Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
ACÇÃO DE DIVISÃO DE COISA COMUM
COMPROPRIEDADE
COMPROPRIETÁRIO
DIREITO DE PREFERÊNCIA
EXPROPRIAÇÃO
EXPROPRIAÇÃO POR UTILIDADE PARTICULAR
LEGITIMIDADE PARA RECORRER
RECURSO SUBORDINADO
Sumário
1. Só pode interpor recurso, ainda que subordinado, quem tenha ficado vencido, relativamente à decisão impugnada, que seja total ou parcialmente desfavorável; 2. Não tem legitimidade para recorrer a parte cuja esfera jurídica em nada é atingida pela decisão recorrida; 3 A atribuição do direito de preferência aos comproprietários, em caso de venda ou dação em cumprimento a terceiros da quota de qualquer dos seus consortes, tem como objectivo a redução do número de proprietários, de acordo com a ideia de que a propriedade singular permite o melhor aproveitamento da coisa; 4. Não tem apoio, nem na letra, nem no espírito da lei, a extensão do direito de preferência aos comproprietários em caso de alienação total a terceiros de prédio em regime de compropriedade; 5. Essa negação não implica nenhuma expropriação por utilidade particular, mesmo que a alienação tenha sido determinada em acção de divisão de coisa comum que foi julgada indivisível.
Texto Integral
Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça:
1. Em 6 de Setembro de 2000, AA e mulher, BB, propuseram contra CC, DD, EE e FF e marido, GG, uma acção de divisão de coisa comum do prédio, devidamente identificado nos autos, de que os autores e a 1ª, 2ª e 4ª rés e o 3º réu são comproprietários, bem como de benfeitorias nele realizadas.
A fls. 132, foi admitida a intervenção da mulher do réu HH, II e, a fls. 145, de JJ e marido, KK.
Após diversas vicissitudes, entre as quais a apresentação de nova petição inicial, a fls. 308, foi determinado, nos termos do disposto no nº 3 do artigo 1053º do Código de Processo Civil, que a acção seguisse a forma de processo comum ordinário (despacho de 3 de Março de 2003, de fls. 330) e, após avaliação, foi fixado à causa o valor de € 206.107,05 (despacho de 23 de Maio de 2003, de fls. 363).
Por sentença de 2 de Novembro de 2004, a fls. 522, foi negada a pretensão dos autores no que toca às benfeitorias e declarado o prédio “indivisível, em substância”.
Verificada a falta de acordo dos interessados quanto à adjudicação do mesmo prédio (cfr. fls. 591), foi determinada a venda por propostas em carta fechada (despacho de 18 de Janeiro de 2006, de fls. 649).
Foram apresentadas propostas por JJ (€ 300.050,00), LL (€ 300.150,00) e AA (€ 291.000,00). JJ disse exercer o seu direito de preferir, na qualidade de comproprietária, pelo preço mais elevado; mas LL invocou a qualidade de filho do comproprietário para exercer o direito de remição.
Por despacho de 24 de Março de 2006, de fls. 672, decidiu-se que, resultando do disposto no nº 1 do artigo 914º do Código de Processo Civil que o direito de remição prevalece sobre o direito de preferência, se admitia “a mencionada remição, concedendo-se ao titular o prazo de 15 dias para, nos termos do disposto no artº 897º do C.P.C., depositar o preço correspondente à proposta de maior valor (…)”.
JJ e marido interpuseram recurso de agravo deste despacho, a fls. 679, que foi admitido, com subida diferida e efeito meramente devolutivo, a fls. 687.
Por despacho também de fls. 687, de 7 de Abril de 2006, a propriedade do prédio foi adjudicada a LL.
A fls. 695, AA e mulher, invocando o recurso interposto, vieram recorrer subordinadamente do mesmo despacho de fls. 672, “na parte em que considerou admissível a pretensão da referida JJ em exercer o direito de preferência aquando da abertura das propostas em 24/3/2006 (…)”. Este recurso também foi admitido, a fls. 697.
A fls. 698, JJ e marido interpuseram recurso do despacho de adjudicação e, a fls. 700, sustentaram a ilegitimidade para recorrer por parte dos recorrentes a título subordinado (por requerimento julgado inadmissível a fls. 721).
A fls. 721, foi admitido o recurso interposto do despacho de adjudicação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito suspensivo.
2. Por decisão do Tribunal da Relação do Porto de 24 de Julho de 2006, de fls. 784, proferida nos termos do artigo 705º do Código de Processo Civil, julgou-se o seguinte:
«1. O debate acerca da admissibilidade do direito de preferência e da modalidade da preferência em que se constitui o direito de remissão, está feito nas minutas apresentadas pela ag.e JJ (…), sendo certo que há exactamente a mesma racionalidade na defesa da mera preferência como da preferência familiar no caso de uma venda, apesar de tudo forçada, dos prédios multititulados, e quando os consortes não se entendem, na divisão ou quanto à adjudicação singular. (2) Assentemos, pois, em que é admissível tanto a preferência de JJ, quanto a remissão deLL. (3) E, se assim fizermos, não vamos encontrar hierarquia entre as duas posições, posto que ambas se destinam, afinal, a manter o concreto devir histórico da atribuição patrimonial em causa, não podendo fazer-se distinguo entre o consorte e os seus familiares neste plano finalístico-legal, que leva, no fim de contas, por via hermenêutica, à admissibilidade dos direitos em confronto. (4) Por conseguinte, teremos de ir buscar o critério da adjudicação à regra comum que se estabelece entre preferentes singulares de igual hierarquia para decidir a qual deles cabe o exercício em espécie do direito de preferência: licitações entre eles. (5) Acontece é que, no caso presente, já foram levadas a cabo, por assim dizer, pois, ambos os litigantes fizeram propostas de aquisição do prédio em hasta pública, onde LL apresentou a mais elevada. (6) Deste modo, entre os preferentes, foi estabelecida a prioridade do remissor que, por ter direito de igual hierarquia no confronto com a preferente JJ, leva a melhor na adjudicação. (7) Logo, vistos os artºs 419/2, 463/3, 912 1409/1 CC, vai mantido o despacho recorrido que adjudicou a LL o prédio insc. mat. art. 121 urbano e 185 rústico, desc C. Reg. P. S. Tirso m. 00381/141299 e a correspondente adjudicação: improcedem os agravos. (8) E não é necessário, em face da decisão, considerar o problema da admissibilidade do recurso subordinado, mas não vai sem se dizer que ele seria legítimo: a posição vitoriosa da parte contrária abriria, de sua lógica necessária, um campo de indefesa, acaso não fosse considerada a problemática recursiva e justamente apresentada para o caso de a posição favorável, entretanto obtida poder vir a claudicar.»
Por acórdão de 6 de Novembro de 2006, de fls. 818, foi confirmada a decisão, nos precisos termos transcritos, após conversão em reclamação (a fls. 814) do recurso interposto a fls. 806.
3. JJ e marido interpuseram então recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, que veio a ser admitido após reclamação, pelo despacho de fls. 853.
Por acórdão deste Supremo Tribunal de 17 de Abril de 2007, de fls. 926, foi decidido “conceder provimento ao recurso de agravo interposto e revogar a decisão das instâncias na parte em que foi reconhecido ao aqui agravado o direito de remição” e “ordenar a baixa dos autos ao Tribunal da Relação do Porto para conhecimento do recurso de agravo interposto subordinadamente (…).
Em cumprimento desta decisão, o Tribunal da Relação do Porto proferiu o acórdão de 4 de Julho de 2007, de fls. 951, nos seguintes termos:
«a) Defende o agravante que a agravada não goza do direito de preferência nesta hipótese de venda forçada por desinteligência dos consortes que levou a esta lide de divisão da coisa comum. E não gozará do direito de preferência nestas circunstâncias porque a lei, desde logo, apenas o atribui perante a venda da quota ideal a terceiros. b) Este é, na verdade, o teor literal do artº 1409/1 CC e para esta solução hermenêutica se inclina também certa jurisprudência, porventura mais recente do STJ. c) A justificação da preferência do consorte será, sem dúvida, limitada à redução das quotas, mas se é assim, pode pôr-se o problema de o objectivo último ser concentrar numa só mão a propriedade plena, suposto que a melhor forma de gestão é esta, de uma disponibilidade inteira, e não a comunhão solidarística. d) O último tópico é francamente duvidoso face às realidades da economia actual. Porém, há com certeza uma maior racionalidade na congruência dos consortes e, porventura, na permanência liminar de uma compropriedade ágil e, por isso, mais rentável. e) Devendo optar-se, hoje, pela segunda das versões do entendimento económico da vida social, então, é de aceitar a interpretação aparentemente literal e consolidada do preceito, artº 1409/1 CC. f) E é, aliás, este argumento que nos convence a seguir a jurisprudência do acórdão (Cons. Sousa Inês) cit. minuta e contra-alegações do agravo de 2ª instância, que restringe, por consequência, o direito de preferência do comproprietário à venda de uma das quotas ideais a terceiros. g) Neste sentido, procede o agravo subordinado: por não haver preferência da agravada JJ, segue-se, na carência também do direito de remição, a venda judicial pelo melhor preço das propostas apresentadas – que foi do agravante AA. h) Deste modo, justifica-se alterar a decisão recorrida para recusa da preferência invocada e para manter a venda judicial em favor do licitante de melhor preço, vistos os artºs de lei citados e a disposição do artº 889, 893, que deverá proceder ao depósito previsto no artº 897, todos do CPC. i) Contudo, os agºs levantaram o problema da legitimidade de AA, que interpôs o agravo da 1ª para a 2ª instância: não era parte vencida, tanto mais que pretendia, era, manter a adjudicação do prédio ao filho maior, esse que, para além de ter remido também fez a proposta de melhor preço. j) Em todo o caso, se assim é, do mesmo modo, é certo que as contra-alegações do agravo de 2ª instância importam in substanciam a utilização da faculdade, do artº 683/1.2 a.3 CPC: em face da decisão do STJ os vistos para julgamento deste recurso pendente acabaram de ocorrer. k) Poderemos assim concluir que o recurso de AA aproveita a António: não se trata de caso de listisconsórcio necessário, mas entre os dois recorrentes há um interesse comum, que a própria recorrida reconheceu e alegou, justamente para se opor à admissibilidade do recurso. l) Por outra via, poderíamos também seguir, ao considerar que o artº 684 A/2 admite uma interpretação extensiva, no sentido de conter também a possibilidade de ampliação do âmbito de recurso por parte do agravado nos casos de mera revogação e não apenas nos de nulidade ou de erróneo julgamento da matéria de facto. m) Com efeito, também sob esse aspecto, o recorrido a quem a sentença favorece, mas que pode vir a cair no recurso interposto pela parte contrária, fica, por assim dizer, na terra de ninguém. n) Ora, LL, que fez a proposta mais elevada, como se vê da matéria assente, levou o tema, pelo menos de um modo implícito, mas bem à superfície, à minuta do agravo de 2ª instância. o) Assim, porque o STJ devolveu o julgamento à 2ª instância, continuaria a estar em jogo o problema posto e resolvido de início. p) Por conseguinte, seja qual for a justificação, porque ambas convergem, no sentido de ser tomado conhecimento do agravo ou da matéria do recurso, que é naturalmente comum ao agravo e à apelação, decidem alterar a decisão recorrida no sentido de (h), isto é, para recusa da preferência invocada e para manter a venda judicial em favor do licitante de melhor preço, António Areal Silva, que deverá proceder ao depósito previsto no artº 897 CPC.»
Com esta fundamentação – negação, quer do direito de preferência invocado por JJ com base na sua qualidade de comproprietária do prédio submetido a venda, por ter sido julgado indivisível, quer do direito de remição que a esta fora oposto por António Areal Silva, que oferecera o preço mais elevado mas que, perante a pretensão de exercício da preferência, invocara a qualidade de filho de outro comproprietário, AA –, este acórdão reiterou a decisão de manter a venda judicial a favor de LL.
4. Deste acórdão recorreram de novo para o Supremo Tribunal de Justiça JJ e marido, invocando o disposto no nº 3 do artigo 754º, conjugado com a alínea a) do nº 1 do artigo 734º, e ainda no nºs 1 e 2 do artigo 754º (oposição com outros acórdãos, que indica).
O recurso foi admitido como agravo em 2ª instância, com subida imediata nos próprios autos e com efeito suspensivo, pelo despacho de fls. 971.
Nas alegações apresentadas, formularam as seguintes conclusões:
“1. O acórdão recorrido conheceu de um recurso que é manifestamente inadmissível, atenta a ilegitimidade dos seus Recorrentes. 2. Os Recorrentes, ora agravados, vieram interpor recurso subordinado do despacho de fls. 671/673, o qual reconheceu a prevalência do direito de remição exercido pelo proponente LL sobre o direito de preferência exercido pela comproprietária JJ. Esse despacho em nada prejudicou ou afectou os agravados. (…) 9) É, por isso, manifesta a ilegitimidade dos agravados para a interposição daquele recurso subordinado, devendo o mesmo ser considerado inadmissível (…) Sem prescindir, 12) É vasta a jurisprudência e doutrina que reconhecem a existência do direito de preferência, em acção de divisão de coisa comum, do comproprietário, no caso de venda judicial do imóvel a um terceiro. 13) Se assim não fosse, correr-se-ia o risco de um dos comproprietários que manifestasse interesse em que o bem lhe fosse adjudicado, cobrindo, desse modo, o valor da proposta mais alta, se visse expropriado da sua parte no imóvel em favor de um terceiro. (…) 17) Impõe-se uma interpretação teleológica e extensiva do art. 1409º/1 do CC e não uma interpretação restritiva da letra da lei, como fez o Tribunal a quo, ao entender que tal direito apenas é atribuído perante a venda da quota ideal a terceiros.”
Não houve contra-alegações.
Tendo falecido o recorrido AA, foram habilitados os respectivos herdeiros por decisão de 4 de Fevereiro de 2004, em incidente que correu por apenso.
A fls. 1916, vieram os mesmos desistir do recurso subordinado, mas a desistência não foi admitida“por força do disposto no art. 666/1 CPC" (despacho de fls. 1021).
5. Estão assim em causa neste recurso duas questões:
– Legitimidade de AA e mulher para interpor o recurso de agravo subordinado, com o objectivo de ser negado a JJ o direito de preferir na venda;
– Titularidade do direito de preferência invocado pela ora recorrente.
6. Cumpre começar por reconhecer que os agravantes têm razão quando sustentam a ilegitimidade de AA e mulher para recorrer (subordinadamente) do despacho de fls. 672, recurso que expressamente limitaram à “parte em que considerou admissível a pretensão da referida JJ em exercer o direito de preferência aquando da abertura das propostas em 24/3/2006 (…)” (requerimento de fls. 695).
Com efeito, só pode interpor recurso, ainda que subordinado, quem tenha ficado vencido, relativamente à decisão impugnada, que seja total ou parcialmente desfavorável (artigos 680º e 682º do Código de Processo Civil).
Ora a verdade é que a decisão de admitir o exercício de direito de preferência por JJ em nada atinge a sua esfera jurídica, uma vez que não foi o recorrente quem ofereceu o preço mais elevado pela compra do prédio.
7. Mas já não têm razão quanto à pretensão de exercer o direito de preferência que invocam, com base no artigo 1409º, nº 1, do Código Civil.
Segundo este preceito, “O comproprietário goza do direito de preferência e tem o primeiro lugar entre os preferentes legais no caso de venda, ou dação em cumprimento, a estranhos da quota de qualquer dos seus consortes”.
Como se sabe, traduzindo-se na atribuição ao preferente, por lei, da faculdade de, em igualdade de condições, se substituir ao adquirente de uma coisa, em certas formas de alienação, o direito legal de preferência afecta significativamente o poder de disposição que integra o direito de propriedade, já que retira ao proprietário o direito de escolha do outro contraente. A sua criação resulta, portanto, da verificação da existência de razões de interesse público que se sobrepõem àquela liberdade de escolha, enquanto integrante dos poderes do proprietário.
A verdade, todavia, é que essas razões de interesse público acabam, em regra, por se reconduzir à protecção da mesma plenitude do direito de propriedade, considerada, agora, do ponto de vista da situação resultante do acto de alienação.
Com efeito, deixando de lado o direito de preferência atribuído a proprietários de terrenos confinantes de área inferior à unidade de cultura (cfr. artigo 1380º do Código Civil), cuja razão é a de permitir uma mais eficiente exploração agrícola, o exercício dos direitos legais de preferência leva à concentração numa só pessoa, ou num número mais restrito de pessoas, dos poderes que integram o direito de propriedade plena sobre uma determinada coisa.
Assim, nos casos da preferência conferida ao proprietário do prédio onerado com uma servidão de passagem (artigo 1555º do Código Civil), com o direito de superfície (artigo 1535º do Código Civil) ou com um arrendamento, o objectivo é o de reunir numa mesma pessoa as faculdades que, contidas no direito de propriedade plena, se encontravam repartidas entre diversos titulares: entre o proprietário e o titular do direito real menor, nas duas primeiras hipóteses, entre aquele e o arrendatário na terceira (não interessando agora a discussão quanto à natureza do seu direito, já que o arrendamento onera o direito de propriedade de forma quase tão intensa como os direitos reais menores).
Tratando-se de compropriedade, como agora sucede, a atribuição do direito de preferência aos comproprietários, em caso de venda ou dação em cumprimento a terceiros (artigo 1409º do Código Civil), tem em vista a redução progressiva do número de proprietários, de acordo com a ideia de que a propriedade singular permite o melhor aproveitamento da coisa, desde logo porque elimina diversos conflitos que frequentemente se travam entre comproprietários.
Entende-se que não tem apoio, nem na letra do nº 1 do artigo 1409º do Código Civil, nem na sua razão de ser, a extensão do direito de preferência aos comproprietários, em caso de alienação da totalidade do prédio a terceiros.
Os recorrentes sustentam que com esta afirmação se está a proceder a uma interpretação restritiva da lei, em violação dos critérios de interpretação constantes do artigo 9 º Código Civil; deveria, a seu ver, ser adoptada uma “interpretação teleológica e extensiva e não meramente literal das normas jurídicas”.
Ora, para além de não ser naturalmente equivalente afirmar que se procedeu a uma interpretação restritiva ou a uma interpretação literal, a verdade é que, na letra da lei, não cabe senão a alienação de quotas; para se defender, por via de interpretação extensiva, que o preceito se aplica também à alienação da totalidade do bem, seria necessário demonstrar, recorrendo aos demais elementos de interpretação enunciados no artigo 9º, que ao utilizar o termo quota o legislador ficou aquém do que pretendia dizer.
Os recorrentes sustentam, ao pretender essa interpretação teleológica e extensiva do preceito, que a finalidade pretendida pelo legislador conduz ao resultado que apontam.
A verdade, no entanto, é que não procedem, aqui, as razões que determinam a atribuição do direito de preferência em caso de alienação de quotas a estranhos; nem se retira do regime da preferência qualquer indicação no sentido de que se pretendeu, com a limitação que ele implica, beneficiar um comproprietário em relação a terceiros apenas pelo facto de ser comproprietário.
Os recorrentes sustentam ainda que o não reconhecimento do direito de preferência significaria que o comproprietário interessado “estaria a ser vítima de uma «pura expropriação particular»”.
No entanto, não tem aqui cabimento a utilização do termo expropriação. Como se escreveu no acórdão nº 205/2000 do Tribunal Constitucional (disponível em www.tribunalconstitucional.pt), proferido a propósito de uma outra situação de resolução de potenciais conflitos entre direitos reais sobre uma mesma coisa, “a expropriação não é um conceito equivalente ao de desapropriação forçada ou de ablação de direitos sobre coisas, em todas as modalidades que estas figuras podem apresentar. (…) É um modo de aquisição de direito sobre coisas que tem em vista proporcionar o aproveitamento directo pela entidade expropriante…”.
E a verdade é que da não atribuição do direito de preferência não resulta sequer nenhuma desapropriação, ou nenhuma ablação de um direito de que a recorrente fosse titular. Apenas se lhe não confere uma vantagem – a de fazer seu, em igualdade de circunstâncias com o terceiro, o prédio do qual era titular de uma quota.
O efeito “desapropriativo” ou “ablativo” resulta, antes, da regra segundo a qual “nenhum dos comproprietários é obrigado a permanecer na indivisão”, constante do nº 1 do artigo 1412º do Código Civil, e justifica-se pelas razões já apontadas. Para o demonstrar, basta verificar que ocorre exactamente do mesmo modo se o prédio for comprado por um dos outros comproprietários.
Também não é necessariamente exacto que o regime defendido pelos recorrentes seja o que “proporciona uma conciliação mais equitativa dos interesses em causa”, como afirmam. Na realidade, protege o comproprietário interessado em preferir contra o que chamam “empolamento do preço”, mas prejudica os restantes, a quem naturalmente convém que a alienação se faça pelo maior preço possível.
8. Assim, concede-se provimento parcial ao recurso, revogando o acórdão recorrido na parte em que conheceu do mérito do recurso subordinado interposto do despacho de fls. 672 por AA e mulher e confirmando a decisão de manter a venda judicial em favor de LL.
Custas por ambas as partes, na proporção de - para os recorrentes e de - para os recorridos.
Lisboa, 10 de Julho de 2008
Maria dos Prazeres Beleza (relator)
Salvador da Costa
Ferreira Lázaro Faria