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CONTRATO DE TRABALHO A TERMO INCERTO
ACTIVIDADE SAZONAL
ACRÉSCIMO DA ACTIVIDADE
MOTIVAÇÃO
Sumário
I - A tarefa do tribunal, na incursão sobre a validade do termo aposto ao contrato de trabalho, impõe duas análises distintas: (i) a de saber se o texto contratual obedece ao pressupostos legais da contratação a termo; (ii) a de saber se o motivo invocado e o prazo previsto têm correspondência com a realidade prestacional do trabalhador contratado e com a conjuntura laboral da empresa. II - A necessidade da verificação cumulativa dos referidos pressupostos constitui um mero corolário do carácter excepcional da contratação a termo e do princípio da tipicidade funcional emergente do art. 129.º do Código do Trabalho: o contrato a termo só é admitido para certos fins e na estrita medida em que esses fins o justifiquem. III - Incumbe ao empregador o ónus da prova sobre a veracidade do motivo justificativo do recurso à contratação precária - art. 130.º, n.º 1 do Código do Trabalho. IV - A motivação prevista na alínea e) do n.º 2 do art.º 129.º do CT - “actividades sazonais ou outras actividades cujo ciclo anual de produção apresente irregularidades decorrentes da natureza estrutural do respectivo mercado, incluindo o abastecimento de matérias-primas” - contempla duas situações diferenciadas: por um lado, o carácter sazonal da própria actividade a que a empresa se dedica; de outra banda, o carácter regular do ciclo anual da sua produção, decorrente da estrutura do respectivo mercado. V - Actividade sazonal é aquela que só surge em determinado período do ano, necessariamente limitado, perdendo posteriormente a sua utilidade. VI - Em contrapartida, o ciclo de produção legalmente atendível é o ciclo anual, tornando-se ainda mister que as suas irregularidades decorram da natureza estrutural - que não conjuntural - do respectivo mercado. VII - Ambas as situações pressupõem uma natureza cíclica, previsível e regular. VIII - Falar-se em actividade sazonal impõe a obrigatória referência, no contrato, à época do ano durante a qual se desenvolve a actividade, uma vez que tal conceito é incompatível com o exercício da actividade durante todo o ciclo anual. IX - Não cumpre a exigência legal de concretização do motivo para a contratação precária, na primeira situação, o simples apelo à “actividade sazonal” da empresa, como sucede com um contrato de trabalho a termo incerto celebrado em 31 de Janeiro de 2005 e justificado “…pela actividade da empresa ser uma actividade sazonal, que este ano apresenta um ciclo anormal de grande acréscimo neste primeiro semestre, o qual exige um maior número de funcionários na empresa …”, restando como atendível o segundo motivo invocado neste mesmo texto, que se mostra devidamente factualizado. X - Este segundo motivo invocado não se reconduz, contudo, à citada alínea e) do n.º 2 do art.º 129.º do CT (na medida em que alude a um grande e anormal acréscimo da procura, o que é incompatível com a natureza cíclica e regular pressuposta nesta hipótese legal), mas à sua alínea f) - “acréscimo excepcional da actividade da empresa” -, não estando inviabilizada a ponderação da sua veracidade pelo incorrecto apelo à previsão legal. XI - Deve considerar-se inverídico o motivo invocado, se a factualidade apurada demonstra que o primeiro semestre de 2005 foi, no confronto com os semestres homólogos dos anos anteriores, aquele que registou, afinal, um índice de procura mais baixo, não estando demonstrado que as previsões da ré se baseassem em índices que não vieram a confirmar-se.
Texto Integral
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:
1- RELATÓRIO
1-1
AA intentou, no Tribunal do Trabalho de Viseu, acção declarativa de condenação, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho, contra “BB – Termas de S. Pedro do Sul, EM”, pedindo se declare que o contrato aprazado entre as partes é um contrato de trabalho sem termo – com fundamento na inveracidade do motivo aposto no texto negocial para justificar a precariedade do vínculo – com a consequente ilicitude do despedimento de que diz ter sido alvo por parte da Ré, de quem reclama, por via disso, a sua reintegração nos quadros da empresa e o pagamento das componentes indemnizatórias – por pretensos danos não patrimoniais – e retributiva discriminada no petitório inicial.
A Ré contraria a versão do Autor, sustentando a veracidade do motivo aduzido no texto do convénio e, em consequência disso, a plena legalidade da concertada contratação precária e da sua ulterior cessação. 1.2.
Sufragando por inteiro a tese da Ré, a 1ª instância concluiu pela improcedência total da acção.
Ao invés, o Tribunal da Relação de Coimbra, sob o impulso apelatório do Autor, veio a conceder parcial provimento ao recurso e, consequentemente, à acção, revogando a sentença da 1ª instância e decidindo:
“- Declarar que o contrato a termo incerto celebrado entre A. e Ré em 31/1/05 se converteu em contrato sem termo, por força da lei;
- Determinar, consequentemente, que a declaração de caducidade, emitida pela Ré, de tal convénio configura um despedimento ilícito, desde logo porque não precedido de procedimento disciplinar;
- Condenar a Ré a reconhecer essa ilicitude e a reintegrar o A. nos seus quadros, com efeitos a partir de 31/1/05, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade;
-Condenar a Ré a pagar ao A. as remunerações que ele deixou de auferir desde Abril de 2005 (inclusive) até ao trânsito em julgado desta decisão, o que, já operado o abatimento da aludida quantia de € 289,60, perfaz, até 31/5/07 e tendo em atenção a remuneração ilíquida que se provou ser a auferida pelo apelante, a quantia global de € 6.662,56, a que se deverá descontar o que o A. (eventualmente) recebeu a título de subsídio de desemprego, cujo montante será entregue pelo empregador à segurança social (cfr., nomeadamente, arts. 211º n.ºs 1 e 4, 212º n.º 1, 254º n.º 1 e 255º n.ºs 1 e 2 e 437º n.º 3);
- Absolver a ré no que concerne ao restante peticionado”. 1.3.
Desta feita o inconformismo da Ré, que pede a presente revista, onde convoca o seguinte núcleo conclusivo:
1- a recorrente tem por objecto a gestão e exploração das termas de São Pedro do Sul.
2- em Dezembro e Janeiro, a frequência de utentes destas termas é quase nula: em Fevereiro regista um aumento acentuado, em relação ao mês anterior, voltando a registar-se um aumento significativo em Março; daí até Junho continua o aumento, atingindo o máximo de utentes nos meses de Julho a Setembro.
3- A partir deste mês, começa a registar-se uma progressiva diminuição, atingindo essa diminuição o seu máximo em Dezembro e Janeiro para, a partir de Fevereiro, voltar novamente a crescer, no ritmo referido.
4- Trata-se, portanto, de uma actividade sujeita a variações, em função do ritmo das estações do ano.
5- Ela tem, ciclicamente, a sua época alta – o verão – e este ciclo é previsível e regular.
6- Logo, a actividade exercida pela recorrente tem de considerar-se de natureza sazonal. Ora
7- A lei permite a contratação a termo certo ou a termo incerto na hipótese de actividades sazonais – arts. 129º n.º 2 al. E) e 143º al. D) do C.T..
8- Assim, ao indicar-se expressamente, no contrato outorgado, que foi o facto de a actividade exercida pela recorrente ser uma “actividade amplamente sazonal” que conduziu à contratação a termo, esta encontra-se suficientemente justificada.
9- Por sua vez, caracterizando-se como sazonal a actividade da recorrente, era legitimo a esta celebrar, em fins de Janeiro, um contrato a termo, para as mesmas funções que o recorrido tinha exercido, no âmbito do contrato a termo que havia cessado em Dezembro de 2004, não se lhe aplicando, por força da al. c) do n.º 2 do art.º 132º do C.T., a proibição prescrita no n.º 1 do mesmo normativo.
10- Assim, o douto acórdão “sub judice”, ao não reconhecer a validade do contrato de trabalho a termo em causa, fez uma errada e incorrecta interpretação e aplicação da al. D) do n.º 2 do art.º 129º, do n.º 4 do art. 131º, da al. C) do n.º 2 do art. 132º e al. d) do art.º 143º, todos do C.T..
14- Pelo que deve ser revogado e, em consequência, ser a recorrente absolvida “in integrum” do pedido, confirmando-se, assim, a douta sentença proferida na 1ª instância. 1.4.
O Autor contra-alegou, sustentando a improcedência do recurso e a consequente confirmação do julgado. 1.5.
No mesmo sentido – e com expressa discordância da Ré – se pronunciou a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta. 1.6.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
2- FACTOS
As instâncias fixaram, pacificamente, a seguinte factualidade:
1- no dia 31/1/05, A. e R. reduziram a escrito um contrato de trabalho entre ambos celebrado, por via do qual aquele passou, a partir desse mesmo dia, a executar por conta, sob a responsabilidade, ordem e direcção daquela, as funções de auxiliar de balneoterapia, executando, nos estabelecimentos balneares da Ré, os tratamentos prescritos pelo corpo clínico, de acordo com as indicações do seus superiores hierárquicos;
2- foi estabelecido que o A. auferia mensalmente a quantia ilíquida referente ao índice 137 da escala salarial da R., que correspondia, na data da assinatura do contrato, a €434,51;
3- o contrato em causa foi designado por “Contrato a Termo Incerto”, constando da cláusula segunda:
“o presente contrato é celebrado a termo incerto, segundo a alínea c) do n.º 2 do art.º 132º e da alínea d) do art.º 143º; o termo justifica-se pela actividade da empresa ser uma actividade sazonal, que este ano apresenta um ciclo anormal de grande acréscimo neste primeiro semestre, o qual exige um maior número de funcionários na empresa, de modo a manter os níveis de qualidade e satisfação dos utentes, que só poderá ser conseguido com o número de funcionários a desempenhar funções na empresa até ao final deste volume de actividade”;
4- o A. foi contratado como trabalhador de balneoterapia a partir de 31/1/05, tendo-se mantido ao serviço da R. até 20/12 do mesmo ano;
5- gozou férias de 21/11 a 20/12/05;
6- a R. é uma empresa municipal, constituída em 2004, que tem como objecto principal a gestão e exploração das termas de S. Pedro do Sul;
7- a R. entregou ao A. o documento junto a fls. 17, datado de 31/10/05, no qual, invocando o art. 389º do C.T., comunicava que o contrato a termo incerto iria caducar no dia 20/12/05;
8- a título de compensação pela cessação do contrato, a R. pagou ao A. a quantia de € 289,60;
9- num total de 23.375 aquistas em 2005, a R. prestou serviços termais a 9.293 no 1º semestre e a 4.082 no 2º semestre;
10- segundo os dados tornados públicos pela Ré, são os seguintes os números de frequência dos estabelecimentos termais da R. em 2005, de Janeiro a Dezembro, respectivamente: 407; 800; 1649; 1989; 2291; 2157; 2462; 2533; 3421; 2851; 2403; 412;
11- a frequência termal das termas de S. Pedro do Sul, nos últimos 5 anos, segundo números publicados pela C.M. de S. Pedro do Sul, foi a seguinte, também de Janeiro a Dezembro respectivamente: 2001 – 311; 647; 1924; 1920; 2183; 2980; 2881; 3302; 3287; 3206; 2403; 298; 2002 – 382; 857; 1801; 2618; 2375; 1325; 2823; 3451; 3225; 2292; 1727; 379; 2003 – 471; 799; 2093; 1942; 2175; 2329; 2537; 3052; 2802; 2200; 929; 223; 2004 – 465; 815; 1641; 2200; 2534; 2325; 2757; 3468; 3088; 2119; 1002; 176; 2005 – 407; 800; 1649; 1989; 2291; 2157; 2462; 3523; 3421; 2851; 1403; 412;
12- até meados dos anos de oitenta, a época termal ia de Abril ou Maio a Outubro, estando o balneário encerrado alguns meses no ano;
13- desde meados dos anos oitenta, os estabelecimentos termais da R., nas Termas de S. Pedro do Sul, permanecem abertas e funcionando durante todo o ano. Mas, nos meses de Dezembro, Janeiro e Fevereiro, apenas um dos balneários se encontra aberto;
14- o maior movimento de aquistas, que procuram as termas de S. Pedro do Sul, regista-se entre os meses de Fevereiro a Novembro de cada ano;
15- em 15/3/04, o A. tinha sido admitido ao serviço da R., mediante contrato junto a fls. 18 e 19;
16- consta desse acordo, cujo teor se dá por reproduzido, que era celebrado por um prazo de 6 meses e cessava no fim do prazo fixado, não estando sujeito a qualquer renovação;
17- o motivo justificativo do termo constava da cláusula 2ª:
“em virtude da actividade da empresa ser uma actividade amplamente sazonal, que apresenta acréscimo excepcional de actividade no período balnear termal ditado por um aumento substancial do número de utentes, o qual exige um maior número de funcionários na empresa de modo a manter os níveis de qualidade e satisfação dos utentes, que só poderia ser conseguido com um acréscimo transitório do número de funcionários a desempenhar funções na empresa e que se prevê retome a normalidade no prazo aproximadamente de 6 meses”;
18- no âmbito desse contrato, o A. manteve-se ao serviço da R. até 9/12/04, em virtude desta ter comunicado que o contrato caducava naquela data;
19- no âmbito daquele contrato, o A. gozou férias de 3/12 a 9/12/04;
20- o A. sentiu-se vexado socialmente com o comportamento da Ré;
21- tinha trabalhado todos os anos, como profissional de balneoterapia, nas termas de S. Pedro do Sul, inicialmente para a C. Municipal, depois para a ora R., há mais de 17 anos;
22- chegou a ser nomeado responsável pelo serviço de Hidroterapia (Balneoterapia) do Piso I (Cabines /0RL) – 612, quando ainda não estava constituída a Ré e a concessão termal era gerida por administração directa do Município;
23- a cessação do contrato em 2005 causou ao A. nervosismo e falta de auto-estima, sentindo-se envergonhado perante colegas, familiares e amigos, passando largos períodos de solidão.
São estes os factos.
3- DIREITO
3.1.
A precedente exposição já evidencia que a divergência nuclear das partes, relativamente à questão que corporiza o objecto da demanda, se circunscreve à “veracidade” ou “inveracidade” do motivo, elencado no convénio negocial, para justificar a contratação precária do Autor.
Segundo o demandante, tal motivo é falso por uma dupla razão:
- a actividade da Ré não pode ser havida como sazonal mas, ainda que o fosse, sempre é certo que a factualidade provada não veio demonstrar o aduzido “grande acréscimo” de procura dos seus serviços durante o 1º semestre de 2005, sendo de notar, ademais, que a contratação nem sequer coincidiu com esse lapso temporal.
Em contrapartida, acentua a Ré o carácter notoriamente sazonal do termalismo, do mesmo passo que se afadiga em tentar demonstrar que a duração do vínculo coincidiu, justamente, com o período de maior procura dos seus serviços.
Também já sabemos que as instâncias divergiram na solução do pleito: em suma, a 1ª instância sufragou a tese da Ré, enquanto a Relação subscreveu o entendimento do Autor.
Saliente-se que a Ré, na presente revista, não questionou a reparação retributiva fixada no Acórdão em crise: a sua censura focaliza-se a montante dessa problemática, ou, dito de outro modo, dirige-se apenas ao segmento decisório que afirmou a invalidade da contratação operada.
Queremos com isso significar que a eventual confirmação do Acórdão, relativamente ao mencionado segmento, consequencia também a necessária confirmação das consequências reparatórias que o Aresto extraiu daquela acolhida invalidade. 3.2.1.
Formalizado que em 31 de Janeiro de 2005, o contrato de trabalho em análise está submetido à disciplina constante do Código do Trabalho, que entrou em vigor no dia 1 de Dezembro de 2003 – arts. 3º n.º 1 e 8º da Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto.
As normas atinentes à celebração de contratos a termo constam dos arts. 127º e segs. do mencionado compêndio.
Nos termos do seu art. 129º n.º 1, “o contrato de trabalho a termo só pode ser celebrado para a satisfação de necessidades temporárias da empresa e pelo período estritamente necessário à satisfação dessas necessidades”.
Por outro lado, a vinculação precária está sujeita à concretização dos factos e circunstâncias que integram o motivo justificativo da sua celebração, dispondo o art. 131º n.º 1 al. E) do C.T. que do contrato a termo deve constar, além do mais, a “indicação do termo estipulado e do respectivo motivo justificativo”.
Mais especifica o seu n.º 3:
“Para efeitos da alínea E) do n.º 1, a indicação do motivo justificativo da aposição do termo deve ser feita pela menção expressa dos factos que o integram, devendo estabelecer-se a relação entre a justificação invocada e o termo estipulado”.
E assim conclui o seu n.º 4:
“Considera-se sem termo o contrato em que falte a redução a escrito, a assinatura das partes, o nome ou denominação ou, simultaneamente, as datas da celebração do contrato e de início do trabalho, bem como aquele em que se omitam ou sejam insuficientes as referências exigidas na alínea E) do n.º 1”.
À semelhança do que já ocorria no regime de pretérito – arts. 41º e segs. do D.L. n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro (L.C.C.T.) – também agora a tarefa do tribunal, na incursão sobre a validade da estipulação do termo contratual, pressupõe, como se vê, duas análises distintas:
- a de saber, a montante do mais, se o texto contratual obedece aos pressupostos legais da contratação a termo;
- ultrapassado, sem mácula, esse crivo liminar, a de saber se o motivo invocado e o prazo previsto têm correspondência com a realidade prestacional do trabalhador contratado e com a conjuntura laboral da empresa.
Trata-se de conferir, respectiva e sucessivamente, a conformação legal da contratação – cuja análise tem como objecto exclusivo o texto contratual – e a veracidade do motivo aduzido – cuja aferição se reporta, em exclusivo, à prova que vier a ser produzida na acção.
A necessidade de verificação cumulativa dos referidos pressupostos constitui um mero corolário do carácter excepcional da contratação a termo e do princípio da tipicidade funcional emergente do mencionado art.º 129º: o contrato a termo só é admitido para certos fins e na estrita medida em que esses fins a justifiquem.
Saliente-se, por fim, que a prova da aludida veracidade cabe ao empregador – art. 130º n.º 1 do C.T.. 3.2.2.
Já sabemos que a lei só permite a contratação precária “... para a satisfação de necessidades temporárias da empresa”.
Depois de enunciar este princípio geral no n.º 1 do citado art.º 129º, a lei elabora, no n.º 2 do preceito, um quadro exemplificativo das situações nele enquadráveis.
Por virtude do apelo legal anunciado no texto do convénio, verifica-se que a contratação do Autor foi enquadrada na previsão constante da alínea E) daquele n.º 1, onde se estatui que a contratação a prazo pode ter lugar no caso de “actividades sazonais ou outras actividades cujo ciclo anual de produção apresente irregularidades decorrentes da natureza estrutural do respectivo mercado, incluindo o abastecimento de matérias primas”.
Parece claro que o preceito transcrito contempla duas situações diferenciadas: por um lado, o carácter sazonal da própria actividade a que a empresa se dedica; de outra banda, o carácter irregular do ciclo anual da sua produção, decorrente da estrutura do respectivo mercado.
Com efeito, actividade sazonal é aquela que só surge em determinado período do ano, necessariamente limitado, perdendo posteriormente a sua utilidade (cfr. Ac. Rel. Lisboa de 12/6/85 in B.T.E., 2ª Série, n.ºs 7 a 87, pág. 1182).
Em contrapartida, o ciclo de produção legalmente atendível é o ciclo anual, tornando-se ainda mister que as suas irregularidades decorram da natureza estrutural – que não conjuntural – do respectivo mercado.
Apesar disso, compreende-se que o legislador tenha equiparado as duas situações, por evidente analogia entre ambas:
- mesmo sem ter por objecto o exercício de uma actividade conceitualmente sazonal, uma empresa pode conhecer picos de produção ao longo do ano “... em razão do ritmo das estações ou de modo de vida colectivo”, conforme adverte Júlio Vieira Gomes (in “Direito do Trabalho”, 1º vol., 2007, pág. 595, nota 1518).
Aliás, este autor justifica mesmo a aproximação histórica entre os dois conceitos:
“A noção de actividades sazonais parece ter começado por cingir-se às estações do ano, em termos climatéricos e às suas repercussões em certas actividades, mormente na agricultura (colheitas, sementeiras), estendendo-se depois a outras indústrias em que a actividade também depende da estação do ano (pense-se no turismo balnear ou em certas actividades de turismo de Inverno, como as estâncias de esqui ou na produção de queijos dependente da qualidade do leite, por sua vez condicionada pelo estado dos pastos). A noção foi progressivamente ampliada, abrangendo a pouco e pouco situações cíclicas de aumentos de procura ou relativas, como a letra da lei sugere, ao abastecimento de matérias-primas” (ob. cit., pág. 595).
Em qualquer dos casos, uma coisa é certa: as situações em análise pressupõem uma natureza cíclica, previsível e regular. 3.2.3.
No caso dos autos, recordemos que o motivo, elencado no convénio para a precária contratação do Autor, ficou ali justificado “... pela actividade da empresa ser uma actividade sazonal, que este ano apresenta um ciclo anormal de grande acréscimo neste primeiro semestre, o qual exige um maior número de funcionários na empresa ...” (sublinhados nossos).
A transcrita justificação consente duas interpretações:
- ou se entende que são apresentados dois motivos distintos (actividade sazonal da empresa; ciclo anormal de grande acréscimo no referido semestre);
- ou se considera que foi contemplado um único motivo (grande e anormal acréscimo da procura, servindo a primeira referência – actividade sazonal – apenas para compreender aquele assinalado fenómeno).
No primeiro caso, parece de todo evidente que o simples apelo à “actividade sazonal” da empresa não cumpre a exigência legal de concretização do motivo justificativo da limitação no tempo do vínculo aprazado.
É que tal exigência não se satisfaz, por regra, com a simples reprodução das fórmulas legais que, ao consubstanciarem conceitos indeterminados, incluem um leque alargado de situações de facto, inviabilizando a necessária sindicância sobre o motivo em concreto.
Falar-se em “actividade sazonal” impõe a obrigatória referência à época do ano durante a qual se desenvolve a actividade da empresa, pois já sabemos que tal conceito é incompatível com o exercício dessa actividade durante todo o ciclo anual.
Assim, nesta leitura do texto negocial – e como aquela referência foi de todo omitida – resta, como atendível, o seguinte motivo aduzido.
Mas, ainda que venha a acolher-se a segunda interpretação, nem por isso as coisas se passam de maneira diferente: nessa hipótese, mal se percebe que a pretensa actividade sazonal da Ré tenha algo a ver com o “grande e anormal” acréscimo da procura; o que se tornava curial seria justamente o contrário, ou seja, que a invocada sazonalidade implicasse um aumento cíclico, previsível e regular dessa procura.
Serve o exposto para concluir que, no caso em apreço, o único motivo atendível é aquele que se mostra devidamente factualizado: ciclo anormal de grande acréscimo na procura dos serviços da Ré durante o primeiro semestre de 2005.
Nesse caso, porém, o enquadramento legal já não seria o da alínea E) do n.º 1 do art. 129º, mas o da sua al. F), em que a lei, para efeitos de contratação precária, também protege – se não por maioria, ao menos por identidade de razão – “o acréscimo excepcional da actividade da empresa”.
Aqui chegados, resta conferir a veracidade do assinalado motivo, com a certeza de que o incorrecto apelo à previsão legal não deve, só por si, inviabilizar essa sobredita ponderação.
É altura de salientar que nenhuma das instâncias, tal como as partes, fizeram um enquadramento jurídico semelhante ao que deixámos exposto: porém, nenhum constrangimento alegatório pode inviabilizar o juízo produzido, tanto quanto é certo que nos movemos no domínio puro da indagação, interpretação e aplicação do complexo normativo atendível – artigo 664º do Cod. Proc. Civil, aplicável ex vi arts. 713º n.º 3 e 726 do mesmo C.P.C.. 3.2.4.
Na parte ora útil, a matéria de facto contém uma decisiva referência ao movimento registado pelos estabelecimentos termais da Ré, em S. Pedro do Sul, durante os anos de 2001 a 2005 – facto n.º 11.
Compulsando os respectivos gráficos, verifica-se que o movimento ali registado, com reporte ao 1º semestre de cada ano, foi o seguinte:
Ano de 2001 – 9.564
Ano de 2002 – 9.358
Ano de 2003 – 9.809
Ano de 2004 – 9.980
Ano de 2005 – 9.293
Analisando a evolução reproduzida, conclui-se que o 1º semestre de 2005 foi, no confronto com os semestres homólogos dos anos anteriores, aquele que registou, afinal, um índice de procura mais baixo.
Justamente o oposto daquilo que motivou a contratação a termo do Autor.
E, se, porventura, as previsões da Ré, aquando da colaboração do convénio, se basearam em índices – designadamente reservas – que não vieram a confirmar-se, a ela cabia alegar e provar a factualidade correspondente.
Regressando aos gráficos reproduzidos, o que se evidencia, de forma bem patente, é que o aumento da procura ocorria, de forma cíclica e regular, durante os 2ºs semestres do ano, comparativamente aos 1ºs semestres.
Mas, ao contrário do que daí poderia resultar, a contratação do Autor ocorreu no final de Janeiro e inseriu-se na estratégia da Ré para corresponder ao “grande” e “anormal” acréscimo da procura desse 1º semestre que – já se viu – não ocorreu.
Por outro lado, tal contratação perdurou até 20/12/2005, sendo que essa circunstância também não evidencia a menor correspondência entre a justificação invocada e a duração do vínculo.
A analisada factualidade demonstra à saciedade, a inveracidade do motivo em análise.
Ademais, essa factualidade também esclarece que a Ré tem vindo continuamente a laborar durante todo o ano desde meados da década de oitenta.
Ora, não se comprovando o “acréscimo excepcional” da actividade da Ré nem, tão pouco, a natureza “sazonal” dessa actividade, também é seguro que a demandada não poderia celebrar o questionado contrato com o Autor, visto que o anterior convénio, com motivação idêntica, destinado a preencher o mesmo posto de trabalho e feito cessar por sua iniciativa, perdurara até 9 de Dezembro de 2004 – factos n.ºs 15 a 19 – (art. 132º n.ºs 1 e 2 als. B) e C) do C.T..
Bem andou, pois, a Relação ao considerar que o contrato de trabalho a termo incerto, celebrado entre as partes em 31 de Janeiro de 2005, se converteu em contrato por tempo indeterminado, com as consequências – não questionadas nesta sede – que daí retirou.
4- DECISÃO
Em face do exposto, nega-se a revista e confirma-se, embora com fundamentação parcialmente diversa, o Acórdão impugnado.Custas pela recorrente.Lisboa, 10 de Julho de 2008