ACÇÃO POSSESSÓRIA
RESPOSTAS AOS QUESITOS
PRIVAÇÃO DO USO
NULIDADES
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Sumário


1) Cumpre às instâncias apurar a matéria de facto relevante para a solução do litígio, só a Relação podendo emitir um juízo de censura sobre o apurado na 1.ª instância.
2) Enquanto Tribunal de revista, com competência restrita à matéria de direito, só nos limitados termos do n.º 2 do artigo 722.º e do artigo 729.º, é consentido ao Supremo Tribunal de Justiça que intervenha em matéria de facto. A possibilidade de debater questões de facto perante este Tribunal confina-se ao domínio da prova vinculada.
3) O exercício, ou não, pela Relação dos poderes das alíneas a), b) e c) do n.º 1 do artigo 712.º do Código de Processo Civil é incensurável pelo Supremo Tribunal de Justiça sendo a respectiva decisão irrecorrível.
4) O Supremo Tribunal de Justiça, e salvo situações de excepção legalmente previstas, só conhece matéria de direito, sendo que, no âmbito do recurso de revista, o modo como a Relação fixou os factos materiais só é sindicável se foi aceite um facto sem produção do tipo de prova para tal legalmente imposto ou tiverem sido incumpridos os preceitos reguladores da força probatória de certos meios de prova.
5) A fundamentação das respostas aos quesitos – quer quanto aos provados, quer quando aos não provados – basta-se com uma explicação sucinta do “iter” lógico-dedutivo que levou à conclusão encontrada.
6) O princípio da livre apreciação das provas para a formação da convicção do julgador implica que na fase de ponderação decorra um processo lógico-racional conducente a uma conclusão sensata e prudente.
7) Mas esse processo, insondável e íntimo, não tem que ser transposto para a motivação, que se limita a elencar criticamente as provas consideradas credíveis.
8) Contra a falta ou a insuficiência da motivação reage-se com o incidente do n.º 4 do artigo 653.º Código de Processo Civil, também na Relação quando altera ou inova a base instrutória.
9) A nulidade da alínea b) do n.º 1 do artigo 668.º do Código de Processo Civil não se basta com uma justificação deficiente ou pouco convincente, antes impondo ausência de razões que levaram à opção final.
10) À nulidade da alínea d) do mesmo preceito subjaz o incumprimento do n.º 2 do artigo 660.º, irrelevando contudo o detalhar de meros argumentos ou razões jurídicos – factuais adjuvantes.
11) O pedido de indemnização em acção reivindicatória surge em acumulação real, com natureza autónoma, devendo ser alegados provados danos- uma vez que, ao invés da lide possessória (que pressupõe um ilícito – esbulho) a restituição não origina, só por si, a obrigação de indemnizar- além da culpa e da prática de acto ilícito.
12) Por força do disposto no n.º 1 do artigo 1284.º do Código Civil são indemnizáveis os prejuízos que sejam consequência do esbulho restando alegar e provar apenas o nexo de causalidade e o dano por já presentes o ilícito e a culpa.
13) A mera privação (de uso) do prédio esbulhado, impedindo, embora, possuidor do gozo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição (nos termos do artigo 1305.º do Código Civil) só constitui dano indemnizável se alegada e provada, por aquele a frustração de um propósito, real, concreto e efectivo de proceder à sua utilização, os termos em que o faria e o que auferiria, não fora a ocupação-detenção, pelo lesante.

Texto Integral



Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça:

A Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, intentou acção de restituição de posse contra AA, BB, CC e DD.

Pediu que fosse declarada única e legitima possuidora do armazém ou loja existente no prédio n.ºs 24 a 28 da Rua .. e n.º 0 da Travessa do ... a Santos, em Lisboa, com acesso pelos n.ºs 00 e 00 da mesma rua; que fosse restituída à posse relativamente aquele armazém ou loja; mantida na posse em que foi investida, ordenada no procedimento cautelar de restituição provisória de posse que correu termos no 11.º Juízo – 3.ª Secção – do Tribunal Cível de Lisboa; a condenação dos Réus a pagarem-lhe, a título de indemnização, pelos danos materiais e morais sofridos, a quantia de 35.624 897$00.

Os Réus contestaram e nomearam à acção GG.

A acção foi julgada procedente tendo, em apelação, a Relação de Lisboa revogado a condenação em juros.

Este Supremo Tribunal veio a anular o acórdão recorrido por insuficiências e contradições na matéria de facto.

Reiniciou-se a lide nas instâncias.

A 13.ª Vara Cível da Comarca de Lisboa julgou procedentes os pedidos de restituição e manutenção de posse mas absolveu os Réus do pedido de indemnização formulado.

Apelaram os Réus e a Autora para a Relação de Lisboa, tendo esta última sido julgada procedente e condenados os Réus a pagarem à Autora, a título de indemnização, 15.604,77 euros (12.196,32 + 3.408,45).

Pedem, agora, os Réus, revista tendo concluído, nuclearmente, as suas alegações desta forma:

- Deveria ter sido explicado à parte que ficou vencida no recurso quais os motivos que levam a que se considere que a escritura de arrendamento e fiança de 06 de Junho de 1973 celebrada entre a autora e FF tem uma força probatória mais elevada do que, por exemplo, o contrato celebrado entre a mesma FF e GG – Ponto 7.º da matéria de facto;

- A certidão da Terceira Conservatória do Registo Predial de Lisboa prova apenas que o n.º 26 existe, nada mais. Se é ou não a loja direita, é questão que não se consegue provar através daquele documento;

- Nenhum desses dois documentos se refere à questão colocada e nenhum contraria a tese desenvolvida pelos recorrentes. Não foi, portanto, dada resposta à questão colocada pelos recorrentes, havendo uma total omissão de pronúncia.

- Há, pois, uma nulidade do Acórdão, baseada na primeira parte da alínea d) do n.º 1 do art.° 668° do Código de Processo Civil.

- O simples facto de ter ficado provado que a 1oja explorada pelo senhor Peter Kronemberg e posteriormente ocupada pelos Réus era uma loja independente, distinta de forma física, com uma única entrada e murado a toda a volta (resposta ao quesito 29°) sempre seria suficiente para provar que essa loja não foi abrangida pelo acordo de rescisão;

- Ficou provado que a loja ocupada pelos Réus era independente e tinha acesso próprio pela Rua ... e por mais lado nenhum (como se demonstra pela conjugação dos factos assentes como n.º 28, n.º 29 e com a planta de fls. 19), pelo que, a menos que fosse ela própria o n. ° 24, como é evidente;

- Há omissão de pronúncia do douto Acórdão recorrido quanto ao que os recorrentes alegaram nas conclusões 31°, 32° e 33º das suas alegações de recurso de apelação

- Se o que tivesse estado em causa, na acção referida a fls. 18 do douto Acórdão recorrido, nessa tivessem sido as instalações situadas na Rua ..., n.º 00, loja direita, loja subarrendada ao senhor GG, então o que teria de ser proposto contra ele seria uma acção de despejo e não uma acção de restituição da posse.

- A Autora pede uma indemnização pela ocupação de todo o armazém do prédio que está em causa, nestes autos, quando a verdade é que já está assente que os Réus só ocuparam a loja direita;

- A loja direita e a loja esquerda são duas lojas; distintas de forma física, com números de polícia diversos, objecto de relações jurídicas diferenciadas – n°s 28° e 29° da Fundamentação de Facto –, pelo que não faz qualquer sentido condenar os Réus pela ocupação das duas lojas quando só ocuparam uma delas;

- Bem andou a sentença de Tribunal de primeira instância quando decide: “Por outro lado, quanto à privação do uso da loja, não ficou demonstrado que a Autora tivesse intenção de locar a mesma” (ficou demonstrado exactamente o contrário, dizemos nós) ;

- Não ficou provado qualquer nexo de causalidade entre a ocupação do espaço pelos Réus e a contratação, pela Autora, de seguranças, pelo que não devem os recorrentes ser condenados.

- O Acórdão da Relação em apreço faz errada interpretação dos factos e, na aplicação do direito violou, conforme viemos alegando, entre outros preceitos, os art.°s 26°, 264°, 659°, 660°, n. ° 2, 661° e 668°, 684°, n.° 3 e 690°, n° 1 do Código do Processo Civil e os art.°s 236° a 239°, 483° e 1284° do Código Civil.

Contra alegou a Autora em defesa do julgado para concluir, em síntese:

- O Tribunal “a quo” especificou os fundamentos decisivos para a convicção do julgador e analisou criticamente as provas produzidas. A fundamentação contém a concretização do meio probatório gerador da convicção do julgador e ainda a indicação das razões da credibilidade ou da força reconhecida a esses meios de prova;

- A fundamentação dada na resposta negativa ao quesito 32° satisfez as exigências legais, não existindo qualquer nulidade processual e muito menos nos termos caracterizados pelos Recorrentes;

Acórdão da Tribunal da Relação foi inteiramente correcto ao considerar que o GG foi desalojado por Sentença de 28.06.1990 (fls. 38-40) e conformou-se com tal decisão judicial;

- O GG nunca reagiu em defesa do seu alegado direito de subarrendatário da FF;

- Tendo caducado o subarrendamento com a extinção do contrato de arrendamento, os recorrentes não têm legitimidade para apresentarem qualquer pretensão possessória em relação à loja dos autos;

- A ilicitude consiste na violação de um dever jurídico. Sobre os RR impendia o dever jurídico de respeitar a posse da A. que lhe assiste em resultado do seu direito de propriedade sobre o imóvel. É manifesta a ilicitude da conduta dos RR consubstanciada na violação da posse da A. (cfr. factos n.°s 1, 2, 6 da fundamentação da sentença e ainda

- É manifesto que a A. não teria suportado custos com os seguranças, nem teria estado privada do uso e fruição do seu espaço pelo período agora em causa, se não fossem os factos imputados aos Recorrentes, ou seja a ocupação do armazém durante o tempo referido;

- A conduta dos Recorrentes resulta na obrigação de indemnizar a A:

- Pelo que devem os Recorrentes ser condenados a pagar à AA. pela privação do uso do armazém em causa e pelos custos suportados com os seguranças, na quantia global Eur: 15.604,77 (12.196.32 + 3.408,45), acrescida dos respectivos juros, à taxa legal, a partir da data da citação.

A Relação julgou definitivamente assente a seguinte matéria de facto:

1.º - O prédio urbano sito na Rua .., n° 00, 00 e 00, tornejando para a Travessa do ......, n.º 0, em Lisboa, está inscrito na matriz da freguesia dos Prazeres sob o artigo 1.136 a favor da autora Santa Casa da Misericórdia de Lisboa – (A).

2° - O prédio urbano sito na Rua ... n° 00, 00 e 00, tornejando para a Travessa do ..., n° 0, em Lisboa, está descrito na 3.ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob no 738 e inscrito a favor da autora — (B).

3° - A autora e FF – Sociedade Internacional de Comércio e Urbanizações, Ld celebraram o acordo escrito junto a fls 27-36 – (C).

4.º - No documento referido na alínea C) da Especificação refere-se que a autora “é dona e legítima possuidora do prédio urbano, sito nesta cidade, freguesia de Santos, na Rua ..., número vinte e quatro, tornejando para a Travessa do ..., número um, descrito na Terceira

Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob o número setecentos e trinta e oito... constituído por loja e seis andares” – (C 1).

5.º - A autora e FF – Sociedade Internacional de Comércio e Urbanizações, L& instaurou acção de restituição de posse contra GG, que veio a ser julgada procedente, tendo sido executada a decisão por mandado, tudo nos termos da certidão de fls. 37-42 – (D).

6° - Com data de 06.02.1902, a autora e a FF – Sociedade Internacional de Comércio e Urbanizações, Ld celebraram o acordo denominado “acordo de rescisão” que se mostra junto a fls. 43, cujo teor aqui se tem por integralmente reproduzido, do qual consta, além do mais, o seguinte:

“ compareceram os Snrs. Dieter ..... e Nils .... que intervêm como gerentes e em representação da sociedade comercial por quotas de responsabilidade limitada denominada FF – Sociedade Internacional de Comércio e Urbanizações, Limitada, inquilina da loja com acesso pelo n° 24, do prédio desta Misericórdia, sito na Rua ...., 00-00 e Travessa do ..., n° 0, em Lisboa.

Pelos referidos gerentes, na qualidade em que intervém, foi declarado que, para os devidos e legais efeitos, rescindem o contrato de arrendamento celebrado em 6 de Junho de 1973, relativo à loja com o acesso pelo n° 24 do prédio sito Rua ..., 00-00 e Travessa do ..., n° 1, em Lisboa.

Mais declaram os ditos gerentes que fazem a entrega da citada loja livre, e devoluta e das respectivas chaves na data do presente acordo, nesta Misericórdia.

Pela Exm° Provedora foi dito que aceita a rescisão do contrato de arrendamento nos termos propostos conforme deliberação da Exma. Mesa tomada em sessão de seis de Fevereiro do corrente ano.

E, para constar, se lavrou o presente acordo, que vai ser assinado pelos outorgantes (.) e por mim na qualidade de Provedora” – (E).

7° - A FF Sociedade Internacional de Comércio e Urbanizações, Ld e GG celebraram o acordo constante do documento de fls. 98, constando do mesmo o seguinte:

“1 – A firma FF aluga a GG as instalações situadas na Rua ...., 00, loja direita, por uma renda mensal de Esc. 5.000$00 (.).

2 – A firma FF compromete-se durante os próximos 12 (doze) meses a instalar um wc na loja esquerda e a reabrir a porta da rua existente nesse lado da referida loja, a fim de tornar as duas lojas independentes. Entretanto as despesas de água e electricidade ficarão a cargo das duas firmas instaladas na loja do prédio” – (E 1).

8.º - No edifício em causa os 2° a 4.º pisos destinavam-se aos serviços mecanográficos e de informática da autora e o 6° e último a uma creche – (2°).

9° - Em 08.08.1992, os réus partiram o vidro da porta do armazém existente no edifício, introduziram-se no seu interior e substituíram a fechadura da mesma – (3°).

10° - Cerca das 14 horas do dia 10.08.1992, a autora procedeu à mudança da fechadura colocada no sábado antecedente pelos réus – (4°).

11° - Por forma a obstar a um novo esbulho, a autora contratou os serviços da empresa de segurança SS, Lda, tendo deixado no interior daquele armazém, um empregado daquela empresa – (5°).

12° - Cerca das 19 horas do dia 10.08.1992, os réus regressaram ao armazém, introduziram chaves na fechadura da porta do mesmo, empurrando-a — (6°).

13° - Nesse momento, o segurança da SS, L& que se encontrava no interior do armazém, aproximou-se da porta e abriu-a, para verificar o que se passava do exterior – (7°).

14° - De imediato, os réus empurraram e forçaram a porta, afastando o segurança da SS, Lda, acima identificado, e entraram para o interior do armazém, passando-o desde então a ocupar – (8°).

15° - A partir desse momento, a SS Ld passou a manter no interior do armazém dois empregados (seguranças) seus – (9°).

16° - Deste modo, a autora ficou privada contra a sua vontade de utilizar o armazém, uma vez que os réus se mantiveram no seu interior, impedindo o acesso a qualquer funcionário da autora – (10°).

17° - Para o efeito, exibiram uma arma de fogo, que foi mostrada aos seguranças da SS, Ld presentes no local – (11°).

18° - Os réus afirmaram que usariam a arma de fogo referida no quesito anterior sobre quem quer que fosse que se lhes opusesse – (12°).

19° - De facto, em 28.01.1989 a autora lançou um concurso público internacional para aquisição e montagem de um equipamento informático nos “Serviços de Informática’ – (13°).

20° - Como consequência desse concurso, a autora abriu outro concurso público para fornecimento de sistemas de energia eléctrica de emergência – (14°).

21° - Tais equipamentos destinavam-se inicialmente a ser instalados no armazém em causa – (15.º).

22°- O denominado esbulho dos réus prolongou-se até 21.09.1992, data em que a autora foi provisoriamente restituída à sua posse – (17°).

23° - Os prazos previstos na cláusula 5.ª, ponto 3.1 do contrato junto a fls. 46-76, expiram a 20.10.1992. – (18.º).

24° - A Autora viu-se privada da posse do armazém desde o dia 10 08 1992 até ao dia 21/09/1992, data em que foi provisoriamente restituída à sua posse – (20°).

25° - Com os seguranças que a autora teve de contratar gastou a quantia de 2.445.143$00 – (23°).

26° - O valor locativo actual de mercado de um armazém ou loja com aptidão comercial é de cerca de 3.000$00 por metro quadrado e por mês – (24°).

27° - O 1° piso do prédio em causa se colocado no mercado de arrendamento seria susceptível de ser arrendado por cerca de 500.000800 mensais – (25°).

28° - O espaço, tal como se mostra na planta junta a fls. 19, apenas tem acesso pela Rua ... – (29°).

29° - É composto pelas duas lojas, tal como consta do documento referido na alínea B) – (31°).

30° - O contrato de arrendamento referido no acordo constante de fls. 43, datado de 06.02.1992, abrangia todo o 1° piso do prédio em causa – (33°).

31° - Há mais de 3 anos, com referência à execução do mandato judicial referido na alínea F) da

Especificação, a loja esquerda, identificada na alínea E 1) da Especificação, estava fechada e em estado de abandono – (36°).

32° - A autora entregava a GG recibos referentes ao pagamento da comparticipação de electricidade — (34° e 35°).

33° - O primeiro piso, térreo, era inicialmente composto por um espaço amplo, tipo armazém ou loja — (1°).

Foram colhidos os vistos.

Na ponderação da delimitação do objecto do recurso constante das conclusões da alegação, cumpre conhecer:

1- Alteração da matéria de facto.

2- Omissão de motivação e de pronuncia.

3- Indemnização na lide possessória.

4- Conclusões.

1- Alteração da matéria de facto

1.1- Trata-se de questão abundante, exuberante e fastidiosamente debatida neste Supremo Tribunal, sempre conduzindo a que se enfatize o seu papel de Tribunal de revista e contendo-o em apertadíssimos limites quando se trata de sindicar a matéria de facto que a Relação elencou.

É que o Supremo Tribunal de Justiça só conhece matéria de direito, por força do disposto no artigo 26° da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais (aprovada pela Lei n° 3/99, de 13 de Janeiro).

A fixação dos factos materiais da causa, baseada na prova de livre apreciação do julgador, não cabe no âmbito do recurso de revista.

O tribunal de revista limita-se a aplicar o regime jurídico adequado aos factos fixados pelo juízo “a quo” (n°1 do artigo 729° do Código de Processo Civil).

As situações de excepção consistem no erro de apreciação das provas e na fixação dos factos pela Relação só ocorrendo se houver violação expressa de norma que exija certa espécie de prova para a existência de um facto ou de norma que estabeleça a força probatória de certo meio de prova, tal como resulta dos artigos 722° n°2 e 729° n°2 da lei adjectiva.

Assim, o STJ só conhece do juízo de prova da Relação quando tenha sido dado por assente um facto sem que tivesse sido produzida a prova que a lei declare indispensável para a demonstração da sua existência ou tiverem sido violados os preceitos reguladores da força probatória de alguns meios de prova.

Dos autos, e da alegação dos recorrentes não resulta tal patologia, pelo que terá de quedar-se intocada a matéria de facto que a Relação fixou.

Dir-se-á, contudo e “ex abundantia”, que, ao conhecer da apelação, a Relação foi escrupulosa na reapreciação dos factos materiais assentes.

De acordo com o n°2 do artigo 712°, voltou a analisar as provas que motivaram as respostas em crise, ponderando o conteúdo das alegações da recorrente e atendeu aos elementos que teriam contribuído para a formação da convicção do julgador “a quo”.

Houve, pois, um verdadeiro segundo grau de jurisdição na apreciação da prova, com sistema de prova livre (artigo 655° n°1 CPC) com nova leitura, para formação de juízo conducente a infirmar certos pontos de facto julgados.

E não cabe, agora, nos poderes deste Supremo Tribunal censurar o uso pela Relação da faculdade de alterar, ou modificar as respostas aos quesitos, salvo se essa modificação tivesse sido feita ao arrepio de um preceito legal, “maxime” o n°1 do artigo 712° da lei processual, o que não foi o caso.

A Relação fez uso da faculdade do n° 1 do artigo 712° do Código de Processo Civil.

A discordância dos recorrentes que, além do mais, tentam integrar o decidido pela instância recorrida na nulidade da alínea b) do n°1 do artigo 668° do diploma adjectivo (omissão de pronúncia) ou discutir a validade intrínseca do uso daquela faculdade, é, sob o ponto de vista de matéria de facto provada, insindicável.

Tal resulta do n°6 do artigo 712° (na redacção do Decreto-Lei n° 375-A/99, de 20 de. Setembro) que dispõe não caber recurso para o STJ das decisões da Relação sobre modificação da decisão de facto.

Ora, não sendo admissível recurso autónomo, não é de conhecer esta matéria como um dos fundamentos do recurso.

A censura sobre a forma como a Relação exerceu os seus poderes quanto ao julgamento da matéria de facto pela 1.ª instância, está insiste-se, fora do âmbito de cognição deste Supremo Tribunal.

(Excepcionalmente, e como ensina o Cons. Amâncio Ferreira, “o Supremo pode ex officio exercer tacitamente censura sobre o não uso por parte da Relação dos poderes de alteração ou anulação da decisão de facto, sempre que entenda dever esta decisão ser ampliada, em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito, ou que ocorrem contradições na decisão sobre a matéria de facto que inviabilizam a decisão jurídica do pleito, ante o estatuído no n°3 do artigo 729° (apud, “Manual dos Recursos em Processo Civil”, 6.ª ed, 226).

Trata-se de, e no essencial, consagrar o principio-base (do artigo 26° da LOFTJ) que limita à matéria de direito a competência jurisdicional do Supremo Tribunal.

Mas não se tratando de sindicar a alteração em si mas a legalidade da mesma, em termos de,v.g., apurar se a Relação podia ou não eliminar uma resposta sem subverter os princípios de direito probatório, já o Supremo Tribunal pode pronunciar-se. (cf. v.g. os Acórdãos do STJ de 31/3/93 - CJ/STJ 111-54 - de 21/1/99 -P° 1003/98 - 1° - de 18/1/01 -P° 3516/00 - 2°- de 13/3/01 -P° 278/01 e de 21/10/05 -P° 2590/05).

Isto porque essa averiguação prende-se com a aplicação de normas jurídicas sendo matéria de direito.

Em suma e clarificando – por insistência-atendendo à frequência deste tipo de alegação:

A intervenção do Supremo Tribunal de Justiça, quanto á matéria de facto, é muitíssimo limitada, apenas podendo averiguar da observância das regras de direito probatório material, artigo 722° n°2, ou mandar ampliar a decisão sobre a matéria de facto, artigo 729°, n° 3 (Acórdão do STJ de 17 de Março de 2005 - 0SB2682 - onde ainda se decidiu caber ás “instâncias apurar a factualidade relevante, sendo que na definição da matéria factícia necessária para a solução do litigio, cabe à Relação a última palavra. Só à Relação compete censurar as respostas ao questionário ou anular a decisão proferida na 1.ª instância, através do exercício dos poderes conferidos pelos n.ºs 1 e 4 do artigo 712°” - entre muitos outros.).

A regra é o Supremo Tribunal de Justiça limitar se a aplicar aos factos definitivamente fixados pelo tribunal “a quo” o regime jurídico pertinente.

(cf., por todas, e para além dos citados Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 18 de Maio de 2006 – 06 A1248 – de 6 de Maio de 2008 – 08 A1389 – de 19 de Junho de 2007 – 07 A1843 – e de 29 de Novembro de 2006 – 06 43794.

1.2- Ora, e como já se disse, a Relação, ao fixar a matéria de facto, não incumpriu a segunda parte do n°2 do artigo 722° do diploma adjectivo, isto é, deu como provado um facto sem produção de prova legalmente indispensável para a sua existência nem infringiu as normas reguladoras da força probatória de determinado meio de prova.

É evidente, pois, que não ocorreu nenhuma das situações de excepção, que, aliás, nem os recorrentes identificam de forma apodíctica.

Vale, assim, a regra do n.º 2 do artigo 729° do Código de Processo Civil, quedando intocada a factualidade provada, já que um eventual erro na apreciação das provas não cabe no âmbito do recurso de revista.

Cai por terra o primeiro segmento de inconformação dos recorrentes.

2 – Omissão de motivação e de pronúncia.

2-1 Quiçá por reconhecimento implícito da sua não razão (ou da impossibilidade de a alegarem nesta sede) quanto ao erro na apreciação da prova, os recorrentes pretendem invocar os vícios de limite das alíneas b) e d) do n.º 1 do artigo 668.º do Código de Processo Civil.

O primeiro consistiria em não terem sido devidamente esclarecidos sobre as razões que levaram a Relação a alicerçar a sua convicção na matéria de facto.

É evidente a sua não razão.

A omissão de motivação implica o silenciar absoluto – que não a mera laboração imperfeita, muito sucinta ou sem apreciação de todos os argumentos (ou razões jurídicas) trazidas pelas partes – dos deveres de cognição do artigo 660.º do Código de Processo Civil, ou seja do que as partes submeteram à apreciação (salvo os prejudicados e dos de conhecimento oficioso) ponto em que muito se aproxima da omissão de pronuncia, da alínea d) do n.º 1 do mesmo artigo, também invocado.

Aqui, há um ostensivo ultrapassar de questão que o tribunal deva conhecer por força do n.º 2 do artigo 660.º, sem que tenha de exaurir tudo o que é trazido aos autos em sede de dialéctica; ali, ocorre uma falta absoluta da concretização dos fundamentos – de facto ou de direito – essenciais para persuadir as partes da solução jurídica encontrada e permitir-lhes argumentos no exercício do direito de recurso. (cf. v.g., Prof. Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil Anotado”, V, 140; Prof. Paulo Cunha, “Defeitos da Sentença e seus Remédios”, in “O Direito”, 73.º, 98 e “Marcha do Processo Comum de Declaração”, II, 397).

Como se decidiu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18 de Abril de 2006 – 06 A871 – desta conferência. “A nulidade da alínea b) do artigo 668.º do Código de Processo Civil não se basta com uma justificação deficiente ou pouco convincente, antes impondo ausência de motivação que impossibilite a revelação das razões que levaram à opção final.”

Em sede de julgamento de matéria de facto trata-se, tão somente, de proceder à análise critica das provas, esclarecendo – por especificação – os fundamentos decisivos para a convicção do julgador, nos precisos termos do n.º 2 do artigo 653.º do Código citado.

2-2 Embora a motivação – quer quanto aos factos provados, quer quanto aos factos não provados – não deva consistir num mero enunciado da prova produzida, basta-se com uma explicação sucinta do “iter” dedutivo que levou à conclusão encontrada.

Os exactos “como” e “porquê” da conclusão final, tanta vezes condicionados por intima convicção do julgador, sua formação sócio-cultural, inserção no meio, conhecimento da realidade, em concreto, onde julga, verosimilhança lógica de certas provas, são intraduzíveis na explicação imposta pelo legislador.

O que se impõe é ir para além da mera remissão para depoimentos ou documentos sem que se expliquem as razões de ciência ou se refira a força probatória da prova documental (cf. v.g., o Acórdão do STJ de 2 de Fevereiro de 1993 – CJ/STJ I, I, 123).

Como explica o Prof. A. Varela (in “Manual de Processo Civil”, 1984, 635), “além do mínimo traduzido na menção especificada (relativamente a cada facto…) dos meios concretos de prova geradores da convicção do julgador, deve este ainda para plena consecução do fim almejado pela lei referir, na medida do possível, as razões de credibilidade ou da força decisiva reconhecida a esses meios de prova”. Mas alerta mais adiante para o risco de se “ignorar ou subestimar o papel da intuição na formação da convicção do julgador” (…) é pretender “reduzir a termos puramente racionais as componentes psicológicas do juízo global por ele formulado.” (cf., sobre o tema, e v.g, “A Fundamentação das Respostas aos Quesitos”, in “Justiça Portuguesa”, 29.º, 49-50; Dr. Francisco José Veloso, “Fundamentação das Respostas do Colectivo”, in “Scientia Iuridica”, n.º 58; Dr. Manuel J. Gonçalves Seabra, “Motivação”, BMJ 121).

Do exposto terá de resultar que, se por um lado as respostas têm de ser motivadas, não podem esquecer-se os limites dessa motivação e que têm como princípio primeiro e basilar o da liberdade de apreciação das provas (a coberto do qual, e ao contrário do pretendido pelos recorrentes, foram valorados os documentos) e da decisão dos juízes “segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto” (cf. o n.º 1 do artigo 655.º do Código de Processo Civil, assim comentado pelo Conselheiro Rodrigues Bastos: “este artigo, por um lado não considera o juiz como um autómato que se limita a aplicar critérios legais apriorísticos da valoração (…)”, “ (…) mas também lhe não permite julgar só pela impressão que as provas oferecidas pelos litigantes produziram no seu espírito, antes lhe exige que julgue conforme a convicção que aquela prova determinada e cujo carácter racional exprimirá na correspondente motivação”. (apud “Notas ao Código de Processo Civil”, III, 3.ª ed, 175)).

Assim, na fase de “ponderação” (que, logicamente antecede a de “decisão” e à qual se segue a de “redacção” – cf. Prof. Castro Mendes – “Direito Processual Civil”, II, 1969, 269) o julgador tem perante si a prova na sua componente objectiva cotejada com a produzida em sede de contraditório e afere da sua credibilidade (ou fiabilidade) num processo lógico-racional a que o conduz à sua convicção sensata e prudente.

E na redacção motivada refere as bases (aqui provas produzidas) que o levaram ao resultado final, expondo-as objectivamente e não tendo (ou, sequer, devendo) que explicar o processo insondável íntimo causador da convicção – impressão expressa.

De todo o modo, se a motivação se revelar insuficiente, nos seus elementos indispensáveis, a parte lançará mão do incidente do n.º 4 do artigo 653.º do Código de Processo Civil (também o podendo fazer na Relação perante uma alteração não motivada) não se perfilando nestes casos a figura da omissão da pronuncia, por existir um meio próprio para suprir eventual vício.

Em síntese, dir-se-á que da motivação deve constar o elenco da prova geradora da resposta acompanhado de uma sucinta explicação justificativa da sua aceitação, não tendo de, como explicação, se verterem motivos psicológicos causais da convicção alcançada por se situarem na intimidade de processo insindicável por natureza) mais não havendo que explicar às partes.

Inexiste, em consequência, qualquer das omissões assacadas, que mais parecem ter aqui surgido como forma atípica de aclaração.

O mesmo acontece quanto à alegada omissão de pronúncia, já que a Relação apreciou toda a matéria de relevo constante das conclusões impugnatórias dos recorrentes (então apelantes) não tendo silenciado qualquer argumento válido alegado.

3- Indemnização na lide possessória

3.1- Movemo-nos no âmbito de uma acção de restituição de posse.

A protecção possessória é o modo adequado de defesa para quem, de facto – como possuidor – exerce determinado direito real.

A posse adquire-se por qualquer dos meios do artigo 1263.º do Código Civil.

Pode, certamente, também ser usada pelo titular efectivo do direito real como defesa de actos de terceiro.

Assim, se o proprietário é simultaneamente possuidor e sofre um acto de esbulho têm dois meios ao dispor: um, tendo como causa de pedir o direito de propriedade (reivindicação); outro, baseado na posse (a acção possessória).

Se o possuidor não é titular do direito real correspondente à posse, a tutela possessória é o seu único meio de reacção contra actos de terceiro, tutela essa provisória só consolidável decorrido o prazo da usucapião.

A manutenção ou a restituição da posse dependem do possuidor ter sido vítima, respectivamente, de turbação ou de esbulho.

Aqui está indiscutível o esbulho que pressupõe a privação da coisa contra a vontade do possuidor através de um acto positivo de agressão à posse. (cf. Barossi, “Diritti Reali e Possesso”, 1952, II, n.º 218 bis, 318; Hernandez Gil, “La posesión”, 1980, 707 e, por todos, o Acórdão do STJ de 20 de Maio de 1997 – 97 A325.

3.2- Aqui chegados, resta analisar a questão da indemnização pela ocupação precedida de esbulho.

Este Supremo Tribunal (v.g. Acórdãos de 18 de Abril de 2006, de 28 de Setembro de 2006 e de 17 de Outubro de 2006 – 06 A3250, todos desta conferência) julgou:

“Tendo a acção natureza reivindicatória, o demandante afirma o seu domínio devendo articular factos que o permitam induzir, caracterizados pelo facto jurídico que deu origem ao direito de propriedade cujo reconhecimento pede, o que é essencial. (cf. v.g. Acórdãos do STJ de 17 de Maio de 1968 – BMJ 177-247 e de 19 de Julho de 1968 – BMJ 179-170).

E pode cumular, em acumulação real ,(veja-se o Prof. Paulo Cunha in “Processo Comum de Declaração”, I, 208) um pedido de indemnização.

É, de facto, um caso de acumulação real (cf. o Acórdão do STJ de 30 de Novembro de 1956 – BMJ 61-480).

Se a acção é possessória e nela se pede além da restituição da coisa, a condenação do Réu a indemnizar, a acumulação é aparente, por haver, apenas, uma pretensão – a entrega da coisa – de cuja procedência resulta, por, desde logo, presentes o ilícito e a culpa, pressupostos essenciais do direito à indemnização, de acordo com o disposto no artigo 1284º do Código Civil. Trata-se, pois, de um único pedido, embora complexo.

Assim, não é na acção de reivindicação onde o pedido de indemnização assume natureza autónoma.

“Aqui a restituição, só por si, não origina a obrigação de indemnizar; como não se pressupõe um esbulho há que provar um ilícito. É que a coisa reivindicada pode estar a ser detida por um possuidor de boa fé e até a título legítimo.”

Mas julgou-se no Acórdão do STJ de 6 de Maio de 2008 – 08 A1389, na esteira do Acórdão de 8 de Maio de 2007 – 07 A1066 – ambos desta conferência, que a situação de privação do uso “não é, só por si geradora da obrigação de indemnizar sem que a pretensão indemnizatória seja fundamentada. E os fundamentos não podem consistir em mera virtualidade do bem gerar frutos civis, por susceptível se serem frustrados eventuais propósitos de o integrar em circuito comercial baseado unicamente nos usos correntes.

O dono que se vê privado do bem tem de alegar e provar ter visto frustrado um propósito, real e efectivo, proceder à sua utilização, e em que precisos termos o faria e o que auferiria não fora a ocupação pelo lesante.

A mera referência ao valor locativo é insuficiente, já que muitos proprietários mantém prédios devolutos, não têm propósito de os arrendar nem nunca diligenciaram para o fazer, não existindo qualquer dano, real e efectivo, resultante da mera ocupação por outrem.

A questão poderia ser posta apenas em sede de enriquecimento do ocupante.

Só que, para além da subsidiariedade da obrigação de restituir o enriquecimento, o mesmo sempre teria de se caracterizar pelo correlativo “empobrecimento” do peticionante (dano patrimonial deste).” (cf., ainda, a privilegiar as regras do enriquecimento sem causa, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 31 de Janeiro de 2006 – 05 A3395.”

Recorde-se, agora, o que, para as acções de manutenção ou de restituição de posse, dispõe o artigo 1284.º, n.º 1 do Código Civil:

“O possuidor mantido ou restituído tem direito a ser indemnizado do prejuízo que haja sofrido em consequência da turbação ou do esbulho.”

Nestes casos a responsabilidade aquiliana vê os pressupostos – acto ilícito, e culpa – desde logo assentes, restando a prova do dano e do nexo causal.

Vejamos “in casu”.

3.3- A Relação atribuiu a indemnização global de 15604,77 euros, sendo 12196,32 a título de ressarcimento pelo despendido com seguranças e os restantes 3408, 45 correspondentes ao valor locativo perdido.

Do acervo de factos provados resultou, e na parte que, aqui, releva, que:
a) Em 8 de Agosto de 1992 os Réus partiram o vidro da porta do armazém onde se introduziram, substituindo a fechadura;
b) No dia 10 seguinte a Autora substituiu a fechadura que os Réus tinham colocado;
c) Para obstar a novo esbulho, a Autora contratou os serviços de uma empresa de segurança deixando um empregado desta no interior do armazém;
d) Mais tarde, nesse dia, os Réus reocuparam o local, forçando a porta e afastando a segurança;
e) A partir de então a empresa de segurança passou a manter no interior do armazém dois empregados seus;
f) A Autora ficou privada de utilizar o armazém, na sequência de concurso público que lançara para aquisição de sistemas de energia eléctrica de emergência, destinados a serem instalados no armazém;
g) O valor locativo seria de 500 000$00 mensais;
h) Os Réus exibiram uma arma de fogo aos seguranças afirmando que a usariam contra quem se lhes opusesse.
i) Com os seguranças a Autora despendeu 2 445 143$00;
j) Em 28.01.1998 a Autora lançou um concurso público para aquisição e montagem de um equipamento informático;
k) Como consequência desse concurso, abriu outro concurso público para fornecimento de sistemas de energia eléctrica de emergência;
l) Tais equipamentos destinavam-se a ser instalados no armazém.

Deste quadro factico resulta claramente o nexo causal, quer naturalisticamente, quer de adequação legal, entre o despendido com os seguranças e o esbulho violento dos Réus.

Indubitavelmente que terão de os indemnizar daquele montante, face (além dos princípios gerais da responsabilidade extra contratual) ao disposto no citado artigo 1284.º, n.º 1 do Código Civil.

Quanto ao “quantum” atribuído a título de privação do locado, mantemos a posição, reiteradamente antes assumida, de que a mera privação de uso do prédio, impedindo embora o proprietário do gozo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição, nos termos do artigo 1305.º do Código Civil, só constitui um dano indemnizável se o dono (ou possuidor) alegar e provar a frustração de um propósito real, concreto e efectivo de proceder à sua utilização, os termos em que o faria e o que auferiria não fora a ocupação – detenção pelo lesante.

Ora, “in casu” foi alegado e provado, apenas, o valor locativo do armazém e que a Autora esteve privada do seu uso não podendo aí instalar equipamento de energia eléctrica de emergência, para cuja aquisição teve de lançar um segundo concurso público internacional.

Mas não se alegou ou provou o tal propósito de utilização imediata – por arrendamento ou similar contrato locativo – frustrado pela ocupação.

Mas teve seguramente custos com os sucessivos concursos públicos que teve de lançar, esses sim consequência directa do esbulho e, por isso, como se deixou dito, indemnizáveis.

Daí que só a indemnização pelo valor locativo não tenha lugar aqui, mas apenas as acima referidas (sendo a das despesas dos concursos a liquidar em sede executiva , por não apurado o seu “quantum”,mas sempre tendo como limite os 3.408,45 euros).

4- Conclusões

Pode, desde já, concluir-se que:
a) Cumpre às instâncias apurar a matéria de facto relevante para a solução do litígio, só a Relação podendo emitir um juízo de censura sobre o apurado na 1.ª instância.
b) Enquanto Tribunal de revista, com competência restrita à matéria de direito, só nos limitados termos do n.º 2 do artigo 722.º e do artigo 729.º, é consentido ao Supremo Tribunal de Justiça que intervenha em matéria de facto. A possibilidade de debater questões de facto perante este Tribunal confina-se ao domínio da prova vinculada.
c) O exercício, ou não, pela Relação dos poderes das alíneas a), b) e c) do n.º 1 do artigo 712.º do Código de Processo Civil é incensurável pelo Supremo Tribunal de Justiça sendo a respectiva decisão irrecorrível.
d) O Supremo Tribunal de Justiça, e salvo situações de excepção legalmente previstas, só conhece matéria de direito, sendo que, no âmbito do recurso de revista, o modo como a Relação fixou os factos materiais só é sindicável se foi aceite um facto sem produção do tipo de prova para tal legalmente imposto ou tiverem sido incumpridos os preceitos reguladores da força probatória de certos meios de prova.
e) A fundamentação das respostas aos quesitos – quer quanto aos provados, quer quando aos não provados – basta-se com uma explicação sucinta do “iter” lógico-dedutivo que levou à conclusão encontrada.
f) O princípio da livre apreciação das provas para a formação da convicção do julgador implica que na fase de ponderação decorra um processo lógico-racional conducente a uma conclusão sensata e prudente.
g) Mas esse processo, insondável e íntimo, não tem que ser transposto para a motivação, que se limita a elencar criticamente as provas consideradas credíveis.
h) Contra a falta ou a insuficiência da motivação reage-se com o incidente do n.º 4 do artigo 653.º Código de Processo Civil, também na Relação quando altera ou inova a base instrutória.
i) A nulidade da alínea b) do n.º 1 do artigo 668.º do Código de Processo Civil não se basta com uma justificação deficiente ou pouco convincente, antes impondo ausência de razões que levaram à opção final.
j) À nulidade da alínea d) do mesmo preceito subjaz o incumprimento do n.º 2 do artigo 660.º, irrelevando contudo o detalhar de meros argumentos ou razões jurídicos – factuais adjuvantes.
k) O pedido de indemnização em acção reivindicatória surge em acumulação real, com natureza autónoma, devendo ser alegados provados danos- uma vez que, ao invés da lide possessória (que pressupõe um ilícito – esbulho) a restituição não origina, só por si, a obrigação de indemnizar- além da culpa e da prática de acto ilícito.
l) Por força do disposto no n.º 1 do artigo 1284.º do Código Civil são indemnizáveis os prejuízos que sejam consequência do esbulho restando alegar e provar apenas o nexo de causalidade e o dano por já presentes o ilícito e a culpa.
m) A mera privação (de uso) do prédio esbulhado, impedindo, embora, possuidor do gozo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição (nos termos do artigo 1305.º do Código Civil) só constitui dano indemnizável se alegada e provada, por aquele a frustração de um propósito, real, concreto e efectivo de proceder à sua utilização, os termos em que o faria e o que auferiria, não fora a ocupação-detenção, pelo lesante.

Nos termos expostos, acordam conceder parcialmente a revista, condenando os Réus a indemnizar a Autora com 12.196,32 euros e respectivas juros, e a quantia que se liquidar em fase executiva-incidental correspondente aos gastos com os concursos para aquisição de materiais, esta até ao limite de 3.408,45 euros.

Custas na proporção do vencido a final.


Lisboa, 10 de Julho de 2008

Sebastião Póvoas (relator)
Moreira Alves
Alves Velho