido formulado e entregue nos serviços da Segurança Social no dia 29 de Abril de 2010, e tendo decorrido mais de 30 dias sobre tal data sem qualquer decisão relativamente ao mesmo, verifica-se que, no caso em apreço o requerido apoio judiciário se considera TACITAMENTE DEFERIDO.

5. Não se poderá sequer atender às notificações da Segurança Social para propostas de decisão (Audiência prévia), ou eventual solicitação de documentos, pois também essas notificações, ocorreram depois dos 30 dias posteriores ao Requerimento de Apoio judiciário, designadamente no dia 12 de Julho de 2010; e quanto ao caso da solicitação de outros/novos documentos para instrução do processo, nem sequer ocorreu, e como tal dever-se-ão considerar nulas, por extemporâneas, para todos os efeitos legais.

6. A vexata quaestio centra-se no deferimento tácito, ocorrido no pedido de apoio judiciário da recorrente, em virtude do óbvio decorrer do prazo de 30 dias subsequentes à formulação do apoio judiciário, sem que a Segurança Social tivesse realizado quaisquer actos tendentes à interrupção desse mesmo prazo, deferimento tácito que o tribunal a quo entendeu não verificar mas, com o devido respeito, erradamente.

7. O Exmo. Juiz do Tribunal a quo fundamentou a sua decisão no conjunto dos elementos carreados para o processo pela Segurança Social.

8. Dos elementos e documentos juntos aos autos pela Segurança Social resulta provado, e de forma categórica, o que a recorrente peticiona, a saber, que foram largamente ultrapassados os prazos para ser proferida decisão de deferimento ou indeferimento, e como tal legitimo se torna invocar e ver-lhe concedido o deferimento tácito.

9. A data da formulação do pedido de Apoio Judiciário foi em 29 de Abril de 2010; já a notificação para Audiência Prévia ocorreu a 12 de Julho 2010, tendo decorrido desde a formulação do pedido de apoio judiciário, até à notificação para audiência prévia 74 dias.

10. O artigo 25.°, n.° 1, da Lei n.° 34/2004, de 29 de Julho, fixa o prazo peremptório de 30 dias para conclusão e decisão do procedimento administrativo respeitante ao pedido de protecção jurídica, cuja apreciação passou a competir aos serviços de segurança social desde a desjudicialização operada pela Lei n.° 30-E/2000.

11. Decorrido esse prazo, considera-se deferido o pedido de pretensão de protecção jurídica formulado (artigo 25°, n.° 2 da Lei n.° 34/2004).

12. O legislador enveredou, neste domínio, pelo regime de deferimento tácito, isto é, por atribuir um efeito jurídico positivo (de assentimento) ao silêncio administrativo, concedendo ao requerente o benefício correspondente à sua pretensão.

13. Verificado que seja o decurso do lapso temporal legalmente fixado sem que o órgão com dever legal de decidir se tenha pronunciado expressamente.

14. Quer a valoração positiva do silêncio administrativo, quer o encurtamento do prazo, são soluções ordenadas a assegurar, no plano procedimental, maior celeridade e mais intensa protecção à garantia de que o acesso à justiça não seja denegado por insuficiência de meios económicos.

15. É o legislador categórico, ao legislar no sentido de a decisão ter que ser tomada pela Administração no prazo de 30 dias subsequentes à formulação do pedido, sob pena de ocorrer o deferimento tácito a que alude o n.° 2 do artigo 25.° da Lei n.° 34/2004.

16. O legislador optou pela cominação do deferimento tácito como meio de compelir a Administração a decidir dentro do prazo.

17. Facto que nos autos não ocorreu, pelo que deverá, conforme peticionado ser concedido o deferimento tácito do Apoio Judiciário peticionado.

18. Deverá também atender-se ao disposto no art. 7° n° 3 da Lei n° 34/04, de 29 de Julho, com as alterações introduzidas pela Lei N° 47/2007 de 28 de Agosto, onde se refere que "as pessoas colectivas com fins lucrativos e os estabelecimentos individuais de responsabilidade limitada não têm direito a protecção jurídica", pressupondo-se ai a suficiência de meios económicos das pessoas colectivas com fins lucrativos e dos estabelecimentos individuais de responsabilidade limitada.

19. Outro entendimento não poderá dai ser retirado, uma vez que o direito à protecção jurídica é um direito fundamental dos cidadãos e pessoas colectivas que, para além de instrumento de defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos, é também elemento integrante do principio material da igualdade e do próprio princípio democrático que, entre outras coisas, exige também a democratização do direito.

20. O sistema de acesso ao direito e aos tribunais, legalmente instituído para os efeitos do disposto no art. 20° da CRP, terá, no mínimo, de garantir de modo adequado e eficaz que, na prática, nenhum cidadão ou pessoa colectiva veja impedido ou dificultado o seu acesso ao direito e em particular à via judiciária por questões económicas.

21. Interpretar a nova redacção do art. 7° n° 3 da Lei 34/2004 cingindo-se apenas à letra da lei, isto é, no segmento que nega protecção jurídica às pessoas colectivas com fins lucrativos, foi julgado inconstitucional, por violação do art.° 20.° n.° 1 da CRP, no âmbito do Acórdão n.° 279/2009, da 2.ª Secção do Tribunal Constitucional.

22. Nesse Acórdão considerou-se que o direito fundamental contido no art.° 20.° da CRP é perfeitamente compatível com a natureza das pessoas colectivas, pelo que a negação absoluta do direito a protecção jurídica ás pessoas colectivas com fins lucrativos em situação de comprovada insuficiência económica consubstancia uma restrição inadmissível ao mesmo, permitindo a denegação de justiça por insuficiência de meios económicos sem justificação jurídico-constitucional relevante.

23. "O direito à protecção jurídica é compatível com a natureza das pessoas colectivas e, nessa medida, também lhes é aplicável. Por isso, não obstante as hesitações jurisprudenciais, deve entender-se que uma normação que vede, em termos genéricos e absolutos, a concessão de patrocínio judiciário gratuito às sociedades que provem que os respectivos custos são consideravelmente superiores às suas possibilidades económicas contraria a universalidade do direito de acesso aos tribunais e, em particular, do direito ao patrocínio judiciário, independentemente da situação económica", referem Jorge Miranda e Rui Medeiros.

24. Atente-se ainda à recomendação do Provedor de Justiça, Alfredo José de Sousa, dirigida ao Ministro da Justiça para que promova a alteração à Lei n.° 34/2004, de 29 de Julho, que regula o regime de acesso ao direito e aos tribunais, no sentido de se permitir a concessão de apoio judiciário ás entidades com fins lucrativos que, provando a sua insuficiência económica, demonstrem que o litigio para o qual é requerido o apoio exorbita da respectiva actividade económica normal, ocasionando custos consideravelmente superiores as possibilidades económicas das mesmas.

25. Deve ser concedido o deferimento tácito à recorrente, com os ulteriores trâmites processuais, designadamente a nomeação de um Patrono, para que a recorrente possa exercer o seu direito constitucionalmente estabelecido.

26. Assim, não resta qualquer dúvida que o despacho proferido pelo Tribunal a quo deve ser totalmente revogada, por manifesto lapso do Tribunal a quo na sua apreciação e, consequentemente, no seu julgamento, e substituída por douto Acórdão proferido por Vossas Excelências que conceda à recorrente o deferimento tácito formulado.

27. Em face deste julgamento da matéria de facto e de direito, que é o correcto, atentos os factos e documentos, deverão Vossas Excelências revogar totalmente o despacho proferido, com a consequente alteração do mesmo, por outro que conceda à recorrente o deferimento tácito formulado.

Nestes termos, e nos que Vossas Excelências mui doutamente suprirão, julgando procedente o presente recurso e julgando em conformidade com as precedentes conclusões, será feita inteira e merecida JUSTIÇA.»

2. Tramitação relevante para a apreciação do recurso:

2.1. B…, Ld.ª, na acção que lhe foi movida por Massa Insolvente de C…, Ld.ª, apresentou o seguinte requerimento:

1.A ré requereu o benefício do apoio judiciário, nas modalidades de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo e nomeação e pagamento da compensação de patrono no dia 29 de Abril de 2010 (cfr. docs. 1 e 2 juntos).

2. Nos termos do n.° 1 do artigo 24° da Lei 34/2004, alterada e republicada pela Lei n.° 47/2007 de 28 de Agosto, e sucessivas alterações, o prazo para a conclusão do procedimento administrativo é de 30 dias, contínuo e não se suspende nas férias judiciais.
3. Assim, tendo decorrido mais de 30 dias, desde a entrada do pedido de Apoio judiciário, o mesmo considera-se tacitamente deferido, bastando a menção em Tribunal da formação do acto tácito, para os ulteriores termos, tudo nos termos dos n.°s 2 e 3 do artigo 24° da Lei 34/2004, alterada e republicada pela Lei n ° 47/2007 de 28 de Agosto, e sucessivas alterações.

4. Pelo exposto requer-se a V. Exa. se digne ordenar a notificação da ordem dos Advogados para proceder à nomeação de mandatário forense, seguindo-se os ulteriores termos processuais.
A GERÊNCIA

2.3. Sobre esse requerimento recaiu o seguinte despacho:

Fls. 50:
Indefiro o requerido atento o teor de fls. 42 a 45.
Notifique, remetendo cópia de fls. 42 a 45 para melhor esclarecimento.
Sem custas, atenta a simplicidade.

2.4. O expediente que consta de fls. 42 a 45 consiste na comunicação efectuada ao Tribunal, datada de 2010.10.13 de que foi indeferido o pedido de apoio judiciário formulado pela apelante, e na comunicação a esta efectuada.

2.5. É o seguinte o teor da comunicação efectuada à apelante, através de ofício datado de 2010.08.03:

«Analisado o requerimento de protecção jurídica, constatou-se que a requerente é uma pessoa colectiva com fins lucrativos.

Foi V. Exa. notificada em sede de audiência prévia, nos termos do disposto no n.° 1 do art.° 89.°, 90.° e 91.° do Código do Procedimento Administrativo, ex vi art.° 37.° da Lei n.° 34/04 de 29 de Julho, com as alterações introduzidas pela Lei n.° 47/2007, para no prazo de 10 dias úteis prestar, por escrito, os esclarecimentos que teve por conveniente, em 03/06/2009, onde expressamente foi informado de que:

Nos termos do disposto no nos termos do disposto no art. 7°, n.° 3 da Lei n.° 34/04 de 29 de Julho com as alterações introduzidas pela Lei n.° 47/2007 de 28 de Agosto "as pessoas colectivas com fins lucrativos e os estabelecimentos individuais de responsabilidade limitada não têm direito a protecção jurídica.

Após ter sido devidamente analisado o pedido formulado pela requerente e pelo exposto, constata-se que a requerente não reúne os requisitos legais para ver deferido o seu pedido de protecção jurídica.

Assim, no uso da competência prevista no art. 20°, n.° 3 da Lei n.° 3412004, de 29 de Julho, com as alterações introduzidas pela Lei n.° 4712007, de 28 de Agosto, INDEFERE-SE o requerido benefício pelos fundamentos supra.

O(a) Técnico(a) Superior,

A decisão sobre o pedido de apoio judiciário não admite reclamação, nem recurso hierárquico ou tutelar sendo susceptível de impugnação judicial — art. 26°, n° 2 da Lei n° 34/2004, de 29 de Julho. A impugnação judicial pode ser intentada directamente pelo interessado, não carecendo de constituição d( advogado, e deve ser entregue no serviço de segurança social que apreciou o pedido de protecção jurídica no prazo de 15 dias após o conhecimento da decisão – art. 27°, n° 1 da cit. Lei.

O pedido de impugnação deve ser escrito, mas não carece de ser articulado, sendo apenas admissível prova documental, cuja obtenção pode ser requerida através do tribunal – art. 27°, n° 2 da cit. Lei. Notifique-se.»

2.6. O pedido de apoio judiciário foi apresentado nos serviços da Segurança Social em 2010.04.29.

3. Do mérito do recurso

O objecto do recurso, delimitado pelas conclusões das alegações (artigo 684.º, n.º 3, e 685.º A, n.º 1 CPC), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 660.º, n.º 2, in fine), consubstancia-se nas seguintes questões:

- apurar se se formou acto de deferimento tácito sobre o pedido de concessão de apoio judiciário formulado pela apelante;

- qual o efeito do acto expresso de indeferimento sobre o acto tácito.

Pretende o apelante que se formou acto tácito de deferimento sobre o seu pedido de concessão de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono junto da Segurança Social por terem decorrido mais de trinta dias sobre a data da apresentação do pedido, considerando irrelevante o acto de indeferimento expresso que lhe foi notificado por ter ocorrido em momento posterior à formação do acto tácito de indeferimento, não o invalidando.

Importa assim apreciar se se formou acto tácito, e qual o efeito do acto expresso de indeferimento sobre aquele acto tácito.

Nos termos do artigo 25.º, n.º 1, da Lei 34/2004, de 29 de Julho, com as alterações introduzidas pela Lei 47/2007, de 28 de Agosto, o prazo para a conclusão do procedimento administrativo e decisão sobre o pedido de protecção jurídica é de 30 dias, é contínuo, não se suspende durante as férias judiciais, acrescentando o n.º 2 que, decorrido o prazo referido no número anterior sem que tenha sido proferida uma decisão, considera-se tacitamente deferido e concedido o pedido de protecção jurídica.

O n.º 3 deste artigo estabelece que, no caso previsto no número anterior é suficiente a menção em tribunal da formação do acto tácito e, quando estiver em causa um pedido de nomeação de patrono, decorrendo da alínea b) que, por se tratar de pedido formulado na pendência da causa, o tribunal solicita à Ordem dos Advogados que proceda à nomeação de patrono.

Foi nesse sentido o requerimento do apelante, cujo indeferimento constitui objecto deste recurso.

Para que se possa aferir da formação do acto tácito, não basta contar o prazo de 30 dias sobre a apresentação do pedido de concessão de protecção judiciária, pois há que descontar os eventuais períodos em que o prazo de produção do acto tácito de deferimento esteja suspenso.

Com efeito, dispõe o artigo 8.º-B, n.º 3, da Lei 34/2004, aditado pela Lei 47/2007, que se todos os elementos necessários à prova da insuficiência económica não forem entregues com o requerimento de protecção jurídica, os serviços da segurança social notificam o interessado, com referência expressa à cominação prevista no número seguinte, para que este os apresente no prazo de 10 dias, suspendendo-se o prazo para a formação de acto tácito.

Na mesma linha, o artigo 1º, nº 3, da Portaria 1085-A/2004, de 31 de Agosto, dispõe que, sem prejuízo do pedido de apresentação de provas a que haja lugar nos termos da lei, a falta de entrega dos documentos referidos nos números anteriores suspende o prazo de produção do deferimento tácito do pedido de protecção jurídica.

Aliás, nos termos do artigo 108.º, n.º 4, Código de Procedimento Administrativo (CPA), ex vi artigo 37.º da Lei 34/2004 [manda aplicar subsidiariamente as disposições de concessão da protecção jurídicas disposições do CPA em tudo o que não esteja regulamentado na presente lei], o cômputo dos prazos para a formação de acto tácito de deferimento se suspendem sempre que o procedimento estiver parado por motivo imputável ao particular.

Por essa razão, o n.º 4 do citado artigo 25.º determina que o tribunal confirma junto da Segurança Social a formação do acto tácito, devendo os serviços responder no prazo de dois dias úteis.

Os autos não fornecem elementos suficientes para que se possa aferir da formação do acto tácito de deferimento do pedido de concessão de apoio judiciário, pois tal informação não foi solicitada (rectius, não consta dos autos que o tenha sido).

E não o foi eventualmente porque entretanto foi comunicado o indeferimento expresso da pretensão do apelante.

O que nos remete para a segunda questão enunciada: se o deferimento tácito formado nos termos do artigo 25.º da Lei 34/2004 pode ser revogado por posterior indeferimento expresso.

A solução há-de ser encontrada no Código do Procedimento Administrativo, subsidiariamente aplicável.

Os actos administrativos, válidos ou inválidos (anuláveis, mas não os nulos), podem ser revogados, nos termos dos artigos 138.º e ss. CPA.

O acto de deferimento tácito que se formou sobre o requerimento de concessão de apoio judiciário formulado pela apelante contrariava lei expressa, já que o artigo 7.º, n.º 3, da Lei 34/2004 veda expressamente a concessão de apoio judiciário a pessoas colectivas com fins lucrativos.

Dispõe o artigo 141.º, n.º 1, CPA, que os actos administrativos que sejam inválidos só podem ser revogados com fundamento na sua invalidade e dentro do prazo do respectivo recurso contencioso ou até à resposta da entidade recorrida.

A revogação pode ser expressa ou implícita.

Como se lê no ponto III do sumário do acórdão do STA, de 2003.11.27, António Samagaio, www.dgsi.pt.jsta, proc. 0337/02,

«Verifica-se revogação expressa quando o acto revogatório se refere ao acto revogado, para o eliminar da ordem jurídica, contrariamente ao que sucede com a revogação implícita em que o acto secundário não se refere ao acto primário mas consagrando uma decisão de sentido contrário àquele que, por incompatibilidade, o elimina, também, da ordem jurídica».

A comunicação do indeferimento expresso do pedido de apoio judiciário prevalece sobre o acto tácito que se possa ter formado por inércia da administração.

Após ter afirmado que a prolação do acto expresso faz desaparecer o acto tácito, lê-se no acórdão do STA, de 2002.10.09, Costa Reis, www.dgsi.pt.jsta, proc. 047598,

«E fê-lo desaparecer porque o acto tácito constitui uma manifestação de vontade presumida (1) "A lei, em certas circunstâncias manda interpretar para certos efeitos a passividade ou o silêncio de um órgão administrativo como significando o deferimento ou o indeferimento do pedido sobre o qual tinha obrigação de se pronunciar." - Prof. M. Caetano, Manual de Direito Administrativo, 10ª ed., pg. 474 e, porque assim é, a manifestação expressa da vontade contrária à vontade presumida faz com que deixe de fazer sentido falar em vontade presumida. Havendo vontade real expressa através de um acto administrativo deixa de haver vontade presumida.
Todavia, e ao invés do que uma leitura apressada do que se acaba de dizer poderia levar a concluir, a prolação de acto expresso não significa por si só que este seja legal e que, portanto, o acto tácito esteja definitivamente arredado da ordem jurídica.
Na verdade, a revogação dos actos administrativos, ainda que estes sejam tácitos, está sujeita à disciplina prevista nos artºs 138.º e segs. do CPA (designadamente dos seus artºs 140.º e 141.º), pelo que essa revogação pode ser contenciosamente impugnada - se, por ex., não respeitar a mencionada disciplina - e desta impugnação pode resultar decisão judicial que anule o acto expresso revogatório. E se assim for essa anulação tem por consequência a repristinação do acto tácito.
Ou seja, o acto revogatório só se consolida na ordem jurídica se não for judicialmente impugnado ou se, sendo-o, essa impugnação não tiver êxito.
Nesta conformidade, o interessado, notificado do acto expresso, deve reagir à prolação deste, impugnando-o contenciosamente - se considerar que o mesmo é ilegal - e pugnar pela manutenção do acto tácito. (…)».

O que aqui se diz aplica-se, mutatis mutandis, ao acto de indeferimento expresso do pedido de apoio judiciário.

Por outras palavras, o indeferimento expresso afastou o acto de deferimento tácito, e, não tendo sido impugnado judicialmente nos termos do artigo 27.º da Lei 34/2004, o acto expresso de indeferimento consolidou-se na ordem jurídica.

Era no âmbito dessa impugnação que deveria ter sido suscitada a questão da inconstitucionalidade do artigo 7.º, n.º 3, da Lei, não sendo este recurso a sede própria para o efeito.

No sentido de que o acto de deferimento tácito do pedido de apoio judiciário pode ser revogado por posterior indeferimento expresso pronunciaram-se os acórdãos da Relação do Porto, de 2010.02.22, Maria de Deus Correia; de 2008.05.08, Teles de Menezes; 2008.03.27, Pinto de Almeida; 2007.03.28, Élia São Pedro; e de 2007.01.31, Paula Leal de Carvalho, em www.dgsi.pt.jtrp, proc. 58/09.7TBPFR-B, 0832062, 0831359, 0710310 e 0645010, respectivamente.

Tendo a resposta à segunda questão formulada sido afirmativa, torna-se desnecessário apurar se efectivamente se formou o acto tácito, pois, a ter tal facto ocorrido, ele teria sido afastado pelo indeferimento expresso.

Improcede, pois, a apelação.

4. Decisão

Termos em que, julgando a apelação improcedente, confirma-se a decisão recorrida.

Custas pela apelante.

Porto, 2011.10.25
Márcia Portela
Manuel Pinto dos Santos
Ondina de Oliveira Carmo Alves
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Sumário:
1. O acto de deferimento tácito que se formou sobre o requerimento de concessão de apoio judiciário formulado pela apelante contrariava lei expressa, já que o artigo 7.º, n.º 3, da Lei 34/2004 veda expressamente a concessão de apoio judiciário a pessoas colectivas com fins lucrativos.
2. Dispõe o artigo 141.º, n.º 1, CPA, que os actos administrativos que sejam inválidos só podem ser revogados com fundamento na sua invalidade e dentro do prazo do respectivo recurso contencioso ou até à resposta da entidade recorrida.
3. A comunicação do indeferimento expresso do pedido de apoio judiciário prevalece sobre o acto tácito que se possa ter formado por inércia da administração.
4. O indeferimento expresso afastou o acto de deferimento tácito, e, não tendo sido impugnado judicialmente nos termos do artigo 27.º da Lei 34/2004, o acto expresso de indeferimento consolidou-se na ordem jurídica.

Márcia Portela